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Processo nº 1144/2018 Data: 04.04.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Acidente de viação.
Erro notório.
Concorrência de culpas, (do condutor e peão).
Nexo de causalidade.



SUMÁRIO

1. A decisão que fixa a “percentagem de culpa” por um acidente de viação não constitui uma “decisão da matéria de facto”, (se provada ou não), sendo antes, uma “decisão de direito”, ou melhor, uma (decisão proferida em sede de) “interpretação da matéria de facto”.

2. Tal como sobre o condutor de uma viatura impendem “deveres de cuidado” e (de observância) das regras estradais, também ao peão cabe observar as mesmas regras e, da mesma forma, tomar as suas providências, de forma a não perturbar, (“embaraçar”), o trânsito e a segurança dos outros utentes.

Os peões, (até por serem os mais vulneráveis utentes da via pública), para além de deverem escolher os locais devidamente assinalados para atravessar a faixa de rodagem, (quando existam), devem, certificar-se que tem condições de segurança para o fazer.

3. A apreciação da “relação da causalidade” pressupõe uma “questão de facto”, (a fixação da materialidade fáctica), e uma “questão de direito”, consistente em se saber se o facto (concreto) apurado é apropriado, (adequado), a provocar o dano.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo



Processo nº 1144/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. datado de 23.10.2015 decidiu-se absolver A, arguido com os sinais dos autos, da acusada prática de 1 crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 3 do C.P.M. e art. 93°, n.° 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, absolvendo-se, também, todos os demandados civis do pedido civil pelos demandantes B, C e D, enxertado nos autos; (cfr., fls. 1598 a 1606-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Em sede do recurso pelos referidos demandantes interposto, por veredicto deste T.S.I. de 14.06.2018, e em consequência de um detectado “erro notório na apreciação da prova”, foi determinado o reenvio dos autos para novo julgamento no T.J.B.; (cfr., fls. 1675 a 1680-v).

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Efectuado o novo julgamento, em 18.10.2018, proferiu o Colectivo do T.J.B. Acórdão onde – mantendo a absolvição (criminal) do arguido dos autos – decidiu condenar a (1ª) demandada do enxerto civil, “E S.A.R.L.”, (E有限公司), no pagamento da quantia de MOP$270.669,53 aos referidos (3) demandantes B, C e D; (cfr., fls. 1742 a 1754).

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Do assim decidido, voltam os referidos demandantes a recorrer para esta Instância, produzindo a final da sua motivação de recurso as conclusões seguintes:

