Proc. nº 1060/2017
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 21 de Fevereiro de 2019
Descritores:
- Reagrupamento familiar
- Princípio da proporcionalidade
- Fundamentação
SUMÁRIO:
I - O reagrupamento familiar a que se refere o art. 8º, nº1, da Lei nº 4/2003, ainda que o conceito não esteja definido no diploma, visa dar resposta a um direito universal, que é o de qualquer cidadão, depois de constituir família, a poder manter.
II - Ao instituto do reagrupamento familiar não pode ser estranha, salvo a interferência de alguma circunstância especial, a ideia de junção de elementos familiares, de reunião, de comunhão de vida, de residência comum e de coabitação com carácter de habitualidade.
III - Só em caso de erro muito grosseiro, ostensivo ou manifesto no uso dos respectivos poderes, pode o tribunal sindicar a actividade discricionária da entidade competente que denegue a autorização de residência, no âmbito da apreciação do princípio da proporcionalidade, sob pena de estar a fazer administração activa.
IV - A fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do tipo legal de acto e em razão das circunstâncias de cada caso concreto, de cada procedimento, de cada acto, sendo suficiente se, perante um certo conjunto de factores, for possível ficar a saber-se por que se decidiu num sentido e não noutro, de forma que o interessado, discordando do acto, o possa impugnar sem qualquer limitação, nem constrangimento, quanto às razões da discórdia.
Proc. nº 1060/2017
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I - Relatório
B, do sexo masculino, titular do passaporte do Reino do Nepal n.º 08******, titular do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente da RAEM n.º 16***** (6), com residência na fracção ... do Edifício ...... Lau da Rua do ......, n.º ...,
Recorre contenciosamente da decisão proferida em 6/09/2017 pelo Secretário para a Segurança, de indeferimento do pedido formulado em 23/03/2017 no sentido da autorização de residência com fundamento em reagrupamento familiar.
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Na petição inicial, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
“1. A entidade recorrida deve medir o preenchimento da finalidade de “reagrupamento” através da consideração sobre o facto de “No caso do assentimento da condição pessoal do casal. se nesta situação o casal tenha uma vontade de manter a relação conjugal e tenha praticado os actos justificados”.
2. Da “coabitação conjugal” se conclui razoavelmente o preenchimento da finalidade de “reagrupamento” do recorrente, porém, na verdade, o “reagrupamento” não tem o modelo único, desde que o acto mostre a vontade de manter a relação conjugal e que o mesmo acto seja aceite pela generalidade das pessoas, deve ser reconhecido o preenchimento da finalidade de “reagrupamento”.
3. A decisão recorrida tem o erro na aplicação da lei, viola as normas do artigo 9º, n.º 2, alínea 3) da Lei n.º 4/2003.
4. No entanto, a entidade recorrida entende que, em qualquer dos casos, apenas o modo de “coabitação conjugal” que pode preencher a finalidade de “reagrupamento”.
5. Na realidade, esta solicitação impõe uma tarefa difícil às famílias de má condição, além disso, esta solicitação não é uma solicitação necessária.
6. Como a entidade recorrida não considerou a condição do recorrente, por isso, a solicitação que exige a “coabitação conjugal” do recorrente viola o princípio da proporcionalidade.
7. O despacho recorrido tem o erro notório no exercício do poder discricionário e viola o princípio da proporcionalidade.
8. O despacho recorrido não fez os actos mais básicos de enumerar as causas com clareza nem aclarou compreensivelmente o conteúdo à generalidade das pessoas, isto é, pelo menos, o despacho recorrido tem que interpretar o entendimento de “Apenas o modo de “coabitação conjugal” corresponde à tinalidade de “reagrupamento”” ao recorrente, pois a mera indicação de tomar em conta de uma cláusula não equivale à interpretação ou à fundamentação de facto.
9. O despacho recorrido não faz a generalidade das pessoas a conhecer a causa da falta de conformidade da lei, existe assim no despacho a insuficiência da fundamentação, ou seja, equivale à falta da fundamentação, além disso, a informação não foi anexa na notificação, nestes termos, nos termos do artigo 124º do mesmo código, deve-se anular o acto.
Face ao expendido, requer o MM.º Dr. Juiz que decida, nos termos da lei:
(1). A decisão recorrida tem o erro na aplicação da lei, viola o artigo 9º, n.º 2, alínea 3) da Lei n.º 4/2003, deve-se alunar a decisão recorrida.
