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Processo nº 119/2019(I)
(Autos de recurso penal)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. No âmbito dos presentes Autos de Recurso Penal proferiu o ora relator a seguinte “decisão sumária”:

“Relatório

1. B (B), vem recorrer da decisão em 07.11.2018 pela Mma Juiz do T.J.B. proferida, que lhe revogou a suspensão da execução da pena única de 3 anos de prisão que lhe tinha sido decretada nos presentes autos.

E, tanto quanto se colhe da sua motivação e conclusões de recurso – que, como sabido é, delimitam o âmbito deste – entende, em síntese, que verificados não estão os pressupostos legais para a decisão proferida e agora objecto da presente lide recursória, considerando violado o art. 54° do C.P.M.; (cfr., fls. 426 a 431 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Em Resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 433 a 435).

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Neste T.S.I., juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“B impugna a decisão de 07/11/2018, que revogou a suspensão da execução da pena conjunta de 3 anos de prisão que lhe havia sido aplicada em resultado de cúmulo jurídico efectuado em 9 de Novembro de 2011, no âmbito do processo CR1-10-0418-PCS, por acórdão inserto a fls. 208 a 209.
Constata-se que, durante o período de suspensão, o recorrente cometeu um crime de detenção de estupefacientes para consumo, pelo qual foi condenado, e em razão do que lhe foi prorrogado, por um ano, o prazo da suspensão e imposta uma regra de conduta (fls. 263 a 264 verso). Igualmente durante o período da suspensão, viria o recorrente a cometer os crimes de condução sob o efeito de estupefacientes e de coacção e resistência, pelos quais foi condenado e cumpre agora pena de prisão. É no seguimento desta condenação, e após a necessária audição, que vem a ser decretada a revogação agora questionada.
Entende o recorrente que não devia ter sido revogada, sem mais, a suspensão da execução, porquanto, estando demonstrada a sua inserção familiar, social e económica, os fins da pena poderiam ser completamente alcançados através de outra medida penal que não a da privação da liberdade, nomeadamente através duma pena de trabalho a favor da comunidade. Daí que defenda que a norma do artigo 54.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal, na qual se fundou o despacho recorrido, devia ter sido interpretada e aplicada no sentido de permitir a substituição da revogação da suspensão da execução da pena de prisão por uma pena de trabalho a favor da comunidade.
O Ministério Público na primeira instância pronuncia-se contra esta pretensão recursória, defendendo a bondade do despacho recorrido.
Parece que o recorrente não questiona a factualidade em que se louvou o despacho recorrido, nem tão pouco o juízo segundo o qual as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
E cremos que, na verdade, não havia motivos válidos para questionar esses aspectos. O juízo patente na decisão em escrutínio apresenta-se claro e suficiente quanto à enunciação da verificação dos elementos de que depende a revogação nos termos do artigo 54.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal, extraindo de forma lógica e coerente a conclusão de que as finalidades da suspensão não puderam, através dela, ser alcançadas. Não era possível, face ao historial que o processo documenta, manter por mais tempo as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da execução da pena.
O que o recorrente verbera é o facto de não ter sido substituída a revogação da suspensão por uma pena não detentiva.
Ora esse é um desiderato que, salvo melhor juízo, não encontra actualmente acolhimento no nosso direito positivo. Na verdade, a lei determina, como consequência da revogação, o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença – artigo 54.°, n.° 2, do Código Penal – não permitindo ao julgador enveredar por uma via diversa.
Estavam, em suma, reunidos os pressupostos para a revogação, com o que se impõe o cumprimento da primitiva pena, pelo que a decisão recorrida não podia estatuir de forma diversa, não se vislumbrando que padeça de qualquer vício ou erro.
(…)”; (cfr., fls.476 a 477).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Como se deixou relatado, vem o arguido recorrer da decisão proferida pela Mma Juiz do T.J.B. que lhe revogou a suspensão da execução da pena única de 3 anos de prisão que lhe tinha sido imposta nos presentes autos; (cfr., fls. 416 a 418).