“I. O presente recurso vem interposto do douto acórdão de 18 de Outubro de 2018 proferido pelos Mmos. Juízes que integraram o Tribunal Colectivo a quo nos presentes autos em que o arguido, A, vinha acusado como autor material de um crime p. e p. pelo artigo 142º, n.º 3, do Código Penal (CP), conjugado com o artigo 138º, alínea c) do mesmo Código e com o artigo 93º, n.º 1 da LTR (Lei n.º 3/2007).
II. O Tribunal incorreu num claro erro de julgamento ao ter fixado a repartição de culpas na produção do acidente de viação ora em discussão em 20% para o arguido, na qualidade de condutor, e em 80% para a vítima, na qualidade de peão.
III. Se atentarmos à prova produzida nos presentes autos e tomando em consideração os factos que foram dados como provados em julgamento, o arguido teve tempo de avistar a vitima a tempo de imobilizar o veiculo que conduzia por forma a evitar o embate do qual veio resultar a sua morte, tendo agido com clara imprudência, imperícia e falta de atenção, para mais sendo um motorista profissional conduzindo naquele dia e hora um veiculo pesado de transporte de turistas.
IV. Como resultou provado nos presentes autos, “被害人走出嫌犯的車道後,嫌犯駛至,且嫌犯沒有注意到被害人的出現,嫌犯所駕旅遊巴左側單頭位置將已進入嫌犯所處車道1.4米距離(見上述草圖)的F撞跌倒地,撞擊之衝力致旅遊巴左側車頭位置凹陷。警方事後在現場勘查,證實路面未發現嫌犯煞車的輪胎痕跡。”
V. Em face da conduta acima descrita, resulta claro que o arguido não olhou a tempo nem se certificou que, à frente do autocarro que conduzia, transitava a vítima na referida avenida, do lado esquerdo para o lado direito tomando sem consideração o sentido de marcha do mesmo veículo, em clara e flagrante violação das regras estradais que se encontram em vigor em Macau.
VI. Sendo que o arguido circulava a velocidade excessiva, não regulando, de modo algum, a velocidade do veiculo que conduzia, sobretudo se atentarmos às características da via e do veículo que o arguido conduzia e dos veículos que estavam estacionados no lado esquerdo (2 autocarros) e no lado direito (1 autocarro) e ainda à intensidade do trânsito de peões, em particular a presença de muitos turistas no local do acidente, circunstâncias especiais essas que impunham ao arguido, por razões de segurança rodoviária, que circulasse com a atenção redobrada e a velocidade muito reduzida de forma a fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente e evitar qualquer obstáculo que lhe surgisse em condições normalmente previsíveis, como era o caso do atravessamento da via por parte de um desses turistas, como foi precisamente o caso da vítima.
VII. Ora, o arguido não prestou qualquer atenção e, consequentemente, não regulou adequadamente a velocidade do autocarro que conduzia, infringindo claramente as regras estradais em vigor em Macau.
VIII. Se o arguido tivesse prestado a mínima atenção e se tivesse regulado adequadamente a velocidade do autocarro que conduzia teria visto a vítima a passar à sua frente e certamente teria imobilizado a mesma viatura a tempo de evitar o acidente fatídico ora em discussão.
IX. Mais acresce que o veículo que o arguido conduzia é um veículo pesado de transporte de passageiros, facto que, necessariamente, impunha a este um especial dever de cuidado com vista a certificar-se que não existia nenhum peão que transitava à sua frente.
X. Até porque no local do acidente existiam autocarros de transporte de turistas nos dois lados do local do acidente, particularmente numa zona em que há turistas a fazer compras e a atravessar a via em causa, o que reclamava do arguido uma maior atenção na condução e uma reduzida velocidade de circulação do autocarro que conduzia.
XI. Como sublinhou, e bem, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) no seu acórdão de 14 de Junho de 2018 (Processo n.º 1079/2015), o local onde se verificou o acidente caracteriza-se por ser um sítio onde afluem muitos turistas, na sua maioria provindos da República Popular da China, para fazer compras, sendo que a movimentação de peões e turistas nessa zona é muito elevada, para mais às 12:49 horas (hora em que ocorreu o acidente) em que já existe uma concentração de muitos turistas nessa zona e em que é habitual o atravessamento da Avenida Xian Xing Hai por parte daqueles no local do acidente.
XII. Facto esse que é público e notório e que o arguido, para mais sendo um motorista profissional que conduzia na altura um veículo pesado para transporte precisamente de turistas, não podia deixar de conhecer em toda a sua plenitude.
XIII. Pois bem, o Tribunal recorrido foi claro na sua convicção ao afirmar expressamente, em sede de fundamentação jurídica, que: “(重審標的)根據卷宗調查所得的證據,經作出綜合的分析後,考慮到A的聲明,給合證人的證言及卷宗的資料,針對重審的標的,參照中級法院第1079/2015號裁判的見解,在對不同理解給予應有的尊重的情況下,本院認為,按照交通意外草圖所示的位置,被害人F當時走出行車道1.4米處被撞及,A表示在碰撞時才發現被害人,按照現場的環境,本院認為A在駕駛時應有一定的空間及時間發現被害人的出現,但並沒有作出應有的注意,故其存在過失的責任。”
XIV. Porém, o Tribunal colectivo incorre em claro erro de julgamento ao ter fixado a repartição de culpas na produção do acidente de viação ora em discussão em apenas 20% para o arguido, na qualidade de condutor do autocarro que embateu na vítima e provocou o acidente, e em 80% para a vítima, na qualidade de peão.
XV. Tendo a produção do acidente ficado a dever-se principalmente à conduta do arguido, deve nessa medida ser fixada a repartição de culpas na produção do acidente de viação ora em discussão em 80% para o arguido, na qualidade de condutor, e em apenas 20% para a vítima, na qualidade de peão, o que se requer para os devidos efeitos com vista ao cálculo do quantum indemnizatório.
XVI. Recaindo, pois, sobre a Ré seguradora o dever de indemnizar nos termos do artigo 477° do Código Civil, tomando em consideração o valor da apólice de seguro em questão com um limite de MOP 4,000,000.00 por acidente (dr. fls. 910 dos autos).
XVII. Têm assim os ora recorrentes direito a ser indemnizados pelos danos morais e patrimoniais que sofreram, incluindo o dano morte da vítima, nos termos dos artigos 477° e seguintes do Código Civil, na referida proporção de 80% sobre os respectivos valores.
