Processo n.º 98/2019
(Recurso em matéria cível)
Data: 28 de Março de 2019
ASSUNTOS:
- Facto alegadamente ocorrido durante a conferência de interessados (sugestão da venda judicial), mas não consignado na acta respectiva
- Adjudicação directa de um bem à cabeça-de-casal, alegadamente por acordo das partes, conforme a acta, mas a Recorrente veio a dizer em recurso que não deu tal consentimento expresso
SUMÁRIO:
I – Quando na acta da conferência de interessados no âmbito de processo de inventariação de bens, se consignou o seguinte: “depois de se discutir o valor da verba 26, e de as partes se entenderem quanto à adjudicação e inclusive quanto ao valor das tornas, o juíz ditou para acta que, por acordo das partes, a verba 26 era adjudicada à cabeça-de casal (Recorrente) e que esta pagaria tornas ao Recorrido …”, o ilustre mandatário da cabeça-de-casal veio a alegar que ele chegou a “sugerir” a venda judicial do bem em causa, mas tal facto não se encontra consignado na acta, razão pela qual tinha pedido a correcção da acta junto do Tribunal a quo, tendo este indeferido o pedido, deve valer o que consta efectivamente da acta, visto que o Recorrente não chegou a levantar a falsidade da mesma, nem apresentou provas da ocorrência do facto por ele alegado.
II – Nestes termos, não se verifica a nulidade prevista no artigo 109º/3 do CPC, pois, a acta consigna que o bem descrito sob o nº 26 era adjudicada à cabeça-de-casal (Recorrente), o que se deve admitir como verdadeiro, já que não há prova da existência de discrepância entre o que foi ditado e o ocorrido na realização da conferência de interessados. Caso contrário, ou seja, caso a referida adjudicação não tivesse sido por base o acordo expresso das partes (da Recorrente e do Recorrido), uma das partes teria levantado já objecção antes de saírem da sala onde se realizou a conferência, ou deveria ter pedido no próprio momento a correcção do conteúdo da acta. Mas nada isto ocorreu.
III – Do mesmo modo também não se verifica a nulidade resultante da violação do artigo 571º/1-d) do CPC, por não se notar o vício de excesso de pronúncia, porque a acta, enquanto documento elaborado por funcionário competente, é um documento autêntico que faz prova plena, provando que a adjudicação resultou do acordo das partes, e o julgador limitou-se a “homologar” tal acordo.
IV – Perante a falta de provas da ocorrência de um facto alegado pela Recorrente, e também a ausência de motivos fundados subjacentes à argumentação jurídica invocada pela mesma (vício de excesso de pronúncia), é de julgar improcedente o recurso e manter tal e qual o teor da acta do Tribunal de recorrido.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 98/2019
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 28 de Março de 2019
Recorrente : A
Objecto do Recurso : Despacho que indeferiu o pedido de correcção da acta (不批准更正會議紀錄的請求的批示)
Recorrido : B
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I – RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 19/07/2018 (fls. 1209), dele veio, em 01/11/2018, interpor recurso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 3 a 10, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. A decisão de fls. 1209 que apreciou o pedido de correcção de fls. 1208 (da desconformidade da acta) como se de um pedido de rectificação de erro de escrita se tratasse, constituiu para a Recorrente uma decisão-surpresa, tendo o Tribunal a quo violado o princípio do contraditório por ter decidido matéria que não lhe era lícito conhecer nos termos do artigo 3/3 do CPC sem que se mostrasse cumprido o disposto no artigo 109/3 do mesmo diploma, o que que ora se argui para os devidos efeitos, dado a respectiva arguição poder/dever ser efectuada nas alegações do recurso jurisdicional interposto dessa decisão.
II. Melhor dito, não podia o Tribunal a quo ter decidido sem ter cumprido o disposto no artigo 109/3 do CPC.
III. Foi assim cometida a nulidade processual prevista no artigo 147/1 (omissão de um acto que a lei prescreve) resultante de o Tribunal a quo ter conhecido de matéria que não lhe era lícito conhecer, sem que antes se mostrasse cumprido o disposto nos artigos 3/3 e 109/3, do CPC.
IV. Só que esta nulidade processual comunica-se à própria decisão que a sancionou, sendo por isso consumida pela nulidade da sentença prevista na alínea d), última parte do n.º 1 do artigo 571.° do CPC, dado que, sem a prévia audição das partes, o Tribunal a quo não podia conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão, passando a reacção da parte com ela prejudicada pela interposição de recurso em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia.
V. A decisão recorrida é, portanto, nula nos termos da alínea d), última parte do n.º 1 do artigo 571.º do CPC.
VI. Em todo o caso, sempre teria o Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento.
VII. Isto por o sentido e alcance que atribuiu às declarações dos interessados produzidas na conferência no contexto da discussão que teve lugar não resultar delas (dado nem tal discussão nem as declarações nela produzidas terem sido consignadas em acta), nem de qualquer outro facto simples que haja sido documentado a fls. 1205-1206, como impunha o disposto no artigo 109/1 do CPC.
