Processo nº 1007/2017
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I
A, devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a B e C, ambas devidamente identificadas nos autos, doravante abreviadamente designada B e C.
Citadas as Rés, contestaram pugnando pela improcedência da acção e deduzindo excepção de prescrição de uma parte dos créditos reclamados.
Proferido o despacho saneador, pelo qual foi julgada procedente a invocada excepção da prescrição dos créditos, reclamados pelo Autor desde o início da relação laboral até 08ABR2001.
Mediante o requerimento ora constante das fls. 148 e s.s., o Autor pediu a correcção da moeda em que foram peticionadas as quantias dos diversos pedidos da acção.
Por despacho ora constante das fls. 163, o pedido da correcção foi deferido nos termos requeridos.
Notificadas e inconformadas, vieram as Rés recorrer desse despacho mediante o requerimento motivado ora constante das fls. 165 e s.s., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Admitido o recurso e fixado o regime de subida diferida, continuou a marcha processual na sua tramitação normal e veio a final a acção julgada parcialmente procedente, e condenadas as Rés nos termos seguintes:
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se:
- a 1.ª Ré a pagar ao Autor, a título de créditos laborais, a quantia global de MOP 106.861,25 (sendo 16.680,00 a título de subsídio de alimentação, 11.000,00 a título de subsídio de efectividade, 21.887,50 a título de descansos semanais, 21.887,50 a título do não gozo dos dias de descanso compensatório, 21.243,75 a título de comparticipação no alojamento descontadas, 14.162,50 pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho); e
- a 2.ª Ré a pagar ao Autor, a título de créditos laborais, a quantia global de MOP 169.481,25 (sendo 37.500,00 a título de subsídio de alimentação, 32.200,00 a título de subsídio de efectividade, 62.186.25 a título de comparticipação no alojamento descontadas, 37.595,00 pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho);
- acrescidas de juros moratórios à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório, absolvendo no mais as Rés do pedido.
Condena-se a 1.ª Ré a pagar ao Autor as bonificações ou remunerações adicionais incluindo as gorjetas pagas aos operários residentes, a liquidar em execução de sentença.
Mais vão as Rés condenadas a pagar ao Autor os montantes correspondentes ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório, em quantia a liquidar em execução de sentença.
As custas serão a cargo das Rés e do(a) Autor(a) na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.
Notificados e inconformados da sentença, vieram o Autor e as Rés recorrer dela para esta segunda instância, mediante os requerimentos motivados ora constantes das fls. 204 a 209 e das fls. 211 a 245, respectivamente, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Admitidos no Tribunal a quo, os recursos foram feitos subir a este Tribunal de recurso.
Por despacho do Relator, já transitado em julgado, o recurso interlocutório não foi admitido.
Liminarmente admitido o recurso final e colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Inexistindo questão de conhecimento oficioso e face às conclusões dos recursos, são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:
1. Do subsídio de alimentação;
2. Do subsídio de efectividade;
3. Da compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e pelo não gozo do descanso compensatório;
4. Dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais;
5. Dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos feriados obrigatórios;
6. Do trabalho por turnos e trabalho extraordinário;
7. Das bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas; e
8. Da falta de fundamentação.
A fim de nos habilitar a apreciar as questões levantadas nos recursos, passam-se a transcrever infra os factos que ficaram provados na primeira instância:
1) Entre 01 de Agosto de 1998 e 21 de Julho de 2003, o Autor esteve ao serviço da 1.ª Ré (B), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (Cfr. doc.1). (A)
2) O Autor foi recrutado pela Sociedade D – Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. - e exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 4/98, aprovado pelo Despacho n.º 01124/IMO/SEF/2000, de 26/06/2000 (Cfr. doc. 2 e 3). (B)
3) Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residentes) por parte da 1.ª Ré (B) para a 2.ª Ré (C), com efeitos a partir de 21/07/2003 (Cfr. Doc. 4). (C)
4) Entre 22/07/2003 e 16/04/2012, o Autor esteve ao serviço da 2.ª Ré (C), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (D)
5) Durante todo o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade nos locais (postos de trabalho) indicados pelas Rés. (E)
6) Durante o período que prestou trabalho, as Rés pagaram ao Autor a quantia de HKD$7,500.00, a título de salário de base mensal. (F)
7) Durante todo o período da relação de trabalho com as Rés, o Autor prestou a sua actividade num regime de turnos rotativos. (G)
8) Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a 1.ª Ré (B) num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia:
Turno A: (das 08h às 16h)
Turno B: (das 16h às 00h)
Turno C: (das 00h às 08h) (H)
9) Resulta do ponto 3.1. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 4/98, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de “(…) $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação”. (1.º)
10) Entre 01/08/1998 e 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação ou nunca entregou ao Autor qualquer tipo de alimentos e/ou géneros. (2.º)
11) Entre 22/07/2003 e 31/03/2010, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (3.º)
12) Resulta do ponto 3.3. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 4/98, que “(…) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se o Autor), este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1.º outorgante (leia-se, as Rés) paga aos operários residentes no Território”. (4.º)
13) Entre 01/08/1998 e 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas. (5.º)
14) Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 4/98, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (6.º)
15) Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés. (7.º)
16) Entre 01/08/1998 e 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (8.º)
17) Entre 22/07/2003 e 03/2010, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (9.º)
18) Entre 01/08/1998 e 31/12/2002, a 1.ª Ré (B) nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (10.º)
19) A 1.ª Ré nunca concedeu ao Autor um período de descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição. (11.º)
20) A 1.ª Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (12.º)
21) A 1.ª Ré (B) nunca conferiu ao Autor um qualquer outro dia de descanso compensatório. (13.º)
22) Entre 01/08/1998 e 21/07/2003 o Autor prestou a sua actividade durante feriados obrigatórios para a 1.ª Ré. (14.º)
23) A 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia adicional (leia-se, um qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (15.º)
24) Entre 22/07/2003 e 31/12/2008 o Autor prestou a sua actividade durante feriados obrigatórios para a 2.ª Ré. (16.º)
25) A 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia adicional (leia-se, qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (17.º)
26) Durante o período em que o Autor prestou trabalho, as Rés procederam a uma dedução no valor de HKD750,00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (18.º)
27) As Rés nunca pagaram ao Autor qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo. (19.º)
28) Aquando da contratação do Autor no Nepal foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau.
Passemos então a apreciar as seguintes questões de direito.
1. Do subsídio de alimentação
Alegam as recorrentes, em síntese, que pressupondo a atribuição do subsídio de alimentação diário a prestação efectiva do trabalho, no dia em que é devido e não tendo sido in casu demonstrado o número exacto dos dias em que efectivamente trabalhou durante o período compreendido entre 09ABR2001 e 21JUL2003 e o período que se medeia entre 22JUL2003 e 31MAR2010, o Tribunal não pode condenar, como condenou, as Rés, a título desse subsídio, no pagamento das quantias apuradas com a aplicação da fórmula consistente em multiplicar o número dos dias por MOP$20,00.
Trata-se da questão de saber se o subsídio de alimentação é devido nos dias em que o Autor efectivamente trabalhou ou é sempre devido em todos os dias enquanto durou a relação de trabalho.
Então vejamos.
Nota-se que, in casu, o “quando” deve ser pago o subsídio de alimentação não foi objecto de estipulação quer no contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade D – Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia. Lda., quer no contrato individual celebrado entre o Autor e as Rés, nem na lei vigente na constância de relação de trabalho em causa, para a qual o próprio contrato individual de trabalho remete.
Ou seja, na falta de disposições legais que impõem à entidade patronal a obrigação de pagar ao trabalhador o subsídio de alimentação, a sua regulação quer quanto à sua existência quer quanto aos termos em que é pago deve ser objecto da negociação entre as partes.
In casu, foi apenas estipulada no contrato de prestação de serviço a obrigação de pagar ao trabalhador um subsídio de alimentação no valor de MOP$20,00 por dia.