(2). O despacho recorrido tem o erro notório no exercício de poder discricionário, viola o princípio da proporcionalidade, deve-se alunar a decisão recorrida.
(3). Devido à insuficiência de fundamentação do despacho recorrido, deve-se alunar a decisão recorrida”.
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Na sua contestação a entidade pugnou pela improcedência do recurso.
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O recorrente apresentou alegações, reiterando no essencial a posição inicialmente manifestada nos autos.
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Apenas a recorrente apresentou alegações facultativas, formulando as seguintes conclusões:
“1. A entidade recorrida devia ter apreciado se está satisfeita a finalidade de “reunião”, tendo como critério “se o casal já tem a vontade de manter a relação conjugal e acções razoáveis, quando as situações pessoais o permitem.”
2. A partir de “viver em conjunto de forma conjugal”, pode-se tirar a conclusão de forma razoável que o caso do requerente satisfaz a finalidade de “reunião”; no entanto, isto não é o único modelo para a “reunião” - desde que se demonstram acções para manter a relação conjugal, que são aceites por uma pessoa ordinária, pode-se entender que está preenchida a finalidade de “reunião”.
3. A decisão recorrida aplicou erradamente a lei, e violou o art.º 9.º, n.º 2, alínea 3) da Lei n.º 4/2003.
4. Na opinião da entidade recorrida, em todo o caso, deve estar presente o modelo de “viver em conjunto de forma conjugal”, para que se mostre satisfeita a finalidade de “reunião”.
5. Isso é uma exigência demasiada para uma família de situação ou condições não muito boas, é uma exigência desnecessária.
6. A entidade recorrida não considerou a situação do recorrente, em exigir que o recorrente devesse “viver em conjunto de forma conjugal”, violou o princípio de proporcionalidade.
7. Ao exercer o poder discricionário, o despacho recorrido cometeu erro evidente e violou o princípio de proporcionalidade.
8. O despacho recorrido nem conseguiu enumerar claramente as razões, nem explicou para que uma pessoa ordinária consiga entender, o que é o mais básico dos básicos; no mínimo, sempre devia ter explicado a razão pela qual entendia que só quando “se vive em conjunto de forma conjugal” é que está satisfeita a finalidade de reunião; indicou simplesmente que tinha levado em conta um artigo de lei, mas isso não equivale a dar uma explicação ou fundamentação.
9. O despacho recorrido não fez com que se soubesse porque não se mostrava conforme a lei, e a fundamentação era insuficiente, o que equivale a falta da fundamentação; além disso, o relatório não está anexado na notificação, pelo que nos termos do art.º 124.º do mesmo Código, se deve anular o acto em causa.”
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“Constitui objecto do presente recurso contencioso o despacho de 06 de Setembro de 2017, da autoria do Exm.º Secretário para a Segurança, através do qual foi denegado o pedido de renovação da autorização de residência, na Região Administrativa Especial de Macau, formulado pelo recorrente B.
Vêm imputados ao acto os vícios de violação de lei por ofensa dos artigos 9.º, n.º 2, alínea 3), da Lei 4/2003, violação do princípio da proporcionalidade e falta de fundamentação.
Está essencialmente em causa o seguinte:
O recorrente, tendo casado com C, residente permanente de Macau, obteve autorização de residência em 22 de Abril de 2016, com validade de um ano, renovável, para possibilitar a reunião e a residência com a esposa em Macau. Na instrução do pedido de renovação, a entidade policial apurou que não havia coabitação e vivência conjunta dos cônjuges, e que as respectivas famílias até desconheciam o casamento. Face ao conjunto de indícios apurados, em que pontuava a falta de coabitação, foi indeferido o pedido de renovação da autorização de residência.
Posto isto, passemos aos vícios, começando pela alegada violação do artigo 9.º, n.º 2, alínea 3), da Lei 4/2003.
O recorrente acha que a finalidade do pedido de reagrupamento tem por fito possibilitar a residência permanente em Macau e proporcionar o estreitamento da relação entre as partes (casal). E argumenta que, quer escolham a coabitação, quer arranjem outra forma de convivência, o que importa é que o casal tenha vontade de manter a relação. Ao não entender assim, e fazer a exigência de uma efectiva coabitação, o despacho recorrido teria violado aquele inciso legal.
