打印全文
Proc. nº 464/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 7 de Março de 2019
Descritores:
- Despejo
- Obrigação do inquilino
- Prestação por terceiro

SUMÁRIO:

I – O depósito bancário do valor das rendas pelo inquilino na conta do anterior senhorio, mesmo conhecendo ele o actual, não tem carácter liberatório, face ao disposto nos arts. 759º e 760º, do Código Civil, se não estiverem reunidas as circunstâncias previstas neste último preceito.

II – E não tem carácter liberatório porque, com a aquisição da fracção pelo novo proprietário, e o seu conhecimento pelo devedor (inquilino), este deixou de estar obrigado perante o antigo senhorio (accipiens), mas sim perante o novo.

III – Se, em sede de recurso jurisdicional, vier a ser junto um documento de onde se extrai que o anterior senhorio efectuou ao actual a transferência bancária de 4 (quatro) das rendas que o réu lhe tinha depositado, isso pode ser entendido como um pagamento por terceiro (art. 757º, do CC).

IV – Contudo, esse pagamento não pode ser considerado já nesta sede jurisdicional, nomeadamente, para efeito do cálculo do valor das rendas em atraso, face à delimitação objectiva e material do recurso, tal como a estabelece o art. 589º do CPC.

Proc. nº 464/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, do sexo masculino, casado com B em regime de comunhão de adquiridos, empresário, de nacionalidade chinesa, residente em Macau, XXXXXX, titular do BIRPM nº XXXX emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação em 5/Maio/2014, ao abrigo da alínea a) do artigo 929º do Código do Processo Civil, ----
Instaurou acção especial de despejo no TJB (Proc. nº Cv2-17-0030-CPE) contra ----
C, do sexo masculino, empresário, de nacionalidade chinesa, com domicílio profissional em Macau, XXXXXX.
*
Na oportunidade, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, declarou resolvido o contrato de arrendamento e decretou o despejo do réu do locado, bem como no pagamento das rendas vencidas desde Novembro de 2016 até Junho de 2017, inclusive, no montante mensal de MOP$ 4.800,00, bem como nas vincendas após Junho de 2017 até efectiva entrega do locado, com excepção da do mês de Agosto desse ano, acrescidas dos juros respectivos.
*
Contra essa sentença foi interposto recurso jurisdicional pelo réu, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. O recorrente intentou a acção com fundamento do erro do reconhecimento de facto e do erro da aplicação da lei.
2. O tribunal a quo não reconheceu parcialmente provado o facto relatado no artigo 7º da contestação, o recorrente não está de acordo com isto.
3. Conforme os documentos 2 a 10 anexos na contestação, durante o período de Novembro/2016 a Julho/2017, pode-se ver que o recorrente tem depositado o valor de MOP$4.800,00 na conta bancária n.º 02-00-11-XXXXXX do Banco da China do D. O valor da quantia é igual com o valor da renda mensal do contrato de arrendamento apontado pelo facto assente D) da sentença recorrida.
4. Conforme os documentos acima referidos, bem como o facto assente F) da sentença recorrida, conjugado com o documento 1 anexo na contestação, pode-se perceber que o recorrente tomou de arrendamento a fracção sita em Macau, XXXXXX (doravante designada simplesmente por a “fracção”), tem vindo a efectuar mensalmente o pagamento de renda para o anterior proprietário D, através de transferência bancária para a sua conta n.º 020011XXXXXX do Banco da China.

5. Em consequência, o acto erradamente efectuado pelo tribunal a quo de não dar como provado o facto relatado no artigo 7º da contestação pertence ao erro notório no reconhecimento de facto, segundo os elementos de prova, nos termos do artigo 629º do Código de Processo Civil, o recorrente requer que dê como provado o facto relatado no artigo 7º da contestação - “Durante o período de Novembro/2016 a Julho/2017, o Réu tem efectuado pontualmente o depósito da renda mensal no valor de MOP$4.800,00 ao anterior proprietário D através de transferência bancária para a sua conta”.
6. A alínea O e a alínea S da sentença recorrida reconheceram que o recorrente não pagou a renda por período de Novembro/2016 a Junho/2017, condenou o recorrente a pagar ao recorrido a renda por período de Novembro/2016 a Junho/2017, no valor mensal de MOP4.800,00.
