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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I - Relatório.
A interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, para o Tribunal de Última Instância, do Acórdão de 31 de Janeiro de 2008, do Tribunal de Segunda Instância (TSI), no Processo n.º 752/2007, alegando que este Acórdão está em oposição, sobre a mesma questão de direito, com o Acórdão do mesmo Tribunal, de 6 de Março de 2003, no Processo n.º 219/2002, publicado na Colectânea de Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M, I Tomo, p. 1297 e segs.
De acordo com a recorrente, a questão sobre a qual há divergência é a seguinte:
O Acórdão recorrido decidiu que:
- Quando aplicável pena de prisão de duração inferior a 6 meses, a ponderação da culpa e as exigências de prevenção especial e de prevenção geral podem, ou não, determinar a atenuação da pena e aplicação do regime de suspensão da pena;
- Tendo-se decidido não haver razões que justificassem a suspensão da pena de prisão, absteve-se de aplicar o regime de substituição da pena de prisão pela de multa, previsto no art. 44.º, n.º 1 do Código Penal.
Por sua vez, no Acórdão de 6 de Março de 2003, do Tribunal de Segunda Instância, decidiu-se que:
- O Tribunal só não está subordinado ao dever de promover a substituição da pena de prisão de duração inferior a 6 meses se justificações concretas de relevo em sede de prevenção especial positiva assim o determinarem.
O Ministério Público respondeu, defendendo que o recurso deve ser rejeitado, pelas seguintes razões:
- O Acórdão fundamento tomou a sua decisão no âmbito do n.º 1 do art. 44.º do Código Penal, enquanto que o Acórdão recorrido equacionou a questão da pena na órbita do art. 48.º, n.º 1 do Código Penal;
- Não há, por isso, qualquer interpretação dissonante, já que os acórdãos não outorgaram sentidos diferentes à mesma disposição legal;
- Deve o recurso ser rejeitado.
Neste Tribunal, o Ex. mo Procurador-Adjunto manteve a posição já assumida pelo Ministério Público.

II - Fundamentos
1. Os requisitos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, em processo penal.
Cabe proferir a decisão a que se refere o n.º 1 do art. 423.º, do Código de Processo Penal, isto é, decidir se o recurso deve prosseguir ou se deve ser rejeitado, por ocorrer motivo de inadmissibilidade ou por não existir oposição de julgados.
Dispõe o art. 419.º do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pelo art. 73.º da Lei n.º 9/1999, de 20.12:
“Artigo 419 º
Fundamento do recurso
1. Quando, no domínio da mesma legislação, o Tribunal de Última Instância proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, o Ministério Público, o arguido, o assistente ou a parte civil podem recorrer, para uniformização de jurisprudência, do acórdão proferido em último lugar.
2. É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando o Tribunal de Segunda Instância proferir acórdão que esteja em oposição com outro do mesmo tribunal ou do Tribunal de Última Instância, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Tribunal de Última Instância.
3. Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
4. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado”.

Trata-se de saber:
- Se foram proferidos dois acórdãos que, relativamente, à mesma questão de direito, assentam em soluções opostas;
- Se as decisões foram proferidas no domínio da mesma legislação;
- Se o acórdão fundamento é anterior ao acórdão recorrido e se transitou em julgado;
- Se do acórdão recorrido não era admissível recurso ordinário.
  - Se o recurso foi interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (n.º 1 do art. 420.º do Código de Processo Penal).