Não creio que seja bem assim.
É claro que as pessoas podem estar casadas e viver ou permanecer em locais distintos, mais ou menos próximos, encontrando-se a espaços, sem que isso seja impeditivo da vontade de manter a relação conjugal.
Mas essa vontade, sendo o que mais importa, na visão do recorrente, não é suficiente para justificar a autorização de residência, ainda para mais numa região administrativa em que o direito de residência e os seus efeitos se aproximam muito do estatuto normalmente conferido pela nacionalidade. Se fosse assim, qualquer pessoa casada com um residente de Macau, desde que afirmasse a intenção de manter a relação, acederia quase automaticamente ao estatuto de residente de Macau, independentemente do ponto do globo onde residisse e tivesse o seu centro de vida e interesses.
Não obstante a discricionariedade do poder de conceder autorização de residência, a lei dirige algumas directivas de ponderação ao decisor, tais como, entre outras, a de atender às finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade - artigo 9.º, n.º 2, alínea 3), da Lei 4/2003. Tendo a autoridade administrativa decisora atribuído a autorização de residência à luz da finalidade de reunião/coabitação familiar justificada pelo casamento, como bem resulta dos autos, essa finalidade tem que perdurar, nos termos do artigo 22.º, n.º 2, do Regulamento n.º 5/2003, por ocasião da renovação da autorização. E o que a autoridade decisora constatou é que esse requisito não perdurava.
É certo que o recorrente contesta a visão ou o conceito de relação conjugal que presidiu ao acto impugnado. Mas não é menos exacto que a autorização não se fundou propriamente na mera existência de relação conjugal, mas sim na reunião familiar.
Ora, se ele foi autorizado a residir em Macau com esse fundamento e não coabita com a mulher, tão pouco conjuga com esta esforços e despesas em prol do lar e não partilha com ela um círculo de vivências e interesses, o que o próprio acaba por admitir, parece óbvio o esvaziamento do pressuposto em que se ancorou a autorização.
Não se descortina, pois, a aventada violação do artigo 9.º, n.º 2, alínea 3), da Lei 4/2003, pelo que improcede este fundamento do recurso.
No que tange ao princípio da proporcionalidade, é sabido que, como corolário do princípio da justiça, obriga a que as decisões administrativas que colidam com direitos e interesses legítimos dos particulares apenas possam afectar as posições destes na justa medida da necessidade reclamada pelos objectivos a prosseguir, não se podendo falar de desrazoabilidade quando a actuação administrativa é adequada à prossecução do interesse público que lhe cabe salvaguardar e desde que o sacrifício do interesse particular encontre justificação na importância do interesse público a salvaguardar.
Pois bem, como se sabe, Macau é um território minúsculo, em cuja península se abriga uma das maiores densidades populacionais do mundo e onde o direito de residência confere um estatuto equiparável, em certo sentido, ao de nacionalidade. Neste contexto, é natural que haja alguma contenção na concessão de autorizações de residência, compreendendo-se que, nessa matéria, eminentemente discricionária, a primazia vá para os casos cujas finalidades se revelam mais prementes, à luz do interesse da Região Administrativa Especial de Macau e dos seus residentes, de que é exemplo o caso das reuniões familiares. Se a finalidade do pedido não integra afinal uma dessas situações mais prementes, como veio a constatar-se, no caso, de harmonia com os critérios valorativos da Administração, a supremacia conferida ao interesse público é perfeitamente aceitável, no confronto com o interesse do particular que almeja obter residência em Macau.
Não se divisa, pois, qualquer afronta ao princípio da proporcionalidade nem qualquer desrazoabilidade na exercitação do poder discricionário.
Soçobra também este fundamento do recurso.
Por fim, vem invocada a insuficiência da fundamentação.
Em matéria de fundamentação, o artigo 115.º do Código do Procedimento Administrativo prescreve que ela deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto, equivalendo à sua falta a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
A partir deste inciso legal, a doutrina e a jurisprudência vêm apontando a relatividade do conceito e vincando que o que importa é que, perante o acto, um destinatário médio fique inteirado da motivação da decisão, das razões que levaram a Administração a decidir da forma como decidiu e não doutra.
