打印全文
Processo nº 939/2018
(Autos de recurso cível)

Data: 14/Março/2019

Assuntos: Revogação do mandato judicial
Suspensão da instância (artigo 81.º, n.º 3 do CPC)

SUMÁRIO
Nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, independentemente de se tratar de uma renúncia ou uma revogação do mandato judicial, estatui o n.º 3 do artigo 81.º do Código de Processo Civil que o autor é notificado para constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, sob pena de suspensão da instância.


O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo n.º 939/2018
(Autos de recurso cível)

Data: 14/Março/2019

Recorrente:
- XX Resorts (Macau) S.A. (Ré)

Recorrido:
- B (Autor)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Inconformada com a decisão de primeira instância que ordenou ao Autor para, no prazo de 20 dias, constituir novo advogado, nos termos do n.º 2 e 3 do artigo 81.º do Código de Processo Civil, em virtude de o Autor ter revogado o mandato judicial conferido os senhores advogados, sob pena de suspensão da instância, interpôs a Ré recurso jurisdicional para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“A. O despacho recorrido indeferiu um pedido da Recorrente no sentido de que, por o Autor ter revogado o mandato que conferira aos seus advogados na data da audiência de discussão e julgamento da causa ou em data próxima dessa, se notificasse aquele para constituir novo mandatário forense em 20 dias, sob pena de, não o fazendo, a sua conduta ser tida como desistência do pedido.
B. O indeferimento fundou-se em que a falta de constituição de novo mandatário, nas circunstâncias referidas, se rege pelo disposto no artigo 81º, n.º 3 do CPC, importando a suspensão da instância.
C. A letra do artigo 81º, n.º 3 do CPC, respeita à renúncia ao mandato e não alude à revogação do mandato que é o caso que se coloca nos presentes autos.
D. Uma interpretação não literal do artigo 81º, n.º 3, que abrangesse igualmente a hipótese de revogação do mandato, se aplicada a uma situação em que as regras do processo civil, concretamente o artigo 217º do CPC, proíbem já ao autor alterar a causa de pedir e só lhe autorizam alterações ao pedido dentro de limites apertados, violaria essa norma.
E. Tal violação aconteceria porque a suspensão da instância, estabelecida pelo mencionado artigo 81º, n.º 3, pode evoluir para a deserção da instância, por força do estipulado nos artigos 228º e 233º, n.º 1, a qual, por sua vez, dá ao autor a possibilidade de instaurar nova acção contra o mesmo réu, reconfigurando os termos respectivos a partir da experiência que adquiriu na acção entretanto extinta e aproveitando o conhecimento antecipado de como o réu se defende do seu pedido.
F. Tudo se passaria então como se o autor pudesse afastar a proibição de alterar a causa de pedir e os limites estritos à alteração do pedido a que o artigo 217º do CPC o submete na acção onde exonerou o seu advogado e não quis nomear outro para substituí-lo.
G. Reside aí a violação do artigo 217º e do princípio basilar, que lhe subjaz, da estabilidade da instância, consagrado no artigo 212º.
H. O regime aplicável à revogação pelo autor do mandato do seu advogado é o do artigo 75º, uma aplicação que, no entanto, terá de fazer-se com adaptações, se o processo estiver numa fase que não consente já ao autor alterar a causa de pedir e só lhe possibilita a alteração do pedido dentro de certos parâmetros.
I. Concretizando, quando o autor destitui o seu mandatário e não designa novo advogado para o representar, ele está a desistir tacitamente da acção, ora, sendo a inacção do autor aquilo que determina, segundo o artigo 75º, a absolvição do réu da instância, pode então dizer-se que por trás de tal absolvição está afinal a desistência do autor.
J. A desistência do autor obedece a regras próprias, sendo livre a todo o tempo se se reportar ao pedido e dependendo de aceitação do réu se se reportar à instância e a acção houver já sido contestada.
K. A interpretação aqui feita da aplicabilidade do artigo 75º à eventualidade de o autor revogar a procuração que passou ao seu advogado, quando a acção já foi contestada, encontra apoio em jurisprudência do STJ.
L. Revertendo ao caso em apreço, o regime a que o Autor fica subordinado, em harmonia com o que preceituam os artigos 75º, 212º, 217º, 238º, n.º 1, e 235º, n.º 1 do CPC, se não nomear novo mandatário no prazo que o Tribunal queira conceder-lhe para o efeito, é o de se considerar que esse seu comportamento voluntário e omissivo equivale a uma desistência do pedido (excepto se a Recorrente e a co-ré Dore aceitassem que ele desistisse só do instância).
M. Tendo considerado que a norma que cabia aplicar era a do artigo 81º, n.º 3, e que, por isso, a instância ficará apenas suspensa se o Autor não proceder à substituição do seu mandatário, o despacho recorrido incorreu em erro de interpretação e aplicação da lei adjectiva e é revogável por esse motivo.
Termos em que, e com douto suprimento, deve julgar-se o recurso procedente e revogar-se o despacho recorrido, devendo ser exarado outro que ordene a notificação do Autor para constituir novo mandatário, no prazo que o Tribunal entenda estabelecer, com a cominação de que, não o fazendo, se entenderá que desiste do pedido, salvo se a Recorrente e a sua comparte Dore aceitassem uma mera desistência da instância, assim se fazendo Justiça!”
*
Ao recurso não ofereceu o Autor ora recorrido resposta.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Está em causa a seguinte decisão:
“No seu requerimento vem a 2ª Ré sustentar que no caso de revogação ao mandato por ser uma opção do Autor se aplicaria o artº 75º do CPC, havendo o Autor que ser notificado para constituir mandatário sob a cominação dos Réus serem absolvidos do pedido.