VIII. Acta essa que, tal como está, pouco mais é do que uma súmula daquilo que a entidade documentadora concluiu ter sucedido, mas que não serve o propósito fixado no artigo 109/1 do CPC de documentar em acta as declarações, requerimentos, promoções e actos decisórios orais que tiverem ocorrido, nem, por conseguinte, de salvaguarda as posições das partes em caso de eventual desconformidade entre o escrito na acta e o sucedido na conferência, como sucede no caso ora em apreço.
IX. É por isso especialmente revelador o facto de o Tribunal a quo não ter indeferido o pedido da A por causa do que os interessados disseram ao longo da conferência de 04/07/2018, mas apenas por causa do que ficou escrito na própria acta cuja desconformidade se pretendia ver corrigida!
X. Na verdade, se a memória não atraiçoa a ora Recorrente, o Tribunal a quo declinou a sugestão da venda judicial da verba 26.ª da relação de bens, tendo essa verba sido adjudicada à cabeça-de casal por já se encontrar registada em seu nome e, na perspectiva do Tribunal, não ser possível ficar em compropriedade.
XI. Daí a razão de ser do requerimento de fls. 1208 por ser essa a forma processualmente prevista na lei adjectiva para as partes requererem, querendo, a correcção de qualquer alegada desconformidade do narrado na acta com o sucedido na conferência.
XII. Quanto ao argumento expendido na decisão recorrida de que: «待分割財產管理人之訴訟代理人更於利害關係人會議結束前,善意地提出法庭應將財產目錄中第13項及第14項財產刪除。», o mesmo não demonstra nem concorre para demonstrar a conformidade do que foi ditado para a acta com o que ocorreu na conferência de interessados.
XIII. Tal pedido decorre do decidido no Acórdão do TSI proferido no Processo n.º 936/2016 quanto ao valor pelo qual devia ter sido relacionado a verba 26.ª na relação de bens para evitar a repetição da divisão, como também se referiu na decisão recorrida.
XIV. Pediu-se, pois, a eliminação das verbas 13.ª e 14.ª da relação de bens por o estabelecimento Medicare só poder ser relacionado pelo valor descrito pelo valor do último balanço, conforme decidido pelo TSI e não, também, pelo valor do saldo das suas contas bancárias, como erradamente ainda constava da relação de bens de fls. 766 e ss.
XV. Nada obsta, pois, a que, anulada ou revogada a decisão e cumprido o disposto no artigo 109/3 do CPC, seja a acta corrigida em função do requerido a fls. 1208 e/ou do que resultar do registo do sistema audiovisual de gravação do Tribunal.
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B, Recorrido, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 16 a 32, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. Vem o recurso a que ora se responde interposto da decisão tomada no despacho de fls. 1209 em 19/07/2018, e, em suma, a Recorrente aponta a este despacho os seguintes vícios: (i) violação do disposto no artigo 190.º, n.º 3 do CPC e consequente nulidade do despacho por força do disposto no artigo 147.º do CPC; (ii) erro de julgamento decorrente da violação do disposto no artigo 109.º, n.º 1 do CPC.
II. Com o presente Recurso pretende a Recorrente obter uma decisão que revogue o despacho de fls. 1209 e seja substituída por uma outra que ordene a rectificação da acta da conferência de interessados realizada em 04/07/2018 por forma a que da mesma se fizesse constar que foi sugerida a venda judicial da verba 26ª da relação de bens, bem como da fundamentação de facto e de direito da decisão do tribunal que, sem o acordo expresso pela cabeça de casal nesse sentido, lhe adjudicou a referida verba”.
III. No entanto, a fls. 1207 dos autos, a ora Recorrente havia interposto um recurso da decisão tomada na conferência de interessados realizada em 04/07/2018, na parte em que adjudicou a verba n.º 26 à cabeça-de-casal, sem o seu acordo expresso nesse sentido, recurso esse que também por despacho de fls. 1209 não foi admitido.
IV. Sobre a decisão que não admitiu o recurso sobre a adjudicação da verba n.º 26 da relação de bens à Recorrente, esta, apesar de devidamente alertada para o efeito, não reagiu, tendo, nesta parte o despacho de fls. 1209 transitado em julgado.
V. Ora, transitado em julgado a decisão que não admitiu o recurso que recaiu sobre a adjudicação da verba 26 à cabeça-de-casal, transita também em julgado, salvo devido respeito por melhor opinião, a decisão de adjudicação da verba 26 à cabeça-de-casal.
VI. Assim sendo, de nada serve à Recorrente que acta seja rectificada no sentido em que pretende, uma vez que a decisão da adjudicação da verba 26 já transitou em julgado.
VII. Assim, salvo devido respeito por melhor opinião, por falta evidente de interesse processual e efeito prático do resultado do presente Recurso, deve o mesmo ser rejeitado.
Caso assim não se entenda,
VIII. “das nulidades reclama-se, das decisões recorre-se”.
IX. Apesar de não invocar ao abrigo de que disposição legal apresenta o requerimento de tis. 1208, o pedido de rectificação da acta nele contido reconduz-se a um pedido de rectificação previsto no artigo 570.º do C.P.C. e ao não expediente previsto no artigo 109.º, n.º 3 do C.P.C.
