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Processo nº 133/2019 Data: 28.03.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “emissão de cheque sem provisão”.
Elementos típicos.
Condições de punibilidade.
Cheque em branco.
Pacto de preenchimento.
Pena.



SUMÁRIO

1. São “elementos constitutivos” do crime de “emissão de cheque sem provisão”:
- a emissão de um cheque;
- a falta ou insuficiência de provisão; e
- o dolo, (incluindo, o genérico).

Por sua vez, são “condições de punibilidade” do crime de “emissão de cheque sem provisão”:
- a apresentação do cheque a pagamento no prazo legal de 8 dias – a contar do dia que figura no cheque como data de emissão; e,
- a verificação do não pagamento por falta ou insuficiência de provisão.

2. Ainda que, inicialmente, o cheque seja emitido sem data e com função de garantia, perde esta característica e passa a merecer protecção penal, logo que lhe seja aposta a data de emissão em harmonia com o acordado nas relações imediatas entre emitente e tomador e seja apresentado a pagamento na data acordada, verificando-se, então, prejuízo patrimonial, se o pagamento for recusado por falta de provisão.

3. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art. 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

Também em matéria de pena, o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena, (alterando-a), apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.

O recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.

O relator,

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Processo nº 133/2019
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar o arguido A, com os restantes sinais dos autos, como autor material da prática em concurso real de 2 crimes de “emissão de cheque sem provisão de valor consideravelmente elevado”, p. e p. pelo art. 214°, n.° 1 e 2, al. a) e 196°, al. b) do C.P.M., na pena de 3 anos de prisão cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 638 a 656-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu, imputando ao Acórdão recorrido o vício de “errada aplicação do direito”, pedindo a sua absolvição, e, subsidiáriamente, a redução e suspensão da execução da pena; (cfr., fls. 664 a 681).

