Processo nº 35/2019 Data: 28.03.2019
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “coacção”.
Crime de “ofensa à integridade física”.
Erro notório.
Concurso real.
SUMÁRIO
1. As declarações da ofendida, só por si, podem ser suficientes para criar nos julgadores a convicção de que determinados factos aconteceram e que deles foi o arguido seu autor.
Há muito que está ultrapassada a regra do “unus testis, testis nullus”, pois que nada impede que o Tribunal forme a sua convicção com o depoimento de uma única testemunha.
Mostra-se pois adequado o entendimento no sentido de que para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, por um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto, (os fundamentos da convicção), e, por outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão.
2. No crime de “coacção”, o interesse protegido é a “livre determinação da vontade”, ao passo que no crime de “ofensas à integridade física”, o interesse legalmente protegido é a “integridade física do ofendido”.
E sendo marcadamente distintos os bens jurídicos tutelados pelas respectivas normas incriminatórias, inviável é considerar-se que estão os crimes em questão numa relação de concurso aparente.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 35/2019
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo, a final, a ser condenado como autor material da prática em concurso real de 1 crime de “coacção (tentada)”, p. e p. pelo art. 148°, n.° 1 e 2, 22°, n.° 2 e 67° do C.P.M., na pena de 180 dias de multa, e 1 outro crime de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 60 dias de multa.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 210 dias de multa, à taxa diária de MOP$100,00, perfazendo a multa global de MOP$21.000,00 ou 140 dias de prisão subsidiária, e no pagamento de MOP$40.000,00 de indemnização à ofendida/assistente B; (cfr., fls. 661 a 669-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Do assim decidido, recorreu o arguido, afirmando – em síntese – que a decisão recorrida padecia do vício de “erro notório na apreciação da prova” e “erro na aplicação do direito”; (cfr., fls. 689 a 709-v).
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Responderam o Ministério Público e a assistente, pugnando, respectivamente, pela parcial procedência e (total) improcedência do recurso; (cfr., fls. 726 a 731 e 712 a 725).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação de fls.690 a 709v. dos autos, o recorrente assacou o erro notório na apreciação de prova à condenação dele na prática de um crime (tentado) de coacção, bem como o mesmo erro e a violação das disposições nos arts.137º e 148º do Código Penal à condenação dele em ter praticado um crime (consumado) de ofensa simples à integridade física.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações do ilustre Colega na douta Resposta (cfr. fls.726 a 731 dos autos).
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Ora, as conclusões 3 a 26 da sobredita Motivação demonstram que os argumentos aí arrogados pelo ora recorrente se concentram em pôr em dúvida a credibilidade das declarações prestadas pela ofendida e pela testemunha de nome C que é mãe daquela, e deste modo, criticou a forma pela qual o Tribunal a quo valorou as provas.
Com efeito, a assacada “violação da regra de experiência” consiste apenas em reiterar que não há provas objectivas capazes de corroborar as declarações da ofendida e da referida testemunha, bem como de sustentar suficientemente o 5º e o 6º factos provados, e ainda que “上訴人根本不可能向輔助人說出傷害其女兒的說話”.
No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.º2 do art.400º do CPP, é consolidada no actual ordenamento jurídico de Macau a seguinte jurisprudência (cfr. a título meramente exemplificativo, arestos do Venerando TUI nos Processos n.º17/2000, n.º16/2003, n.º46/2008, n.º22/2009, n.º52/2010, n.º29/2013 e n.º4/2014): O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
De outro lado, não se pode olvidar que o recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador (Ac. do TUI no Proc. n.º13/2001). Pois, «sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.» (Acórdão no Processo n.º470/2010)
À luz destas orientações jurisprudenciais, acolhemos a conclusão do ilustre colega que apontou: “檢察院認為結合上訴人承認“拍打”輔助人的臉部幾下及輔助人在庭審中聲稱被上訴人“掌摑面部”的陳述,已足以認定“嫌犯掌摑被害人”為已證事實,可見原審法院並非單單採信了輔助人的證言,而是結合上訴人的自認,有關事實的認定屬有據可依,沒有違反一般經驗法則。”
Doutro lado, o 6º facto provado constata que o recorrente proferiu as palavras ameaçadoras à própria ofendida, não à sua filha. Seja como for, afigura-se-nos ser racional e prudente a perspectiva do ilustre colega de que “……在此檢察院必須指出,或許上訴人十分疼愛其女兒,甚至不會作出傷害女兒的行為,但這也不能排除上訴人利用輔助人同樣疼愛女兒的弱點,透過恐嚇性語言而非真實的傷害行動來威迫輔助人作出向銀行申請抵押物業以便借取款項用於上訴人所述的投資。即上訴人以暴力或以重大惡害相威脅的手段,強迫被害人(輔助人)作出某種行為以滿足上訴人的個人意圖或目的,完全符合澳門《刑法典》第148條第1款所規定的脅迫罪之構成要件。”
Tudo isto leva-nos a entender que o douto Acórdão recorrido nesta parte não enferma do erro notório na apreciação de prova.