Para resolver esta questão, temos de averiguar a natureza do tal subsídio.
Ora, inquestionavelmente o subsídio de alimentação não é a retribuição do trabalho nem parte integrante dessa retribuição, dado que não é o preço do trabalho prestado pelo trabalhador.
Como foi dito supra, na falta de disposições expressas na lei, só há lugar ao pagamento do subsídio de alimentação se assim for estipulado entre o trabalhador e a entidade patronal.
Ficou provado que in casu foi estipulado no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e Sociedade D – Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia. Lda. que o trabalhador tinha direito ao subsídio de alimentação no valor de MOP$20,00 por dia.
Mas ficamos sem saber se era devido enquanto a relação de trabalho se mantinha ou apenas nos dias em que houve prestação efectiva de trabalho.
Não obstante o D. L. nº 24/89/M, vigente no momento dos factos dos presentes autos, não ser aplicável à contratação dos trabalhadores não residentes, por força do disposto no próprio artº 3º/3-d), por o Autor não ser trabalhador residente, o certo é que, por conhecimento que temos por virtude do exercício de funções, por remissão expressa do contrato individual de trabalho celebrado entre a Ré e os seus trabalhadores, o mesmo diploma é aplicável ao caso sub judice.
Assim, vamos tentar procurar a solução para a questão em apreço na mens legislatoris subjacente ao regime jurídico definido no citado D. L. nº 24/89/M.
Como se sabe, no âmbito desse diploma, existem prestações por parte da entidade patronal a favor do trabalhador independentemente da prestação efectiva de trabalho.
É o que se estabelece nos artºs 17º, 19º e 21º daquele decreto-lei, nos termos dos quais é devido o salário nos dias de descansos semanal e anual e de feriados obrigatórios remunerados.
Isto é, é devido o salário a favor do trabalhador independentemente da prestação efectiva de trabalho.
Então urge saber se é também devido o subsídio de alimentação independentemente da prestação efectiva de trabalho.
E assim é preciso saber qual é a razão que levou ao legislador a obrigar a entidade patronal a pagar salário ao trabalhador mesmo nos dias de folga e averiguar se existe uma razão paralela justificativa da atribuição ao trabalhador do subsídio de alimentação nos dias em que não trabalha.
Face ao regime de descansos e feriados definido no decreto-lei, sabemos que a razão de ser de assegurar ao trabalhador o direito ao salário nesses dias de descanso é porque o legislador quis estabelecer, como o mínimo das condições de trabalho, o direito ao descanso sem perda de vencimento.
Ou seja, é o direito ao descanso que justifica o pagamento de salário nos dias de descanso e feriados.
Mas já nenhum direito, como mínimo das condições de trabalho ou a qualquer outro título, estabelecido na lei, a favor do trabalhador, tem a virtualidade de obrigar a entidade patronal a pagar o subsídio de alimentação quer nos dias em que trabalha quer nos dias em que não trabalha.
Assim, parece que nos não é possível resolver a questão no âmbito do D. L. nº 24/89/M e temos de virar a cabeça tentando encontrar a solução para o presente caso concreto tendo em conta as características do serviço que o Autor prestava.
Da matéria de facto provada resulta que o Autor exercia as funções de guarda de segurança, trabalhando sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização das Rés e eram as Rés quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades.
As tais condições de trabalho, nomeadamente a mobilidade do horário de trabalho, a total disponibilidade do trabalhador, mostram-se evidentemente pouco compatíveis com a possibilidade de o Autor, nos dias em que efectivamente trabalhava, preparar e tomar as refeições em casa, que lhe normalmente acarretariam menores dispêndios.
Assim, compreende-se que nos dias em que efectivamente trabalhava, por ter de comer fora, o Autor viu-se obrigado a suportar maiores despesas nas refeições do que nos dias de folga.
Com esse raciocínio, cremos que o subsídio de alimentação, acordado no contrato de prestação de serviço celebrado entre as Rés e Sociedade D – Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia. Lda., de que é beneficiário, visa justamente para compensar ou aliviar o Autor das despesas para custear as refeições nos dias em que se tendo obrigado a colocar a sua força laboral ao dispor da Ré, lhe não era possível preparar e tomar refeições em casa.