Pois bem, embora se conceda que a fundamentação do acto se apresenta parcimoniosa e algo conclusiva, é inegável que o recorrente apreendeu inteiramente os motivos e razões, de facto e de direito, que estão na base da decisão. Desta forma, resulta cumprida a função primordial da fundamentação.
Não há razões, também deste prisma, para anular o acto.
Termos em que, ante a improcedência dos invocados vícios, o recurso não merece provimento.”
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Inexistem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1. No dia 22 de Abril de 2016, o Secretário para a Segurança concedeu a autorização ao recorrente quanto ao seu pedido de residência em Macau, para que ele pudesse reunir-se com a sua mulher.
2. No dia 23 de Março de 2017, o recorrente apresentou à Polícia de Segurança Pública o pedido da renovação da autorização de residência.
3. Após investigação, foi verificado que o recorrente e a sua mulher não coabitaram no domicílio declarado e que a mulher, normalmente, coabitou noutro domicílio com a filha dela e a família da irmã mais velha dela.
4. Pelo Serviço de Migração foi prestada a seguinte Informação (Nº2 300082/CESMNREN/2017P
Assunto: Informação Suplementar do Pedido de Renovação da Autorização de Residência
N.º: 300082/CESMREN/2017P
Data: 24/07/2017
1. Em 23 de Março de 2017, o senhor B pediu a renovação da autorização de residência, formulámos a informação n.º 201071/CESMREN/2017P; o nosso Serviço propôs indeferir o pedido referido.
C.P.S.P.
SERVIÇO DE MIGRAÇÃO
Fotocópia extraída do processo
2. No dia 3 de Julho de 2017, segundo a conclusão da averiguação de visitas domiciliárias, há fortes índices de o requerente não ter coabitado de forma conjugal com o cônjuge, por isso, aparentemente, esta situação não está em conformidade com os elementos para a finalidade da autorização de residência (reagrupamento conjugal), mostram que o requerente não coabita com o cônjuge em Macau, nestes termos, segundo as normas do artigo 93º e do artigo 94º do Código do Procedimento Administrativo, nós notificamos oficialmente ao requerente o parecer lavrado pelo departamento, na forma de “audiência escrita”; o requerente pode manifestar a sua posição por escrito no prazo de 10 dias a contar do dia seguinte ao da recepção da presente notificação, vide a informação n.º 201071/CESMREN/2017P. (P. 114).
3. No dia 7 de Julho de 2017, o requerente entregou o seguinte documento ao departamento, por via do cônjuge:
- A declaração do cônjuge do requerente, com frases de “…… Por ter recebido a notificação da autoridade, a autoridade duvidou que a relação conjugal entre esta pessoa C C e o cônjuge B é falsa, como declarantes, o casal ora vai declarar e cumprir as responsabilidades legais, para garantir a autenticidade da declaração. As partes conheceram-se no ano de 2013, e depois, tornaram-se namorados e mudaram para a actual casa de morada desde o ano de 2014 até agora. Dentro do prazo, as partes viveram como namorados, o proprietário da fracção e os vizinhos podem verificar o facto acima referido. No ano de 2015, as partes casaram-se, após o casamento, as partes também viveram na casa de morada supracitada e não mudaram. A vida conjugal posterior ao casamento é normal, as partes efectuaram a comparticipação dos encargos da família e juntaram-se com os seus amigos, sem modificações. Como esta pessoa, C C, tem uma filha do anterior casamento, a filha sofreu, de algum nível, os impactos e traumas psicológicos gerados pelo anterior casamento frustrado, por isso, a filha está psicologicamente frágil, falta-se sempre a segurança e a confiança. Ao mesmo tempo, quando casei com o requerente, naquela altura, a filha estava na tenra idade e no período rebelde, e preparou-se para o ensino secundário complementar, a fim de não afectar severamente o estado psicológico da filha, depois de conferenciar com o requerente, nós decidimo-nos a não avisar o casamento à filha, deixamo-nos para notificar à filha a noticia de casamento após a conclusão do ensino secundário complementar da filha. Durante este período, o cônjuge, ou seja, o requerente, manteve um trato no estado de “o bom amigo da mãe” com a filha. Além disso, como eu tive que trabalhar por turno, com a intenção cuidar bem da filha, decidi que a filha e o requerente residiram de forma separada, a