Alega – em suma – que verificados não estavam os pressupostos legais para tal decisão, imputando à decisão recorrida o vício de violação do art. 54° do C.P.M..

Porém, apresenta-se-nos que nenhuma razão lhe assiste. Aliás, em sede da Resposta ao recurso e posterior Parecer, dá já o Ministério Público clara e cabal resposta à pretensão do ora recorrente, pouco havendo a acrescentar.

Seja como for, não se deixa de consignar o seguinte.

Vejamos.

Nos termos do art. 54° do C.P.M.:

“1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado”.

E, como se viu em pleno período da suspensão da pena única de 3 anos de prisão que lhe foi decretada em resultado do cúmulo jurídico de um total de quatro condenações, cometeu o arguido 2 novos ilícitos, violando, também, de forma grosseira e repetida, os deveres que lhe foram impostos, revelando, de forma clara, que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena não puderam ser alcançadas.

Aliás, pela insistência da sua “conduta delinquente” – notando-se que já antes tinha sofrido condenações em pena suspensa, e que a que lhe foi aplicada nos presentes autos já lhe tinha sido prorrogada, em consequência de uma outra condenação, (cfr., o seu C.R.C., a fls. 372 a 400) – constata-se que o arguido tem (grande) dificuldade em levar uma vida em conformidade com as normas de uma sã convivência social, apresentando também uma atitude de indiferença e distanciamento pelas limitações decorrentes da decisão de suspensão da execução da pena.

Não se nega, (e assim temos entendido), que a revogação da suspensão da execução da pena não é automática, não funcionando “ope legis”, e que o legislador pretende “salvar”, até ao limite, a pena de substituição da suspensão da pena, surgindo a sua revogação como “última ratio”; (no mesmo sentido, cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 13.09.2017, Proc. n.° 254/15).

Como decidiu o T.R. de Guimarães:

“I) As razões que estão na base do instituto da suspensão da execução da pena radicam, essencialmente, no objectivo de afastamento das penas de prisão efectiva de curta duração e da prossecução da ressocialização em liberdade.
II) Por isso, se conclui sempre que, desde que seja aconselhável à luz de exigências de socialização, a pena de substituição só não deverá ser aplicada se a opção pela execução efectiva de prisão se revelar indispensável para garantir a tutela do ordenamento jurídico ou para responder a exigências mínimas de estabilização das expectativas comunitárias”; (cfr., Ac. de 11.05.2015, Proc. n.° 2234/13).

Todavia, face à repetida postura do ora recorrente em delinquir e violar, repetida e grosseiramente, os deveres impostos como condição para a suspensão da execução da pena, impõe-se dizer que outra solução não se nos apresenta como possível, pois que revelado está que as “finalidades que estavam na base da dita suspensão da pena (agora revogada) não puderam ser alcançadas”.

Como ensinava Jescheck: “o tribunal deve dispor-se a correr um risco aceitável, porém se houver sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver-se negativamente a questão do prognóstico”; (in, “Tratado de Derecho Penal”– Parte General – Granada 1993, pág. 760, e, no mesmo sentido, o Ac. da Rel. de Lisboa de 05.05.2015, Proc. n.° 242/13, e, mais recentemente, da Rel. de Coimbra de 27.09.2017, Proc. n.° 147/15, onde se consignou que “Na formulação deste juízo [de prognose] o tribunal deve correr um risco prudente pois a prognose é uma previsão, uma conjectura, e não uma certeza. Quando existam dúvidas sérias e fundadas sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, a prognose deve ser negativa e a suspensão negada”, in “www.dgsi.pt”).

Por sua vez, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência, (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Guimarães, de 13.04.2015, Proc. n.° 1/12), impondo-se uma reafirmação social mais “intensa” da validade da norma jurídica violada; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15).

