Proc. nº 525/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 28 de Março de 2019
Descritores:
- Nulidade de sentença
- Omissão de pronúncia
- Art. 1004º do Código Civil
- Art. 215 º e 306º do C.P.C.
SUMÁRIO:
I – Quando a sentença omite a pronúncia sobre uma questão, a respeito da qual se devia pronunciar, mas explicitando a razão para essa omissão, não se pode dizer que seja nula, por omissão de pronúncia, mas eventualmente que incorre em erro no julgamento.
II – O facto de o adquirente do locado suceder nos direitos e obrigações do primitivo locador, nos termos do art. 1004º do C.C., não impede que a acção intentada pelo anterior proprietário/locador prossiga até ao seu desfecho, se não tiver havido nos autos a respectiva habilitação do adquirente nos termos dos arts. 215º, nº1 e 306º, do CPC.
III – Na falta dessa habilitação e, portanto, “ainda que este não intervenha no processo” (art. 215º, nº3, do CPC), nem por isso a sentença deixa de produzir efeitos em relação ao adquirente.
Proc. nº 525/2017
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – RELATÓRIO
1 - A, do sexo feminino, casada, nacionalidade chinesa, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau nºXXXX, emitido em 10 de Dezembro de 2010, pela Direcção dos Serviços de Identidade de Macau, residente em Macau, na XXXXXX, ----
Instaurou no TJB (Proc. nº CV3-14-0006-CPE) Acção de Despejo em Processo Especial, com fundamento no não pagamento das rendas, contra:-----
B, do sexo masculino, nacionalidade chinesa, titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau nºXXXX, residente em Macau, na XXXXXX.
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Na oportunidade foi proferida sentença, que apenas condenou o réu a pagar as rendas em dívida, no montante total de MOP$ 63.666,00, acrescido de juros de mora.
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Contra esta sentença recorreu a autora, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«1) Salvo o devido respeito, a recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo no sentido de só condenar o recorrido a pagar à recorrente as rendas e juros de mora.
2) Vem também impugnar a decisão sobre a matéria de facto e o direito.
1. Impugnação no âmbito dos factos:
3) De acordo com o despacho do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, constante das fls. 160 a 161 dos autos, ou seja a decisão sobre a matéria de facto no acórdão recorrido constante da fls. 163 dos autos, é incorrecto que o Tribunal a quo não dá o 10º facto da petição inicial da recorrente como facto necessário no factum probandum e não decida o facto como provado ou não provado.
4) O Tribunal a quo aplicou o processo sumário, isto é, entendeu o caso como acção de despejo com fundamento em falta de pagamento de rendas.
5) Além disso, ao proferir o acórdão final, o Tribunal a quo não considerou o facto de ter feito a notificação da denúncia, descrito na petição inicial da recorrente (10º e 11º factos), até pode-se concluir que o Tribunal a quo viu o facto como irrelevante.
6) Todavia, a recorrente entende que o facto de notificação da denúncia é importante no caso, porque:
7) O prazo do contrato de arrendamento em causa é de 3 de Agosto de 2010 a 2 de Agosto de 2011. (vide a fls. 23 dos autos)
8) O contrato referido foi automaticamente renovado porque nenhuma parte deduziu denúncia.
9) Antes de intentar a acção de despejo, para evitar o efeito de renovação automática, em 6 de Janeiro de 2014, a recorrente fez notificação avulsa ao recorrido para exercer o direito de denúncia do contrato. (vide a fls. 27 dos autos)
10) Para além de garantir por referido meio prudente de notificação jurídica a caducidade no momento de prescrição do prazo de arrendamento, a recorrente pretendeu na petição inicial que: 7. Se conseguir citar o recorrido, pede-se que o Tribunal faça declaração da denúncia ao recorrido em representação da autora. (vide a fls. 6 dos autos)
11) Embora seja impossível deferir o referido pedido, pelo menos, quando o recorrido conheceu a petição inicial da recorrente, pode-se considerar que a recorrente já expressou ao recorrido a denúncia.
12) De acordo com o contrato de arrendamento entre a recorrente e o recorrido, ao intentar a acção, o contrato foi renovado até 2 de Agosto de 2014.
13) Antes de 29 de Setembro de 2015 (dia de transferência da propriedade do objecto locado em causa), a recorrente ainda tinha a qualidade de locadora.
14) Ou seja, sempre que a recorrente consiga cessar o contrato de arrendamento antes de 29 de Setembro de 2015 ou haja facto de cessação (sic.), a qualidade de locadora (direitos e obrigações) não é transferida ao novo proprietário através do contrato de compra e venda.