O artº 75º aplica-se aos casos de falta de constituição de advogado quando esta é obrigatória. Este preceito e a cominação nele consagrada está pensado para uma fase inicial em que a acção foi instaurada, o recurso foi interposto ou a defesa apresentada sem que a respectiva peça fosse subscrita por Advogado, e daí, decorrer a absolvição da instância se a falta não for reparada, pois, ainda que tenha havido contestação (no caso de ser a p.i. que não foi subscrita por advogado) a petição inicial que foi apresentada sem ter sido subscrita por advogado não tem valor algum enquanto não ratificada por advogado, pelo que, na ausência desta (da ratificação por advogado) a falta retroage ao momento em que foi apresentada ficando sem efeito o respectivo articulado e consequentemente sem efeito tudo o que haja sido processado posteriormente. Logo, a consequência é a absolvição da instância o que na prática se traduz em tudo se processar como se nada houvesse sido feito.
Idêntica solução resulta do artº 82º do CPC no caso de ser o mandatário a actuar sem poderes.
Contudo, a situação do artº 81º do CPC não se confunde com nenhuma daquelas duas. No caso de revogação ou renúncia do mandato – que o legislador tratou de igual modo e nada autoriza o intérprete a diferenciar ou distinguir aquilo que a lei não o faz – o que acontece é que se a parte “não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, suspende-se a instância, se a falta for do autor”.
A única diferença é que se for renúncia a parte tem de ser notificada da mesma e a partir daí tem 20 dias para constituir novo mandatário, se for revogação na estrita interpretação da lei tem 20 dias para constituir novo mandatário a partir do momento em que a mesma produz efeitos nos termos do nº 2, isto é, quando notificada ao mandatário.
Em outra qualquer cominação fala a lei para os casos de revogação e renúncia do mandato, pelo que, sendo a falta de constituição de mandatário subsequente a qualquer uma daquelas, do autor, a consequência é a suspensão da instância e subsequentemente a aplicação do regime consagrado nos artº 227º, 228º e 233º do CPC.
Termos em que nada havendo a alterar, vai indeferido o requerido por falta de fundamento legal.
Custas pelo incidente a cargo do Requerente fixando-se a taxa de justiça em 2 Uc´s.”
*
Analisada a douta decisão de primeira instância que antecede, louvamos a acertada decisão com a qual concordamos e que nela foi dada a melhor solução ao caso, pelo que, considerando a fundamentação de direito aí exposta, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos ao abrigo do disposto o artigo 631.º, n.º 5 do CPC.
Apenas mais umas achegas.
É verdade que o n.º 3 do artigo 81.º do CPC apenas se refere a renúncia do mandato, mas salvo o devido o respeito, não vemos razão para não aplicar a mesma disposição legal para o caso de revogação do mandato.
A nosso ver, não há razão para o legislador ter instituído regimes diferentes para a renúncia e para a revogação do mandato judicial. De facto, em ambas as situações, o que acontece é que na pendência da acção, a parte deixou de ter patrocínio judiciário, pelo que há necessidade de suprir essa falta, sob pena de sofrer as consequências legais.
Diz a recorrente que se deve aplicar o disposto no artigo 75.º do CPC. Ora bem, tal como vem referido na decisão recorrida, e bem, este preceito está pensado para uma fase inicial em que a acção foi instaurada, o recurso foi interposto ou a defesa foi apresentada sem que a respectiva peça fosse subscrita por advogado.
José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto1, na anotação ao artigo 33.º do CPC de Portugal (correspondente ao artigo 75.º do CPC de Macau) referem que “Quando necessária, a não constituição inicial de advogado por parte do autor, depois de terminado o prazo para o efeito concedido, dá lugar à absolvição da instância e por parte do réu à ineficácia da defesa e consequente revelia; a sua não constituição para recurso, no caso da 1.ª parte do art. 32-1-c, dá lugar a que ele não tenha seguimento.” – sublinhado nosso
Também observam Cândida Pires e Viriato de Lima2 que “para os casos de revogação ou de renúncia do mandato, rege o preceituado no art. 81.º, cujo n.º 3 prevê expressamente que, no enquadramento ali descrito, a instância seja suspensa se a falta for do autor”.
Pelo exposto, ao decidir pela suspensão da instância caso o autor não venha constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, ao abrigo do n.º 3 do artigo 81.º do Código de Processo Civil, a decisão recorrida não merece qualquer reparo, havendo de negar provimento ao recurso.
Efectivamente, bem se compreende a preocupação da recorrente em ter que aguardar pela deserção da instância, face à inércia do autor, mas sem pretendermos entrar nos pormenores, afigura-se-nos que a recorrente, caso assim entenda, poderá tentar pedir ao juiz que se fixe prazo para que o autor constitua novo advogado, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 226.º do CPC.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela recorrente XX Resorts (Macau) S.A., confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
***
RAEM, 14 de Março de 2019

(Relator)
Tong Hio Fong

(Primeiro Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong

(Segundo Juiz-Adjunto) Fong Man Chong

1 Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Coimbra Editora, pág. 73
2 Código de Processo Civil de Macau, Anotado e Comentado, Volume II, FDUM, pág. 72
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




Recurso Cível 939/2018 Página 1