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Proc. nº 1117/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 14 de Março de 2019
Descritores:
     - Acidente de trabalho
- Incapacidade Temporária Absoluta (ITA)
- Prova pericial
- Junta médica
- Cláusulas especiais da apólice do seguro

SUMÁRIO:

I - Ao contrário do que sucede no processo penal, onde o juízo técnico, científico e artístico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador - artº. 149º/1 do CPP -, inexiste, na matéria civil e laboral, norma que predetermine a superioridade da força probatória da perícia em relação às outras provas.

II - Se ao fim de 58 dias de ausência ao trabalho por incapacidade absoluta em consequência de um acidente de trabalho, o trabalhador regressa ao serviço, não pode seguir-se o laudo da junta médica quando refere que a Incapacidade Temporária Absoluta foi de 730 dias.

III - É considerada cláusula típica e especial, e não geral, a cláusula da apólice do contrato de seguro W12 que apenas garante cobertura em caso de acidente de trabalho aos trabalhadores que exerçam o serviço “indoor”, ou seja, no interior das instalações da entidade patronal, e nas actividades previstas no art. 15º e no Capítulo II da Portaria nº 236/95/M, que estabelece a Tarifa de Prémios e Condições para o Ramo de Acidentes de Trabalho.
Proc. nº 1117/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
A, do sexo masculino, titular do BIRM n.º XXX, residente em XXX, telef. n.º XXX, patrocinado oficiosamente pelo Ministério Público nos termos do art.º 56.º n.º 2 alínea 9) da Lei n.º 9/1999 e art.º 7.º n.º 1 alínea 1) e n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 9/2003, -----
Instaurou no TJB (Proc. nº LB1-16-0179-LAE) acção destinada à efectivação dos direitos resultantes de acidentes de trabalho
Contra -------
“B”, com sede da pessoa colectiva em XXX, com registo comercial n.º XXX.
Na petição inicial formulou o pedido de condenação da ré a pagar-lhe:
- i) A quantia de MOP$2,485.82, a título das despesas médicas não pagas;
- ii) A quantia de MOP$31,000.00, a título da indemnização, ainda não paga, por incapacidade temporária absoluta;
- iii) A quantia de MOP$1,255,500.00, a título da indemnização por incapacidade permanente parcial; e
- iv) Os juros legais vencidos e a vencer, contados do dia de citação até integral e efectivo pagamento.
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Como parte passiva, foi admitida a intervir principalmente nos autos “C, Lda”, entidade patronal do autor da acção.
*
Na oportunidade foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré “B” a pagar ao autor a quantias de MOP$ 2.485,82, a título de despesas médicas, de MOP$ 694.400,00, a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta, e MOP$ 1.250.000,00, a título de indemnização por incapacidade permanente parcial, tudo acrescido dos juros de mora.
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Contra esta sentença, recorre a ré “B”, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:

“Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base em que julgou a acção procedente e, por entender que o acidente que atingiu A é um acidente de trabalho, indemnizável nos termos do contrato de seguro para acidentes de trabalho celebrado entre a ora Recorrente e a sociedade C, Limitada, titulado pela apólice DAI/EGI/2013/000973, condenou a Ré, ora Recorrente, a pagar ao mesmo uma indemnização no valor global de MOP$1,946,885.82 acrescido dos respectivos juros.
III. A ora Recorrente não pode concordar com os fundamentos acima transcritos, não se conformando com a decisão ora em recurso, vindo impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente a matéria fáctica vertida no ponto 11, porquanto da prova produzida em sede de julgamento nunca poderia o referido quesito merecer a resposta que o douto Tribunal considerou.
IV. Não só entende a ora Recorrente de que a matéria fáctica foi, salvo devido respeito, incorrectamente julgada pelo Douto Tribunal a quo, como também no plano do Direito aplicável ao caso concreto, a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento.
V. Resulta claramente que a decisão recorrida, interpretada de per si, com a experiência comum e com os elementos dos autos nela acolhidos, se encontra inquinada do vício de erro na apreciação da prova, tendo violado o disposto no art. 8º do Decreto-Lei nº 40/95/M, de 14 de Agosto, e que após a reapreciação da prova por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância, deverá ser proferido douto Acórdão que considere que: o acidente ocorrido não se encontra abrangido pela apólice de seguro n.º DAI/EGI/2013/000973, com a consequente absolvição da Recorrente relativamente aos pedidos de compensação formulados nos autos, ou, caso assim V. Exas. não entendam, sem conceder, sempre se entenda que o montante atribuído a título de ITA de MOP$694,400.00, correspondente a 730 dias, não foi provado, tendo sido apenas provada uma ITA de 58 dias.
VI. Realizada audiência de discussão e julgamento, entendeu o douto Tribunal a quo responder do seguinte modo à matéria de facto: “2º - Provado que as lesões originadas pelos factos provados em B e C causaram ao autor um período de I.T.A. de 730 dias.”

