Processo nº 169/2019 Data: 14.03.2019
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.
SUMÁRIO
1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
3. Se da análise dos autos se vier a concluir que em causa está um recluso com “tendência para delinquir” – isto, v.g., pelo número de crimes cometidos e/ou decisões condenatórias, período temporal em que os factos ilícitos ocorreram, etc… – as acentuadas necessidades de prevenção criminal especial aconselham, (demandam) um acrescido período de reclusão, por forma a ser possibilitada uma melhor interiorização do desvalor da sua conduta.
4. A compatibilidade da libertação condicional com a defesa da ordem e da paz social não se reconduz à previsível ausência de expressões públicas de inconformismo, mas antes, (e mais latamente), à compatibilidade da libertação condicional com a defesa da sociedade e a prevenção da prática de crimes”, não sendo de se olvidar também que nos termos do art. 43°, n.° 2 do C.P.M. se prescreve que: “A execução da pena de prisão serve igualmente a defesa da sociedade, prevenindo o cometimento de crimes”.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 169/2019
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. B, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 82 a 88 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 90 a 98).
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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação (cfr. fls.83 a 88 dos autos), o recorrente solicitou a revogação do douto despacho recorrido e a sua substituição pela decisão de conceder a liberdade condicional, assacando-lhe a violação do preceito no n.º1 do art.56º do CPM, por entender que ele reunir todos os pressupostos.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações do ilustre Colega na douta Resposta (vide. fls.90 a 98 dos autos).
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No dia de hoje, constitui jurisprudência firme que a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos, quer formais quer substanciais, consignados no art.56º do CPM, bastando a não verificação de qualquer um para se negar o pedido da liberdade condicional (a título exemplificativo, Acórdão do TSI no Processo n.º195/2003).
Importa recordar que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do C.P.M. um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. (Acórdão do TSI no Processo n.º50/2002)
Daí decorre que se, não obstante um comportamento prisional adequado, pelo passado do recluso e perspectivas de reintegração se não se formula um juízo de prognose favorável a uma regeneração e se teme pelas razões de prevenção geral. (Acórdão do TSI no Processo n.º225/2010)
Ainda se inculca reiteradamente que cada situação deve ser observada em concreto e caso a caso, num circunstancialismo de modo, tempo e lugar próprios, analisando de forma crítica a personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo se vai reinserir na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo ainda constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social. (Acs. do TSI nos Processos n.º225/2010 e n.º404/2011)
Envolvendo conceitos indeterminados de prognose, as alíneas a) e b) do n.º1 do art.56º dotam aos julgadores certa margem de livre apreciação na interpretação e na valorização, pelo que a convicção de não verificação dos pressupostos subjectivos só poderia ser neutralizado se houvesse uma exemplar e excelente evolução activa da personalidade do recluso durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumpridor das regras básicas de conduta prisional. (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º9/2002)
No caso sub judice, quanto à prevenção especial, a MMª Juiz a quo aponta prudentemente “縱觀囚犯在獄中之表現,考慮到其所實施的犯罪的嚴重性、過往生活與人格方面的演變情況,本法庭認為囚犯目前仍未具備適應誠實生活的能力及意志,因此對其一旦提早獲釋能以負責任的態度在社會安份地生活並不再犯罪方面沒有充足的信心。所以,囚犯的情況不符合澳門《刑法典》第56條第1款a項所規定給予假釋的實質要件。”
A nível da prevenção geral, lá lê-se: 就本案囚犯的情況,尤其在一般預防方面,一如前述,囚犯所觸犯的是兩項吸毒罪、兩項不適當持器具或設備罪及一項持有禁用武器罪,囚犯一而再地觸犯吸毒罪行,且被截獲時更被揭發攜有可用於攻擊且使人受傷的利器,其上述所觸犯的罪行在本澳具有相當程度的危害性,由此衍生的其他犯罪及社會問題亦十分嚴重,對社會安寧及法律秩序一定的負面影響。須指出,儘管上述負面因素在量刑時已被考慮,但是,在決定假釋時仍必須將之衡量,考究將囚犯提早釋放會否使公眾在心理上產生無法接受之感,會否對社會秩序產生重大衝擊。
Assim, não obstante se militarem, nos autos, umas circunstâncias favoráveis ao recorrente, mas, na esteia das persuasivas jurisprudências supra citadas, e à luz da regra de experiência de ser difícil abandonar o vício de consumo de droga, aderimos, sem reserva, à cristal preocupação da MMª Juiz a quo, no sentido de aquele ainda não preencher, por ora, os pressupostos consagrados no n.º1 do art.56º do CPM.