Dest’arte, e constatando-se que com a sua “conduta”, invalidou, o ora recorrente, de forma definitiva e totalmente, a prognose favorável que suportou a aplicação da pena de prisão suspensa na sua execução, ou seja, a expectativa de, através da suspensão da pena se manter afastado da delinquência, (cfr., o Ac. Rel de Coimbra de 28.06.2017, Proc. n.° 508/13), e, assim, apresentando-se-nos o recurso “manifestamente improcedente”, há que decidir em conformidade com o estatuído no art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M..

Decisão

3. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça de 3 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 479 a 484-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, veio o recorrente reclamar do decidido, alegando que o seu recurso não devia ser considerado manifestamente improcedente, (e rejeitado), insistindo também no entendimento que em sede do seu recurso tinha deixado exposto; (cfr., fls. 493 a 494).

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Sobre este expediente, assim opinou o Exmo. Representante do Ministério Público:

“Vem o recorrente B reclamar para a conferência da decisão sumária que rejeitou o seu recurso por manifesta improcedência.
Diz que não era caso de rejeição por manifesta improcedência e que o relator não ponderou plenamente a sua situação, pelo que pede que o recurso seja julgado em conferência.
Cremos que não lhe assiste razão.
Como a decisão sumária ponderou e explicitou claramente, aliás em consonância com o que fora decidido em primeira instância, o trajecto desviante do recorrente não deixou margem de manobra ao tribunal para manter, por mais tempo, a suspensão da execução da pena objecto de revogação.
O recorrente apenas se pode queixar de si próprio e da manifesta inadequação do seu comportamento à normal vivência em sociedade.
Foram-lhe proporcionadas diversas oportunidades, que ele desperdiçou, seguramente sem pensar na família e na necessidade do seu sustento, que agora vem lembrar ao tribunal.
O último crime pelo qual foi condenado veio tornar óbvio que as finalidades que estiveram subjacentes à suspensão – afastamento do delinquente da prática de novos crimes – não lograram ser alcançadas através dela, como bem notou a decisão sumária e já tinha sido vincado no despacho de primeira instância, pelo que a revogação era inevitável à luz dos parâmetros legais do artigo 54.° do Código Penal, assim se evidenciando a improcedência manifesta do recurso e se justificando a sua rejeição através de decisão sumária.
Daí que não haja reparo a dirigir à decisão sumária objecto de reclamação, cujo sentido deve ser mantido em conferência”; (cfr., fls. 496 a 496-v).

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Por despacho do ora relator, foram os presentes autos conclusos para visto dos Mmos Juízes-Adjuntos e, seguidamente, inscritos em tabela para decisão em conferência; (cfr., fls. 497).

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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. No uso da faculdade que lhe é legalmente reconhecida pelo art. 407°, n°. 8 do C.P.P.M., vem o recorrente reclamar da decisão sumária nos presentes autos proferida e atrás transcrita.

Porém, mostra-se de concluir que evidente é que não se pode reconhecer mérito à sua pretensão, muito não se mostrando necessário aqui consignar para o demonstrar.

Com efeito, a decisão sumária agora reclamada apresenta-se clara e lógica na sua fundamentação – nela se tendo efectuado correcta identificação e tratamento das questões colocadas – e acertada na solução.

Na verdade, e pelos motivos que na referida decisão sumária se deixaram expostos, patente se mostra que justo e adequado foi o despacho do Mmo Juiz do T.J.B. objecto do recurso pelo ora reclamante trazido a este T.S.I., o que, por sua vez, implica, a necessária e natural conclusão de que se impunha, como sucedeu, a sua total confirmação.

Dest’arte, e mais não se mostrando de consignar, já que o ora reclamante se limita a repisar o já alegado e adequadamente apreciado da decisão sumária agora em questão, inevitável é a improcedência da apresentada reclamação.

Decisão

3. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a reclamação apresentada.

Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$800,00.

Registe e notifique.

Macau, aos 21 de Março de 2019

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 119/2019-I Pág. 2

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