7. Salvaguardando o devido respeito, o recorrente não se adere a este reconhecimento da sentença recorrida quanto ao facto assente O e ao facto assente S, ao mesmo tempo, o recorrente também não concordou com o valor da renda (por aquele período) relatado na condenação daí resultante.
8. Segundo os factos assentes I, J, K, L e M da sentença recorrida, embora reconhecessem que depois da celebração da escritura pública de compra e venda, o anterior proprietário da fracção D levou o recorrido para a fracção em causa e disse ao recorrente a modificação do proprietário, mas não verificaram que no dia 25 de Outubro de 2016, o recorrente já teve o conhecimento claro do número da conta bancária do recorrido.
9. Segundo o facto assente R da sentença recorrida, as partes do contrato de arrendamento fixaram que o meio de pagamento da renda seria efectuado através do depósito na conta bancária designada pelo locador.
10. O recorrido sucede na posição do anterior proprietário D, além da modificação subjectiva, devendo as restantes cláusulas convencionadas no contrato serem mantidas, ao mesmo tempo, não devendo lesar o direito do locatário devido à modificação do estado do proprietário. Para a boa-fé e a estabilidade jurídica, cabe ao locador a ser responsável por notificar o locatário, a fim de que o locatário conheça a modificação do número da conta bancária para o pagamento da renda.
11. Nos termos do artigo 335º, n.º 1 do Código Civil, cabe ao recorrido fazer a prova dos factos de - em 25 de Outubro de 2016, o recorrido já informou ao recorrente, de forma clara, a modificação do estado de proprietário da fracção e o novo meio de pagamento da renda.
12. Não foram provados os factos relatados no artigo 10º e no artigo 11º da petição inicial do recorrido. Nesta situação, não foi provado o facto relatado no artigo 10º da petição inicial, “Em 25 de Outubro de 2016, o Autor foi de novo à fracção autónoma em causa para ter encontro com o Réu, a fim de entregar ao Réu o documento de Busca pedido por ele após a transferência da assinatura e as informações bancárias”. (sublinhado e carregado nosso)
13. Só foi provado o facto relatado no artigo 9º da petição inicial (a que corresponde o facto assente I da sentença recorrida), “No dia 25/0utubro/2016, depois da celebração de escritura pública, D levou o Autor para a fracção autónoma em causa e disse ao Réu que a mesma já foi vendida para o Autor”.
14. Conjugando o artigo 10º, o artigo II º e o artigo 9º (a que corresponde o facto assente I da sentença recorrida) da petição inicial, pode-se observar que, em 25 de Outubro de 2016, D ou outrem não informaram ao recorrente, naquele dia, as novas informações da conta bancária (ou seja, as informações da conta bancária do novo proprietário) para o pagamento da renda.
15. Em caso de o recorrente não teve conhecimento das informações da conta bancária do novo proprietário, segundo o meio de pagamento da renda convencionado no contrato de arrendamento, o recorrente apenas poderia depositar a renda na conta bancária n.º 02-00-11-XXXXXX do Banco da China designada pelo D. Pelo que o meio supracitado é o meio de pagamento convencionado pelo contrato de arrendamento.
16. Segundo o facto assente M, conforme o documento 4 anexo na contestação, antes da recepção da correspondência relatada no facto assente L em 8 de Janeiro de 2017, o recorrente já depositou, de forma pontual, a renda por período de Novembro/2016 a J aneiro/20 17 na conta bancária designada pelo anterior proprietário D, ao mesmo tempo, não podem verificar que antes do dia 25 de Outubro de 2016, o recorrente já teve o conhecimento claro da nova conta bancária destinada ao pagamento da conta, mesmo que efectuasse o pagamento da renda ao terceiro (ou seja, ao anterior proprietário), ao abrigo do artigo 760º, alínea f) do Código Civil, por remissão do artigo 577º, n.º 2 do mesmo código, quanto à renda depositada pelo recorrente na conta bancária do anterior proprietário D por período de Novembro/2016 a Janeiro/2017, deve-se considerar oponível ao novo proprietário, devem considerar-se que o recorrente já cumpriu a obrigação de pagar a renda ao novo proprietário.