filha residiu na fracção dos meus pais, por mim, às vezes, eu residi na fracção dos meus pais, outras vezes, na fracção do requerente. No início, o requerente opôs-se à minha sugestão supramencionada, mas felizmente, o requerente compreendeu as minhas dificuldades e proporcionou os apoios. Assim sendo, causando as dúvidas quanto à relação conjugal entre o requerente e esta pessoa CC, eu peço imensa desculpa. Devido ao meu motivo pessoal, o requerente sofre as perturbações, quer no aspecto de residência quer no aspecto de trabalho, eu compunjo-me muito, quanto à compreensão e ao apoio do cônjuge, nomeadamente, o requerente sempre presta particular atenção ao crescimento saudável da filha, eu agradeço muito. Eu declaro aqui que a relação conjugal entre esta pessoa e o requerente não é falsa, desejo que a autoridade dê compreensão……” (vide a declaração) (P. 113)
4. Segundo mostram os registos transfronteiriços, dentro do prazo de 3 meses passados (desde o dia 22 de Abril de 2017 até ao dia 24 de Julho de 2017), o requerente e o cônjuge residiram em Macau de 94 dias. (P. 106-112)
5. Segundo a notificação do Comissariado de Investigação, na averiguação, promoveram a inquirição do requerente, do homem (da nacionalidade nepalês) coabitado com requerente, do cônjuge do requerente e da irmã mais velha do cônjuge do requerente, concluindo os alegados da seguinte forma: A. Devido à relação de trabalho, o requerente e o cônjuge conheceram-se na primeira quinzena do ano de 2013, 1 ano depois, as partes tomaram-se namorados, na segunda quinzena do ano de 2015, o cônjuge do requerente pediu o casamento com o requerente.
B. O cônjuge do requerente tem que cuidar da filha do anterior casamento, por isso, o cônjuge veio a Macau com o salvo-conduto de via única e começou a viver com a irmã mais velha.
C. As partes mantêm a autonomia financeira após o casamento, no momento de o requerente e o cônjuge gozam do mesmo horário e de o cônjuge não tem que cuidar da filha, o cônjuge vai pernoitar na residência do requerente, por 4 a 6 vezes, de casa mês.
D. Após o casamento, o requerente nunca participou em quaisquer festas familiares do cônjuge, outrossim, os agregados familiares do cônjuge não conheceram o casamento entre as partes. Além disso, há muitas fotos e vários registos de chamada telefónica nos telemóveis do requerente e do cônjuge, como as partes não gozam dos colegas de trabalho comum, por isso, o comissariado é incapaz de indagar a relação entre o requerente e o cônjuge. Segundo a análise quanto à exposição no endereço de residência do requerente e no endereço de residência do cônjuge (que conviveu com a irmã mais velha), há fortes índices de o requerente não ter coabitado de forma conjugal com o cônjuge. (vide a notificação n.º 1090/2017/C.I.) (P. 118-177)
6. Analisando sinteticamente os factos do presente caso, encontraram após a averiguação que, (1): Moram apenas o requerente e outro homem da nacionalidade nepalês no foco declarado do requerente, além disso, há poucos vestuários e artigos de uso diário do cônjuge no quarto, não há nenhuns produtos femininos de uso diário na casa de banho, ainda mais, os sapatos casuais que pertencem ao cônjuge do requerente são cobertos pelas cinzas; (2) O cônjuge do requerente conviveu com a irmã mais velha, há vestuários e artigos que pertencem ao cônjuge do requerente na fracção; (3) O cônjuge do requerente residiu com a irmã mais velha na fracção dos pais desde o ano de 2007 até agora; por outra palavra, o requerente não coabitou de forma conjugal com o cônjuge, a alegação do cônjuge (a fim de não afectar a filha, por isso, o requerente e o cônjuge decidiram não coabitar) é apenas a sua opção. Nestes termos, considerando os factores apontados no artigo 9º, n.º 2 da Lei n.º 4/2003, especialmente o factor apontado na alínea 3), bem como as normas do artigo 22º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, até sugerindo que não autoriza o pedido de renovação da autorização de residência.
7. À apreciação superior.
Elaborador
Assinatura
D 1*****
5. No dia 7/08/2017 foi emitida a seguinte proposta pelo Chefe do Serviço de Migração:
CORPO DE POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
Parecer:
Concorda com o parecer do Chefe do Serviço de Migração
À apreciação do Secretário para a Segurança.
Comandante da C.P.S.P.