15) Ao abrigo do art.º 1039 n.º 1 alínea b) do Código Civil, a notificação de denúncia deve ser feita pela recorrente ao recorrido com antecedência de pelo menos 90 dias.
16) Vamos ver se os seguintes factos podem ser considerado como cessação do contrato:
A. Em 6 de Janeiro de 2014 a recorrente fez notificação avulsa ao recorrido;
B. Em 25 de Fevereiro de 2014 a recorrente intentou acção de despajo contra o recorrido;
C. Em 28 de Janeiro e 29 de Janeiro de 2015 a recorrente fez citação edital ao recorrido;
D. Em 16 de Março de 2015 o recorrido apresentou ao Tribunal a quo o título de requerimento de apoio judiciário;
E. Em 10 de Junho de 2015 o recorrido apresentou ao Tribunal de novo o título de requerimento de apoio judiciário.
17) Bastam os referidos factos A e B para fazer considerar que o contrato foi cessado quando ficou prescrito o prazo de arrendamento renovado de 3 de Agosto de 2013 a 2 de Agosto de 2014, se qualquer um não pudesse conduzir à cessação do contrato, o contrato foi automaticamente renovado até 2 de Agosto de 2015.
18) Se se entenda que foi renovado, bastam os referidos factos C e D para fazer considerar que o contrato foi cessado quando ficou prescrito o prazo de arrendamento renovado de 3 de Agosto de 2014 a 2 de Agosto de 2015.
19) Os factos descritos satisfazem a norma sobre a notificação com antecedência de 90 dias, isto é, sempre que entenda que o recorrido conheceu a declaração de denúncia da recorrente através de qualquer um dos factos A, B, C e D, é suficiente para dar assente que o contrato caducou quando ficou prescrito o prazo de arrendamento renovado.
20) A recorrente gostava de expressar que, embora originalmente proceda-se em processo sumário com fundamento em falta de pagamento de rendas, não se pode ignorar que a recorrente fez notificação de denúncia do contrato.
21) Os factos descritos pela recorrente ocorreram antes da prolação de decisão da matéria de facto pelo Tribunal a quo, a recorrente também alegou o facto de notificação de denúncia na petição inicial. (vide a fls. 4 dos autos)
22) Ao abrigo do art.º 566.º n.º 1 do Código de Processo Civil, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
23) Se o Tribunal a quo desse provado o 10º facto da petição inicial da recorrente, não iria concluir que a qualidade de locadora da recorrente foi transferida ao novo proprietário, uma vez que já caducou o contrato antes da transferência legal, foi impossível que o novo proprietário tivesse a qualidade de locador.
24) Com base nisso, ao abrigo do art.º 629.º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil, vem a recorrente pedir ao TSI alterar a decisão do Tribunal a quo sobre os factos provados e matéria de facto e dar provado o 10º facto da petição inicial, isto é, alterando em:
“ (despacho sobre matéria de facto constante das fls. 160 a 161 dos autos)
Despacho
-Factos provados:
-1 º Provado
-2º Provado com a seguinte redacção: a autora foi proprietária da fracção até ao dia 29/9/2015.
-3º Provado
-4º Provado
-5º Provado
-5º Provado
-6º Provado
-7º Provado
-9º Provado
-10º Provado
(acórdão recorrido constante da fls. 163 dos autos)
A. Os factos provados
Art.º 1.º da p.i,
Art.º 2.º da p.i. com a redacção que lhe foi conferida pela resposta à matéria de facto que antecede.
Art.º 3.º a 7.º e 9.º a 10.º da p.i.”
25) Se não se entenda assim, nos termos do art.º 629.º n.º 4 do Código de Processo Civil, vem a recorrente pedir ao TSI considerar que há omissão, obscuridade ou contradição na decisão sobre matéria de facto, ou considerar que é necessário ampliar o âmbito da matéria de facto, anular o acórdão recorrido e reenviar o processo ao Tribunal a quo para dar como facto relevante o 10º facto da petição inicial da recorrente e fazer novo julgamento.
Se não se entenda assim (puramente hipótese, não significa que a recorrente concorda com o entendimento), por motivo de prudência do mandatário judicial, vem continuar a alegar que:
2. Impugnacão sobre o aspecto jurídico:
26) O acórdão recorrido indica que, ao abrigo do art.º 1004.º do Código Civil, só o novo proprietário tem a legitimidade material de apoiar o pedido de resolução do contrato de arrendamento e de despejo.