X. O pedido de correcção da acta foi apresentado depois de acta estar concluída e assinada pela Meritissima Juíz a quo, sendo certo que, quando a Meritissima Juíz a quo, ainda no decurso da conferência, ditou o que havia de constar da acta, a Recorrente não se insurgiu ou requereu se fizesse constar a existência de qualquer alegada discrepância entre o que foi ditado e o ocorrido, o que lhe competia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 109.º,n.º 3 do C.P.C.
XI. Este artigo não serve para correcções posteriores à acta estar redigida e devidamente assinada, como parece a Recorrente entender, mas sim, para logo que é ditada para a acta alguma decisão ou ocorrência por parte do Meritíssimo Juiz, a parte presente apresentar discordância, o que não sucedeu no presente caso, pois que, a Meritíssima Juiz proferiu e ditou para acta a decisão de que a verba n.º 26 seria adjudicada à Recorrente por comum acordo das partes e a Recorrente, ali presente e representada, nenhum reparo ou requerimento apresentou no sentido de outra coisa ficar a constar da acta por o ditado não ter correspondido ao ocorrido.
XII. Tivesse a Recorrente entendido que houve violação por parte do douto Tribunal a quo do disposto em qualquer dos números do artigo 109.º do CPC, deveria, conforme prescrevem os artigos 147.º e 157.º, n.º 1 também do CPC, antes de terminada a diligência ter invocado a nulidade da acta decorrente da violação dos procedimentos previstos no referido dispositivo legal... Mas não o fez!
XIII. Depois de encerrada a conferência e conforme estatui o n.º 2 do artigo 109.º do CPC o funcionário de justiça, sob direcção do juiz, redigiu a acta, e compulsada tal acta depois de redigida e assinada, a Recorrente apresente o requerimento de fls. 1208.
XIV. E, resulta claro do requerimento de fls. 1208 que a Recorrente considera que há uma inexactidão, decorrente de um lapso, na acta de fls. 1205-1206 e requer tal lapso seja rectificado mediante a correcção da acta, ou seja, um típico caso de um requerimento apresentado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 570.º do CPC.
XV. Ora, tendo o douto Tribunal a quo entendido que não existiu nenhum lapso na acta e, consequentemente, não a tendo corrigido, salvo devido respeito por melhor opinião, não cabia recurso deste despacho, conforme resulta do disposto no artigo 573.º, n.º 2 do CPC.
XVI. Porém, podia e, querendo, devia, o Recorrente, na sequência de tal despacho ter invocado a nulidade da acta por eventual violação do disposto no artigo 109.º, n.º 1 do C.P.C.
XVII. E tal nulidade, salvo devido respeito por melhor opinião, deveria ter sido invocada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 151.º, n.º 1, segunda parte do C.P.C., ou seja, no prazo de 10 dias depois de proferido o despacho de fls. 1209. E, decidida tal nulidade, eventualmente recorrer do despacho que a viesse a indeferir...
XVIII. Assim, face ao supra exposto, por se entender que o despacho de fls. 1209 foi proferido ao abrigo do disposto no artigo 573.º, n.º 2 do CPC, deve o presente Recurso ser rejeitado por a decisão sobre que recai não ser passível de recurso.
Caso V. Exa. assim não entenda, o que por mera cautela de patrocínio se concede, sempre se diga que:
XIX. Face à letra do nº 3 do artigo 109.º e também do n.º 3 do artigo 3.º, ambos do C.P.C., o ora Recorrido tem sérias dificuldades em compreender os motivos que levam a Recorrente a imputar ao douto Tribunal a quo a violação dos mesmos.
XX. A Recorrente a fls. 1208 requereu fosse corrigida a acta da conferência de interessados realizada em 04/07/2018 e através do despacho ora recorrido, constante de fls. 1209, o doutro Tribunal a quo indeferiu a pretensão da Recorrente...ora,
XXI. O despacho de fls. 1209 e ora recorrido, responde tão e somente ao requerimento de fls. 1208, indeferindo-o de forma fundamentada, não incorrendo assim num vício de excesso de pronúncia nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 571.º, n.º 1 alínea d) parte final.
XXII. O douto Tribunal a quo ao não ouvir a Recorrente acerca de uma pretensão apresentada por ela própria antes de proferir uma decisão sobre essa mesma pretensão, não violou nem o disposto no artigo 109.º, n.º 3 e nem o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC e nem, consequentemente o disposto nos artigos 147.º, e muito menos incorreu num excesso de pronúncia, afastando-se também a alegada violação do disposto no artigo 571, n.º 1 alínea d) in fine.
XXIII. A invocação da violação do disposto no artigo 571, n.º 1 alínea d) in fine é tão ou mais forçada quanto a interposição do presente recurso, tendo sido aqui introduzida num nítido esforço de justificar a interposição de um recurso legalmente inadmissível.
XXIV. O despacho em crise trata-se de um despacho que indeferiu um pedido de rectificação de acta e, como tal, tal despacho não está sujeito ao disposto no artigo 109.º,n.º 1 do CPC.
XXV. O despacho recorrido e a própria acta não contém, quanto ao acordo que existiu em relação à adjudicação da verba 26 à Recorrente e ao pagamento de tornas ao Recorrido, qualquer vício.