VII. Da prova constante em todo o processo a resposta ao quesito 2.º teria necessariamente de ser diferente, pelo que estamos perante um claro erro de julgamento.
VIII. No vertente processo, foi determinada a realização de uma junta médica ao aqui Recorrido, por forma a apurar/confirmar qual a incapacidade parcial permanente que o mesmo ficou a padecer em consequência do acidente, assim como, qual a Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho que o mesmo sofreu, tendo resultado da referida perícia médica de que a incapacidade temporária absoluta para o trabalho por parte do aqui Recorrido foi de 730 dias ou 2 anos.
IX. O douto Tribunal a quo entendeu, sem mais, aceitar o laudo médico nos precisos termos em que foi emitido, olvidando elementos constantes dos autos que contrariam, de uma forma cabal, o resultado de tal laudo.
X. Resulta evidente das declarações prestadas pelo próprio sinistrado na DSAL a fls. 54 dos presentes autos, o acidente ocorreu no dia 6 de Agosto de 2014 e em 4 de Outubro ele voltou ao trabalho, pelo que, apenas não trabalhou durante 58 dias, devendo ser essa, na N/ opinião o período de ITA atribuído ao ora Recorrido, porquanto, foi durante este período que o sinistrado não recebeu o seu salário devido ao acidente melhor descrito nos presentes autos, conforme decorre do douto Acórdão do TSI com o n.º 631/2010 de de 17 de Novembro de 2011:
“Diz incapacidade temporária a incapacidade que, devido ao acidente de trabalho priva o trabalhador temporariamente da integralidade da sua capacidade de trabalho ou de ganho, sendo:
«Absoluta» se, durante o período de incapacidade, aquele estiver impossibilitado em absoluto de trabalhar ou ganhar. Trata-se o período em que o sinistrado ficou temporariamente em incapacidade absoluta de um factor essencial de ponderação, no processo do pedido da indemnização cível resultante do acidente de trabalho, o Tribunal deve ter consignado este facto à factualidade.”
XI. A Recorrente, ao invocar no presente recurso o erro na apreciação da prova, que, na sua óptica, inquina a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, não pretende apresentar apenas uma simples discordância relativamente à interpretação dos factos feita por aquele douto Tribunal, tendo bem presente o dispositivo do art. 558º do Código de Processo Civil, e a natureza insindicável da livre convicção relativamente à apreciação da prova efectuada pelo Tribunal recorrido, e estando bem ciente da jurisprudência afirmada nos Tribunais Superiores da RAEM.

XII. É entendimento da Recorrente que tal erro de julgamento se verifica na situação dos autos, e que o vício apontado à decisão recorrida resulta dos próprios elementos constantes dos autos, por si só ou com recurso às regras da experiência comum.
XIII. O próprio sinistrado, assume, nos relatório da DSAL constante de fls. 54 do autos, que no dia 4 de Outubro de 2014, voltou ao trabalho, ou seja, 58 dias após o acidente, pelo que se presume que terá recebido a sua remuneração normal a partir desta data, data em que, em nosso entender, cessou a Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho.
XIV. Tal argumento, só por si, é claro e objectivo, e levaria a que a resposta dada ao quesito 2.º fosse diferente daquela que o Tribunal a quo entendeu, independentemente do resultado do relatório médico, no qual os médicos limitam-se a afirmar que a ITA foi de 2 anos, olvidando quanto tempo esteve efectivamente o sinistrado sem trabalhar, sendo esse, o elemento chave para a fixação da ITA.
XV. O próprio sinistrado em todo o seu petitório, nunca refere qualquer período de 2 anos sem trabalhar, mas sim os referidos 58 dias, peticionando o acréscimo de 30 dias a tal período.
XVI. Ora, entendemos, nesta conformidade de que, o próprio sinistrado confessou qual o período que esteve efectivamente sem trabalhar, pelo que, da ponderação de todos os elementos constantes dos autos, não podia o douto tribunal a quo decidir conforme decidiu.
XVII. Acresce ainda que, caso a decisão do douto Tribunal a quo seja mantida, estará também a proporcionar ao ora Recorrido um enriquecimento ilícito, uma vez que, tendo a indemnização pela IT A um papel de compensar o sinistrado pelo período em que esteve sem poder trabalhar e assim, privado de auferir o seu rendimento, tendo este admitido que voltou ao trabalho em 4 de Outubro de 2014, estaria este a receber em duplicado um valor pelo trabalho prestado.
XVIII. Ainda que improceda o recurso na parte respeitante à impugnação da decisão que dirimiu a matéria de facto, urge ainda questionar se, face à matéria de facto tal como provada pelo douto Tribunal ainda assim estamos perante um acidente de trabalho indemnizável.
XIX. Ou seja, se o trabalhador A, estaria abrangido pelo contrato de seguro celebrado entre a B e a sua empregadora C, Limitada, titulado pela apólice n.º DAI/EGI/2013/000973.