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Repare-se que a própria ofendida declarou conscientemente que a intenção do recorrente/arguido ao praticar as agressões nela consistia só em reforça-la a consentir em hipotecar a morada da família a banco para ele poder obter empréstimo do qual ele carecia para investimento, como mencionou proficientemente o ilustre colega, é que “輔助人在庭審中亦指出,上訴人針對輔助人作出“掌摑”行為的意圖是迫使輔助人作出將所住的住宅單位“加按”給銀行以獲取現金款項供上訴人用於投資。”
Nesta linha de raciocínio , acompanhamos mais uma vez a douta conclusão do ilustre colega que apontou: “由此可見,有關暴力行為屬於上訴人威迫他人的手段,符合澳門《刑法典》第148條第1款所規定的“脅迫罪”的構成要件:「以暴力、或以重大惡害相威脅等手段,強迫他人作為或不作為,或強迫他人容忍某種活動者,處最高三年徒刑或科罰金。」換言之,上訴人的攻擊性暴力行為已被“脅迫罪”所固有的“暴力”行為因素所吸收,並成為該罪狀的構成要件,不應以普通傷害他人身體完整性罪獨立論處。”
Daí decorre, segundo nos parece, que a condenação do recorrente em ter praticado um crime (consumado) de ofensa simples à integridade física infringe as disposições nos arts.137º e 148º do Código Penal, pelo que ele deverá ser absolvido deste crime.
Por todo o expendido acima, propendemos pelo parcial provimento do recurso em apreço”; (cfr., fls. 743 a 744-v).
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 662-v a 665-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer da decisão que o condenou como autor material da prática em concurso real de 1 crime de “coacção (tentada)”, p. e p. pelo art. 148°, n.° 1 e 2, 22°, n.° 2 e 67° do C.P.M., na pena de 180 dias de multa, e 1 outro crime de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 60 dias de multa, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 210 dias de multa, à taxa diária de MOP$100,00, perfazendo a multa global de MOP$21.000,00 ou 140 dias de prisão subsidiária, e no pagamento de MOP$40.000,00 de indemnização à ofendida/assistente dos autos.
Considera que a decisão recorrida padece do vício de “erro notório na apreciação da prova” e “errada aplicação de direito”.
–– Comecemos, como se mostra lógico, pelo alegado “erro notório”.
De forma firme e repetida tem este T.S.I. considerado que: “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 19.07.2018, Proc. n.° 538/2018, de 25.10.2018, Proc. n.° 803/2018 e de 17.01.2019, Proc. n.° 812/2018).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
Também, e tratando desta questão, já tivemos oportunidade de considerar que há muito que está ultrapassada a regra do “unus testis, testis nullus”, pois que nada impede que o Tribunal forme a sua convicção com o depoimento de uma única testemunha; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 06.09.2012, Proc. n.° 677/2012, de 18.07.2013, Proc. n.° 288/2013, de 12.09.2013, Proc. n.° 275/2013 e de 20.11.2014, Proc. n.° 494/2014).
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Por sua vez, importa atentar que não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 04.04.2018, Proc. n.° 151/2018, de 07.06.2018, Proc. n.° 376/2018 e de 11.10.2018, Proc. n.° 772/2018).
Aqui chegados, ponderada a “decisão da matéria de facto” em questão, e analisada a “fundamentação” pelo Tribunal a quo apresentada para a justificar, cremos que só por equívoco se poderá considerar que esteja aquela inquinada com o imputado vício de “erro notório”.
Com efeito, e antes de mais, cabe dizer que, in casu, nenhum elemento de prova com valor tarifado que impusesse decisão em sentido diferente existe nos presentes autos, (ou foi pelo recorrente indicado).
E, assim, constatando-se que o Tribunal formou a sua convicção em resultado da análise do teor de depoimentos prestados em audiência de julgamento, assim como da análise de documentos juntos aos autos, (cfr., fls. 665-v a 666-v), não se vislumbrando, igualmente, que a dita convicção se apresenta contrária a qualquer regra de experiência ou legis artis, visto está que nenhum “erro”, (muito menos “notório”), existe.