XVIII. No caso de assim não se entender, sempre se dirá ainda, por mera cautela de patrocínio, que a decisão recorrida enferma também do vício de erro notório na apreciação da prova que vem contemplado no artigo 400°, n.° 2, alínea c) do CPP (cfr., entre outros, Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância com os n.°s 90/2002, 1/2003, 42/2003, 216/2003 e 273/2003).
XIX. Ora, o Tribunal não considerou provado a matéria do artigo 4° do pedido de indemnização civil na parte em que se alegava que o arguido não reduziu a velocidade do autocarro que conduzia, não adequando assim a velocidade desta viatura às características da via e das restantes circunstâncias especiais acima relatadas.
XX. Particularmente se atentarmos que no local em causa há, em regra, muitos turistas a fazer compras, com autocarros de transporte de turistas estacionados nos dois lados da faixa de rodagem em causa, tal como se verificava no dia e hora do acidente em apreço, sendo que o campo de visão para o arguido era muito estreito, o que obrigava que este deveria ter conduzido a uma velocidade muito reduzida por forma a evitar o acidente, o que manifestamente não fez.
XXI. Imputam assim os ora recorrentes ao douto acórdão em análise um erro notório na apreciação da prova ao dar como não provada aquela matéria vertida no artigo 4º do pedido de indemnização, atendendo às circunstancias fácticas acima mencionadas que constituem factos notórios do conhecimento do arguido, para mais sendo ele um motorista profissional que conduzia na altura dos factos um autocarro de transporte de turistas.
XXII. Erro esse com influência decisiva no que respeita à decisão de repartição de culpas na produção do acidente ora em discussão.
XXIII. Violou, pois, a decisão recorrida o disposto no artigo 400º, n.º 2, alínea c), do CPP, designadamente a regra sobre o valor da prova vinculada, e o artigo 560º, nº 6 do Código Civil.
XXIV. Entendeu o Tribunal recorrido que não existe nexo de causalidade entre as lesões sofridas no acidente ocorrido em 26 de Setembro de 2012 e a morte da ofendida verificada em 28 de Julho de 2014.
XXV. Sucede, porém, que tal morte foi consequência necessária e adequada do acidente em causa e das lesões sofridas pela vítima consequentes daquele acidente, pelo que têm os Autores, ora recorrentes, direito à indemnização peticionada, a título da perda da vida da vítima, dos danos morais sofridos por aqueles e dos danos patrimoniais suportados pelos ora recorrentes, nos termos infra explicitados.
XXVI. Incorreu o Tribunal recorrido, como se se demonstrará, num erro de julgamento por ter concluído, face à factualidade provada, pela inexistência do nexo de causalidade entre o acidente e a causa da morte da vítima.
XXVII. Conforme resulta dos exames e relatórios médicos juntos aos presentes Autos, entre outros, a fls. 39, 17, 60, 64 e 66, 70, 112 a 183, 185 e 186, 189 a 270 e 273, a ofendida sofreu um grave traumatismo craniano, com perda de conhecimento, o que conduziu à realização de duas intervenções cirúrgicas, além de outras lesões e consequentes sequelas causadas pelo acidente em causa nos presentes Autos e melhor descritas nesses relatórios médicos.
XXVIII. Tendo à ofendida permanecido internada no Centro Hospitalar Conde de S. Januário por um período de 6 meses, atendendo às graves lesões que sofreu na sequência do acidente, como se retira do respectivo processo clínico daquele Centro Hospitalar, a fls. 921 a 1492 dos presentes Autos, cujo teor aqui se dá também por integralmente reproduzido.
XXIX. Pese embora não tenham estas lesões sido a causa directa da sua morte que, como já se referiu, resultou sobretudo de uma insuficiência respiratória e circulatória causada por uma septicemia, a verdade é que o estado de saúde da ofendida se foi agravando de forma significativa, praticamente sem interrupção, desde o dia do acidente até à sua morte, como se extrai dos referidos exames e relatórios médicos (cfr. fls. 39, 17, 60, 64 e 66, 70, 112 a 183, 185 e 186, 189 a 270 e 273 dos presentes Autos).
XXX. Lesões que foram causadas pelo acidente e que, aliás, já se encontram provadas no Acórdão proferido nos presentes Autos, em 23 de Outubro de 2015, a fls. 1595 a 1606v.
XXXI. No caso dos presentes Autos, apesar da lesão, da doença e da morte não se terem verificado imediatamente a seguir ao acidente, existe, sem margem para dúvidas, uma cadeia sucessiva de causalidade relevante entre os traumatismos causados pelo sinistro, a subsequente e permanente doença com significativo agravamento da sua situação clínica e a morte da ofendida.
XXXII. É consabido que o nexo de causalidade entre o facto e o dano desempenha a função de pressuposto da responsabilidade civil e da medida da obrigação de indemnizar.
XXXIII. Segundo a doutrina da causalidade adequada consignada no artigo 557º do Código Civil, para que um facto seja causa de um dano é necessário, primeiro, que no plano naturalístico ele seja condição sem a qual o dano não se terá verificado, e, depois, que em abstracto ou em geral seja causa adequada do mesmo.
XXXIV. O que se encontra provado é que a ofendida faleceu em virtude de uma insuficiência respiratória e circulatória provocadas por uma septicemia decorrente do gradual agravamento do seu estado de saúde atendendo às sequelas causadas pelo acidente a que se reportam os presentes Autos.
XXXV. Sequelas que levaram a que a ofendida, durante quase 2 anos, fosse obrigada a receber tratamento médico por um permanente estado de doença grave que se manifestou em sintomas vários, entre os quais, vómitos, falta de apetite, náuseas, incontinência, afasia, necessitando permanentemente de medicação e cuidados médicos, como se encontra provado nos presentes Autos – cfr. fls. 1601.
XXXVI. Com efeito, a ofendida nunca recuperou das lesões que sofreu com o acidente, que viu o seu estado de saúde gradualmente agravado com problemas vários, melhor discriminados a fls. 39, 17, 60, 64 e 66, 70, 112 a 183, 185 e 186, 189 a 270, 273, 587 a 608, 609 a 625, 626 a 668 e 671 a 672 dos Autos, sequelas essas que foram a causa indirecta da sua morte, facto que se encontra provado no presente caso, como refere o Tribunal, na decisão acima transcrita e proferida em 23 de Outubro de 2015 (cfr. fls. 1601).