XX. Entende a Recorrente que nem atenta a matéria de facto tal como provada pelo douto Tribunal a quo se pode entender que o ora Recorrido estava abrangido por tal contrato de seguro.
XXI. Encontra-se inserta na apólice de seguro que alegadamente cobre o acidente melhor descrito nos autos ora Recorridos uma cláusula que postula o seguinte: “It is condition of this policy that the indemnity granted is in respect of indoor staff only.”, o que numa tradução livre significa: “É condição da presente apólice que a indemnização garantida apenas diz respeito a pessoal que trabalhe apenas no interior”.
XXII. O que resulta da referida cláusula é que os funcionários que trabalhem no interior (que sejam considerados como indoor) apenas estarão cobertos caso o acidente se verifique nas instalações da empregadora, daí a inserção do da cláusula W12, resultando da própria apólice que, sendo o ora Recorrido Director Técnico, este seja considerado como trabalhador indoor e que a referida cláusula lhe seja aplicável.
XXIII. A ora Recorrente usou a alusão à cláusula W12 como forma de esclarecer que os acidentes ocorridos com determinados trabalhadores, apenas aqueles que ocorressem nas instalações da empregadora estariam abrangidos pela apólice, tendo depois complementado com a expressão “É condição da presente apólice que a indemnização garantida apenas diz respeito a pessoal que trabalhe apenas no interior”.
XXIV. Assim, da análise da apólice no seu todo, parece-nos evidente que o que as partes quiseram contratar foi efectivamente o alegado pela aqui Recorrente, tendo-se apenas recorrido à cláusula W12 por ser a única que previa a distinção entre acidentes fora e dentro das instalações da empregadora, complementando-a com o verdadeiro teor pretendido pelas partes.
XXV. A douta sentença recorrida deve ser substituída por outra que considere que o acidente melhor descrito nos autos Recorridos não configura um acidente indemnizável nos termos da apólice n.º DAI/EGI/2013/000973, ou, caso assim não se entenda o que não se concede, que o valor atribuído a título de ITA seja referente aos 58 dias assumidos pelo trabalhador como tendo estado efectivamente sem trabalhar.

Pelas razões expostas, V. Exas., alterando a sentença recorrida em conformidade com o alegado, farão inteira e sã JUSTIÇA”.
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O autor da acção respondeu ao recurso, apresentando na respectiva alegação as seguintes conclusões:
“1. A recorrente não concorda com a interpretação jurídica da cláusula do contrato de seguro em causa, feita pelo Tribunal a quo, entende que o acórdão recorrido padece do vício de erro no julgamento.
2. A tarifa de prémios de seguro e condições para o ramo de acidentes de trabalho estabelece as condições e prémios a que devem obedecer os seguros de acidentes de trabalho, deste modo, ao celebrar o contrato em causa e no momento de estipulação da cláusula W12, a recorrente e a entidade empregadora do recorrido devem obedecer às disposições da Portaria, o recorrido desempenha o papel de gerente técnico, não exerce as actividades ou profissões vinculadas pela cláusula especial W12. Não se verifica que, no momento de celebração do contrato de seguro em causa, a recorrente e a entidade empregadora do recorrido obtiveram a autorização escrita da Autoridade Monetária de Macau. Pelo que, é nula a cláusula especial W12 em apreço.
3. Além disso, conforme o art.º 3.º do Capítulo III da tarifa de prémios de seguro e condições para o ramo de acidentes de trabalho estabelece as condições e prémios, a cláusula W12 só exclui o pessoal externo (pessoal que trabalha fora de casa), mas não os acidentes ocorridos no externo. No caso, o recorrido é gerente técnico, é pessoal interno (que trabalha dentro de casa), o acidente está coberto pela cláusula W12.
4. É certo que o recorrido indicou na petição inicial que é somente de 88 dias o período da incapacidade temporária absoluta, porém, nos termos do art.º 42.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, em conjugação com o art.º 61.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, sem que estivesse restringido pela indicação do período de 88 dias da incapacidade temporária absoluta pelo recorrido, podia o Tribunal a quo fixar, segundo as provas e acreditando o relatório da junta médica, um período da incapacidade temporária absoluta diferente do período indicado pelo recorrido na petição inicial e decidir a respectiva indemnização.
5. Dispõe o art.º 383.º do Código Civil que, “A força probatória da perícia é fixada livremente pelo tribunal.” Só quando haja erro notório na apreciação da prova pelo Tribunal a quo, pode o Tribunal ad quem revogar o juízo de factos por este e apreciar de novo as provas para substituir a decisão sobre a questão de factos.
6. No caso, o Tribunal a quo acreditou a opinião unanime da junta médica, que fez fundamentação suficiente, não há qualquer prova de que o recorrido foi trabalhar de novo 58 dias depois do acidente, por isso, não há erro notório na apreciação da prova pelo Tribunal a quo.
7. Pelo exposto, pede-se que seja rejeitado o recurso pela improcedência.”
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A interveniente principal “C, Lda” respondeu ao recurso, no qual apresentouo recurso subordinado, nos seguintes termos conclusivos:
“(i) Conclusões referentes às alegações de resposta:
Do erro na determinação do período de ITA
A. A lei define incapacidade temporária absoluta como o período de incapacidade em que o trabalhador se encontra “impossibilitado em absoluto de trabalhar ou ganhar” (cf. artigo 3.º, alínea h), Decreto-lei n.º 40/95/M);
B. Da noção legal prevista no mencionado preceito extrai-se o seguinte elemento essencial de ITA: a impossibilidade em absoluto de prestação de trabalho por parte do sinistrado:
C. Assim, se houve prestação efectiva de trabalho por parte do sinistrado, obviamente não se verifica a situação de impossibilidade absoluta de trabalho:
D. Nesta medida, o momento jurídico do fim do período de ITA deve coincidir com o momento em que o trabalhador regressou ao trabalho.
E. In casu, o Recorrido apenas esteve impossibilitado em absoluto de trabalho durante 58 dias, não tendo, por isso, direito à indemnização por um período de ITA de 730 dias, já que trabalhou efectivamente nos períodos de incapacidade temporária que suportam tal direito e recebeu da entidade empregadora a retribuição correspondente ao trabalho prestado nesses períodos;
F. Termos em que deverão ser julgadas procedentes as conclusões VIII. a XVII. das alegações sob resposta.
Do âmbito de cobertura do contrato de seguro dos autos
G. A Recorrente rejeita o pagamento de indemnização ao Recorrido, tendo como razão que, de acordo com a cláusula especial W12, apenas os acidentes que ocorressem nas instalações da empregadora estariam abrangidos pela apólice dos autos:

H. Sucede, porém, que carece de fundamento a tese da Recorrente;
Primeira razão:
I. Nos termos do Capítulo II da «Tarifa de Prémios e Condições para o Ramo de Acidentes de Trabalho», aprovada pelo artigo 1.º da Portaria n.º 236/95/M, a actividade económica desenvolvida pelo Recorrido não se encontra abrangida pelo âmbito de aplicação da cláusula especial W12;
J. Acresce que, conforme bem refere o Tribunal a quo, “[n]ão ficou provado nos autos que aquando da celebração do contrato de seguro entre a Ré e a Interveniente já se tivesse obtida a autorização prévia da Autoridade Monetária de Macau” (cf. sentença de fls. 316), pelo que a inclusão da cláusula especial W12 no contrato de seguro dos autos viola o disposto no n.º 2 do Capítulo III da «Tarifa de Prémios e Condições para o Ramo de Acidentes de Trabalho», aprovada pelo artigo 1.º da Portaria n.º 236/95/M;
K. Nos termos do disposto no artigo 287.º do Código Civil, inexistindo a autorização prévia da Autoridade Monetária de Macau, a cláusula especial W12 é nula, por ser contrária à lei imperativa, nomeadamente o n.º 2 do Capítulo III da «Tarifa de Prémios e Condições para o Ramo de Acidentes de Trabalho», aprovada pelo artigo 1.º da Portaria n.º 236/95/M, devendo ser declarada tal nulidade;
L. Ante o exposto, há que concluir que a sentença não padece do vício de violação de lei por erro de julgamento, devendo ser integralmente mantido este segmento da decisão nele proferida.
Segunda razão:
M. Em todo o caso, mesmo que se entenda que a cláusula especial W12 se aplica ao ramo de actividade onde o Recorrido se encontra inserido - o que manifestamente não tem qualquer apoio na letra da lei, mas apenas em benefício do raciocínio se equaciona, sem conceder -, sempre se dirá que em caso algum se poderia considerar que, pela inclusão da cláusula especial W12, as partes pretenderam excluir do âmbito de cobertura do seguro dos autos os acidentes ocorridos fora das instalações da Interveniente;

N. A construção jurídica da tese da Recorrente enfrenta um problema de base: a cláusula especial W12 só exclui do âmbito de cobertura do seguro os trabalhadores cujo local de trabalho fica nos espaço exteriores, e não os acidentes ocorridos fora das instalações da entidade empregadora;
O. O Recorrido enquadrava-se no “pessoal interno” da Interveniente, tal como definido pela cláusula especial W12, estando, por isso, coberto pelo contrato de seguro dos autos;
Terceira razão:
P. O acidente dos autos, mesmo tendo ocorrido fora do local de trabalho do Recorrido, é considerado como “acidente de trabalho”, tal como definido pela alínea a) do artigo 3.º do Decreto-lei n.º 40/95/M, uma vez que foi verificado na execução da actividade laboral determinada pela entidade empregadora;
Q. Para o legislador, o acidente de trabalho ocorrido fora do local de trabalho não tem menos valor e não deve merecer menor protecção que o acidente ocorrido dentro do local de trabalho;
R. A interpretação da cláusula especial W12 subscrita pela Recorrente no recurso mostra-se contrária aos direitos e garantias de trabalhadores conferidos pelo Decreto-lei n.º 40/95/M, pelo que aquela cláusula, assim interpretada, é nula, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 60.º do Decreto-lei n.º 40/95/M;
S. Assim se relevando improcedente o alegado nas conclusões XX. a XXV. do recurso sob resposta.
(ii) Conclusões referentes ao recurso subordinado
T. A norma contida na alínea a) do artigo 3.º da lei n.º 17/92/M deve ser interpretada de forma restritiva, sob pena de excluir do controlo judicial condições gerais de sectores importantes, do ponto de vista prático, como o dos seguros, com base na circunstância de existir um acto prévio de aprovação por parte do legislador;

