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Processo n.º 1088/2017 Data do acórdão: 2019-4-4
Assuntos:
– arbitramento oficioso da indemnização
– art.o 74.o, n.o 1, do Código de Processo Penal
– oposição do ofendido
– audiência contraditória
S U M Á R I O
1. A não aceitação expressa, pelos ofendidos, da proposta, então feita pelos arguidos, de restituição, por estes a favor daqueles, em 90%, do capital de investimento a fazer depois de docorrido que fosse um ano, não significa que aqueles ofendidos se opõem ao arbitramento judicial oficioso da indemnização em quantia correspondente a 90% do capital então investido, isto porque tal proposta dos arguidos tinha uma cláusula do tempo de restituição do dinheiro.
2. No caso, como a decisão de arbitramento oficioso da indemnização foi tomada com base na factualidade provada como tal saída da audiência contraditória então realizada, não pode ter violado o tribunal recorrido o disposto na alínea c) do n.o 1 do art.o 74.o do Código de Processo Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 1088/2017
  Recorrentes (arguidos):
A
B

  Recorridos (lesados):
C
D





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformados com o acórdão absolutório penal proferido a fls. 530 a 540 do Processo Comum Colectivo n.° CR4-16-0138-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base na parte em que ficaram condenados no pagamento solidário, a favor dos dois lesados chamados C e D, de HKD1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil dólares de Hong Kong) (com juros legais desde a data desse acórdão até integral e efectivo pagamento), de indemnização cível arbitrada oficiosamente, vieram os dois arguidos desse processo chamados A e B recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), assacando à decisão de arbitramento oficioso da indemnização os vícios de violação do art.o 74.o do Código de Processo Penal (CPP) e de violação do princípio do contraditório, para além da causa de sua nulidade por excesso da decisão, cominada sobretudo no art.o 571.o, n.o 1, alínea d), do Código de Processo Civil, por entenderem, no seu essencial, que como os dois lesados, na audiência de julgamento, chegaram a dizer que não aceitavam a proposta de restituição, por parte dos próprios dois arguidos, de 90% do capital de investimento, e insistiram na devolução de todo o capital de investimento no valor de dois milhões de dólares de Hong Kong, não pôde ter o Tribunal recorrido tomado tal decisão de arbitramento oficioso da indemnização, ante tal oposição manifestada pelos lesados (cfr. em detalhes, o teor da motivação unamente apresentada a fls. 556 a 567 dos presentes autos correspondentes).
Aos recursos dos dois arguidos, responderam (a fls. 590 a 593v) os lesados C e D, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer (a fl. 580 a 580v), no sentido de inexistir base legal para arbitramento oficioso da indemnização.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cabe decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte, com pertinência à decisão:
1. O acórdão absolutório penal ora recorrido na parte somente referente à decisão de arbitramento oficioso da indemnização ficou proferido a fls. 530 a 540, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. Nesse acórdão, na parte da sua fundamentação jurídica, teceu o Tribunal recorrido considerações no sentido de que perante a matéria de facto já dada por provada era patente a existência de evidente incumprimento contratual por parte dos dois arguidos (cfr. o teor das páginas 18 a 19 do texto do aresto recorrido, a fls. 538v a 539).
3. Na fundamentação probatória do mesmo acórdão, o Tribunal recorrido escreveu que os dois lesados disseram na audiência de julgamento que: aquando da ruptura da relação, os dois arguidos chegaram a dizer-lhes que poderiam devolver, mas apenas depois de decorrido que fosse um ano, 90% do capital de investimento; como a eles não era possível aceitar essa solução, foram denunciar o caso à Polícia; e como os dois arguidos ainda não procederam a qualquer devolução, insistiram em desejar o procedimento penal e civil contra os arguidos (cfr. o teor das páginas 8 a 9 do texto do aresto recorrido, a fls. 533v a 534).

III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesse enquadramento, vê-se que os dois aguidos discordaram da decisão de arbitramento oficioso da indemnização, alegando, no essencial, que não se verificou, desde logo, o pressuposto de “não oposição do lesado ao arbitramento da indemnização”, de que se fala na alínea b) do n.o 1 do art.o 74.o do CPP.
Não procede este argumento principal dos dois arguidos recorrentes, porquanto aquando da audiência de julgamento, os dois lesados em questão não chegaram a opor-se ao arbitramento da indemnização, mas sim disseram que: aquando da reputura da relação, os dois arguidos chegaram a dizer-lhes que poderiam devolver, mas apenas depois de decorrido que fosse um ano, 90% do capital de investimento; como a eles não era possível aceitar essa solução, foram denunciar o caso à Polícia; e como os dois arguidos ainda não procederam a qualquer devolução, insistiram em desejar o procedimento penal e civil contra os arguidos.
Perante esses dizeres dos dois lesados, é razoavelmente nítido que eles não aceitaram a proposta de devolução de 90% do capital de investimento, porque essa proposta dos dois arguidos tinha uma cláusula do tempo: só depois de decorrido que fosse um ano. A não aceitação dessa proposta não equivaleu a que os dois lesados não quisessem qualquer indemnização a cargo dos dois arguidos, visto que os lesados disseram na audiência de julgamento que como os dois arguidos não procederam qualquer devolução, insistiram assim em desejar procedimento penal e civil contra os dois arguidos.
Outrossim, alegaram os dois arguidos, na sua motivação una, que foi violado também o disposto na alínea c) do n.o 1 do art.o 74.o do CPP. Mas, a razão também não assiste aos recorrentes, precisamente porque foi com base na factualidade provada (e como tal descrita na fundamentação fáctica do acórdão recorrido), saída da audiência contraditória realizada, que o Tribunal recorrido considerou ter havido, por parte dos dois arguidos, evidente incumprimento contratual, pelo que é descabida a tese de violação do princípio do contraditório. E quanto ao quantitativo da indemnização, o Tribunal recorrido também já explicou na sua fundamentação jurídica que como chegaram os dois arguidos a propor aos dois lesados a devolução de 90% do capital de investimento, assim se afigurava justo e equilibrado arbitrar oficiosamente a indemnização a favor dos dois lesados no valor de HKD1.800.000,00.
Do exposto, resulta materialmente prejudicada toda a restante fundamentação do recurso tecida pelos dois arguidos na sua motivação una.
Naufragam os recursos.
IV – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em julgar não providos os recursos.
Custas dos recursos pelos respectivos recorrentes.
Macau, 4 de Abril de 2019.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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