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Respondendo, pugnam o Ministério Público e a assistente, “B, S.A.”, (B有限公司), no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 684 a 689-v e 690 a709).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“A recorre do acórdão de 07 de Dezembro de 2018, do 4.° Juízo Criminal, que, pela prática de dois crimes de emissão de cheque sem provisão, o condenou na pena conjunta de 3 anos e 6 meses de prisão, resultante das penas parcelares de 3 anos de prisão por cada um daqueles crimes.
Na motivação do recurso sustenta que o acórdão condenatório afronta o princípio da legalidade, dado não estarem preenchidos todos os elementos do tipo, além de que desconsiderou uma causa de exclusão da ilicitude, o que o leva a bater-se pela absolvição, acrescentando, subsidiariamente, que a pena é excessiva, deve computar-se em medida inferior a três anos e, a final, ser suspensa na sua execução.
Quer o Ministério Público, quer a assistente, nas suas respostas, refutam extensa e fundadamente as teses em que o recorrente alicerça as suas pretensões.
Também nós entendemos que o recorrente não tem razão.
Começa ele por pôr em causa a relevância dos títulos de crédito questionados nos autos, enquanto cheques susceptíveis de poderem desencadear a reacção penal prevista no tipo de ilícito do artigo 214.° do Código Penal.
Para tanto, argumenta que estão em causa cheques de garantia; que a própria assistente colaborou no preenchimento dos cheques, tendo concluído o processo de cometimento dos crimes; e que não se pode falar de dolo, por parte do recorrente, no acto em que firmou e lançou os cheques em circulação, em 1 de Janeiro de 2016, pois, na ocasião, não tinha como saber o montante da dívida e o dinheiro que deveria depositar em conta.
É exacto que os cheques de garantia estiveram na origem de acesa controvérsia jurídica em Portugal, tendo chegado a dividir a jurisprudência. Lá a questão encontra-se totalmente ultrapassada com a publicação de legislação que decididamente afastou a hipótese de punibilidade de tais cheques. A formulação do ilícito típico é agora diferente da que vigora em Macau, exigindo-se lá, ao contrário do que sucede aqui, que a emissão e entrega do cheque sejam directamente causais de prejuízo, e estando agora expressamente excluída a punibilidade quando o cheque é preenchido com data posterior àquela em que foi entregue ao tomador. Em Macau, onde o cheque continua a ser evidenciado como um título de crédito formal que representa dinheiro imediatamente realizável, independentemente da relação subjacente, o cheque, mesmo aquele que é passado com função de garantia, sempre foi tutelado penalmente quando devolvido por falta de provisão nos moldes previstos na Lei Uniforme, sendo a jurisprudência unânime nesse sentido, e não se antolhando motivos relevantes para alteração dessa doutrina.
Quanto à intervenção da assistente no preenchimento e às questões relativas ao dolo, o recorrente acaba por trazer à baila o momento a que deve ser reportado o dolo, porquanto, tendo emitido/assinado os cheques em branco, deixou de ter meios para controlar o complemento do seu preenchimento e o levantamento do respectivo montante, cujos actos são da lavra da assistente.
Vejamos por que é que esta argumentação não procede.
Estão em causa cheques que, tendo sido devidamente firmados pelo seu titular, o recorrente, e por ele livremente entregues à assistente, foram por esta acabados de preencher e apresentados a pagamento. Acrescente-se que a conclusão do preenchimento, através da inscrição do montante e da aposição de data, possibilidade contemplada no artigo 1224.° do Código Comercial, está, no caso, acobertada e legitimada pelos pactos de preenchimento firmados pelo sacador. Não vislumbramos, pois, motivos relevantes para excluir tais documentos da protecção penal de que desfrutam os cheques nos termos do artigo 214.° do Código Penal.
Os factos constantes da acusação/pronúncia, onde se encontravam descritos todos os elementos típicos imputados ao arguido, bem como as chamadas condições objectivas de punibilidade, foram dados como provados, pelo que, em condições normais, conduziriam, como conduziram, a um veredicto condenatório, a tanto não obstando as dúvidas suscitadas em sede de motivação do recurso. Desde logo porque o arguido recorrente emitiu, na realidade, os cheques. Ao firmar os cheques com a sua assinatura e ao abrir mão deles a favor do tomador, lançando-os em circulação, com a autorização de o tomador completar o preenchimento e os apresentar a pagamento, o arguido deu os passos necessários e bastantes para a emissão válida do cheque, à luz das regras previstas nos artigos 1212.° e seguintes do Código Comercial, para o qual foram oportunamente transpostas as correspondentes normas da Lei Uniforme sobre Cheques. A conclusão do preenchimento por outrem que não o titular da conta, além de ser legal, como supra se referiu – e aliás habitual nos procedimentos das sociedades comerciais – não retira o domínio do facto ao arguido, o titular da conta sacada. A ele coube assinar ou firmar o cheque e pô-lo em circulação, abrindo mão dele e autorizando o portador a completar o preenchimento, pelo que a ele é imputável a globalidade do processo de emissão do cheque.