27) A recorrente entende que, é errada a referida decisão jurídica, porque:
28) Como a recorrente indica na impugnação sobre a decisão da matéria de facto no presente recurso, a recorrente já fez notificação de denúncia ao recorrido, do acto de intervenção subsequente do recorrido na acção também permite-se ver que o recorrido sabia a declaração da recorrente de denúncia.
29) Isto é, o contrato de arrendamento entre a recorrente e o recorrido caducou quer em 2 de Agosto de 2014 quer em 2 de Agosto de 2015, ocorreu antes do dia de transferência do objecto locado em causa.
30) O art.º 1004.º do Código Civil limita-se a transferir legalmente os direitos e obrigações do locador ao novo proprietário.
31) Além disso, ao abrigo do art.º 1013.º n.º 2 do mesmo Código, foi cessado através de denúncia o contrato de arrendamento entre a recorrente e o recorrido.
32) Todavia, o contrato de arrendamento caducou com base no exercício do direito de denúncia por parte da recorrente (direito potestativo), foi impossível ter lugar a transferência legal prevista no art.º 1004.º do Código Civil.
33) Pelo que, vem a recorrente pedir ao TSI anular o acórdão recorrido, julgar resolvido ou dissolvido o contrato de arrendamento e ordenar imediatamente ao recorrido remover-se do objecto locado em causa.
Se não se entender assim (puramente hipótese, não significa que a recorrente concorda com o entendimento), por motivo de prudência do mandatário judicial, vem continuar a alegar que:
3. O acórdão recorrido padece do vício de omissão no julgamento:
24) Conforme o acórdão recorrido, o Tribunal a quo não se pronunciar e julgar os seguintes pedidos da recorrente na petição inicial:
“(petição inicial constante da fls. 6 dos autos)
3. Declarar resolvido o contrato de arrendamento entre a autora e o réu;
4. Condenar o réu a remover-se imediatamente do local referido, devolver o apartamento referido à autora e restaurar o prédio referido como o original de acordo com o contrato;”
35) A recorrente entende que, a acção de despejo tem como finalidade, existindo a relação jurídica de arrendamento válida, proporcionar ao locador promover ou confirmar, por este processo especial, a cessação do arrendamento e facultar-lhe o meio de entrega do objecto locado.
36) O legislador também permite ao locador juntar o pedido de indemnização ou renda à acção de despejo quando a intentar.
37) Ou seja, o pedido de despejo consiste em finalidade essencial de intentar a acção de despejo, o pedido de renda ou indemnização é eventual.
38) Na fase declarativa da acção de despejo, constitui necessariamente a questão a resolver se existir a relação de arrendamento válida entre o locador e o locatário e houver facto que conduza à cessação.
39) Só depois de ter investigado e apreciados os factos referidos, está satisfeito o pressuposto para julgar se procede ou não o pedido de despejo.
40) O acórdão recorrido só condena o recorrido a pagar as rendas e os juros de mora, mas não decide do pedido de resolução do contrato e de despejo.
41) Com base nisso, vem a recorrente pedir ao TSI julgar nulo o acórdão recorrido porque o Tribunal a quo não conheceu o pedido de resolução do contrato e de despejo e, assim, é constituída a omissão no julgamento, reenviar o processo ao Tribunal a quo para conhecer a omissão, ao abrigo do art.º 571.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil.
IV. Pedidos
Pelo exposto, vem pedir que:
1. Seja admitida o presente recurso nos termos da lei; e
2. Seja julgado procedente o recurso; e
3. Seja julgada procedente a impugnação sobre a decisão no âmbito da lei, anulada o acórdão recorrido, declarado resolvido ou dissolvido o contrato de arrendamento em causa e ordenado que o recorrido se remove imediatamente da coisa locada em crise.
Se não se entender assim, vem pedir suplementar que:
4. Seja julgada procedente a impugnação sobre a decisão da matéria de facto, alterada a decisão do Tribunal a quo sobre os factos provados e a matéria de facto no acórdão recorrido e dado provado o 10º facto da petição inicial da recorrente nos termos do art.º 629.º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil.
Se não se entender assim, vem pedir suplementar que:
5. Ao abrigo do art.º 629.º n.º 4 do Código de Processo Civil, seja anulado o acórdão recorrido e reenviado o processo ao Tribunal a quo para dar relevante o 10º facto da petição inicial da recorrente e fazer novo julgamento.
Se não se entender assim, vem pedir suplementar que:
6. Seja julgado o procedente a motivação da recorrente sobre a omissão no julgamento e declarado que o acórdão recorrido padece do vício de omissão no julgamento; e
7. Seja reenviado o processo ao Tribunal a quo para fazer julgamento sobre a omissão.
Com os melhores cumprimentos!».