XXVI. A Meritíssima Juíza a quo, depois de se discutir o valor da verba 26, depois de se discutir se seria vendida ou adjudicada, e depois de as partes se entenderem quanto à adjudicação e inclusive quanto ao valor das tornas, ditou para acta que, por acordo das partes, a verba 26 era adjudicada à Recorrente e que esta pagaria tornas ao Recorrido,
XXVII. E a ora Recorrente, estando ali presente, calou.
XXVIII. Ora, se a referida adjudicação não tivesse obtido o acordo da Recorrente, e estando a mesma devidamente representada por advogado, ter-se-ia a mesma conformado com tal decisão e saído da sala onde se realizou a conferência sem ter levantado qualquer objecção?! E vindo agora, bem sabendo que na altura nenhum entrave levantou, vir dizer que não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 109.º, n.º 3?!
XXIX. E mais, como é que depois de ver o recurso que interpôs da referida adjudicação rejeitado ter-se-ia conformado com tal decisão e, mesmo depois de alertada para o facto, expressamente ter mencionado que não pretendia reagir contra tal indeferimento?!
XXX. Pelo que, salvo devido respeito, os factos atestados pela Meritíssima Juiz na acta de fls. 1205-1206 correspondem ao que efectivamente aconteceu em tal conferência e não a um mero juízo pessoal do documentador.
XXXI. Mas, mesmo que se tratasse de um mero juízo pessoal do documentador, face ao comportamento adoptado pela Recorrente na conferência de interessados, que nada fez ao ouvir a Meritíssima Juiz ditar para acta que a verba lhe era adjudicada, tal juízo, sujeito à livre apreciação do julgador ‒ como pretende a Recorrente ‒ só pode ser positivamente valorado e confirmado!
XXXII. Pelo que, também nesta parte deverá improceder o Recurso a que ora se responde.
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Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS ASSENTES:
São os seguintes factos que constituem objecto deste recurso e que têm interesse para resolver o litígio:
- Em 4/7/2018 foi realizada conferência de interessados no âmbito do processo FM1-10-002-CDL-B;
- Em que intervieram o Juíz, o funcionário de justiça e o intérprete, mandatários das partes e interessados com legitimidade para o acto.
- Finda a diligência foi redigida a respectiva acta com o seguinte teor:
- 利害關係人會議記錄
- 家庭及未成年人法庭—財產清冊案編號:FM1-10-0002-CDL-B
- ***
日期:2018年7月4日,於本法院六樓第11號綜合辦公室。
法官:XXX。
助理書記員:XXX。
翻譯員:XXX。
出席者:- 待分割財產管理人 (A)。
- - 待分割財產管理人之訴訟代理人DR. XXX及XXX。
- - 利害關係人B。
- - 利害關係人之訴訟代理人DRA. XXX。
- ***
- 到了預定時間,所有相關人士到齊。
- 隨後,法官表明是次會議之目的,並按照該目的處理有關事項。
- ***
- 其後,再次討論財產目錄中之不動產。
- (IV)不動產:
- 雙方就財產目錄中第二十項之不動產達成協議,全部將之分配給利害關係人B,其需向待分割財產管理人A支付澳門幣叁佰萬元補償金,同時,雙方願意透過訴訟以外之方式處理上述不動產,並同意在120天之期限內完成相關之公證契約手續,倘完成有關手續將通知法庭。
- 就第二十一項及第二十二項之不動產,雙方仍無法達成任何補償協議,為此,只能透過司法變賣之形式處理該不動產。
- 經討論後,第二十一項不動產之變賣底價定為澳門幣壹仟壹佰貳拾肆萬元正(MOP$11,240,000.00),第二十二項不動產之變賣底價定為澳門幣貳仟叁佰叁拾捌萬肆仟元正(MOP$23,384,000.00)。
- ***
- 最後,尚餘第二十六項財產仍未處理。
- 經商討後,雙方最終按照本案之平常上訴案(TSI 936/2016號)中級法院合議庭之裁判,以該個人企業主在2017年12月31日之資產負債表之票面價定為該項財產之價值,即澳門幣壹佰伍拾捌萬柒佰捌拾伍元叁角貳分(MOP$1,580,785.32),並同意將上述財產全部分配給待分割財產管理人A,其需向利害關係人B支付澳門幣柒拾玖萬叁佰玖拾貳元陸角陸分(MOP$790,392.66 )補償金。
- 同時,基於第二十六項財產之價值已包含本案財產目錄中第十三項及第十四項之銀行存款,為避免重複分割之情況出現,雙方向法官請求將第十三項及第十四項之財產從財產目錄中刪除。
- ***
- 隨後,法官作出如下批示:
- 批示
- 就財產目錄中第二十項不動產,基於雙方願意透過訴訟以外之方式處理,針對此項目暫不作出分配,倘雙方完成有關公證契約手續,需適時通知本法庭。
- 就財產目錄中第二十一項及第二十二項之不動產,現訂定上述不動產於司法變賣之底價分別為澳門幣壹仟壹佰貳拾肆萬元正(MOP$11,240,000.00)及澳門幣貳仟叁佰叁拾捌萬肆仟元正(MOP$23,384,000.00),並命令執行澳門《民事訴訟法典》第755條之規定。
- 維持卷宗第1135頁之決定,委任待分割財產管理人A為上述不動產之受寄人。