17. Nesta situação, a sentença recorrida reconheceu que o recorrente não tem efectuado o pagamento de renda por período de Novembro/2016 a Janeiro/20 17 ao recorrido, padeceu de vício do erro no reconhecimento de facto, o recorrente requer que efectue a modificação dos factos assentes O e S. Com base no respectivo reconhecimento, o tribunal a quo condenou que o recorrente tinha que devolver ao recorrido a renda a contar desde Novembro/2016, a decisão do tribunal assim tem o erro na aplicação da norma do artigo 760º do Código Civil, o recorrente entende que só deve condenar o recorrido (sic) a pagar a renda por período de Fevereiro/201 7 a Junho/2017.
18. Segundo o facto assente U da sentença recorrida, “O Réu procedeu à transferência da renda do mês de Agosto de 2017 para a sua conta bancária n.º 17-01-10-XXXXXX do Banco da China, Sucursal de Macau”.
19. Conforme os documentos 1 e 2 anexos pelo recorrente nos autos em dia 16 de Outubro de 2017, demonstram que no dia 5 de Setembro de 2017 e no dia 4 de Outubro de 2017, o recorrente tem efectuado, de forma pontual, o depósito da renda do mês de Setembro/2017 e de Outubro/2017 na conta bancária do recorrido, respectivamente, além disso, em 6 de Novembro de 2017, por via da consignação condicional, o recorrente depositou directamente a renda do mês de Novembro/2017 na conta bancária do Banco Nacional Ultramarino, à ordem do tribunal.
20. Nos termos do artigo 566º, n.º 1 do Código de Processo Civil, deveria a nova situação correspondente ao caso ter sido reflectido no facto assente U da sentença recorrida, ou seja, deve-se reconhecer o facto de - “O recorrente efectuou o pagamento da renda por período do mês de Agosto a Outubro de 2017 para o recorrido através de transferência bancária para a sua conta n.º 17-01-10-XXXXXX do Banco da China, ao mesmo tempo, o recorrente tem efectuado o pagamento da renda do mês de Novembro de 2017, por via da consignação” .
21. Perante isto, na decisão que condenou o recorrente a pagar a renda, deve ser descontada, de forma expressa, a renda já paga pelo recorrente por período do mês de Agosto a Outubro de 2017.

Face ao expendido, e com ilustre opinião do MM.º Dr. Juiz, solicita ao Venerando Juiz do TSI que julgue dar provimento ao recurso do recorrente e revogar a sentença recorrida, decidindo:
1) Julgar parcialmente provado o facto relatado no artigo 7º da contestação;
2) Apenas condenar o recorrente a efectuar o pagamento da renda por período de Fevereiro/2017 a Junho/2017 ao recorrido;
3) Modificar o teor do facto assente U, descontar, de forma expressa, a renda já paga pelo recorrente por período de Agosto/2017 a Novembro/2017, no âmbito da renda condenada pelo tribunal recorrido.”
*
O autor/recorrido respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
“1. O objecto do recurso é apenas para condenar o Réu a pagar ao Autor as rendas já vencidas no valor mensal de MOP$4.800,00 por período de Novembro/2016 a Junho/2017 (incluindo o mês Novembro de 2016 e o mês Junho de 2017), e condenar o Réu a pagar ao Autor as rendas mensais, no referido valor, que se venceram e vençam após Junho de 2017 até efectiva entrega do locado, com excepção da renda de Agosto de 2017;
2. Como não atingiu na motivação do recurso a questão de depositar a renda em dívida e a compensação dentro do prazo de contestação, nestes termos, embora julgasse procedente a motivação do recurso (o que não nos parece), não alteram a decisão de resolução do contrato de arrendamento e de despejo. Nestes termos, o presente recurso não teria o efeito de obstar ao direito do recorrido de solicitar a execução imediata do despejo;
3. Quanto à pretensão do recorrente, como demonstram nos factos assentes, no dia 25/Outubro/2016, o recorrente bem sabia que o recorrido tomou-se no novo proprietário do bem locado, no entanto, o recorrente não reconheceu ao recorrido a qualidade de proprietário da fracção arrendada e recusou pagar a renda conforme o recorrido exigia;
4. Nos termos do artigo 752º, n.º 2 do Código Civil, “No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”. O recorrente bem sabia que a conta de transferência bancária pertenceu ao anterior proprietário em vez do recorrido;
5. Nestes termos, no contrato de arredamento acima referido, após a transmissão da posição do locador causada pela transmissão da propriedade, o recorrente, como locatário, não foi de todo possível, nem se devia depositar a renda na conta bancária do terceiro (ou seja, na conta bancária do anterior proprietário);
6. Segundo as regras da experiência, é fácil de perceber que poder concluir-se pela menor bondade em tudo o que o recorrente fez, mesmo que o recorrente tivesse recebido a correspondência apontada no facto assente K, o recorrente ainda efectuou o pagamento da renda para o anterior proprietário, através da transferência bancária para a sua conta;
7. Além disso, a cessão da posição contratual é diferente da cessão de créditos, nesta situação, não sendo de aplicar as normas relativas à cessão de créditos. Ainda que se considere ser aplicável, a título subsidiário, o artigo 577º do Código Civil, como o recorrente já foi notificado a modificação do proprietário do bem locado e o estado do novo proprietário, nesta situação, o recorrente não podia tirar proveito do respectivo pagamento em desfavor do recorrido;
8. Por um lado, o recorrente ficou ainda por provar que o recorrido consentiu que podia o recorrente continuar pagar a renda ao anterior proprietário, além disso, o recorrente não fez a ratificação quanto ao respectivo pagamento, por outro lado, o recorrido solicitou o recorrente a pagar a renda, demonstra que a vontade do recorrido é solicitar o pagamento directo da renda, no entanto, o recorrente recusou a solicitação do recorrido.