2. Existência de dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas
Relativamente ao pressuposto em questão – existência de dois acórdãos que, relativamente, à mesma questão de direito, assentam em soluções opostas - tem-se considerado que:
As decisões devem ser diversas, opostas, não necessariamente contraditórias.
A oposição entre as decisões deve ser expressa e não meramente implícita. Não basta que numa das decisões possa ver-se aceitação tácita de doutrina contrária a outra decisão.
A questão decidida pelos dois acórdãos deve ser idêntica e não apenas análoga. A este respeito tem-se entendido que os factos fundamentais sobre os quais assentam as decisões, ou seja, os factos nucleares e necessários à resolução do problema jurídico, devem ser idênticos.
A questão sobre a qual se verifica a oposição deve ser fundamental. Ou seja, a questão de direito deve ter sido determinante para a decisão do caso concreto.
A questão sobre a qual há oposição tem de ser uma questão de direito. Não pode ser uma questão de facto, até porque o Tribunal de Última Instância não aprecia, normalmente, matéria de facto.
Estamos em condições de decidir se se verifica a existência de dois acórdãos que, relativamente, à mesma questão de direito, assentam em soluções opostas.
No Acórdão fundamento, o de 6 de Março de 2003, estava em causa a questão de saber se a decisão de primeira instância, que condenou o arguido na pena de cinco meses de prisão, devia ou não ter substituído a pena de prisão por multa.
O TSI revogou a decisão e substituiu a pena de prisão por multa.
Diga-se desde já que não esteve em causa nenhuma dissensão relativamente à norma que estabelece a regra da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a 6 meses por multa ou por outra pena não privativa de liberdade, que é o art. 44.º, n.º 1 do Código Penal. Ou seja, no processo onde foi proferido o Acórdão fundamento, o Tribunal de 1.ª Instância e o TSI não tiveram nenhuma divergência no tocante à interpretação daquela norma ou de qualquer outra.
Tratou-se apenas de uma diferente avaliação da situação de facto. Face aos factos provados o Tribunal de 1.ª Instância entendeu que não se justificava a substituição da prisão por multa. Face aos mesmos factos, o TSI teve um entendimento contrário, mas não se tratou de divergência sobre a interpretação de qualquer norma.
No Acórdão recorrido, o de 31 de Janeiro de 2008, o TSI decidiu que, atendendo às circunstâncias concretas do crime, às anteriores e às posteriores, impunha-se a aplicação de pena de prisão efectiva, não sendo possível a suspensão da pena e citou o art. 48.º, n.º 1 do Código Penal, que estatui sobre a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos.
O mesmo Acórdão recorrido em nenhum momento se pronunciou sobre a possibilidade de a pena de prisão imposta ser substituída ou não por multa ou por outra pena não privativa da liberdade.
Assim, é manifesto que não há qualquer contradição entre os Acórdãos do TSI, de 6 de Março de 2003 e de 31 de Janeiro de 2008. Tratam de questões diversas.
De resto, cada um por si, dificilmente poderiam estar em contradição com quaisquer outras decisões judiciais.
Mas, diz a recorrente, que o Acórdão recorrido deveria ter apreciado a possibilidade de substituição da pena de prisão por multa, pelo que, implicitamente, entendeu que a lei consagra a substituição da pena inferior a 6 meses de prisão por multa ou outra pena não privativa de liberdade, como excepção e não como regra. O que contrariaria o Acórdão fundamento em que se entendeu tal substituição como regra e não como excepção.
Não é assim.
O Acórdão recorrido não considerou a possibilidade de substituição da pena de prisão por multa, nem explícita nem implicitamente. Se o devia ter feito, não nos cabe aqui apreciar. E o remédio para atacar tal omissão de pronúncia não seria nunca o presente meio processual.
De resto, mesmo que o Acórdão recorrido tivesse considerado a possibilidade de substituição da pena de prisão por multa, implicitamente, como excepção e não como regra, isso não seria suficiente para haver contradição de julgados, já que, como atrás referimos, a oposição entre as decisões deve ser expressa e não meramente implícita. Não basta que numa das decisões possa ver-se aceitação tácita de doutrina contrária a outra decisão.
Em conclusão, os dois acórdãos não assentam em soluções opostas relativamente à mesma questão de direito, pelo que o Tribunal de Última Instância não tem que uniformizar jurisprudência.
Está, pois, prejudicado o exame dos restantes requisitos do recurso.

III - Decisão
Face ao expendido, rejeita-se o recurso.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC.
Macau, 14 de Maio de 2008.
   
   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin




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Processo n.º 10/2008