- 按照雙方協議,將第二十六項財產全部分配給待分割財產管理人A,財產價值訂為澳門幣壹佰伍拾捌萬柒佰捌拾伍元叁角貳分(MOP$1,580,785.32),其需向利害關係人B支付澳門幣柒拾玖萬叁佰玖拾貳元陸角陸分(MOP$790,392.66)補償金,同時按照雙方之聲請,將第十三項及第十四項財產從財產目錄中刪除。
- 作出通知。(Sublinhado nosso)
- ***
- 上述批示已即時通知所有出席會議之人士,各人聲明已知悉有關內容。
- 最後,待分割財產管理人A向利害關係人B交付一張澳門幣叁拾萬元(MOP$300,000.00)之本票,目的為履行卷宗第1078頁之協議。
- 為備作據,特繕立本會議記錄,經宣讀後簽署作實。
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto uma parte da decisão constante do despacho da acta acima transcrita, proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu na parte questionada pela Recorrente. Este afirmou na sua douta decisão:
(…)
- 最後,尚餘第二十六項財產仍未處理。
- 經商討後,雙方最終按照本案之平常上訴案(TSI 936/2016號)中級法院合議庭之裁判,以該個人企業主在2017年12月31日之資產負債表之票面價定為該項財產之價值,即澳門幣壹佰伍拾捌萬柒佰捌拾伍元叁角貳分(MOP$1,580,785.32),並同意將上述財產全部分配給待分割財產管理人A,其需向利害關係人B支付澳門幣柒拾玖萬叁佰玖拾貳元陸角陸分(MOP$790,392.66 )補償金。
- 同時,基於第二十六項財產之價值已包含本案財產目錄中第十三項及第十四項之銀行存款,為避免重複分割之情況出現,雙方向法官請求將第十三項及第十四項之財產從財產目錄中刪除。(destaque nosso)
(…)
- 按照雙方協議,將第二十六項財產全部分配給待分割財產管理人A,財產價值訂為澳門幣壹佰伍拾捌萬柒佰捌拾伍元叁角貳分(MOP$1,580,785.32),其需向利害關係人B支付澳門幣柒拾玖萬叁佰玖拾貳元陸角陸分(MOP$790,392.66)補償金,同時按照雙方之聲請,將第十三項及第十四項財產從財產目錄中刪除。
- 作出通知。(Sublinhado nosso)
É esta parte da acta que deu origem ao presente litígio.
Ao ter acesso à acta escrita, o ilustre mandatário da Recorrente veio em 16/07/2018 (fls. 45 destes autos, correspondente a fls. 1207 do processo principal) apresentar um pedido com o seguinte teor:
A, cabeça-de-casal nos autos à margem referenciados, vem interpor recurso ordinário para o Tribunal de Segunda Instância, da decisão tomada na conferência de interessados realizada em 04/07/2018, na parte em que adjudicou a verba n.ª 26 da relação de bens à cabeça-de-casal, sem o seu acordo expresso nesse sentido.
Depois, o mesmo mandatário, em 18/07/2018, veio a apresentar um outro requerimento com o seguinte conteúdo:
A, cabeça-de-casal nos autos à margem referenciados, tendo tomado conhecimento da acta da conferência de interessados realizada em 04/07/2018, de fls. 1205 a 1206 dos autos, vem, expor e requerer, a final, o seguinte:
No decurso da conferência de interessados realizada em 04/07/2018 foi sugerida a venda judicial da verba 26.ª da relação de bens. (destaque nosso)
Tal, por lapso, não consta da acta.
Falta também a reprodução da decisão que indeferiu a sugestão de venda judicial da verba 26, bem como da fundamentação de facto e de direito da decisão do tribunal que, sem o acordo expresso pela cabeça de casal nesse sentido, lhe adjudicou a referida verba.
Termos em que se requer seja a acta corrigida em conformidade, com as legais consequências.
De seguida, o juíz de primeira instância proferiu o seguinte despacho:
卷宗第1208頁:閱。
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本案中,待分割財產管理人指出其曾於利害關係人會議中提議將財產目錄第26項進行公開變賣,但法庭駁回相關建議,認為相關會議紀錄中存有筆誤及法庭沒有就相關駁回決定於事實方面或法律方面作出理由說明,請求法庭作出相關更正。
根據相關會議紀錄,顯示雙方當事人經過磋商,尤其考慮本案之平常上訴案(中級法院第936/2016號合議庭裁判)後,雙方當事人最終達成協議,女方同意向男方支付相關補償金,待分割財產管理人之訴訟代理人更於利害關係人會議結束前,善意地提出法庭應將財產目錄中第13項及第14項財產刪除。
由於此為雙方當事人達成之協議,本法庭沒有作出任何駁回之批示,法庭僅確認雙方當事人所達成之協議。
因此,本法庭認為相關會議紀錄中不存在任何筆誤之情況,決定不批准待分割財產管理人提出要求更正相關會議紀錄之聲請。(destaque nosso)
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卷宗第1207頁:閱。
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根據相關會議紀錄,顯示雙方當事人經過磋商後,雙方當事人最終達成協議,女方同意向男方支付相關補償金。
針對財產目錄第26項財產方面,屬達成和解之情況,故不存在敗訴之當事人。
按照《民事訴訟法典》第585條第1款之規定,上訴人不具有提起上訴之正當性,故此,本法庭決定不受理由待分割財產管理人A提起之上訴(見卷宗第1207頁)。(destaque nosso)
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作出通知及採取必要措施。
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家庭及未成年人法庭法官
2018年7月19日
Depois, o Ilustre mandatário veio interpor o presente recurso.