9. Nestes termos, o acto feito pelo recorrente de pagar a renda ao terceiro (ou seja, o anterior proprietário) não é de possível extinguir a obrigação de pagar a renda ao recorrido, com base nisso, o respectivo facto não tem nada relevância para o presente caso.
10. Além disso, desde o início, o recorrente não tratou o recorrido com uma atitude cooperativa e simpática, pelo que o recorrente não queria aceitar ou saber qualquer informação relativa ao novo proprietário.
11. Naquele momento, o recorrente recusou-se a cooperar com o recorrido, mas agora, o recorrente entende que o recorrido devia informar claramente ao recorrente o novo modo de pagamento da renda, ainda mais, cabe ao recorrente a ser responsável por ónus da prova, e depois, pretendeu que ele tem o direito de continuar o acto de depositar a renda na conta bancária do anterior proprietário, sem dúvida, o que o recorrente fez viola o limite admissível pela justiça, até surgindo o abuso do direito!
12. Como antes do dia 25 de Outubro de 2016, o recorrente já teve o claro conhecimento de que a propriedade do bem locado já foi transmitida ao recorrido, nesta situação, cabe ao recorrente a provar que ele já esgotou todo o meio mas não conseguiu obter a via destinada a efectuar o pagamento da renda ao recorrido. Só assim é que corresponde ao princípio do recorrente de exercer o direito com imparcialidade.
13. Para além destes, ainda que o recorrente não conhecesse como se pagar a renda ao recorrido, podia o recorrente, de qualquer maneira, depositar a renda mensal na conta bancária aberta exclusivamente para esse fim, e já não assim como pretendido pelo recorrente - o recorrente continuou transferir a renda para a conta bancária do anterior proprietário, pelo que sem dúvida, o acto supracitado não pertence ao acto de cumprir a obrigação com boa fé.
14. Nestes termos, durante o período de Novembro/2016 a Janeiro/2017, o recorrente não pagou a renda ao recorrido, nesta situação, o facto assente O e o facto assente S não padecem de qualquer vício.
15. Com base nisso, ainda que o recorrente pagasse a renda por Outubro/2017 e as rendas posteriores, no entanto, no dia 27/09/2017, como o recorrente conheceu que o recorrido recusou o recebimento das rendas ou alugueres seguintes, nesta situação, para todos os efeitos, as quais são consideradas em dívida e por isso, o recorrente deve pagar os respectivos juros de mora.
Face ao expendido, deve-se julgar improcedente a motivação do recurso, mantendo a sentença a quo.
Para além disso, como o objecto do recurso não se abrange a decisão de resolução do contrato de arrendamento e de despejo, devendo na pendência do respectivo recurso, passar mandado para a execução do despejo, nos termos do artigo 935º do Código de Processo Civil.
Fazendo a habitual justiça!”
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
A)
O Réu tomou de arrendamento a fracção autónoma sita em Macau, XXXXXX, para servir de oficina, por acordo celebrado no dia 1/Julho/2016.
B)
A fracção arrendada encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXXXX.
C)
O arrendamento foi celebrado pelo prazo de dois anos, que começa em 1/Julho/2016 e termina em 30/Junho/2018.