U. A necessidade de sujeição de tais cláusulas à sindicação judicial resultará do próprio espírito do RJCCG, enquanto instrumento que pretende regular todas as cláusulas que não tenham sido objecto de negociação individual;
V. A circunstância de a cláusulas especial W12 ser aprovada pelo legislador na Portaria n.º 236/95/M não a subtrai ao RJCCG, uma vez que se trata de uma cláusula pré-elaborada pela Recorrente, a proponente seguradora, pelo que errou a sentença recorrida ao considerar que o RJCCG não se aplica ao caso dos autos, o que configura uma incorrecta interpretação e aplicação dos aludidos normativos legais;
Acresce que,
W. O Tribunal a quo confundiu o ónus de alegação com o ónus da prova;
X. No caso em apreço, o ónus de alegação da violação do dever de comunicação cabia à Interveniente, ora Recorrente Subordinada, já o ónus de prova da observância desse dever incumbia à Ré, ora Recorrente;
Y. Contudo, a Ré ora Recorrente não logrou provar que tivesse cumprido o dever de comunicação nos termos do artigo 5.º do RJCCG;
Z. Recaindo o ónus da prova sobre a o ónus de prova sobre a Ré ora Recorrente quanto ao cumprimento do dever de comunicação, perante a dúvida sobre a verificação do referido facto, a mesma resolve-se contra a parte a quem o referido facto aproveita, devendo a questão ser decidida contra a parte onerada com a prova (cf. artigo 437.º do CPC), o que, no presente caso, deveria resultar na decisão de considerar provada a violação do dever de comunicação por parte da Ré ora Recorrente.

Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, deve
a) Ser julgado improcedente e não provado, com as consequências legais, o recurso interposto pela Recorrente, na parte em que em que alega que o Recorrido não se encontrava abrangido pelo contrato de seguro dos autos; e, cumulativamente,
b) Ser julgado procedente, por provado, o recurso subordinado interposto pela Interveniente, com todas as consequências legais.”
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A ré/recorrente “B, SA” respondeu ao recurso subordinado interposto pela interveniente principal “C, Lda” nos seguintes termos conclusivos:
“I. A Recorrente Subordinada entende que a cláusula especial W12, inserida no contrato de seguro constitui uma cláusula contratual geral, devendo aplicar-se ao caso em apreço as normas contidas no RJCCG.
II. Em consonância com o entendimento do douto tribunal a quo, sendo a cláusula especial W12, uma cláusula típica aprovada pelo legislador, não terá o RJCCG aplicação ao caso concreto.