Assim sendo, é de concluir que o subsídio de alimentação só é devido nos dias em que o trabalhador efectivamente trabalha.
Ora, ficou provado que “Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés”.
Bom, este facto, de per si, não afirma nem infirma que, enquanto durou a relação laboral entre o Autor e a Ré, o Autor já chegou a faltar ao serviço, com motivos justificativos.
Assim, ante a matéria de facto assim provada, entendemos que o Autor não logrou demonstrar o número exacto dos dias em que efectivamente trabalhou.
Perante esta situação, a jurisprudência deste TSI vem sempre no sentido de reconhecer ao trabalhador o direito ao subsídio.
Mas solução final varia conforme se existe ou não a matéria alegada nos articulados, não quesitada no thema probandum, que pode habilitar o Tribunal de primeira instância, após a repetição do julgamento, a apurar o número exacto dos dias em que efectivamente trabalhou.
Só que in casu inexiste tal matéria alegada nos articulados, não nos resta outra alternativa que não seja a de revogar a sentença recorrida nesta parte, reconhecer ao Autor o direito de receber o subsídio de alimentação em todos os dias em que trabalhou durante o período compreendido entre 09ABR2001 e 21JUL2003 e o período que se medeia entre 22JUL2003 e 31MAR2010, e condenar respectivamente a 1ª Ré e a 2ª Ré a pagar a compensação a título de subsídio de alimentação no valor a liquidar em execução de sentença – artº 564º/2 do CPC.
2. Do subsídio de efectividade
Alegam as recorrentes, em síntese, que pressupondo a atribuição do subsídio de efectividade mensal a ausência da falta no mês anterior, e tendo sido apuradas dispensas e ausências de serviço durante o período compreendido entre 09ABR2001 e 21JUL2003 e o período que se medeia entre 22JUL2003 e 31MAR2010, o Tribunal não pode condenar, como condenou, as Rés, a título desse subsídio, no pagamento das quantias apuradas com a aplicação da fórmula consistente em multiplicar o número de todos os meses naqueles dois períodos por MOP$100 x 4 dias.
Ficou provado que:
“Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés.”
Ante esta matéria assente, temos que o Autor nunca faltou injustificadamente.
E atendendo ao fim subjacente à atribuição do subsídio de efectividade, é de entender que as faltas previamente consentidas ou autorizadas pela entidade patronal nunca podem ser interpretadas com sintomas da falta de assiduidade e portanto não devem influir negativamente os interesses do trabalhador no que diz respeito ao seu direito ao subsídio de efectividade.
Improcede esta parte do recurso.
3. Da compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e pelo não gozo do descanso compensatório
Vêm as Rés reagir contra a condenação a título da compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e pelo não gozo do descanso compensatório, dizendo que estando provados alguns dias de dispensa e falta ao serviço autorizadas, o Tribunal não pode condenar, como condenou, as Rés a pagar a quantia equivalente a 85 dias de alegados descansos semanais, correspondentes ao número de todos os períodos de sete dias desde 09ABR2001 a 31DEZ2002.
Na verdade, se não tiverem sido apurados o número exacto e a localização temporal dos dias em que o trabalhador foi dispensado e autorizado a faltar ao serviço, não seria possível determinar quanto é que o número dos descansos semanais não gozados.
A mesma conclusão vale, por identidade de razões, para a sorte do recurso na parte respeitante à condenação a título da compensação pelo não gozo do descanso compensatório.
Todavia, é de reconhecer ao Autor o direito à compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e pelo não gozo do descanso compensatório e condenar respectivamente a 1ª Ré e a 2ª Ré a pagar a compensação no valor a liquidar em execução de sentença – artº 564º/2 do CPC.
4. Dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais
O Autor pede, inter alia, a condenação das Rés a pagar-lhe a compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal e a compensação dos dias compensatórios dos descansos semanais não gozados.