XXXVII. A teoria da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade da condição, ou seja, o dano não tem que ser necessariamente provocado por uma só condição, sendo que também o nexo causal entre o facto e o dano não tem de ser directo ou imediato.
XXXVIII. Será suficiente, na verdade, que o facto, embora não haja ele mesmo provocado o dano desencadeie outra condição que directamente o produza, contanto que esta segunda condição se mostre uma consequência adequada do facto que deu origem à primeira.
XXXIX. A morte da ofendida deveu-se a uma insuficiência respiratória e circulatória provocadas por uma septicemia, que por sua vez emergiu da gradual degradação do seu estado de saúde e do prolongado tratamento das lesões provocadas pelo acidente que sofreu e a que se reportam os presentes Autos.
XL. Dada a grande variabilidade das lesões traumáticas que se produzem nos acidentes de viação, deve ter-se em conta que o mecanismo da morte que entra em jogo em cada caso pode ser, também ele, variável. De um modo geral temos de distinguir os mecanismos das mortes imediatas e os correspondentes a mortes tardias ou mediatas.
XLI. Do que resulta demonstrado nos presentes Autos, em especial dos exames e tratamentos médicos a que a ofendida foi sujeita durante quase 2 anos, ou seja, desde a data do acidente, em 26 de Setembro de 2012, até à sua morte, ocorrida em 28 de Julho de 2014, é que esta foi causada pelas lesões que sofreu com aquele sinistro, existindo no presente caso um nexo de causalidade entre o facto e o dano, ao abrigo do disposto no artigo 577º do Código Civil.
XLII. Nos casos de morte mediata ou tardia associada a sequelas patológicas relacionadas com um acidente de viação e a situação clínica que este ocasionou, não ocorre quebra do nexo causal entre o acidente e a morte que mediatamente sobrevenha.” – cfr., entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15/05/2007, no proc. nº 380/04.9TBANS.C1.
XLIII. Conclui-se, por isso, pela existência nexo de causalidade entre o facto e o dano, verificando-se, no caso, os demais pressupostos da responsabilidade civil, a que alude o artigo 477º do Código Civil.
XLIV. Padece por isso o Acórdão recorrido de erro de julgamento ao ter concluído, face à factualidade provada, pela inexistência do nexo de causalidade entre o facto (acidente) e o dano (morte), considerando que existem elementos suficientes nos Autos que demonstram que a causa da morte da ofendida foi uma consequência das lesões sofridas no acidente de que foi vítima.
XLV. Tendo os Autores, ora recorrentes, direito a ser indemnizados pelos danos morais e patrimoniais que sofreram, incluindo o dano morte da vítima, dever que recai sobre a Ré seguradora nos termos acima mencionados, ao abrigo do disposto nos artigos 477º e ss. do Código Civil.
XLVI. No que concerne à indemnização pela supressão do direito à vida, a mesma terá sempre que ser operada equitativamente, atendendo às circunstâncias a que alude o artigo 487º do Código Civil, designadamente ao grau de culpabilidade do agente e às demais circunstâncias do caso que o justifiquem, e tomando ainda em consideração aos valores correntes adoptados pela jurisprudência a esse título (cfr. artigos 3º, al. a), e 489º, n.º 3, do mesmo Código).
XLVII. Importando sublinhar que a indemnização pelo direito à vida deve ser a mesma para todos (vd., nesse sentido, Prof. Leite Campos, em estudo publicado no B.M.J. n.º 365, pág. 5 e ss.), entendimento esse defendido pelo Tribunal de Segunda Instância (vide, Ac. do TSI de 19.10.2000, Proc. 165/2000), sendo que, de qualquer forma, a vítima tinha apenas 55 anos de idade na altura do acidente (cfr. fls. 18 e 19 dos autos).
XLVIII. No caso sub judice, temos como certo que não só existe claramente um nexo de causalidade entre o acidente e a morte da vítima nos termos supra explicitados, como ainda deve ser atribuída ao condutor a maior parte da responsabilidade pela produção do referido sinistro, numa percentagem de repartição de culpas nunca inferior a 80%.
XLIX. Conclui-se assim que deve ser arbitrado por esse douto Tribunal, a título de perda do direito à vida, um valor indemnizatório de MOP 1,200,000,00 (um milhão e duzentas mil patacas), tal como vem peticionado no pedido de indemnização cível, montante esse que se mostra justo, equitativo, equilibrado e adequado e que respeita ainda os valores correntes adoptados pela jurisprudência quanto a esta matéria, em estrito cumprimento do disposto nos artigos 3º, al. a); 487º e 489º, n.º 3 do Código Civil, tomando em conta ainda a factualidade dada como provada para a decisão sobre esta temática.
L. Termos em que deverá a Ré seguradora ser condenada a pagar aos ora recorrentes, a título de perda do direito à vida da vítima, o valor de MOP 960.000,00, equivalente a 80% de MOP 1,200,000.00, sendo que, nos termos do artigo 489.º, n.º 2 do Código Civil, têm estes direito a receber, em conjunto, aquele valor.
LI. Os ora recorrentes reclamaram no pedido de indemnização civil o pagamento de uma indemnização de MOP 1.000.000.00 (um milhão de patacas), a atribuir a cada um deles, pelos danos não patrimoniais (danos morais) que cada um sofreu por morte da vítima (“pretium doloris”), ou seja, pela dor, angústia e tristeza que aqueles sentiram pela perda da sua mãe e da sua mulher.
LII. Alegaram, a propósito, um conjunto de factos que vêm plasmados nos artigos 49º a 55º do pedido de indemnização que atestam a dor, a angústia e o sofrimento que sofreram pela perda da vida da sua mãe (quanto à 1ª recorrente e ao 2º recorrente) e da sua mulher (quanto ao 3º recorrente).
LIII. Quanto a esta parte, o Tribunal considerou apenas provado que “18) 第一民事請求人B為被害人的兒子,第二民事請求人C為被害人的女兒,第三民事請求人D為被害人的丈夫,他們對被害人是次意外所遭受的情況感到傷心,造成情緒上的負面影響。”
LIV. Poder-se-á também dizer que, também aqui, o Tribunal a quo incorre num erro notório na apreciação da prova.