Importa decidir.
Antes de mais, tentamos simplificar as coisas.
- O Ilustre Mandatário da Recorrente defende que, durante a conferência dos interessados, ele chegou a “sugerir” (sic, palavra utilizada por ele próprio no respectivo requerimento) que o bem descrito sob o nº 26 fosse posto à venda judicial, mas este facto não se encontra mencionado na respectiva acta, então veio a pedir a correcção da mesma.
- Na acta, para além de omitir esta passagem fáctica revelada pelo mandatário da Recorrente, mencionou-se apenas que tal verba de bem seria adjudicada à Recorrente e esta ficava obriga a reembolsar a outra parte pelo valor de MOP$1,580,785.32.
- A Exma. Colega da primeira instância, defendeu, ao indeferir o pedido de correcção da acta, que, relativamente à verba nº 26 da relação dos bens, o seu destino resultou do acordo das partes e não da decisão do Tribunal, como tal este não chegou a indeferir nada e também não há omissões nem inexactidões para corrigir.
- No recurso, o ilustre mandatário invocou a nulidade nos termos do disposto no artigo 109º/3 do CPC e nulidade por excesso de pronúncia por parte do Tribunal a quo, tal como as conclusões por ele formuladas demonstram.
Quid Juris?
2 questões suscitadas:
1) – Nulidade processual por violação do artigo 109º/3 do CPC;
2) - Nulidade da “decisão” de mérito por excesso de pronúncia em violação do artigo 571º/3 do CPC (por da acta constar um facto que, no óptica da Recorrente, não ocorreu: a adjudicação do bem resultou do acordo expresso das partes!).
Como estas 2 questões estão interligadas, comecemos pela segunda por estar em causa um facto que, na óptica da Recorrente, ocorreu, mas o qual não está consignado na acta.
Realmente quem leu com atenção acta acima integralmente transcrita, ficamos sem perceber que se a Recorrente chegou ou não a “sugerir” a venda judicial do bem descrito na verba nº 26!
O mais “grave” é que, na óptica da Recorrente, a acta consignou uma coisa diferente:
“Por acordo das partes o bem descrito na verba nº 26 seria adjudicado à cabeça-de-casal (Recorrente), …”
Urge perguntar, qual é a versão verdadeira??
Comecemos pela natureza jurídica da acta.
A este propósito, o próprio ilustre mandatário da Recorrente defendeu, nas suas alegações, o seguinte e bem, a nosso ver:
“(…)
Como efeito,
o valor probatório pleno da acta de conferência de interessados em inventário judicial respeita apenas aos factos que se referem como praticados pela autoridade judicial e aos factos que no documento são referidos com base nas percepções da entidade documentadora,1
pelo que o documento materializado pela acta de conferência de interessados apenas constitui prova plena das declarações, requerimentos, promoções e actos decisórios orais que tiverem ocorrido na conferência (artigo 109/1 do CPC) e que nela (acta) se mostrem devidamente consignados, (destaque nosso)
não incluindo os meros juízos pessoais do documentador2 quanto ao eventual sentido e alcance das declarações de vontade dos interessados, que só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador (artigo 365/1, in fine, do Código Civil).
Nada mais do que isso.
(…)”
Perante esta circunstância, e salvo o melhor respeito, para impugnar o conteúdo deste documento, o ilustre mandatário da Recorrente devia suscitar a questão de falsidade deste documento autêntico (porque o conteúdo não corresponde à verdade) e oferecer logo provas respectivas, mas não optou por este caminho.
O que ele fez é vir arguir nulidade resultante do erro no julgamento, nos termos do artigo 571º/1-d) do CPC.
Ora, salvo o melhor respeito, não nos parece certo invocar o normativo em causa.
Pois, para que se possa chegar à conclusão de que o Tribunal deixasse de pronunciar sobre uma certa questão ou conhecesse de uma questão que não devia conhecer, é preciso, neste caso concreto, provar que a Recorrente efectivamente pedir a venda judicial do bem descrito sob nº 26! E o Tribunal a quo não tomou decisão (omissão de pronúncia)! Ou, em vez de decidir sobre o pedido, vinha a adjudicar directamente, com base no alegado acordo expresso das partes, tal bem à Recorrente! (excesso de pronúncia)!
Mas a maior dificuldade que temos reside em saber se a cabeç-de-casal (Recorrente) efectivamente chegou a formular tal pedido? (venda judicial do bem em causa!) Só temos a versão do ilustre mandatário, e o documento autêntico nada se referiu sobre este ponto.
Nestes termos, tem razão o Recorrido quando afirmou:
“(…)
XXII - O douto Tribunal a quo ao não ouvir a Recorrente acerca de uma pretensão apresentada por ela própria antes de proferir uma decisão sobre essa mesma pretensão, não violou nem o disposto no artigo 109.º, n.º 3 e nem o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC e nem, consequentemente o disposto nos artigos 147.º, e muito menos incorreu num excesso de pronúncia, afastando-se também a alegada violação do disposto no artigo 571, n.º 1 alínea d) in fine.