III. As normas legais aplicáveis são de tal ordem claras e concisas, que não existe qualquer dever ou necessidade de as interpretar restritivamente.
IV. A existência de um acto prévio de aprovação de uma cláusula por parte do legislador afasta a sua caracterização como cláusula pré-elaborada pela Seguradora.
V. Quanto à questão do ónus da prova alegada pela Recorrente Subordinada, uma vez que, entendemos não se aplicar ao caso concreto o RJCCG, o que consequentemente esvazia a conteúdo da referida alegação.
VI. Devendo assim decair o pedido efectuado pela Recorrente Subordinada em sede de Recurso Subordinado, e ser a ora Recorrida absolvida do referido pedido”.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
“1. O autor A é empregado da C, LIMITADA, desempenha o papel de gerente técnico, gerindo o Departamento de Fiscalização e o Departamento de Projectos, auferindo a retribuição-base mensal no valor de MOP$46,500.00 (fls. 6, 11 a 13, 54, 112, 134 e 134v., 219 dos autos). (A)
2. Em 6 de Agosto de 2014, pelas 9H30, com o consentimento da empregadora (interveniente principal) e para os interesses desta, o autor foi em representação à reunião realizada na Sede do Governo (ou seja Palácio da Praia Grande), quando se passeava pela Travessa da Paiva, escorregou porque estava a chover e, assim, sofreu a fractura do braço esquerdo (fls. 6, 54 e 220 dos autos). (B)
3. Em seguida, o autor foi submetido ao tratamento médico do Centro Hospitalar Conde de São Januário. Após diagnose, o autor sofreu ferimento resultante do referido acidente de trabalho: pós-operatório de fractura de úmero e de transplante e reparação do nervo radial (fls. 17, 54, 56, 94 e 96 dos autos). (C)
4. A empregadora do auto comprou à ré o seguro de acidentes de trabalho por apólice n.º DAI/EGI/2013/000973 (fls. 8 e 9 dos autos, as cláusulas da apólice dão-se aqui por integralmente reproduzido). (D)
5. Consta da apólice referida a cláusula especial W12: “It is a condition of this policy that the indemnity granted is in respect of indoor staff only”. (E)
6. O autor pagou as despesas médicas, decorrentes do ferimento do acidente, no valor de MOP$20,591.78. (F)
7. Só foi adiantada ao autor a indemnização da incapacidade temporária absoluta de 58 dias. (G)
8. Até hoje, ainda não foi prestada ao autor qualquer indemnização da incapacidade permanente parcial. (H)
9. O autor nasceu em 29 de Março de 1976. (I)
10. É de 25% o coeficiente de desvalorização da incapacidade permanente parcial do autor, resultante das lesões descritas nas alíneas B e C dos factos assentes. (1º)
11. É de 730 dias o período da incapacidade temporária absoluta do autor, resultante das lesões descritas nas alíneas B e C dos factos assentes (2º)
12. Foi de MOP$23,077.60 o valor total das despesas médicas decorrentes do ferimento do acidente de trabalho do autor, do qual ainda não foi pago um montante de MOP$2,485.82 (fls. 136 a 180 e 198 a 199 dos autos). (3º)
13. A cláusula especial W12, mencionada na alínea E dos factos assentes, foi previamente formulada para valer num número indeterminado de contratos e apresentada pela ré à interveniente principal, que se limitou a aceitar, para a conclusão de um contrato singular. (4º)
***
III – O Direito
1 – Questões suscitadas no recurso independente
A sentença considerou que a seguradora, pese embora a cláusula W12 da apólice do contrato de seguro celebrado entre a Ré e a interveniente principal, deveria ser responsável pelo pagamento dos danos sofridos pelo autor em consequência do acidente de trabalho sofrido.
A recorrente seguradora discorda da sentença em dois planos.
O primeiro refere-se ao erro de julgamento na atribuição de uma ITA (Incapacidade Temporária Absoluta) durante um período de 730 dias.
Na sua opinião, aquele período não pode ser aceite, sob pena de enriquecimento ilícito, face ao que o autor da acção fez constar nas declarações prestadas na DSAL (fls. 54 dos autos) que após o acidente (ocorrido em 6/08/2014), afirmando ter voltado ao trabalho em 4/10/2014. Ou seja, apenas teria ocorrido uma ITA de 58 dias.
O segundo tem que ver com o alcance do contrato de seguro celebrado, designadamente sobre o sentido da cláusula especial W12, que na sua óptica excluiria a cobertura deste acidente concreto.
Apreciemos.
*
2 – Do erro sobre a matéria de facto
A sentença deu como provado um período de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) de 730 dias, na sequência de uma perícia realizada para o efeito.
A recorrente sustenta que esse período não pode superior a 58 dias, visto que, tendo o acidente ocorrido no dia 6/08/2014, o autor regressou ao trabalho no dia 4/10/2014, tal como ele mesmo declarou na DSAL (fls. 54 dos autos).
Na tese da recorrente, isto configura um erro de julgamento da matéria de facto, tanto mais que o próprio autor, no articulado inicial, apenas peticionou 30 dias a mais a esse título para além dos 58 dias reconhecidos na petição inicial.
Ora bem. Como se sabe, a perícia é um meio de prova como outro qualquer; o laudo dos peritos não tem um carácter vinculativo, embora, como é lógico, tenha um peso probatório importante quando esteja em causa matéria técnica e especializada estranha ao conhecimento dos juízes.
Como foi dito por este TSI, “Ao contrário do que sucede no processo penal, onde o juízo técnico, científico e artístico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador – artº 149º/1 do CPP-, inexiste, na matéria civil e laboral, norma que predetermina a superioridade da força probatória da perícia, em relação às outras provas.” (Ac. do TSI, de 4/10/2018, Proc. nº 562/2018).