LV. Já o TSI no seu douto acórdão de 14 de Junho de 2018 (Proc. n.º 1079/2015), tinha abordado esta questão, afirmando expressamente que “e (2) na parte em que não se deram por provados os sofrimentos psicológicos (alegados inclusivamente nos art.°s 49° a 54° do pedido cível) do marido, da filha e do filho da ofendida perante a situação da ofendida (é que este resultado de julgamento contraria, segundo as regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, a natureza da relação humana familiar, ainda que a relação afectiva entre os cônjuges e entre a filha e o filho com a mãe possa ser em diferente grau de profundidade).”
LVI. Ora, não há dúvidas que os recorrentes sofreram, e muito, com a morte da vítima e que, por essa razão têm que ser indemnizados, em conformidade com as regras da experiência da vida humana e da natureza da relação humana familiar.
LVII. Violou, pois, a decisão recorrida o disposto no artigo 400º, n.º 2, alínea c), do CPP, designadamente a regra sobre o valor da prova vinculada, e o artigo 560º, nº 6 do Código Civil ao dar como não provada aquela matéria.
LVIII. Considerando o disposto nos artigos 3º, al. a), 487º e 489º, n.º 3, do Código Civil e respeitando ainda os valores correntes adoptados pela jurisprudência quanto a esta matéria, entende-se agora que os danos referentes a “pretium doloris” dos ora recorrentes, C, B e D, respectivamente, filha, filho e marido da vítima, seriam ressarcíveis com uma indemnização no montante de MOP 400.000,00 (quatrocentas mil patacas) a atribuir a cada um deles (artigo 489º, n.º 2, do Código Civil).
LIX. Afiguram-se ajustados tais montantes em face dos parâmetros legais aplicáveis a este respeito (artigos 487º e 489º do CC) e dos laços familiares próximos e efectivos entre a vítima e os seus familiares, ora recorrentes, na esteira, aliás, do que foi decidido pelo TUI no seu acórdão de 11/03/2008 (Proc. n.º 6/2007) em que arbitrou o montante de MOP 400.000,00 precisamente à esposa do falecido pela dor moral da perda do seu cônjuge.
LX. Em face daqueles acórdãos e de outros proferidos pelo TSI, conclui-se que uma indemnização no valor de MOP 400,000.00 a arbitrar a cada um dos recorrentes se revela muito ajustada, adequada e justificada, estando em consonância com anteriores decisões proferidas pelo mesmo tribunal, a título de “pretium doforis”, por parte dos familiares da vítima.
LXI. Termos em que deverá a Ré seguradora ser condenada a pagar aos ora recorrentes, a esse título, o valor global de MOP 960.000,00, equivalente a 80% de MOP 1,200,000.00 (MOP 400,00.00 X 3), cabendo a cada um dos recorrentes o valor de MOP 320,000.00.
LXII. O tribunal recorrido considerou provados os danos patrimoniais sofridos pelos recorrentes constantes no artigo 36º do pedido de indemnização civil, mas não os aceitou na sua totalidade (quanto aos danos dos artigos 36º, n.ºs 5 e 7) ou não os aceitou sequer (quanto aos danos dos artigos 36º, n.ºs 6 e 8), para efeitos indemnizatórios.
LXIII. Relativamente à quantia de MOP 29,530.50 reclamada no artigo 36º, n.º 5) do mesmo pedido, devem ser atendidas todas as despesas que foram peticionadas a esse título, no valor global de MOP 29,530.50, para efeitos do cálculo indemnizatório a título de danos patrimoniais, em face da prova que foi junta aos presentes autos, particularmente os documentos de fls. 782 a 815.
LXIV. Relativamente à quantia de MOP 57,284.13 reclamada no artigo 36º, n.º 7) do mesmo pedido, devem ser atendidas todas essas despesas para efeitos do cálculo indemnizatório a título de danos patrimoniais em face da prova que foi junta aos autos, particularmente os documentos de fls. 819 a 859, tanto mais que foram os próprios Serviços de Saúde de Macau que atestaram que a vítima, em face da sua crítica situação clínica, necessitava do acompanhamento de mais do que uma pessoa, designadamente de duas pessoas, como resulta claramente do certificado médico, emitido em 12 de Outubro de 2012, de fls. 1733 dos autos.
LXV. Quanto à quantia de MOP 52,683.00 (correspondente a RMB 40,340.00 por força da aplicação da taxa de câmbio de 1.3061) reclamada no artigo 36º, n.º 6) do mesmo pedido, a título de despesas fúnebres e de funeral, devem esses encargos ser atendidos para efeitos indemnizatórios, em face da prova que foi junta aos presentes autos, particularmente os documentos de fls.816 a 818.
106. Por fim e quanto à quantia de MOP 28,773.22 (correspondente a RMB 22,032.00 por força da aplicação da referida taxa de câmbio de 1.3061) reclamada no artigo 36º, n.º 8) do mesmo pedido, a título de perda de salários por parte da 1ª recorrente, devem esses encargos ser atendidos para efeitos indemnizatórios, em face da prova que foi junta aos presentes autos, particularmente os documentos de fls. 859 e 860, importando sublinhar que a recorrente, enquanto filha da vítima, não tinha apenas o direito mas sobretudo o dever de acompanhar, apoiar e assistir a sua mãe em face da grave situação clínica que a mesma sofria e que culminou na sua morte.
LXVI. Em resumo, devem ser consideradas para efeitos indemnizatórios todas as quantias peticionadas pelos ora recorrentes a título de danos patrimoniais e que foram reclamadas no artigo 36º do pedido de indemnização civil, no valor global de MOP 617,129.51.
LXVII. Termos em que deverá a Ré seguradora ser condenada a pagar aos ora recorrentes, a título de danos patrimoniais, o valor de MOP 493.703,60, equivalente a 80% de MOP 617,129.51, sendo que, por força do contrato de cessão de créditos de fls. 861 a 864 dos autos, deverá esse valor ser pago a favor da 1ª recorrente.
LXVIII. Tal como foi peticionado pelos recorrentes, o Tribunal recorrido arbitrou uma indemnização de MOP 1,000,000.00 a título de danos morais sofridos pela vitima até à sua morte.
LXIX. Em face da repartição de culpas da produção do acidente de 80% para o condutor e de 20% para a vítima, deverá a Ré seguradora ser condenada a pagar aos ora recorrentes, a esse título, o valor de MOP 800,000.00, equivalente a 80 % de MOP 1,000,000.00, devendo estes receber esse valor em conjunto”; (cfr., fls. 1816 a 1853).