D)
A renda mensal é de MOP4,800.00 (quatro mil e oitocentas patacas).
E)
Nos termos da cláusula oitava do contrato de arrendamento, os assuntos omitidos no mesmo são regulados por lei ou conforme os usos.
F)
Desde a entrada em vigor do contrato de arrendamento, o Réu tem vindo a efectuar mensalmente o pagamento de renda para o então proprietário D através de transferência bancária para a sua conta nº 020011XXXXXX do Banco da China, Sucursal Macau.
G)
Posteriormente, D vendeu a referida fracção para o Autor, através da escritura pública de compra e venda celebrada no dia 25/Outubro/2016.
H)
O facto da aquisição acima mencionado pelo Autor ficou registado na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXXXX.
I)
No dia 25/Outubro/2016, depois da celebração de escritura pública, D levou o Autor para a fracção autónoma em causa e disse ao Réu que a mesma já foi vendida para o Autor.
J)
O Réu não reconheceu ao autor a qualidade de proprietário da fracção arrendada e recusou pagar a renda conforme o Autor exigia.
K)
Por isso, o Autor exigiu ao Réu, por carta, para que lhe transferisse mensalmente as rendas para a sua conta bancária nº 17-01-10-XXXXXX do Banco da China, Sucursal Macau.
L)
O Autor disse ainda na mesma carta ao Réu que o dever de pagamento de renda de locatário não se considera cumprido caso se efectuar a pessoas alheias ao Autor e, para além disso, expressou claramente que vai denunciar unilateralmente o contrato ao abrigo dos artigos 1038º e 1039º do Código Civil, ou seja, não haverá lugar à renovação automática do contrato após o seu termo.
M)
O Réu assinou a recepção dessa correspondência no dia 9/Janeiro/2017.
N)
Sabendo claramente que tinha sido transferido para o Autor o direito de propriedade da fracção em causa, o Réu continuou, até à entrada da petição inicial em Juízo, a não transferir directamente as rendas mensais para a conta bancária indicada por aquele.
O)
Por isso, até à entrada em juízo da P.I., o Réu nunca chegou a efectuar o pagamento de qualquer renda mensal para o novo proprietário, ou seja, o Autor.
P)
A cláusula quinta do contrato de arrendamento em causa impede que o locatário tenha dívidas de renda, sob pena da perca da renda efectuada a título de caução, passando integralmente na posse do locador, gozando ainda este o direito de exigir, a qualquer momento, a restituição da fracção.
Q)
De acordo com a cláusula primeira do contrato de arrendamento em causa, o pagamento da renda mensal faz-se no primeiro dia do próprio mês.
R)
Para além disso, embora o local de prestação não esteja prevista no contrato de arrendamento, o Réu tinha vindo a efectuar transferências para a conta bancária do proprietário anterior porque ambos chegaram a acordar sobre a forma de pagamento da renda mensal através de transferências para a conta bancária indicada pelo proprietário.

S)
Desde Novembro/2016 até à entrada da petição inicial em juízo, o Réu ainda não efectuou pagamento de rendas mensais ao Autor.
T)
O Réu chegou a manifestar que não reconhecia a qualidade de proprietário do Autor.
U)
O réu procedeu à transferência da renda do mês de Agosto de 2017 para a sua conta bancária nº 17-01-10-XXXXXX do Banco da China, sucursal de Macau.
***
III – O Direito
1. Está, unicamente, em causa no presente recurso o montante das rendas em dívida ao autor.
A sentença considerou que estavam em dívida as vencidas entre os meses de Novembro de 2016 e Junho de 2017.
O recorrente sustenta que se deve aceitar como provada a matéria do art. 7º da contestação e se alterem os factos assentes nas alíneas O, S e U da “Especificação”. Além disso, defende que não pode considerar-se devedor de todas essas rendas.
Vamos por partes.
*
Quanto ao facto do art. 7º da contestação, o que está consignado é que o réu apenas fez o depósito na conta do anterior proprietário. Isso está, em termos gerais, dado por assente na matéria da alínea R) dos factos provados. Pretende, no entanto, o recorrente que fique consignado que esse depósito corresponde às rendas de Novembro de 2016 a Julho de 2017.
Sim. Isso pode dar-se por provado, porque resulta de prova documental oferecida com a contestação e cuja veracidade não foi posta em causa pelo autor.