Com efeito, como bem observou a MMª Juiz a quo, existe ainda a séria dúvida de que o recorrente tenha já adquirido a estável capacidade de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem ir cometer crime; e prevê-se razoavelmente que a colocação dele em liberdade nesta altura não é compatível com a paz social.
De qualquer modo, importa ter presente que é generalizadamente consabido que em termos comparativos, as sanções penais da ordem jurídica da RAEM são mais benevolentes. Daí que Macau deve tentar todo o esforço para evitar a desastre de ser destino ou “paraíso” de delinquentes.
Nesta linha de perspectiva, não podemos deixar de entender que não tem cabimento o pedido da recorrente, e não merece censura alguma o douto despacho em escrutínio, por este mostrar-se plenamente conforme com o disposto no art.56º do CPM.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 105 a 106-v).
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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– B, ora recorrente, deu entrada no E.P.C. em 19.01.2017, para cumprimento de uma pena única de 2 anos e 11 meses de prisão, resultado do cúmulo jurídico das penas parcelares que lhe foram aplicadas nos processos n°s CR3-16-0060-PCC e CR4-16-0287-PCC, no âmbito dos quais foi condenado pela prática de 1 crime de “armas proibidas e substâncias explosivas”, 2 de “consumo ilícito de estupefacientes” e outros 2 de “detenção de utensilagem”;
– em 25.12.2018, cumpriu o ora recorrente dois terços de tal pena única, expiando-a em 15.12.2019;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com a sua mãe em Macau, tencionado montar um pequeno negócio familiar.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Vejamos.
— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).
“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 19.01.2017, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.
Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 10.01.2019, Proc. n.° 1166/2018, de 31.01.2019, Proc. n.° 15/2019 e de 21.02.2019, Proc. n.° 67/2019, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Temos para nós que possível não é uma solução favorável ao recorrente.
De facto, o ora recorrente sofreu já um total de 3 condenações, (nos processos atrás referidos e no CR1-14-0255-PCC), tendo cometido um total de 7 crimes, (mais 1 de “ofensa à integridade física” e outro de “ameaça”), estando agora a cumprir a pena única resultado do cúmulo jurídico de 5 crimes.
E, perante esta “insistência em delinquir”, muito fortes são as necessidades de prevenção criminal especial, que demandam acrescido período de reclusão, por forma a ser possibilitada uma melhor interiorização do desvalor da sua conduta, mostrando-se assim de dar por inverificado o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. a) do C.P.M. quanto ao necessário “juízo de prognose favorável”.
Por sua vez, e tendo também em conta os “tipos” e “natureza” dos crimes cometidos, e igualmente fortes sendo as necessidades de prevenção criminal geral, cremos que se deve dar também por não verificada a al. b) do n.° 1 do art. 56° do C.P.M..
Como no recente Ac. do T.R. de Évora de 05.02.2019, (Proc. n.° 669/16), se considera, importa ter em conta que “a compatibilidade da libertação condicional com a defesa da ordem e da paz social não se reconduz, restritivamente, à previsível ausência de expressões públicas de inconformismo, mas antes, mais latamente, à compatibilidade da libertação condicional com a defesa da sociedade e a prevenção da prática de crimes”, não sendo de se olvidar também que nos termos do art. 43°, n.° 2 do C.P.M. se prescreve que: “A execução da pena de prisão serve igualmente a defesa da sociedade, prevenindo o cometimento de crimes”.
Assim, em face das expostas considerações, impõe-se decidir em conformidade.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente com a taxa de justiça de 4 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 14 de Março de 2019
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 169/2019 Pág. 4
Proc. 169/2019 Pág. 3