Apesar disso, neste caso, não se crê que o laudo pericial da junta médica tenha que seguir-se fielmente. É que, como se sabe, a Incapacidade temporária é aquela que devido ao acidente priva o trabalhador temporariamente da integralidade da sua capacidade para o trabalho ou de ganho (art. 3º, al. g), do DL nº 40/95/M).
E ela é absoluta se durante o período de incapacidade o trabalhador estiver impossibilitado em absoluto de trabalhar ou ganhar (art. 3º, al. g), (1), do cit. dip.).
Ora, sucede que o autor na petição inicial, ele mesmo, afirmou que a ITA foi de 58 dias mais 30 por causa da operação de remoção da agulha de fixação interna (total: 88 dias), período que coincide com o exame do perito médico de fls. 96 dos autos e coincide com a data do regresso ao trabalho aludida nas declarações prestadas na DSAL (fls. 54 dos autos e tradução de fls. 64-66 do apenso “traduções”).
Somos, pois, a pensar que não se pode manter a resposta dada ao quesito 2º.
Aliás, o próprio autor, na sua resposta ao recurso não nega sequer que tenha regressado ao trabalho após 58 dias de ausência por força da sua incapacidade, limitando-se a aceitar o laudo da junta médica.
E da mesma maneira, também a recorrente subordinada (C, Lda”), entidade patronal do autor, reconhece razão à recorrente principal sobre este ponto, dando como certo e adquirido que o autor apenas esteve impossibilitado absolutamente para o trabalho durante 58 dias e que após este período regressou ao trabalho.
Sendo assim, nesta parte procede o recurso e, em consequência, altera-se a resposta ao art. 2º e consignaremos que “Foi de 58 dias o período da incapacidade temporária absoluta para o trabalho do autor em resultado das lesões descritas nas alíneas B) e C) dos factos assentes”.
Revogar-se-á, portanto, a sentença na parte em que procedeu à condenação no valor de MOP$ 694,400,00 a título de ITA.
E tendo em conta que o autor da acção, pelos dias em que efectivamente esteve incapacitado absolutamente para o trabalho (58), já recebeu a correspondente indemnização (cfr. al. G) dos factos assentes), nada mais a este título tem que receber.
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3 – A ré/recorrente defende ainda que, de acordo com o contrato de seguro, não teria que ser responsabilizado pelo pagamento da indemnização referente aos danos sofridos pelo autor. E isto porque nesse contrato existe uma cláusula, segundo a qual, em caso de acidente de trabalho, apenas fica garantida a indemnização aos trabalhadores que exerçam funções no interior da empresa (aqui interveniente) e cujo acidente ocorra nas instalações da empregadora. E como esse não seria o caso dos autos, advoga que não podia ser condenado.
Vejamos.
A cláusula em causa (W12) apresenta o seguinte teor em língua inglesa: “It is condition of this policy that yhe indemnity granted is in respect of indoor staff only”, o que, numa tradução livre para português, significará que “É condição da presente apólice que a indemnização garantida diga respeito a pessoal que apenas trabalhe no interior”.
Antes de mais nada, importa chegar à conclusão sobre natureza dela: será uma cláusula contratual especial, tal como o afirmou a sentença impugnada, ou será uma cláusula contratual geral, tal como o defende a interveniente/recorrente subordinada?
A importância da conclusão está intimamente ligada com o regime com o qual se tem que lidar: se for cláusula geral, tem que se averiguar se foi ou não observada alguma exigência da Lei nº 17/92/M (que regula as cláusulas contratuais gerais), nomeadamente o dever de comunicação a que se refere o art. 5º.
A sentença tratou esta cláusula como sendo especial, afirmando esta natureza na matéria da resposta ao art. 4º (facto 13 da sentença), bem como no facto assente na alínea E).
Para ultrapassarmos esta dúvida, vamos ver o que dispõe a Portaria nº 236/95/M, que estabelece a Tarifa de Prémios e Condições para o Ramo de Acidentes de Trabalho
Este diploma prevê no art. 15º o seguinte:
Artigo 15.º
(Cláusulas especiais)
As cláusulas especiais indicadas para algumas taxas de prémios devem ser transcritas em todas as apólices emitidas à(s) taxa(s) em causa, excepto se tal for considerado desnecessário devido a aplicação de outra(s) taxa(s) de prémios e correspondente(s) cláusula(s) especial(is), se a ela(s) houver lugar.
Dele resulta que as cláusulas especiais devem estar transcritas na apólice. Como aquela que aqui se discute está transcrita, à primeira vista tudo aponta no sentido de que se trata, efectivamente, de uma cláusula especial.
Por outro lado, no Capítulo II da Portaria, dedicado às Tarifas de Prémios, a cláusula W12 vem assinalada como aplicável aos Hospitais (incluindo postos de enfermagem), no Código 024, bem como aos Hotéis, pensões e casas de hóspedes, relativamente ao pessoal de cozinha e outro pessoal, no Código 025, e ainda aos Restaurantes, relativamente ao pessoal de cozinha e outro pessoal, Código nº 057.
Ora, e de acordo com o nº1, do Capítulo II da Tarifa mencionada “ Todos os seguros, ao abrigo desta Tarifa, estão sujeitos às cláusulas especiais nela insertas para as diversas actividades, pelo que se deverá mencionar na apólice quais as cláusulas especiais aplicáveis ao seguro a que aquela se refira.”
Significa isto que para cada actividade corresponde uma cláusula especial com nomenclatura diferente, código próprio e taxas diferenciadas.
Podemos, pois, concordar com a sentença de que estamos perante uma cláusula especial mencionada na apólice tal como é imposto pela norma da Portaria acabada de transcrever.