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Não houve resposta ao recurso pelo réu e os intervenientes aderiram aos fundamentos do recurso da autora.
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Foram as partes notificadas (o recorrido, editalmente) do despacho do Relator (fls. 308 vº, 2ª parte) para se pronunciarem sobre a eventualidade de o TSI decretar o despejo com base no pedido de resolução do contrato, nos termos do art. 630º, nº3, do CPC, na sequência do que apenas a autora se pronunciou (fls. 318-319 dos autos e 53-55 do apenso “traduções”).
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2 - O réu da acção, ao abrigo do apoio judiciário concedido pela Comissão de Apoio Judiciário, esteve representado pelos doutos advogados Drs. XXX, XXX, XXX e XXX, mas a todos foi concedida a escusa (cfr. fls. 240-243; 269; 401 e fls. 73 do apenso “traduções”; 406-407 e 78 do apenso “traduções”).
Por deliberação de 12/12/2018 da Comissão foi decidido revogar o apoio judiciário ao réu.
O réu, notificado dessa deliberação, impugnou a revogação.
A Comissão, então, voltou a reunir em 28/12/2018, nos termos do art. 28º, nº3 da Lei nº 13/2012, de 10/09, mas deliberou manter a sua anterior decisão de revogação do apoio judiciário.
Cumpre apreciar a impugnação (arts. 28º, nº5 e 29º, nº1, da cit. Lei) e o recurso jurisdicional.
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II – OS FACTOS
A - Da impugnação contenciosa da revogação do apoio judiciário
1 - Ao abrigo do apoio judiciário concedido pela Comissão de Apoio Judiciário, o réu da acção de despejo a que correspondem os presentes autos (1ª instância: Proc. nº CV3-14-0006-CPE) esteve representado pelos Snrs. doutos advogados Drs. C, D, E e F, mas a todos foi sucessivamente concedida a escusa (cfr. fls. 240-243; 269; 401 e fls. 73 do apenso “traduções”; 406-407 e 78 do apenso “traduções”).
2 - Em 12/12/2018 da Comissão foi decidido revogar o apoio judiciário ao réu.
3 - O réu impugnou esta deliberação nos seguintes termos:
“Assunto: Impugnação contenciosa 27/12/2018
Comissão de apoio Judiciário:
1. Face ao 2º parágrafo do ofício nº 3184/D/CAJ/20 18, esclarece o que “viu e ouviu”:
Através do que “viu e ouviu”, o interessado declara que cumpriu a sua obrigação, afinal a CAJ leu ou não em pormenor as alegações escritas apresentadas pelo interessado no dia 11/12/2017?
2. Sobre o domicílio profissional constante no 1º e 2º parágrafos do ofício nº 3184/D/CAJ/2018, esclarece:
Haverá algum problema se em vez de “domicílio profissional” foi posto “local profissional”?
3. O interessado, de facto, foi várias vezes à procura dos Advogados E e F, mas estes “fecharam-me a porta”, os Advogados E e F conhecem a apelação do interessado:
a) Fui domicílio envolvido no processo para arrumar as malas
b) Requeira o pagamento dos prejuízos sofridos devido à penhora do domicílio envolvido no processo
c) O proprietário não tem o direito de receber a renda à data de 22/03/2018 e posterior à data de 22/03/2018
d) O interessado requeira ao proprietário o pagamento das despesas de destroncamento da fechadura.
4. e) Os advogados têm o direito de ir ao TSI consultar o processo
f) Os advogados conhecem a apelação do interessado
i) Desde 09/07/2018, o Advogado F conhece a apelação do interessado
ii) Desde 20/09/2018 o Advogado E conhece a apelação do interessado
As condições constantes em a e b foram satisfeitas, os advogados não têm razão de pedir escusa
Pelo exposto, o interessado vem apresentar impugnação contenciosa.”
4 - A Comissão, em 28/12/2018, tomou a seguinte deliberação:
Deliberação nº 574/AJ/2018
A Comissão recebeu em 27/07/2018, o pedido de apoio judiciário apresentado pelo requerente B com referência nº 2018-A-0218. Por deliberação nº 359/AJ/2018 de 28/08/2018, decidiu deferir o pedido do requerente B para isenção do pagamento do preparo, das custas do processo, patrono oficioso e respectivos honorários, ao mesmo tempo, foi nomeado sucessivamente os advogados E e F como seu patrono.