Depois, em matéria de dolo – e sendo consensual que a realização do tipo se basta com o dolo genérico, nada impedindo, também, que o dolo revista a forma eventual –, importa apurar, face à formulação do tipo, em que consiste exactamente o dolo e como se expressa nomeadamente a sua vertente intelectual. O dolo, reportado ao momento da emissão do cheque – e já vimos supra que o arguido emitiu, de facto, o cheque – consiste no conhecimento da falta ou insuficiência de fundos, na conta sacada, para satisfazer o pagamento. Mas não só. Tal como está formulado o tipo, remetendo a forma e o momento da apresentação a pagamento para a lei (Código Comercial), o dolo consiste igualmente na consciência ou previsão, mesmo que eventual, de que a conta sacada não vai estar provisionada, ou não vai ser mantida provisionada, pelo prazo legalmente fixado para o pagamento. Ora, destinando-se o cheque a pagar o valor de uma dívida avalizada pelo recorrente com renúncia ao benefício da excussão prévia, dívida não saldada, e estando o tomador do cheque autorizado pelo arguido recorrente a completar o respectivo preenchimento e apresentá-lo a pagamento, não podia o recorrente desprovisionar a conta antes de decorrido o prazo legal da apresentação do cheque a pagamento. Face ao exposto, e tendo presente a matéria dada como provada, crê-se suficientemente caracterizado o dolo. É de realçar, aliás, que a assistente teve até o cuidado de alertar o recorrente para a iminência da apresentação dos cheques a pagamento, avisando-o por carta e por SMS dos respectivos valores e concedendo-lhe um prazo para pagamento da dívida ou provisionamento da conta.
Soçobra, pois, este primeiro grupo de fundamentos do recurso.
Depois, o recorrente acha que houve erro no julgamento da suscitada causa de exclusão da ilicitude.
Sustenta, com efeito, que, sendo permitido, nos termos do artigo 1224.° do Código Comercial, emitir um cheque em branco, apenas com a aposição da assinatura do sacador, não pode a mesma conduta ser punida criminalmente, pois a tanto se opõe a norma do artigo 30.°, n.° 1, do Código Penal. E acrescenta que, tendo ele, recorrente, dado ao tomador o consentimento para preencher o cheque, não podia o tomador usar o consentimento para o incriminar, pois a função do consentimento, no sistema jurídico vigente, é a de eliminar a ilicitude da conduta e não a de transpor a ilicitude para a pessoa do consentidor.
Porém, é a sua tese que labora, essa sim, em erro.
É claro que a lei comercial permite a emissão do designado cheque em branco, apenas com a assinatura do sacador, podendo o tomador completar o preenchimento de harmonia com a convenção nesse sentido firmada com o sacador. Mas já não é verdade que a lei penal proíba essa mesma operação. O que penalmente releva é a ausência de pagamento do cheque, verificados os demais requisitos, por falta de provisão da conta. O raciocínio do recorrente sofre, pois, de petição de princípio, ao dar de barato que a lei penal proíbe aquilo que é permitido pela lei comercial.
Quanto ao consentimento, existe igualmente confusão. O que releva enquanto tal, como causa de exclusão da ilicitude, é o consentimento do titular do interesse jurídico ofendido, nas situações em que tal é relevante nos termos do artigo 37.° do Código Penal. O titular do interesse ofendido é, no caso, a assistente, não o arguido recorrente. Portanto, o pacto de preenchimento firmado pelo arguido em nada releva para efeitos de exclusão da ilicitude.
Improcede também este imputado erro de julgamento.
Finalmente, o recorrente insurge-se contra a pena, que acha excessiva, e defende que deveria ser objecto de suspensão na sua execução.
Diga-se, desde já, que a pretensão de suspensão da execução da pena só poderá obter guarida se, além do mais, a sua medida não exceder os 3 anos, como claramente se extrai do artigo 48.°, n.° 1, do Código Penal. É, pois, uma questão cujo tratamento apenas encontrará razão de ser caso venha a entender-se que a pena conjunta não deve exceder os 3 anos.
Crê-se, no entanto, que nada há a censurar à pena encontrada pelo tribunal a quo.
Os crimes são puníveis com penas de prisão até 5 anos, envolvem montantes exponenciais e consequências gravosas consideráveis para o património lesado, sendo elevada a ilicitude da conduta. O recorrente, apesar de primário, actuou com dolo intenso, avalizando, através de cheques pessoais, empréstimos às suas empresas, e procurando acautelar, em primeira linha, o património das empresas devedoras, através da renúncia ao benefício da excussão prévia. As penas de 3 anos aplicadas a cada um dos crimes, situadas ligeiramente acima do meio da moldura abstracta, adequam-se à gravidade dos ilícitos e ao círculo de interesses económicos ligados à principal actividade da RAEM, no âmbito dos quais ocorre a lesão, não excedendo a culpa nem evidenciando desfasamento sensível com as bitolas adoptadas pelos tribunais da Região Administrativa Especial de Macau.
Assim, não se crê que pequem por excesso as penas concretamente encontradas pelo tribunal a quo.
De resto, e como é sabido, os parâmetros em que se move a determinação da pena, de acordo com a teoria da margem de liberdade, não são matemáticos, devendo aceitar-se a solução encontrada pelo tribunal do julgamento, a menos que o resultado se apresente ostensivamente intolerável, por desajustado aos fins da pena e à culpa que a delimita, o que não se afigura ser o caso.
Igualmente não se detectam motivos de censura para o cúmulo jurídico operado, que obedeceu às regras do artigo 71.° do Código Penal e situou a pena conjunta no patamar inicial da moldura do cúmulo.
E dito isto sobre a adequabilidade das penas parcelares e global, fica prejudicada qualquer incursão sobre uma hipotética suspensão da execução da pena, pois é sabido que, nos termos do artigo 48.° do Código Penal, ela só é possível para penas de medida não superior a 3 anos, requisito que, à partida, afasta a sua aplicação no caso em análise.
Soçobra, assim, a argumentação do recorrente, pelo que deve negar-se provimento ao recurso”; (cfr., fls. 816 a 819-v).