Assim, dar-se-á por assente, na alínea U, o seguinte:
O réu procedeu ao depósito das rendas dos meses de Novembro de 2016 a Julho de 2017 na conta do anterior proprietário e à transferência da renda do mês de Agosto de 2017 para conta bancária nº 17-01-10-XXXXXX do Banco da China, em Macau.
*
Quanto à matéria das alíneas O e S não há motivo para alteração, pois o seu conteúdo corresponde exactamente à verdade. Porque não se duvide que o réu/recorrente não efectuou o pagamento da renda mensal ao novo dono após a aquisição do locado por este, que é o autor.
O que o recorrente afirma é que as pagou, como sempre, na conta do anterior proprietário, por desconhecer a mudança de proprietário.
No entanto, esta impugnação não pode proceder. O que está provado nos autos é que no dia 25/10/2016 o anterior proprietário levou o novo proprietário ao locado para dizer ao recorrente que a fracção foi alienada a este novo dono (facto I), mas que o recorrente não reconheceu a este dono a qualidade de proprietário (facto J).
Mais: Provou-se ainda que o autor da acção, ora recorrido, exigiu por carta dirigida ao recorrente (cujo aviso de recepção foi assinado em 9/01/2017) para que passasse a transferir o valor das rendas para a sua conta bancária nº 17-01-10-XXXXXX do Banco da China (facto K). Mesmo assim, o recorrente não fez o pagamento das rendas até à entrada da petição na referida conta (facto 0).
Ora, isto significa que a matéria provada desmente a tese do recorrente. Quer dizer, o recorrente sabia a identidade do novo proprietário. E se, eventualmente, tivesse intenção de pagar ao novo locador deveria tudo fazer para, naquela ocasião (25/10/2016) acertar com ele a forma de a pagar. Mas tal não aconteceu por ele não ter reconhecido ao recorrido a qualidade de proprietário da fracção, conforme se viu.
Não vê este TSI motivo para não acolher a prova efectuada na 1ª instância, e o recorrente não fornece elementos suficientes que suportem a sua tese, ou contrariem os factos dados por assentes.
*
2. A pretensão do recorrente sobre a matéria de facto tinha por objectivo que a condenação seja limitada ao período posterior a Julho de 2017, excluído o mês de Agosto desse ano, por o ter já pago ao novo senhorio.
Em todo o caso, esse facto, tal como vimos e iremos consignar, não será apto a alterar o sentido da decisão tomada. Com efeito, esse depósito na conta do anterior proprietário não tem a virtualidade de extinguir a obrigação do locatário perante o novo proprietário. A prestação obrigacional do inquilino deveria ser efectuada perante o novo locador, desde o momento em que conhecia a sua identidade e o meio de pagamento por ele estabelecido, como já visto acima. Só assim a sua obrigação se poderia dar por cumprida (art.983º, al. a), do CC), face à transmissão da posição de locador (art. 1004º, do CC).
*
3. O recorrente, já depois do recurso interposto (fls. 258), veio apresentar um requerimento acompanhado de um documento. Este documento consiste numa cópia da contestação apresentada pelo anterior proprietário no âmbito de uma acção contra ele instaurada pelo aqui recorrente com vista à devolução das rendas que indevidamente lhe havia pago (em vez de as pagar ao aqui recorrido), e em que o ali contestante reconhece haver recebido 9 rendas de Novembro de 2016 a Julho de 2017, 4 das quais transferiu para o aqui recorrido. A intenção do recorrente é, portanto, a de mostrar nos autos que, afinal, não deve todas aquelas rendas objecto da condenação contida na sentença impugnada.
Trata-se de parte de matéria que já havia sido alegada na contestação, particularmente a que se refere ao depósito das rendas dos meses de Novembro de 2016 a Julho de 2017 na conta do anterior senhorio.
Quanto a esse pagamento, a sentença negou que tivesse qualquer relevância, invocando o disposto nos arts. 759º e 760º do Código Civil. E não tem.
Quanto a esse aspecto, efectivamente, como foi efectuado na conta bancária do anterior senhorio, é um depósito em princípio ineficaz em relação ao actual (autor da acção/recorrido). Mesmo que intencionalmente fosse feito para se livrar das consequências do não pagamento das rendas, ele não é, automaticamente, liberatório, como já se disse.