Os dois patronos enviaram sucessivamente carta à Comissão para pedir escusa, o Advogado E invocou que depois da reunião de 20/09/2018 com o beneficiário no seu domicílio profissional, este nunca mais o contactou, nem deixou meio de contacto, impossibilitando o processamento da contestação, pelo que pediu escusa. O Advogado F invocou que com vista a contactar com o beneficiário, enviou-lhe carta registada com aviso de recepção em 31/10/2018, mas o beneficiário não levantou a carta, posteriormente em 09/11/2018, ele apareceu no seu domicílio profissional sem marcação prévia para discutir sobre o assunto do processo, contudo não conseguiu fornecer qualquer informação, além disso, o beneficiário não apareceu na data marcada para a segunda reunião, mais referiu o Advogado F que o beneficiário violou várias vezes o princípio de confiança entre o cliente e o advogado, por isso pediu escusa.
Após análise da fundamentação da escusa apresentada pelos dois patronos, a Comissão entendeu que o beneficiário não prestou a devida colaboração e apresentou aos patronos os elementos indispensáveis para intentar acção ou prosseguir o processo, assim sendo, a Comissão decidiu revogar o apoio judiciário concedido ao beneficiário e veio nos termos do artº 12º, nº 1 (5) e nº 4 da Lei nº 13/2012 “Regime geral de apoio judiciário”, notificar por carta o beneficiário para este apresentar alegações. Em 11/12/2018, o beneficiário apresentou alegações escritas, o qual apenas referiu o que viu e ouviu no domicílio profissional dos respectivos advogados, mas não esclareceu a razão de não ter fornecido informação aos patronos. Com base nisto, a Comissão por deliberação nº 527/AJ/2018 de 12/12/2018, decidiu revogar o apoio judiciário concedido ao beneficiário nos termos do artº 12º, nº 1 da Lei nº 13/2012 “Regime geral de apoio judiciário”.
Em 27/1212018, a Comissão recebeu a impugnação contenciosa do beneficiário B, na qual refere “O interessado através do que “viu e ouviu”, declara ter cumprido a sua obrigação”, “o interessado, de facto, foi várias vezes à procura dos Advogados E e F, mas estes fecharam-me a porta” e “os advogados têm o direito de ir ao TSI consultar o processo, os advogados conhecem a apelação do interessado”. Dado que o dito pelo impugnante sobre o que “viu e ouviu” trata-se simplesmente um diálogo que teve com a empregada de recepção do escritório de advogado, e a queixa de ter sido “fechado a porta”, mas não indicou qual a data marcada para encontro foi recusado pelos advogados, com base nesse ponto comprovou-se o alegado pelos dois advogados que foi marcado hora para ter uma reunião com o impugnante no escritório e tal situação afectou o trabalho diário dos advogados. Quanto ao alegado pelo impugnante que os dois advogados têm direito de ir ao TSI consultar o processo, este ponto não foi denegado pelos advogados, mas isto não é fundamento para o impugnante isentar-se da discussão do processo com os advogados e deixar de fornecer os dados necessários aos mesmos. Por outro lado, o Advogado E referiu “no dia 20/09/2018, o patrocinado veio ao seu domicílio profissional para discutir o assunto preliminar do processo ... ... “depois de consultar o processo no TSI, nunca mais recebi chamada ou e-mail do patrocinado para uma nova reunião, nem este deixou-me qualquer forma de contacto, assim sendo, carece condições para saber mais detalhes do processo, a fim de ajudar o patrocinado apresentar contestação”. O Advogado F referiu “depois de uma análise detalhada do processo, a minha opinião jurídica do processo não é unânime com o solicitado pelo Sr. B, do meu entendimento a situação do Sr. B é executar despejo imediato, uma vez que o recorrente possui forte fundamentação”.
Após reunião de discussão da Comissão, dado que o impugnante na sua impugnação contenciosa apenas alega que chegou deslocar ao domicílio profissional dos advogados, mas nunca apresentou quaisquer evidências para comprovar que cumpriu o dever de colaboração com os advogados, como por exemplo, conforme exigido pelos advogados, através de e-mail fornecer os dados do processo e apresentar a sua apelação; pelo contrário, os dois advogados pediram escusa com fundamento unânime, ambos alegam que o impugnante não compareceu à reunião marcada, nem forneceu dados do processo, além disso, enfim tiveram que enviar carta registada para entrar em contacto com ele, cujas cartas registadas estão juntas ao processo para servir de prova, assim sendo a Comissão entende justa a fundamentação de escusa dos dois Advogados, e em relação ao impugnante, este não prestou a dvida colaboração e apresentou aos patronos os elementos indispensáveis para intentar acção ou prosseguir o processo, pelo que por deliberação nº 527/AJ/2018 de 12/12/2018, decide revogar o apoio judiciário concedido ao impugnante nos termos do artº 12º, nº 1 da Lei nº 13/2012 “Regime geral de apoio judiciário”.