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Em resposta, pugnam o arguido e a referida demandada seguradora pela total improcedência do recurso; (cfr., fls. 1859 a 1878 e 1879 a 1888-v).

*

Oportunamente, interpôs também a dita demandada seguradora “recurso subordinado”, pedindo a sua (total) absolvição do pedido civil pelos demandantes enxertado nos autos; (cfr., fls.1889 a1985-v).

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Após resposta dos demandantes a este recurso subordinado, e, adequadamente processados os autos, cumpre apreciar e decidir.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 1744 a 1747-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Dois são os recursos trazidos à apreciação deste T.S.I..

Um, o “principal”, em que são recorrentes os (3) demandantes do pedido civil deduzido.

E, como – cremos – que resulta das conclusões do seu recurso, impugnam a “percentagem de culpa de 20%” atribuída ao condutor do autocarro (segurado na demandada recorrida e) que embateu na vítima do acidente de viação retratado nos autos, afirmando haver, nesta parte, “erro de julgamento”, (cfr., concl. XIV a XVII), ou “erro notório na apreciação da prova”, (cfr., concl. XVIII a XXIII), considerando, também, que incorreu o Tribunal a quo em “erro ao considerar que inexistia nexo de causalidade entre o acidente e a morte da dita vítima”, (cfr., concl. XXIV a XLIV), pedindo, a final, um acréscimo do montante indemnizatório arbitrado; (cfr., concl. XLV e segs.).

Por sua vez, no seu recurso “subordinado”, entende a demandada seguradora que nenhuma culpa deve ser imputada ao arguido, considerando ser a (própria) vítima a “única e exclusiva culpada” pelo acidente dos autos, pedindo a sua total absolvição.

Identificadas que assim nos parecem ter ficado – ainda que em síntese – as “questões” a apreciar nos recursos trazidos a este T.S.I., e merecendo os recursos conhecimento, vejamos, sem mais demoras, que solução(ões) adoptar.

3.1 Do recurso (principal) dos demandantes.

–– Vindo suscitada uma “questão” relacionada com a “decisão da matéria de facto”, o assacado “erro notório na apreciação da prova”, (e, ainda que colocada a título subsidiário), afigura-se-nos lógico começar-se por sobre a mesma emitir pronúncia, (pois que sem uma boa decisão da matéria de facto, inviável é uma correcta e adequada decisão de direito).

Pois bem, dizem os demandantes que o Colectivo a quo incorreu no dito “erro notório” dado que “não considerou provada a matéria do artigo 4° do pedido de indemnização civil na parte em que se alegava que o arguido não reduziu a velocidade do autocarro que conduzia, não adequando assim a velocidade desta viatura às características da via e das restantes circunstâncias especiais acima relatadas”, “Particularmente se atentarmos que no local em causa há, em regra, muitos turistas a fazer compras, com autocarros de transporte de turistas estacionados nos dois lados da faixa de rodagem em causa, tal como se verificava no dia e hora do acidente em apreço, sendo que o campo de visão para o arguido era muito estreito, o que obrigava que este deveria ter conduzido a uma velocidade muito reduzida por forma a evitar o acidente, o que manifestamente não fez”; (cfr., concl. XIX e XX).

Ora, da reflexão que sobre o assim alegado nos foi possível efectuar, e tendo presente a decisão da matéria de facto ínsita no Acórdão objecto do presente recurso, afigura-se-nos que o segmento decisório em questão não padece do assacado vício de “erro notório”.

Com efeito, (e como os próprios recorrentes o afirmam, sendo também este o entendimento por este T.S.I. assumido), o vício de “erro notório” apenas existe, “quando for evidente, perceptível, para um cidadão comum, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado conclusão logicamente inaceitável, vício este que resulta dos próprios elementos constantes nos autos, por si só ou com apelo às regras da experiência comum, violando-se dessa forma as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis”; (cfr., ponto 32 da motivação de recurso, fls. 1823, podendo-se, sobre o “sentido” e “alcance” do mesmo vício ver-se, também, o recente Acórdão deste T.S.I. de 28.03.2019, Proc. n.° 35/2019).

E, como se deixou adiantado, em nossa opinião, (e se bem ajuizamos), não incorreu o T.J.B. no dito “erro” por ter dado como “não provado” que “o arguido não reduziu a velocidade do autocarro que conduzia, não adequando assim a velocidade desta viatura às características da via e das restantes circunstâncias especiais …”.

Há que ter presente que a “verdadeira questão” consiste (apenas) na (imputada) “falta de redução de velocidade”, e que, em relação a esta “matéria”, (para além da evidente dificuldade de pronúncia sobre um “facto negativo”), não se vislumbra nenhum desrespeito a qualquer “regra sobre as provas tarifadas ou legais”, “regra de experiência” ou “legis artis”.