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3.1 – Sendo assim, e tendo em atenção que a cláusula especial W12 se inscreve na Portaria em lista apertada e de carácter exaustivo, então parece fácil concluir que a actividade aqui em apreço não cabe no âmbito da sua previsão. Isto é, a actividade que o autor desenvolvia não era daquelas a que a Portaria se refere.
É certo que o nº2 do Capítulo II estatui que “Sem o consentimento prévio da Autoridade Monetária e Cambial de Macau, não será autorizado o aditamento, modificação ou extensão de qualquer cláusula especial, excepto se tal for permitido pela Tarifa”. Quer dizer, a extensão dessa cláusula a outra actividade carece de uma autorização prévia da Autoridade Monetária e Cambial de Macau.
Só que tal autorização não ocorreu no caso em apreço (não está demonstrada). Dito isto, não podia a cláusula W12 ser incluída na apólice em apreço.
Então, face ao disposto no art. 287º1 do Código Civil estaremos perante uma nulidade, que nos termos do art. 285º2 parece atingir apenas a referida cláusula, tal como o decidiu a sentença ora em crise.
Com isto, queremos dizer, com a sentença, que a ré seguradora não pode excluir-se do dever de assumir o pagamento da indemnização pelo dano sofrido pelo autor.
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3.2 – Mas, mesmo que não seja de acolher o que acaba de concluir-se no ponto imediatamente anterior, isto é, mesmo que se não concorde que a cláusula seja nula nos termos descritos, nem por isso o teor da cláusula cobriria a tese da recorrente.
É que ela tem um alcance muito específico, pois se refere aos empregados “indoor”, mas não implica que os acidentes ocorram somente “indoor”, ao contrário do que defende a recorrente. Nada na cláusula é mencionado sobre a localização interna ou externa do acidente.
Aliás, dificilmente, se aceitaria que não se considere como acidente de trabalho o acidente sofrido a caminho do local de emprego por um chefe de cozinha de um hotel ou um cozinheiro de restaurante, já que esse entendimento afrontaria claramente o conceito previsto no art. 3º, al. (5), do DL nº 40/95/M (Acidentes de Trabalho).
Portanto, se o autor era director técnico da interveniente/recorrente subordinada, isso só pode querer dizer que a sua função era desempenhada no interior das instalações. Logo, estava coberto pelo seguro e não estava excluído da cobertura pela referida clausula W12.
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3.3 – Por outro lado, mesmo que o acidente tenha ocorrido fora das instalações, o que é certo também é que ele ia, em representação, a uma reunião na sede do Governo. Estava, pois, ao serviço da sua entidade patronal (ver facto B).
Nesta medida, não se coloca em dúvida que o acidente foi de trabalho, nos termos do art. 3º, al. a), parágrafo (1), do DL nº 40/95/M.
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3.4 – Face ao que se acabada de ver, o recurso independente da ré seguradora não pode proceder.
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4 – Do recurso subordinado
A interveniente principal “C, Lda”, entidade patronal do autor da acção, na resposta ao recurso apresentado pela ré seguradora veio formular um recurso subordinado.
Nele advoga que a referida cláusula W12 deve ser tratada no âmbito da Lei nº 17/92/M - Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais. E por assim entender, defende que ela lhe deveria ter sido comunicada, nos termos do art. 5º. Não o tendo sido, seria tida como cláusula inexistente, e, portanto, excluída do contrato, nos termos do art. 9º, al. a), desse diploma.
Cremos que não tem razão.
Nos termos do art. 1º, nº2, “Por cláusulas contratuais gerais entende-se as que são previamente formuladas para valer num número indeterminado de contratos e que uma das partes apresenta à outra, que se limita a aceitar, para a conclusão de um contrato singular”.
Ora, em primeiro lugar, não está demonstrado que tal cláusula valha em número indeterminado de contratos.
Em segundo lugar, a lei nº 17/92/M não se aplica “a cláusulas típicas aprovadas pelo legislador”, tal como é dito expressamente no art. 3º, al. a).
Ora, aquela cláusula pode W12 é considerada “cláusula típica”, na medida em que foi aprovada pelo legislador para vigorar relativamente aos trabalhadores referidos “indoor” nas actividades atrás aludidas. Ou seja, uma cláusula típica não pode transformar-se em cláusula geral.
Portanto, típica é; saber se ela protege a seguradora no caso concreto, isso já é outra coisa, mas não lhe modifica a natureza.
Sendo assim, improcede o recurso subordinado.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 - Conceder parcial provimento ao recurso da ré Seguradora e, em consequência:
a) Alterar a resposta ao art. 2º da BI, consignando-se que “Foi de 58 dias o período da incapacidade temporária absoluta para o trabalho do autor em resultado das lesões descritas nas alíneas B) e C) dos factos assentes”;
b) Revogar a sentença na parte em que condenou a ré/recorrente no pagamento da indemnização no valor de MOP$ 694.400,00 a título de Incapacidade Temporária Absoluta;
Em consequência, vai a ré absolvida do pedido de indemnização por ITA.
c) No mais, vai improcedente o recurso, mantendo-se e confirmando-se a sentença impugnada.
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2 - Negar provimento ao recurso subordinado interposto pela interveniente principal.
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3 - Custas pelas recorrentes em função do decaimento.
T.S.I., 14 de Março de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong


1 Os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulta da lei.
2 A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.
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Proc. nº 1117/2018 27