O Tribunal a quo deu-lhe razão e acabou por reconhecer ao Autor esses direitos.
Mas o Autor questiona o multiplicador (X 1) para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal, adoptado pelo Tribunal a quo, defendendo que deve ser adoptado o multiplicador (X 2).
Tem razão o Autor.
Pois no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.
Diz o artº 17º deste diploma que:
1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.
Procede o recurso interposto pelo Autor nesta parte.
5. Dos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos feriados obrigatórios;
No âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho em feriados obrigatórios e a forma das suas compensações encontram-se regulados no artº 20º que prescreve:
1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a um acréscimo de trabalho não previsível;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável para garantia a continuidade do funcionamento da empresa, nos casos em que, de acordo com os usos e costumes, esse funcionamento deva ocorrer nos dias de feriados.
2. Nos casos de prestação de trabalho em dia feriado obrigatório não remunerado, ao abrigo da alínea b) do nº 1, o trabalhador que tenha concluído o período experimental tem direito a um acréscimo de salário nunca inferior a 50% do salário normal, a fixar por acordo entre as partes.
Nos termos do disposto no artº 19º/3, os trabalhadores têm direito à retribuição nos seis dias de feriado obrigatório (1 de Janeiro, os primeiros 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro).
Perante a materialidade fáctica assente, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de feriados obrigatório integra-se justamente na circunstância prevista no artº 20º/1-c), pois o trabalhador estava afectado aos casinos explorados pela entidade patronal, que como vimos supra, se obrigava legalmente a manter os seus casinos em funcionamento contínuo.
Assim, ao abrigo do disposto no artº20º/1, o trabalhador tem direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal.
A propósito da interpretação da expressão “acréscimo salarial”, ensina o Dr. Augusto Teixeira Garcia que “......A prestação de trabalho nestes dias dá o direito aos trabalhadores de receberem um acréscimo de retribuição nunca inferior ao dobro da retribuição normal (artº 20º, nº1). Assim, se um trabalhador aufere como remuneração diária a quantia de MOP$100, por trabalho prestado num dia feriado obrigatório e remunerado ele terá o direito de auferir MOP$300, ou seja, MOP$100 que corresponde ao dia de trabalho mais MOP$200, correspondente ao acréscimo salarial por trabalho prestado em dia feriado.” – vide, op. cit., Capítulo V, ponto 9.2.
Cremos que essa é única interpretação correcta da expressão “acréscimo salarial”.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, a fórmula é:
3 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em feriado obrigatório remunerado, nas situações previstas no artº 20º/1-c).
6. Do trabalho por turnos e trabalho extraordinário
Com o mesmo fundamento invocado na questão relativa ao número dos descansos semanais não gozados, isto é, se não tiverem sido apurados o número exacto e a localização temporal dos dias em que o trabalhador foi dispensado e autorizado a faltar ao serviço, não existiria elementos fácticos para a cálculo do número das horas extraordinárias não pagas.
Sabendo apenas que ficam por pagar o trabalho nas horas extraordinárias que tenha sido efectivamente efectuado sem que todavia tenha sido apurado o número exacto dessas horas, é de condenar a 1ª Ré e a 2ª Ré a pagar a compensação no valor a liquidar em execução de sentença – artº 564º/2 do CPC.
7. Das bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas
O Tribunal a quo condenou a 1ª Ré a pagar ao Autor as bonificações ou remunerações adicionais incluindo as gorjetas pagas aos operários residentes, a liquidar em execução de sentença.
Para a recorrente, o Tribunal não pode condenar a pagar as tais bonificações ou remunerações adicionais incluindo as gorjetas, uma vez que ficou por comprovar e até mesmo por alegar quais foram as bonificações ou remunerações adicionais que ela pagou aos trabalhadores residentes e que as gorjetas não foram pagas por ela, mas sim pelos clientes.
Tem razão a recorrente.
Na verdade, o Autor não alegou concretamente quais foram tais bonificações ou remunerações adicionais.
Ou seja, o Autor pediu ao Tribunal que lhe atribuísse aquilo que os outros trabalhadores residentes tinham. O que eles tinham? quem são eles?