XXIII - A invocação da violação do disposto no artigo 571, n.º 1 alínea d) in fine é tão ou mais forçada quanto a interposição do presente recurso, tendo sido aqui introduzida num nítido esforço de justificar a interposição de um recurso legalmente inadmissível.
XXIV - O despacho em crise trata-se de um despacho que indeferiu um pedido de rectificação de acta e, como tal, tal despacho não está sujeito ao disposto no artigo 109.º,n.º 1 do CPC.
XXV - O despacho recorrido e a própria acta não contém, quanto ao acordo que existiu em relação à adjudicação da verba 26 à Recorrente e ao pagamento de tornas ao Recorrido, qualquer vício.
XXVI - A Meritíssima Juíza a quo, depois de se discutir o valor da verba 26, depois de se discutir se seria vendida ou adjudicada, e depois de as partes se entenderem quanto à adjudicação e inclusive quanto ao valor das tornas, ditou para acta que, por acordo das partes, a verba 26 era adjudicada à Recorrente e que esta pagaria tornas ao Recorrido,
XXVII - E a ora Recorrente, estando ali presente, calou.
XXVIII - Ora, se a referida adjudicação não tivesse obtido o acordo da Recorrente, e estando a mesma devidamente representada por advogado, ter-se-ia a mesma conformado com tal decisão e saído da sala onde se realizou a conferência sem ter levantado qualquer objecção?! E vindo agora, bem sabendo que na altura nenhum entrave levantou, vir dizer que não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 109.º, n.º 3?!
XXIXE mais, como é que depois de ver o recurso que interpôs da referida adjudicação rejeitado ter-se-ia conformado com tal decisão e, mesmo depois de alertada para o facto, expressamente ter mencionado que não pretendia reagir contra tal indeferimento?!
XXX - Pelo que, salvo devido respeito, os factos atestados pela Meritíssima Juiz na acta de fls. 1205-1206 correspondem ao que efectivamente aconteceu em tal conferência e não a um mero juízo pessoal do documentador.
XXXI - Mas, mesmo que se tratasse de um mero juízo pessoal do documentador, face ao comportamento adoptado pela Recorrente na conferência de interessados, que nada fez ao ouvir a Meritíssima Juiz ditar para acta que a verba lhe era adjudicada, tal juízo, sujeito à livre apreciação do julgador ‒ como pretende a Recorrente ‒ só pode ser positivamente valorado e confirmado!
(…)
Pois, o ilustre mandatário devia reagir logo quando terminou a diligência. Mas não assim actuou.
Não é de se esquecer de que estavam presentes na conferência dos interessados a cabeça-de-casal e o seu ilustre mandatário.
Como não ficou provado que o ilustre mandatário efectivamente chegou a pedir a venda judicial do bem descrito sob nº 26, a acta não tem de consignar este facto.
Pelo que, neste ponto, é de manter a decisão do Tribunal recorrido.
*
Depois, o ilustre mandatário da Recorrente invocou também o artigo 109º/3 do CPC para tentar convencer o Tribunal que estamos perante uma nulidade.
O artigo 109º (Documentação dos actos presididos pelo juiz) do CPC prescreve:
1. A realização e o conteúdo dos actos processuais presididos pelo juiz são documentados em acta, na qual são recolhidas as declarações, requerimentos, promoções e actos decisórios orais que tiverem ocorrido.
2. A redacção da acta incumbe ao funcionário de justiça, sob a direcção do juiz, devendo ser efectuada imediatamente após o encerramento da respectiva diligência.
3. Em caso de alegada desconformidade entre o teor do que foi ditado e o ocorrido, são feitas consignar as declarações relativas à discrepância, com indicação das rectificações a efectuar, após o que o juiz profere, ouvidas as partes presentes, decisão definitiva, sustentando ou modificando a redacção inicial.
Neste ponto, o Recorrido também tem razão quando invocou os seguintes argumentos:
“(…)
“das nulidades reclama-se, das decisões recorre-se”.
IX - Apesar de não invocar ao abrigo de que disposição legal apresenta o requerimento de tis. 1208, o pedido de rectificação da acta nele contido reconduz-se a um pedido de rectificação previsto no artigo 570.º do C.P.C. e ao não expediente previsto no artigo 109.º, n.º 3 do C.P.C.
X - O pedido de correcção da acta foi apresentado depois de acta estar concluída e assinada pela Meritissima Juíz a quo, sendo certo que, quando a Meritissima Juíz a quo, ainda no decurso da conferência, ditou o que havia de constar da acta, a Recorrente não se insurgiu ou requereu se fizesse constar a existência de qualquer alegada discrepância entre o que foi ditado e o ocorrido, o que lhe competia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 109.º,n.º 3 do C.P.C.