XXX XXX
Ass. vide original ass. vide original
XXX XXX
Ass. vide original ass. vide original
XXX
Ass. vide original
*
B - Do recurso da sentença
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
“1º - A fracção objecto da acção: fracção autónoma H9 (doravante designada por “fracção objecto”), destinada a habitação, situa-se em Macau, XXXXXX, registada na Conservatória de Registo Predial de Macau sob registo predial nºXXXXX e com inscrição matricial nºXXXXX. (vide anexo 01)
2º - A autora é proprietária da “fracção objecto” H9. (vide anexo 01)
3º - Em 28 de Julho de 2010, G, em representação da autora, e o réu celebraram um contrato de arrendamento de imóvel (doravante designado por “contrato de arrendamento”) com o prazo de um ano. (vide anexo 02)
4º - Segundo a Cláusula 3ª do “contrato de arrendamento”, o prazo de arrendamento iniciou no dia 03 de Agosto de 2010 e terminou no dia 02 de Agosto de 2011. (vide anexo 02)
5º - Dado não ter as partes denunciado o “contrato de arrendamento”, o mesmo foi renovado automaticamente. (vide anexo 02)
6º - Segundo a Cláusula 2ª do “contrato de arrendamento”, a renda mensal era de MOP$2.000,00. (vide anexo 02)
7º - Segundo a Cláusula 9ª do “contrato de arrendamento”, o réu teria de efectuar o pagamento à autora da respectiva renda mensal dentro de cinco dias a contar do dia do início do referido contrato (ou seja, no dia 07 ou antes desse dia de todos os meses), depositando na conta do Banco Nacional Ultramarino indicada pela autora, com o nºXXXXXX (sendo titulares dessa conta G e H). (vide anexo 02)
8º - A autora não possuía o hábito de confirmar periodicamente o depósito de renda, pelo que, apenas, em Abril de 2013, verificou que o réu tinha deixado de efectuar o pagamento da respectiva renda a partir de Fevereiro de 2013. (vide anexo 03)
9º - A partir de Fevereiro de 2013 até à data da apresentação da presente acção de despejo, o réu não efectuou o pagamento da renda em dívida para com a autora. (vide anexo 3)”.
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Acrescenta-se, nos termos do art. 629º, nº1, al. a), do CPC, o seguinte facto:
- A autora alienou a fracção locada aos intervenientes I e mulher J no dia 29/09/2015.
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III – O DIREITO
A – Da impugnação da revogação do apoio judiciário
O interessado discorda da decisão da Comissão, dizendo que foi à procura dos advogados, mas que estes lhe “fecharam a porta” e que nada os impedia de irem ao tribunal consultar o processo se entendessem que careciam de algum elemento. Ou seja, afasta a falta de colaboração com os advogados que lhe é imputada e, consequentemente, a culpa na escusa destes.
Ora, em primeiro lugar, não está demonstrado que os senhores advogados tivessem “fechado a porta” ao impugnante. E mesmo que a expressão “fechar a porta” não esteja utilizada em termos literais, mas antes metafóricos, no sentido de que eles não se interessaram pelo seu caso, nada disso está provado. Pelo contrário, o que emerge das diversas posições dos senhores advogados é que sempre sentiram desinteresse da parte do réu em colaborar com eles, deixando de comparecer no escritório de cada um com vista à compreensão e estudo do caso.
Por outro lado, mesmo sabendo os senhores advogados que o processo corria seus termos no tribunal – com esta alegação do impugnante parece o impugnante querer dizer que não era precisa a sua presença no escritório dos causídicos, na medida em que os elementos de que carecessem podiam ser colhidos directamente da consulta dos autos – não estaria plenamente satisfeita a necessidade de cooperação mútua entre representantes e representado. Quer dizer, qualquer intervenção do advogado em prol da defesa dos clientes não pode deixar de ser fruto de uma colaboração destes em aspectos vários, que frequentemente só a presença física e “olhos nos olhos”, de uns perante os outros, é capaz de assegurar.
Portanto, não estando relatada nenhuma situação de impossibilidade absoluta que o impedisse de se encontrar com os advogados (e note-se que nenhum deles quis manter o patrocínio, o que será revelador da dificuldade da relação entre o impugnante e advogados nomeados), não vemos motivo para não dar razão à deliberação impugnada, que assim manteremos.
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B – Do recurso da sentença
1 – Introdução
Antes de se dar início à análise do recurso, é oportuno chamar à atenção para os factos seguintes:
No momento da instauração da acção, o que aconteceu em 17/03/2014, era proprietária do locado a autora A.