Tal depósito foi feito a terceiro e o recorrente sabia isso muito bem, face à matéria provada. Portanto, se aquilo que pagou poderia ter essa finalidade, certo é que se tratou de um pagamento (indevido) à pessoa errada, que não pode ter o propósito de servir como realização da prestação a favor do verdadeiro credor (cfr. art. 759º).
Na verdade, com a referida transacção e o seu conhecimento pelo inquilino, o recorrente (devedor) deixou de estar obrigado perante o accipiens (antigo senhorio), mas sim perante o recorrido (novo proprietário/credor). O pagamento feito a esse terceiro só desoneraria o devedor, isto é, só seria liberatório, nas circunstâncias previstas no art. 760º do Código Civil. Mas, realizada a notificação determinada pelo relator sobre a informação de fls. 258-259, a resposta de fls. 277-282 não nos deixa nenhuma margem para integrar o caso em qualquer das alíneas do preceito, nomeadamente aquela que se refere ao “consentimento” (al. a)) ou à “ratificação” (al. b)).
No que se refere às restantes causas liberatórias do art. 760º (v.g., a da alínea d)) não podem ser aqui consideradas no âmbito do recurso jurisdicional, tendo em conta a natureza deste e o âmbito da delimitação objectiva da impugnação (art. 589º, do CPC; Ac. do TSI, de 25/06/2015, Proc. nº 359/2015). Com efeito, Os recursos jurisdicionais são meios específicos de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova e, por tal motivo, e em princípio, não se pode tratar neles questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, exceptuando as questões novas que sejam de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado. Ou seja, o recurso tem, por via de regra, um carácter de revisão ou reponderação e não uma natureza necessariamente de reexame (Ac. do TSI, de 16/07/2015, Proc. nº 266/2015; Ac. do STJ, de 12/12/1995, in CJ/STJ, III, pág. 156; Na doutrina, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V, pág. 310; Castro Mendes, Recursos, edição AAFDL, 1980, pág. 28).
Portanto, andou bem a sentença em não relevar esse depósito para os efeitos do presente processo.
-
E quanto ao reenvio de 4 dessas rendas que o antigo senhorio fez para o actual (autor/recorrido) através de transferência bancária? Que repercussão ele terá na presente causa?
Essa é matéria nova que o recorrente (réu) invoca e pretende provar documentalmente através de cópia de uma contestação apresentada em acção instaurada pelo autor C (reu e recorrente nos presentes autos) em que ele declara ter recebido, por depósito ou transferência bancária, 9 rendas relativas ao locado desde Novembro de 2016, das quais transferiu para o ora autor (recorrido) quatro, por achar que elas não lhe pertenciam.
Pois bem. Esta questão das 4 rendas é diferente do tema anteriormente abordado. É verdade, elas não pertencem ao recebedor. Mas ele em relação ao credor é mero terceiro (art. 757º, do CC). Portanto, o que o terceiro fez foi pagar ao credor a prestação correspondente ao montante de 4 rendas.
Ora, os efeitos que decorrem desse pagamento – que o credor não aceita expressamente, conforme resposta de fls. 277 e sgs. a que aludimos já – não podem ser apreciados no quadro do recurso, pelas mesmas razões que já acima expusemos, com referência ao art. 589º do CPC, aqui também aplicável.
E por outro lado, também já não se vê que possa a 1ª Instância, no presente processo, analisar os efeitos desse pagamento, porquanto, com a sentença por ela proferida, se mostra esgotado o poder jurisdicional do julgador (art. 569º, do CPC).
Assim sendo, apenas nos cabe rematar dizendo que se terá criado aqui uma situação que escapa ao espaço e desfecho dos presentes autos e que pode futuramente, mas noutra sede, vir a envolver o antigo e o novo senhorio em sede de repetição do indevido a que se refere o art. 470º, nº2, do Código Civil. Não aqui!
***
IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso, e em consequência:
- Alterar a matéria da alínea U dos factos dados por provados na sentença, que passará a ter a seguinte redacção:
O réu procedeu ao depósito das rendas dos meses de Novembro de 2016 a Julho de 2017 na conta do anterior proprietário e à transferência da renda do mês de Agosto de 2017 para conta bancária nº 17-01-10-XXXXXX do Banco da China, em Macau.
- Negar provimento ao recurso na parte restante.
Custas pelo recorrente.
T.S.I., 7 de Março de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong




464/2018 16