Diz o recorrente que o Tribunal não devia dar crédito à versão da ofendida/assistente, em especial, quanto à imputada “agressão” que originou a sua condenação pelo crime de “ofensa à integridade física”; (cfr., ponto 26 da motivação de recurso, a fls. 699).
Porém, e como já deixamos assinalado, nada impede que o Tribunal dê relevância a determinado elemento de prova, (v.g., um depoimento), em detrimento de outro, ou que forme a sua convicção com base num só depoimento.
Importa é que a decisão não viole nenhuma regra sobre o valor das provas, e que se apresente lógica e de acordo com as regras de experiência e legis artis.
E, no caso, assim sucede.
Com efeito, e como no recente acórdão deste T.S.I. (de 14.03.2019, Proc. n.° 127/2019), também tivemos oportunidade de ponderar:
“Na apreciação do depoimento das testemunhas e das declarações dos arguidos, atribui-se relevância aos aspectos verbais, podendo-se considerar também a desenvoltura do depoimento, a comunicação gestual, o refazer do itinerário cognitivo, os olhares (v.g., para os advogados, antes, durante e depois da resposta), os gestos, movimentos e toda uma série de circunstâncias, insusceptíveis ou de difícil captação pelo Tribunal de recurso, constituindo indicadores importantes e eventualmente reveladores da sua postura processual, e assim, (possívelmente) reveladores de desconforto, predisposição para a efabulação, etc….
O convencimento da entidade a quem compete julgar, depende assim de uma conjugação de elementos tão diversos como (v.g.), a espontaneidade e rapidez das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção ou expressão exteriorizada, a extensão e consistência do depoimento assim como da “matéria seu objecto”, (factos recentes, pessoais, …), havendo, sempre, de se ter ainda em conta a sua compatibilidade com a demais prova relevante.
A circunstância de alguém, por erro ou propositadamente, produzir uma ou outra declaração desconforme com a realidade, não significa, necessariamente, que seja falsa toda a sua narrativa, não estando o Tribunal “obrigado” à inutilização de todo um depoimento por uma contradição com outros elementos probatórios.
Desde que nessa parte o raciocínio seja compreensível, o Tribunal poderá aceitar como verdadeiros certos segmentos das declarações ou do depoimento, e negar fiabilidade a outros, distinguindo, o que merece credibilidade porque consentâneo com outros elementos de prova, do que lhe surge como mera efabulação emocional ou, mesmo, como mero erro de percepção.
As declarações da ofendida, só por si, podem ser suficientes para criar nos julgadores a convicção de que determinados factos aconteceram e que deles foi o arguido seu autor.
Mostra-se pois adequado o entendimento no sentido de que para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, por um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto, (os fundamentos da convicção), e, por outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão”.
In casu, o Tribunal a quo justificou, em nossa opinião, adequadamente, a sua decisão, apresentando-se a mesma de acordo com a lógica das coisas e regras de experiência, sendo assim de improceder o recurso na parte em questão.
Continuemos.
–– Quanto ao alegado “erro na aplicação do direito”.
No fundo, diz o recorrente que a decisão recorrida errou na “qualificação jurídico-penal” da sua conduta, já que, em sua opinião, provados não estão os elementos típicos do crime de “ofensa simples à integridade física”, existindo também uma relação de “concurso aparente” entre este crime e o de “coacção”, pelos quais foi condenado em concurso real.
Ora, também aqui, não tem o recorrente qualquer razão.
Vejamos.
Prescreve o art. 137° do mesmo Código que:
“1. Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. O procedimento penal depende de queixa.
3. O tribunal pode dispensar de pena quando:
a) Tiver havido lesões recíprocas e não se tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro; ou
b) O agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor”.
E, nos termos do art. 148° do C.P.M.:
“1. Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. A tentativa é punível.
3. O facto não é punível:
a) Se a utilização do meio para atingir o fim visado não for censurável; ou
b) Se visar evitar suicídio ou a prática de facto ilícito típico.
4. Se o facto tiver lugar entre cônjuges, ascendente e descendente, adoptante e adoptado, ou pessoas que vivam em situação análoga à dos cônjuges, o procedimento penal depende de queixa”.
Na situação sub judice, percorrendo-se a factualidade dada como provada colhe-se – claramente – que verificados estão todos os elementos típicos de ambos os referidos crimes.