No entanto, no decurso dela, sucederam à autora na sua posição, por acto entre vivos, I e mulher J. Estes, com efeito, adquiriam a fracção no dia 29 de Setembro de 2015.
Acrescente-se ainda que, já depois da sentença, mas antes do seu trânsito, vieram estes adquirentes requerer a sua intervenção principal para fazerem seus os articulados da autora (cfr. 214), o que foi deferido por despacho de fls. 236 e vº.
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2 – Da nulidade da sentença
No seu recurso, a recorrente A arguiu a nulidade da sentença, por entender que esta não conheceu das questões referentes à resolução do contrato e despejo consequente, ao contrário que ela tinha manifestado nos 3º e 4º pedidos (art. 571º, nº1, al. d), do CPC).
Todavia, a sentença justificou a razão por que não apreciava os 3º e 4º pedidos. Tal omissão ficou alegadamente a dever-se à “…redução do pedido…”, circunstância que levou o M.mo juiz a ter por “…prejudicada a apreciação do 3º e 4º pedidos” (cfr. fls. 164 dos autos e pág. 2 da decisão recorrida).
Não interessa se o fez bem ou mal. O que importa é que não conheceu dessa matéria por considerar que não tinha que o fazer. E isso é suficiente para não se dar por verificada a causa de nulidade invocada.
Na verdade, como tem sido entendido, não há omissão de pronúncia geradora de nulidade quando o tribunal justifica a causa para o não conhecimento de determinada questão concreta. Com efeito, “Quando a sentença omite a pronúncia sobre uma questão, sobre a qual se devia pronunciar, explicando a razão para essa omissão, não existe nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas antes erro no julgamento” (Ac. do TUI, de 29/06/2009, proc. nº 9/2009).
Nestes termos, é de julgar improcedente a invocação de nulidade da sentença.
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3 – Do mérito da sentença
A sentença partiu da ideia de que a “redução do pedido” (sic) requerida na audiência de discussão e julgamento (cfr. fls. 160 vº) era suficiente para julgar prejudicada a apreciação dos 3º e 4º pedidos, que visavam, precisamente, a resolução do contrato de arrendamento do imóvel celebrado entre a autora e o réu (3º) e a condenação do réu a desocupar de imediato a fracção em questão, com a sua devolução à autora e reposição da mesma conforme o estipulado contratualmente (4º). E, por assim ser, apenas condenou o R. no pagamento das rendas vencidas até ao momento em que a autora alienou o imóvel aos intervenientes principais.
A autora, porém, manifesta-se contra a bondade jurídica do julgado, em virtude de pensar que, para além do valor das rendas que lhe eram devidas, também deveria ter sido o réu condenado na entrega do locado por força da denúncia do contrato (que ela pede seja comunicada ao recorrido) e da resolução, que diz ter peticionado.
Apreciando.
Estamos convencidos que a razão está do lado da recorrente, com todo o respeito por diferente opinião.
Com a epígrafe “transmissão da posição do locador”, o art. 1004º do Código Civil dispõe:
“O adquirente com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo”.
Ou seja, o adquirente sucede nos direitos e obrigações do locador. Ora, se também sucede nos “direitos”, parece que tem que beneficiar in totum das virtudes complexas do direito que o transmitente detinha, que eram o despejo do inquilino e o pagamento das rendas vencidas e não pagas após a transmissão (as anteriores, evidentemente, pertencem ao alienante).
É bem certo que esta sucessão permite que o adquirente substitua o alienante na coisa ou no direito litigioso através de uma habilitação (art. 215º, nº1 e 306º, do CPC). Sucede que, na falta dessa habilitação, como foi o caso dos autos, nem por isso a sentença deixa de produzir efeitos em relação ao adquirente, “ainda que este não intervenha no processo” (art. 215º, nº3, do CPC).
É por esta mesma razão que este TSI teve já a oportunidade de afirmar que:
“A venda do imóvel objecto da acção de despejo não afecta em princípio o processo, o juiz julgará à mesma de mérito, entre as partes iniciais, ignorando a transmissão, ou seja, havendo ou não a habilitação por transmissão entre vivos do adquirente não implica a suspensão do processo” e também que “Não havendo habilitação, o caso julgado obtido vincula o adquirente nos termos do artigo 215º nº 3 do CPC” (Ac. de 28/09/2006, Proc. nº 294/2005).
É, precisamente, a situação que temos entre mãos.