XI - Este artigo não serve para correcções posteriores à acta estar redigida e devidamente assinada, como parece a Recorrente entender, mas sim, para logo que é ditada para a acta alguma decisão ou ocorrência por parte do Meritíssimo Juiz, a parte presente apresentar discordância, o que não sucedeu no presente caso, pois que, a Meritíssima Juiz proferiu e ditou para acta a decisão de que a verba n.º 26 seria adjudicada à Recorrente por comum acordo das partes e a Recorrente, ali presente e representada, nenhum reparo ou requerimento apresentou no sentido de outra coisa ficar a constar da acta por o ditado não ter correspondido ao ocorrido.
XII - Tivesse a Recorrente entendido que houve violação por parte do douto Tribunal a quo do disposto em qualquer dos números do artigo 109.º do CPC, deveria, conforme prescrevem os artigos 147.º e 157.º, n.º 1 também do CPC, antes de terminada a diligência ter invocado a nulidade da acta decorrente da violação dos procedimentos previstos no referido dispositivo legal... Mas não o fez!
(…)
XIX - Face à letra do nº 3 do artigo 109.º e também do n.º 3 do artigo 3.º, ambos do C.P.C., o ora Recorrido tem sérias dificuldades em compreender os motivos que levam a Recorrente a imputar ao douto Tribunal a quo a violação dos mesmos.
XX - A Recorrente a fls. 1208 requereu fosse corrigida a acta da conferência de interessados realizada em 04/07/2018 e através do despacho ora recorrido, constante de fls. 1209, o doutro Tribunal a quo indeferiu a pretensão da Recorrente...ora,
XXI - O despacho de fls. 1209 e ora recorrido, responde tão e somente ao requerimento de fls. 1208, indeferindo-o de forma fundamentada, não incorrendo assim num vício de excesso de pronúncia nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 571.º, n.º 1 alínea d) parte final.
(…)”.
Este ponto de vista merece a nossa inteira concordância.
Pelo que, na falta de elementos fácticos (facto de o Ilustre mandatário ter pedido a venda judicial do bem sob o nº 26) para sustentar a versão da Recorrente, e também face à ausência de argumentos jurídicos convincentes da mesma, não tendo sido invocada também a falsidade do documento (acta), é de julgar improcedente o recurso por não se verificarem os vícios imputados – nulidade processual resultante da alegada violação do artigo 109º/3 do CPC (na óptica da Recorrente) e nulidade da decisão de mérito por violação do artigo 571º/1-d) do CPC (excesso de pronúncia também na óptica da Recorrente).
*
Síntese conclusiva:
I – Quando na acta da conferência de interessados no âmbito de processo de inventariação de bens, se consignou o seguinte: “depois de se discutir o valor da verba 26, e de as partes se entenderem quanto à adjudicação e inclusive quanto ao valor das tornas, o juíz ditou para acta que, por acordo das partes, a verba 26 era adjudicada à cabeça-de casal (Recorrente) e que esta pagaria tornas ao Recorrido …”, o ilustre mandatário da cabeça-de-casal veio a alegar que ele chegou a “sugerir” a venda judicial do bem em causa, mas tal facto não se encontra consignado na acta, razão pela qual tinha pedido a correcção da acta junto do Tribunal a quo, tendo este indeferido o pedido, deve valer o que consta efectivamente da acta, visto que o Recorrente não chegou a levantar a falsidade da mesma, nem apresentou provas da ocorrência do facto por ele alegado.
II – Nestes termos, não se verifica a nulidade prevista no artigo 109º/3 do CPC, pois, a acta consigna que o bem descrito sob o nº 26 era adjudicada à cabeça-de-casal (Recorrente), o que se deve admitir como verdadeiro, já que não há prova da existência de discrepância entre o que foi ditado e o ocorrido na realização da conferência de interessados. Caso contrário, ou seja, caso a referida adjudicação não tivesse sido por base o acordo expresso das partes (da Recorrente e do Recorrido), uma das partes teria levantado já objecção antes de saírem da sala onde se realizou a conferência, ou deveria ter pedido no próprio momento a correcção do conteúdo da acta. Mas nada isto ocorreu.
III – Do mesmo modo também não se verifica a nulidade resultante da violação do artigo 571º/1-d) do CPC, por não se notar o vício de excesso de pronúncia, porque a acta, enquanto documento elaborado por funcionário competente, é um documento autêntico que faz prova plena, provando que a adjudicação resultou do acordo das partes, e o julgador limitou-se a “homologar” tal acordo.
IV – Perante a falta de provas da ocorrência de um facto alegado pela Recorrente, e também a ausência de motivos fundados subjacentes à argumentação jurídica invocada pela mesma (vício de excesso de pronúncia), é de julgar improcedente o recurso e manter tal e qual o teor da acta do Tribunal de recorrido.
*
Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
*
Custas pela Recorrente.
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Registe e Notifique.
*
RAEM, 28 de Março de 2019.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 2002/05/28, Proc.º n.º 02B1299, Relator DIOGO FERNANDES
2 V.g., a atestação feita pelo notário de que o outorgante é capaz, participou no negócio de livre vontade ou esta no pleno uso das suas faculdades mentais, ainda que socorrendo-se de intervenção do médico – Vidé Anselmo de Castro, Artur Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil (4.º volume), coligidas e publicadas por J. Simões Patrício/J. Formosinho Sanches/Jorge Ponce Leão, Atlântida, Coimbra, s/d, pág. 43.
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2019-98-acta-nulidade 26