Processo nº 507/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 28 de Março de 2019
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio
SUMÁRIO
1- Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
2- Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.
Proc. nº 507/2017
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A, do sexo feminino, casada, da nacionalidade chinesa, titular do BIRM n.º XXX, residente em XXX (adiante designada por “requerente”) -----
Requereu contra: ------
1º - B, do sexo masculino, casado com C no regime da comunhão de adquiridos, da nacionalidade chinesa, nascido em 29 de Agosto de 1962, titular do BIRM n.º XXX e do BIRRPC n.º XXX, residente em XXX, China, tel. n.º XXX, e ------
2º - C, do sexo feminino, casada com B no regime da comunhão de adquiridos, da nacionalidade chinesa, nascido em 20 de Junho de 1966, titular do BIRM n.º XXX e BIRRPC n.º XXX, residente em XXX, China, tel. n.º XXX
Processo especial de revisão e confirmação da decisão proferida pelo 1º Tribunal Popular da Cidade de Zhong Shan, da província de Guangdong, da RPC.
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Os requeridos foram citados editalmente e o MP, em sua representação, não deduziu contestação.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da matéria, nacionalidade e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 - Em 2016, perante o 1º Tribunal Popular da Cidade de Zhong Shan da Província de Guangdong da RPC, a requerente intentou acção civil contra os 1º e 2º requeridos.
2 - Em 20 de Abril de 2016, o 1º Tribunal Popular da Cidade de Zhong Shan da Província de Guangdong da RPC admitiu a acção, formou o tribunal colectivo nos termos da lei.
3 - Em 9 de Janeiro de 2017, o 1º Tribunal Popular da Cidade de Zhong Shan da Província de Guangdong da RPC proferiu o acórdão civil nº (2016)yue2071minchu8017 (fls. 9 -25 do apenso “traduções”)
4 - Tal acórdão, na parte decisória, apresenta o seguinte teor:
“1. O réu B deve devolver à autora A dentro de 7 dias contados do dia de produção dos efeitos do presente acórdão a dívida no valor de $1,680,000.00 e os juros (contados à taxa anual de 24% do período de 13 de Março de 2014 ao dia de liquidação, no qual, de 13 de Março a 20 de Maio de 2014 a dívida foi no valor de $500,000.00, de 21 de Maio de 2014 a 1 de Abril de 2015 a dívida foi no valor de $1,500,000.00, de 2 de Abril a 19 de Setembro de 2015 a dívida foi no valor de 1,680,000.00, os posteriores juros são contados conforme a dívida efectiva (sic.));
2. A ré C tem responsabilidade de liquidação solidária da dívida de $1,500,000.00 entre as outras dívidas do réu B;
3. São indeferidos os outros pedidos da autora A.
Se não for cumprida a obrigação de pagamento dentro do prazo fixado no acórdão, são duplicados os juros no período de mora nos termos do art.º 253.º da Lei de Processo Civil da República Popular da China.
As custas são de $26640 (que foram previamente pagas pela autora A), das quais fica a cargo da autora A a quantia de $640 e a cargo do réu B a quantia de $26000, devem ser pagas dentro de 7 dias contados do dia de produção dos efeitos do presente acórdão, C tem responsabilidade de liquidação solidária das custas de $18000 que ficam a cargo de B.
Se não se conformar com o acórdão, podem a autora A dentro de 30 dias contados do dia de recepção do acórdão, os réus B e C dentro de 15 dias contados do dia de recepção do acórdão, apresentar petição de recurso a este Tribunal e cópias em função do número de pessoas da contraparte ou de representantes, recorrer para o Tribunal Popular Intermédio da Cidade de Zhong Shan da Província de Guangdong.”.
5 - A decisão transitou em julgado em 2/05/2017 (fls. 49 do apenso “traduções).
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IV – O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida; 342/2009 28/34:
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação verificada perante o Tribunal competente da República Popular da China. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou a condenação dos RR no pagamento à autora da importância em dinheiro ali referida, por violação contratual de mútuos, com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Aliás, como bem se pode ler na sentença em apreço, ela mesma aplicou, na parte adequada, o direito de Macau, tendo em conta o disposto no art. 34º da Lei de Processo Civil da RPC e ao abrigo do art. 41º da Lei de Aplicação da Lei de Relações Civis Relacionadas com o exterior da RPC, uma vez que as partes, no mútuo, escolheram que a sua regulamentação observasse as leis vigentes da RAEM.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos. Na verdade, o trânsito da decisão já ocorreu em 2/05/2017. A decisão foi proferida por entidade competente e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo 1º Tribunal Popular da Cidade de Zhong Shan da Província de Guandong, da República Popular da China, nos precisos termos acima transcritos.
Custas pela requerente.
T.S.I., 28 de Março de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Proc. Nº 507/2017 8