16/08/2017
1. Foi autorizada em 22 de Abril de 2016 a fixação de residência do requerente B com fundamento em reagrupamento conjugal.
2. O requerente pediu a autorização de fixação de residência no dia 23 de Março de 2017. Com base na diferença da idade entre o requerente e o cônjuge e na falta do registo comum de imigração ou emigração dentro do prazo de 1 ano das partes, o Serviço assim duvidou sobre a relação matrimonial das partes, de seguida, sob a instrução superior, o Serviço transferiu o caso ao Comissariado de Investigação para realizar as visitas domiciliárias contra o requerente, a fim de confirmar o estado civil do requerente, e de confirmar o assunto de “Se as partes coabitem de forma conjugar”. Para tanto, no dia 10 de Março de 2017, o Serviço transferiu o caso ao Comissariado de Investigação para a realização das vistas domiciliárias. E depois, no dia 22 de Junho de 2017, o requerente recebeu a notificação emitida pelo Comissariado de Investigação, “... Segundo a exposição no endereço de residência do requerente e no endereço de residência do cônjuge (que conviveu com a irmã mais velha), há fortes índices de o requerente não ter coabitado de forma conjugal com o cônjuge, além disso, na fase actual, não encontramos as irregularidades enfermadas no casamento do requerente e do cônjuge ...” (vide a notificação n.º 1090/2017/C.I.) (P. 118-177)
3. Segundo o conteúdo principal relatado pelo cônjuge do requerente no processo de audiência, a fim de não afectar a filha, por isso, as partes decidiram não coabitar. (P.113)
4. Com base na insuficiência da alegação do requerente na fase de audiência, nesta situação, após a consideração quanto aos factores do artigo 9º, n.º 2 da Lei n.º 4/2003, especialmente ao factor da alínea 3), bem como o artigo 22º, n.º 2 da Lei Administrativa n.º 5/2003, sugere de “indeferimento” do seu pedido de renovação da autorização de residência”.
5. À apreciação do Comandante.
07/08/2017
Chefe do Serviço de Migração
Assinatura
Intendente E E
6. No dia 16/08/2017, o Comandante da PSP emitiu o seguinte parecer:
“Concordo com o parecer do Chefe do Serviço de Migração.
À apreciação do Secretário para a Segurança”.
7. No dia 6/09/2017, o Secretário para a Segurança proferiu o seguinte despacho (a.a.):
“Indefiro nos termos e com os fundamentos do parecer constante desta informação”
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IV – O Direito
1 – Do vício de violação de lei (art. 9º, nº2, al. 3), da Lei nº 4/2003; tb. 22º, nº2, do Regulamento Administrativo nº 5/2003)
Segundo o recorrente, em lado nenhum da lei está definido o conceito de reagrupamento familiar.
Para si, o que importaria seria apurar a finalidade do reagrupamento, e para se alcançar esse desiderato não é imposta a coabitação permanente. Em sua opinião apenas deveria relevar a vontade de manter a relação conjugal, em função das condições pessoais do casal.
Vejamos.
O reagrupamento familiar a que se refere o art. 8º, nº1, da Lei nº 4/2003, ainda que o conceito não esteja definido no diploma, visa dar resposta a um direito universal, que é o de qualquer cidadão, depois de constituir família, a poder manter, e que está contemplado, em termos gerais, no art. 16º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Este é, igualmente, o desiderato ínsito no art. 38º da Lei Básica (liberdade e direito de constituir família), na Lei nº 6/94/M (Lei de Bases da Política Familiar) e indirectamente incluído no art. 17º da Lei nº 29/78 (Pacto Internacional sobre os direitos civis e políticos) e Aviso do Chefe do Executivo nº 16/2001 (Respeitante à continuação da aplicação, na RAEM, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos).
O que se pretende com este reagrupamento é a reunião dos membros da família, separados por alguma razão válida e razoavelmente justificada, de forma que, novamente em união e enquanto célula e elemento fundamental da sociedade, possam ter uma vida familiar normal.
Cremos, portanto, que ao instituto do reagrupamento familiar não pode ser estranha, salvo a interferência de alguma circunstância especial, a ideia de junção de elementos familiares, de reunião, de comunhão de vida, de residência comum e de coabitação com carácter de habitualidade.