Dest’arte, não estando o Colectivo a quo vinculado a decidir nos termos pretendidos pelos recorrentes, e não se alcançando, como, onde, ou em que termos, tenha a decisão em questão contrariado qualquer regra de experiência ou legis artis, adequada não se mostra a consideração no sentido do que incorreu no imputado “erro notório”.

Dito isto, e clara se nos apresentando a solução que se deixou exposta, mais não se mostra de dizer sobre a retratada “questão”, havendo que se decidir pela improcedência do recurso em relação à mesma.

–– Passemos, agora, para alegado o “erro de julgamento”.

Aqui, são os demandantes ora recorrentes de opinião que “o Tribunal colectivo incorre em claro erro de julgamento ao ter fixado a repartição de culpas na produção do acidente de viação ora em discussão em apenas 20% para o arguido, na qualidade de condutor do autocarro que embateu na vítima e provocou o acidente, e em 80% para a vítima, na qualidade de peão”, considerando também que “Tendo a produção do acidente ficado a dever-se principalmente à conduta do arguido, deve nessa medida ser fixada a repartição de culpas na produção do acidente de viação ora em discussão em 80% para o arguido, na qualidade de condutor, e em apenas 20% para a vítima, na qualidade de peão, o que se requer para os devidos efeitos com vista ao cálculo do quantum indemnizatório”; (cfr., concl. XIV e XV).

Vejamos, (notando-se que a decisão que fixou a “percentagem de culpa” agora questionada não constitui uma “decisão da matéria de facto”, (se provada ou não), sendo antes, uma “decisão de direito”, ou melhor, uma (decisão proferida em sede de) “interpretação da matéria de facto”).

Pois bem, colhe-se – essencialmente – da (algo reduzida) “factualidade dada como provada” (com relevo para a decisão) que:
- o acidente ocorreu numa recta de sentido único;
- quando o autocarro (de turismo) conduzido pelo arguido colide com a vítima, esta tentava atravessar a via, introduzindo-se nela por entre dois outros autocarros (de turismo) estacionados no lado esquerdo desta, junto do passeio, (pretendendo dirigir-se para o autocarro de turismo que estava estacionado no outro lado da via, junto ao passeio do lado direito);
- a vítima é colhida pela parte esquerda da dianteira do autocarro conduzido pelo arguido, quando tinha (apenas) percorrido (cerca) de 1,4 metros da via;
- a menos de 50 metros do “ponto de embate” havia uma passadeira para peões;
- a vítima olhou para o seu lado esquerdo, (e não para o direito, do qual vinha o autocarro conduzido pelo arguido);
- o arguido não viu a vítima.

E, nesta conformidade, ponderando no “circunstancialismo fáctico” que se deixou retratado, cremos que inadequada não se apresenta a decisão do Tribunal a quo no que toca à “percentagem de culpa” que fixou ao arguido e (infeliz) vítima, sendo, assim, de confirmar.

Com efeito, (e em nossa opinião), é à vítima dos autos que se deve atribuir a “maior parte” da culpa pelo acidente, (80%), pois que, a ela se deve, em “grande medida”, o acidente que sofreu, já que provado está que não atravessou a via, (como devia), na passagem para peões que no local havia a menos de 50 metros – do “croqui” dado como reproduzido na “matéria de facto”, (cfr., 30), consta que a dita passagem se situava a “escassos metros” do local de embate – tendo “avançado”, (invadido), a via por entre dois autocarros, (que, dadas as suas dimensões, impediram que fosse vista por quem aí circulava), não se certificando, (como, igualmente, devia), – ou fazendo-o, erroneamente, dado que olhou para o lado errado – que o podia fazer em segurança e sem causar perigo (ou embaraço) para os outros utentes da via.

Como em sede do Ac. deste T.S.I. de 31.05.2018, (Proc. n.° 418/2018), já tivemos oportunidade de considerar:

“Tal como sobre o condutor de uma viatura impendem “deveres de cuidado” e (de observância) das regras estradais, também ao peão cabe observar as mesmas regras e, da mesma forma, tomar as suas providências, de forma a não perturbar, (“embaraçar”), o trânsito e a segurança dos outros utentes.
Os peões, (até por serem os mais vulneráveis utentes da via pública), para além de deverem escolher os locais devidamente assinalados para atravessar a faixa de rodagem, (quando existam), devem, certificar-se que tem condições de segurança para o fazer”.

No mesmo sentido, veja-se, também, o recente Ac. do S.T.J. de 26.02.2019, (Proc. n.° 4419/13), onde se considerou que:

“O dever de prevenção do perigo impõe a todos os peões que adoptem uma conduta adequada à situação concreta em que se encontram, o que implica, na hipótese de atravessamento da via, atender a circunstâncias como as dimensões e a intensidade de circulação na via, as condições de visibilidade dos condutores ou a existência de passagens seguras na proximidade, e, consoante elas, adoptar comportamentos não exigidos rigorosamente pela lei, como apressar o passo, só atravessar na travessia própria ou até nem atravessar de todo”.

E, por sua vez, atento o dito “circunstancialismo fáctico”, e apreciando-o, numa “perspectiva dinâmica” do ocorrido, afigura-se-nos também que censura não merece a percentagem de culpa atribuída ao arguido condutor do autocarro, (20%), pois que “provado” está que – numa parte em que a via “afunilava”, e em que o normal era uma maior atenção à via – “não viu a vítima”, o que não pode deixar de implicar a conclusão da existência de “falta de cuidado na condução” da sua parte, certo sendo que tal “falta”, (como se referiu), deve ser apreciada nas “circunstâncias” assinaladas, ou seja, relevando o “momento” em que a vítima surge na estrada e, pôde, então, ser vista, sendo o arguido um mero “motorista” e não “piloto de Fórmula 1”, (não se deixando de notar também que, no caso, inexiste “rasto de travagem”).