A circunstância de os adquirentes terem intervindo através do incidente de intervenção principal, revelando um interesse igual ao da autora (cfr. art. 262º, al. a), do CPC), não tem o condão de produzir a substituição processual da parte activa. A intervenção serviu para nos esclarecer que os intervenientes pretendem manter intacta a posição jurídica manifestada pela autora da acção em toda a sua integralidade, incluindo a cessação do contrato e consequente despejo (ver fls. 214-216).
Daí que “De harmonia com o disposto no nº1º do art. 271º CPC, a partir da transmissão entre vivos da coisa ou direito litigioso, o transmitente, que já não é titular da situação jurídica transmitida, substitui processualmente o adquirente, actual titular dos mesmos. Embora em prossecução dum interesse que só indirectamente é seu, o transmitente litiga, nesse caso, em nome próprio, sendo, no entanto, o nº3 desse mesmo artigo expresso na extensão dos efeitos da sentença aos adquirentes.” (Ac. do STJ, de 20/10/2005, Proc. nº 05B2374).
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4 – Do poder de substituição do TSI (art. 630º, do CPC)
4.1 - Na petição inicial era pedida a resolução e o consequente despejo, unicamente com fundamento na falta de pagamento das rendas.
Não ignoramos que no art. 10º da petição a autora alegava ter requerido em 6/01/2014 no TJB a notificação judicial avulsa com o objectivo de o interpelar para o pagamento da renda, mas também o de denunciar o contrato, diligência que, na realidade, não chegou a ser efectuada, conforme invocado no art. 11º do mesmo articulado. Com efeito, apesar de ter tentado a notificação judicial avulsa com o objectivo de interpelar o R para o pagamento da renda em atraso e a indemnização respectiva, tal não foi conseguido.
E, agora, no recurso, vem a autora pedir que seja decretado o despejo com base na denúncia e na resolução. Cremos, porém, que os dois fundamentos não podem ser utilizados simultaneamente, por a denúncia não ter feito parte do pedido e da causa de pedir iniciais, não obstante aquela referência (apesar dessa referência, basta ler a petição para se concluir que a causa de pedir e pedido não se fundam na denúncia). Se a sentença ora impugnada padecer de alguma maleita, ela deve ser aferida em relação àquilo que devesse ter apreciado em função da pretensão inicial. E, portanto, não tinha a sentença que conhecer da denúncia.
Significa isto que apenas se poderá indagar se haveria ou não lugar ao despejo com o fundamento assente na resolução.
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4.2 - Importa referir que o não conhecimento do pedido concernente à resolução, por parte da sentença recorrida, assenta num equívoco, com o devido respeito o dizemos. Na verdade, quando a autora na audiência de discussão formulou um requerimento de redução do pedido do montante das rendas até Setembro de 2015, fê-lo, obviamente, no quadro da autonomia da sua vontade e porque a parte contrária não se opôs a essa pretensão. No entanto, dessa redução não resulta que a autora quis limitar todos os pedidos a essa pretensão relativa às rendas e abandonar a pretensão resolutória.
Ou seja, ela não reduziu substantivamente o pedido global, de forma a que ele passasse a confinar-se simplesmente ao pagamento das rendas e indemnização respectiva, mas antes pediu que a condenação, no que respeita às rendas, não se estendesse até ao momento em que a casa fosse devolvida (como era pretensão inicial), mas sim, e apenas, até Setembro de 2015, altura em que ela alienou o locado aos intervenientes. Portanto, foi uma redução do pedido quanto às rendas, e não quanto à pretensão total manifestada na petição inicial, que incluía a resolução do contrato.
Ora, a resolução pode ser pedida, em caso de arrendamento, nos termos do art. 1017º e 1034º, do Código Civil, com base na falta de pagamento da renda e no lugar próprios.
Foi o que, precisamente, sucedeu, tal como provado (cfr. matéria de facto constante no art. 7º da p.i.).
Sendo assim, e sem necessidade de mais delongas, somos a reconhecer razão à recorrente com este fundamento, julgando procedente o pedido de resolução.
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IV – DECIDINDO
Face ao exposto, acordam em:
A – Julgar improcedente a impugnação “contenciosa” da deliberação da Comissão de Apoio Judiciário;
Comunique à Comissão (incluindo o teor completo dos capítulos I-2, II-A e III-A deste aresto).
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B – Conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando a decisão recorrida na parte impugnada, em consequência do que:
1º - Se julga procedente o pedido de resolução do contrato;
2º - Se decreta o despejo do locado por parte do réu; e
3º - Se mantém a sentença na parte não impugnada referente ao pagamento das rendas.
Custas pelo réu/recorrido.
T.S.I., 28 de Março de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
525/2017 27