Ora, isso não está presente no caso em apreço, tal como se pode ver a partir dos dados constantes do processo administrativo apenso. Ou seja, como não estamos perante uma vivência em comum com carácter de permanência e habitualidade, não vemos que a Administração tenha feito uma má aplicação da referida disposição legal.
Improcede, pois, o vício.
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2 – Da violação dos princípios da proporcionalidade em erro notório no exercício do poder discricionário
O “reagrupamento familiar” representa uma “autorização especial de permanência” (art. 8º, da Lei nº 4/2003) concedida no âmbito da discricionariedade administrativa.
Sendo assim, só em caso de erro muito grosseiro, ostensivo ou manifesto no uso dos respectivos poderes, pode o tribunal sindicar a actividade da entidade competente que a denegue, no âmbito da apreciação do princípio da proporcionalidade (que funciona como limite interno da actividade discricionária) sob pena de estar a fazer administração activa (v.g., Ac. do TSI, de 14/12/2006, Proc. nº 317/2006; 27/10/2016, Proc. nº 871/2015).
E, sinceramente, não avistamos esse erro manifesto no caso vertente. O recorrente afirma que a não coabitação se ficou a dever ao facto de querer proteger a filha da mulher do recorrente, que é fruto da relação matrimonial anterior, e que poderia ficar afectada com a nova relação da mãe com o recorrente. Porque a filha não aceitou essa coabitação, o casal decidiu não viver junto na mesma casa.
Compreendemos a justificação. Contudo, mesmo que fosse verdadeiro o facto-motivo (e tal não foi provado no procedimento administrativo), não podemos deixar de considerar que essa situação deveria ter sido equacionada por ambos os interessados (recorrente e esposa) antes de ser apresentado o pedido de reagrupamento. Se for verdade que a filha é um obstáculo ao reagrupamento, também é um obstáculo ao próprio casamento. E, nesse caso, se o casal ceder em vista da protecção da filha, então isso não deixará de ser um entrave à união do casal e à subsistência do casamento. E perigado este, mais perigado ainda fica o reagrupamento.
Em suma, somos mais uma vez a concluir que não estamos perante um erro notório e manifesto erro do exercício do poder discricionário neste caso. E só nesse pressuposto poderia o tribunal sindicar convenientemente o acto praticado, já que “razoabilidade, justiça, adequação e proporcionalidade são limites internos à actuação discricionária, que apenas permitem uma sindicância do tribunal ao acto administrativo impugnado em casos de erro grosseiro, manifesto e intolerável” (além dos arestos citados, ainda, entre outros, os Ac. do TUI, de 15/12/2016, Proc. nº 69/2016 e do Ac. do TSI, de 14/04/2016, Proc. nº 607/2015; de 17/03/2016, Proc. nº 606/2015).
Improcede, pois, este vício.
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3 – Do vício de forma por falta de fundamentação
Invocou o recorrente, também, o vício de forma por insuficiente fundamentação do acto.
É, porém, claro que não tem razão, salvo o devido respeito.
A fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do tipo legal de acto e tem por objectivo central responder às necessidades de esclarecimento do Administrado, procurando-se através dela informá-lo do seu itinerário cognoscitivo e valorativo e permitir-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro1.
E por ser relativo esse conceito, é variável em razão das circunstâncias de cada caso concreto, de cada procedimento, de cada acto, sendo suficiente se, perante um certo conjunto de factores, for possível ficar a saber-se por que se decidiu num sentido e não noutro, de forma que o interessado, discordando do acto, o possa impugnar sem qualquer limitação nem constrangimento quanto às razões da discórdia.
Neste sentido, o que interessa é que a fundamentação permita a um destinatário normal reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo do autor do mesmo acto (v.g., Ac. do TUI, de 15/06/2018, Proc. nº 35/2018)
Ora, no caso dos autos, o acto é suficientemente esclarecedor acerca das razões por que indeferiu a pretensão do recorrente, centradas na falta de coabitação entre o recorrente e a esposa.
Não se crê que fosse necessário dizer mais para se perceber o motivo e o fundamento do acto.
Assim sendo, improcede o vício.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 6 UCs.
T.S.I., 21 de Fevereiro de 2019
(Relator)
José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
Mai Man Ieng
1 Ac. do STA, de 27/02/2008, do STA/Pleno, Proc. nº 0269/02; de 8/11/2018, Proc. nº 01275/16
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Proc. Nº 1060/2017 14