Com efeito, da dita factualidade resulta que, em data não apurada do meio do mês de Dezembro de 2012, o arguido deu dois “estalos” na cara da ofendida; (cfr., facto “3-A”, fls. 662-v).
Ora, perante tal matéria, e provado estando que o arguido agiu livre e voluntariamente, com consciência da ilicitude da sua conduta, não vemos como dar por não verificados os elementos típicos – objectivos e subjectivo – do crime de “ofensa à integridade física” do art. 137° do C.P.M..
Por sua vez, provado estando que no dia 04.09.2013, voltou o arguido a “agredir” e a “ameaçar” a ofendida, para que esta pedisse um empréstimo bancário hipotecando a fracção que habitavam, (cfr., facto n.° 6, fls. 663), agindo livre e voluntáriamente, afigura-se-nos também claro que verificados estão os elementos típicos do crime de “coacção”, na forma tentada, como decidido foi.
Com efeito, importa ter em conta que os aludidos “factos” ocorreram a uma distância temporal de cerca de 9 meses, sendo “condutas distintas” que atingiram bens pessoais também distintos, nenhuma censura merecendo a decisão condenatória recorrida.
De facto, no crime de “coacção”, o interesse protegido é a “livre determinação da vontade”, ao passo que no crime de “ofensas à integridade física”, o interesse legalmente protegido é a “integridade física do ofendido”.
E, nesta conformidade, face ao que provado está, – sendo marcadamente distintos os bens jurídicos tutelados pelas respectivas normas incriminatórias, inviável é considerar-se que estão os crimes em questão numa relação de “concurso aparente”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 24.01.2019, Proc. n.° 905/2018 e de 21.02.2019, Proc. n.° 6/2019) – imperativa é pois a confirmação da “qualificação jurídico-penal” operada pelo T.J.B..
–– Por fim, e quanto à “indemnização” pelo Tribunal arbitrada, a mesma se nos apresenta que deva ser a solução.
Notando-se que a mesma se destina a tentar reparar os “danos não patrimoniais” pela ofendida sofridos, vejamos.
Tem sido o entendimento deste T.S.I. que “A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 20.04.2017, Proc. n.° 264/2017 e de 26.07.2018, Proc. n.° 649/2018), sendo também de considerar que em matérias como as em questão, inadequados são “montantes simbólicos ou miserabilistas”, (vd., M. Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito das Obrigações, III, pág. 755, onde se afirma que “há que perder a timidez quanto às cifras…”), não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 23.03.2017, Proc. n.° 250/2017 e de 08.02.2018, Proc. n.° 64/2018), exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso.
Na verdade, a reparação dos “danos não patrimoniais” não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).
No caso, está – nomeadamente – provado que:
“A Assistente, em consequência directa e necessária da conduta do Arguido, procurou ainda auxílio junto de técnicas de acção social, conforme resulta do documento que se junta sob designação de documento n.° 5.
A Assistente sente enorme angustia e tristeza por tudo o que passou às mãos do Arguido,
Vivendo em constante medo pois, mesmo sabendo que o Arguido foi proibido de entrar na RAEM, a Assistente teme que este encontre forma de ilegalmente aqui se deslocar e cumpra as ameaças que lhe fez.
Sendo o Arguido praticante de arte marciais e tendo demonstrado mais do que uma vez comportamentos violentos, a Assistente teme pela sua integridade física e pela da sua filha menor.
A Assistente tem medo de voltar para sua casa, pois nunca sabe quando o Arguido lá poderá aparecer, motivo pelo qual tem sido acolhida por familiares.
O facto de se encontrar afastada da sua casa, a qual lhe foi oferecida em 2005 pelo seu pai e estar de favor em casa de familiares provoca grande tristeza à Assistente.
Em consequência directa e necessária da conduta do Arguido, a Assistente mostrou-se bastante ansiosa,
Razão pela qual teve que procurar apoio psicológico de técnico da especialidade, conforme resulta do documento que ora se junta sob designação de documento 6”; (cfr., fls. 664-v a 665).
Em face do que se deixou retratado, ponderando no sofrimento que teve a ofendida de suportar em consequência da conduta do arguido, evidente se apresenta que justificada é uma “indemnização”, não se mostrando de considerar também a arbitrada como inflaccionada.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o arguido a taxa de justiça de 6 UCs.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 28 de Março de 2019
José Maria Dias Azedo
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Proc. 35/2019 Pág. 26
Proc. 35/2019 Pág. 25