A resposta é “não se sabe”!
Ora, como se sabe, ao autor cabe formular a pretensão de tutela jurisdicional que visa obter e expor as razões de facto e de direito em que a fundamenta (artº 389º/1-c) do CPC) e sobre o réu recai o ónus de impugnação específica dos factos articulados na petição pelo autor (artº 410º/1 do CPC) .
Na matéria de facto, o juiz tem de cingir-se às alegações das partes, ao passo que na indagação, interpretação e aplicação do direito o tribunal age livremente (artº 567º do CPC).
In casu, é evidente a insuficiência das razões de facto expostas pelo Autor, não nos resta outra solução que não seja a absolvição das Rés do pedido.
8. Da falta de fundamentação
Para as recorrentes, a sentença recorrida padece da nulidade por falta de fundamentação, uma vez que a sentença recorrida manteve na íntegra as conclusões incoerentes aduzidas pelo Autor em sede de petição inicial, ficando por apurar diversas questões relacionadas com o facto de Autor alegar que trabalhava todos os dias da semana mas reconhecer que faltou algumas vezes com autorização prévia das Rés, sem que se tenha apurado quantos dias foram, faltam-lhe concretizar os factos de onde retira tais conclusões.
Uma sentença fere da nulidade por falta de fundamentação quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – artº 571º/1-b) do CPC.
Obviamente o que alegaram as recorrentes não constitui uma situação da falta de fundamentação.
O Tribunal fundamentou. Bem ou mal é outra coisa.
No fundo, o que disseram as recorrentes faz a sentença padecer do erro de julgamento, uma vez que a matéria alegada e provada não se mostra suficiente para sustentar a condenação.
Aliás estas questões de erro já foram por nos tratadas supra, nomeadamente no que diz respeito às questões que se prendem com a compensações pelo trabalho prestados nos dias de descanso semanal, feriados obrigatórios, horas de trabalho extraordinário.
E é justamente por essa razão, só tratamos desta questão em último lugar.
Improcede assim também esta parte do recurso.
III
Pelo exposto, acordam em julgar procedente o recurso interposto pelo Autor e parcialmente procedentes os recursos das Rés:
a. Revogando a condenação quanto ao subsídio de alimentação e em substituição passando a condenar as Rés a pagar condenar a 1ª Ré e a 2ª Ré a pagar ao Autor a compensação a título de subsídio de alimentação no valor a liquidar em execução de sentença, respectivamente, devido no período compreendido entre 09ABR2001 e 21JUL2003 e no período que se medeia entre 22JUL2003 e 31MAR2010;
b. Revogando a condenação quanto à compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e pelo não gozo do descanso compensatório e em substituição passando a condenar a 1ª Ré e a 2ª Ré a pagar ao Autor a compensação no valor a liquidar em execução de sentença, respectivamente devida no período compreendido entre 09ABR2001 e 21JUL2003 e no período que se medeia entre 22JUL2003 e 31MAR2010, mediante a aplicação da seguinte fórmula:
2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal
1 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso compensatório
c. Revogando a decisão no que diz respeito ao factor multiplicador para o cálculo de indemnização pelo trabalho prestado nos feriados obrigatórios adoptada na sentença recorrida e passando a fixar seguinte fórmula:
3 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em feriado obrigatório remunerado
d. Revogando a condenação quanto ao trabalho por turnos e trabalho extraordinário e em substituição passando a condenar a 1ª Ré e a 2ª Ré a pagar a compensação no valor a liquidar em execução de sentença, respectivamente devido no período compreendido entre 09ABR2001 e 21JUL2003 e no período que se medeia entre 22JUL2003 e 31MAR2010;
e. Revogando a decisão no que diz respeito às bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas e absolvendo as Rés do pedido; e
f. Mantendo a restante parte da sentença recorrida na parte não impugnada ou impugnada sem êxito.
Custas pelo Autor e pelas Rés na proporção do decaimento nos recursos.
RAEM, 14MAR2019
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Ac. 1007/2017-23