Assim, afigurando-se-nos de confirmar a decisão (em questão) que fixou a percentagem da culpa” pelo acidente dos autos em 80% para a vítima e 20% para o arguido, visto está que, também nesta parte, improcede o recurso dos demandantes; (sendo assim de se negar igualmente provimento ao “recurso subordinado” pela demandada seguradora interposto, e, ao qual, mais adiante se fará referência).

–– Resolvida que assim nos parece ficar a questão da “percentagem da culpa pelo acidente”, passemos para a relativa ao “nexo de causalidade entre o acidente e a morte da vítima”.

Dizem os demandantes recorrentes que também aqui incorreu o Colectivo a que em erro ao decidir que não existia o dito “nexo de causalidade” (“entre as lesões sofridas no acidente ocorrido em 26 de Setembro de 2012 e a morte da ofendida verificada em 28 de Julho de 2014”), pois que “tal morte foi consequência necessária e adequada do acidente em causa e das lesões sofridas pela vítima consequentes daquele acidente”; (cfr., concl. XXIV e XXV).

Justifica-se aqui uma breve nota prévia para se consignar que o segmento da “decisão (crime)” que absolveu o arguido quanto ao imputado crime de “ofensa grave à integridade física” transitou em julgado, e que a solução para a questão que agora se irá apreciar não altera tal circunstancialismo.

Dito isto, e apreciando a suscitada questão, vejamos.

Importa desde já atentar que como salienta o Vdo T.U.I., “O art.º 557.º do Código Civil consagra a teoria da causalidade adequada entre o facto e o dano, segundo a qual não há que ressarcir todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão só aqueles que tenham sido causados pelo facto que se mostre adequado a produzi-los”; (cfr., o Ac. de 15.12.2016, Proc. n.° 41/2016).

Por sua vez, não se pode olvidar que a apreciação da “relação da causalidade” pressupõe uma “questão de facto”, (a fixação da materialidade fáctica), e uma “questão de direito”, consistente em se saber se o facto (concreto) apurado é apropriado, (adequado), a provocar o dano; (sobre este aspecto, cfr., v.g., o Ac. do Vdo T.U.I. de 18.06.2008, Proc. n.° 19/2008 e o do S.T.J. de 13.03.2008, Proc. n.° 08A369).

E, então, quid iuris?

Ora, em face do que provado está, e sem embargo do muito respeito por opinião em sentido diverso, também aqui cremos que bem andou o Tribunal a quo, pois que não se afigura existir “matéria de facto” que demonstre que o “falecimento da vítima” tenha sido – ou tenha ocorrido, em – “consequência das lesões pela mesma sofridas com o acidente”, cabendo notar que o “ónus de prova” em relação a tal matéria cabia, (totalmente), aos demandantes do pedido de indemnização deduzido, (ora recorrentes).

Tem-se presente que “O facto só deixa de ser causa adequada do dano quando se mostre, por sua natureza, de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais”, e que, “A vertente factual da relação de causalidade pode decorrer expressa ou implicitamente dos factos provados ou pode também ser alcançada por presunção natural”; (cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Guimarães de 16.09.2010, Proc. n.° 396/04).

Porém, como ensina Almeida Costa, “é necessário não só que o facto tenha sido, em concreto, condição «sine qua non» do dano, mas também que constitua, em abstracto, segundo o curso normal da coisas, causa adequada à sua produção”, (in “Dto das Obrigações”, pág. 708).

E, nesta conformidade, afigurando-se-nos ser a factualidade dada como provada curta e insuficiente para se estabelecer a necessária “conexão” entre o acidente (ocorrido em 26.09.2012), e a morte da ofendida, (em 28.07.2014, quase 2 anos depois, e com as várias vicissitudes entretanto verificadas, com entradas e saídas de diferentes estabelecimentos hospitalares por razões nem sempre bem esclarecidas), visto fica que, também na parte em questão, nenhuma censura merece o decidido pelo Colectivo a quo, o que implica que se confirme igualmente a decisão no que toca à “indemnização” (já) arbitrada, com a consequente (total) improcedência do recurso em apreciação.

3.2 Do “recurso subordinado da demandada seguradora”.

Com este recurso, pretende a aludida demandada que se considere a vítima a “única e exclusiva culpada pelo acidente”.

Ora, em conformidade com o que se deixou decidido em sede do recurso dos demandantes – e ainda que, em abstracto, se nos afigure correcto o que em sede da sua motivação alega a demandada no que toca ao “tempo de reacção”, “distância de reacção” e “distância de travagem” – censura não nos parece merecer a decisão que fixou a percentagem de culpa em 80% para a vítima, e 20% para o arguido, (pois que provado está que “não viu a vítima”).

Dest’arte, impõe-se a improcedência do presente recurso,

Outra questão não havendo a apreciar, resta decidir como segue.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam julgar improcedente o “recurso principal” dos demandantes, e, igualmente improcedente o “recurso subordinado” da demandada seguradora.

Custas pelos recorrentes nas proporções dos seus decaimentos.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 04 de Abril de 2019
José Maria Dias Azedo
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Proc. 1144/2018 Pág. 2

Proc. 1144/2018 Pág. 3