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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 643 a 646-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor material da prática em concurso real de 2 crimes de “emissão de cheque sem provisão de valor consideravelmente elevado”, p. e p. pelo art. 214°, n.° 1 e 2, al. a) e 196°, al. b) do C.P.M., na pena de 3 anos de prisão cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.

Assaca ao Acórdão recorrido o vício de “errada aplicação do direito”, pedindo a sua absolvição, e, subsidiariamente, a redução e suspensão da execução da pena.

Porém, não tem o ora recorrente qualquer razão, sendo de se julgar o seu recurso improcedente.

Aliás, na sua Resposta e douto Parecer, dá já o Ministério Público clara e cabal resposta às questões pelo arguido, ora recorrente, suscitadas, afigurando-se-nos de adoptar o teor do dito Parecer como fundamentação para a decisão que se irá proferir, e de, em seu complemento, consignar o que segue.

Vejamos.

Nos termos do art. 214° do C.P.M.:

“1. Quem emitir um cheque que, apresentado a pagamento nos termos e no prazo legalmente fixados, não for integralmente pago por falta de provisão é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. A pena é a de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias se:
a) O quantitativo sacado for de valor consideravelmente elevado;
b) A vítima ficar em difícil situação económica; ou
c) O agente se entregar habitualmente à emissão de cheque sem provisão.
3. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 198.º”.

E, como em relação ao crime em questão já consignamos:

“São elementos constitutivos do crime de emissão de cheque sem provisão:
- a emissão de um cheque;
- a falta ou insuficiência de provisão; e
- o dolo, (incluíndo, o genérico).
Por sua vez, são condições de punibilidade do crime de emissão de cheque sem provisão:
- a apresentação do cheque a pagamento no prazo legal de 8 dias – a contar do dia que figura no cheque como data de emissão; e,
- a verificação do não pagamento por falta ou insuficiência de provisão”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 05.07.2012, Proc. n.° 464/2012).

No caso dos autos, e perante a “matéria de facto dada como provada”, assente está que o ora recorrente, negociou com a assistente dos autos dois acordos de concessão de empréstimo para jogo, no valor de HKD$200.000.000,00 e HKD$179.000.000,00, e que, como garantia do seu pagamento, emitiu à assistente 2 cheques que, posteriormente, preenchidos em conformidade com os acordos celebrados, (com os montantes de HKD$200.000.000,00, e HKD$112.000.000,00), e apresentados a pagamento no prazo legal, não foram pagos por “insuficiência de fundos”.

E, perante esta facticidade, há pois que se dar por preenchido o “elemento objectivo” do crime de “emissão de cheque sem provisão” do art. 214° do C.P.M..

Efectivamente, e como temos vindo a entender, “Ainda que inicialmente o cheque fosse emitido sem data e com função de garantia, perde esta característica e passa a merecer protecção penal, logo que lhe seja aposta a data de emissão em harmonia com o acordado nas relações imediatas entre emitente e tomador e seja apresentado a pagamento na data acordada, verificando-se então prejuízo patrimonial se o pagamento for recusado por falta de provisão, pois frustou-se o direito do portador de receber o montante para cujo pagamento o cheque serviu”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 30.03.2017, Proc. n.° 169/2017, e outras decisões aí citadas).

Por sua vez, provado estando que o arguido “agiu de forma livre e consciente”, e “com conhecimento que a sua conduta era proibida e punida por lei”, visto está o “elemento subjectivo” do ilícito em questão.

Com efeito, provado estando que o arguido agiu livre quando emitiu os cheques em questão, com conhecimento que os mesmos, “não tinham cobertura” se apresentados a pagamento em conformidade com o acordo celebrado, (ou seja, o “pacto de preenchimento”), e que assim, causaria prejuízo à assistente, sabendo que era tal conduta proibida e punida, verificado esta o seu “dolo” quanto ao dito crime, sendo de se notar que as “observações” que o recorrente tece em relação a este aspecto não tem aplicação em face do regime legal em vigor na R.A.E.M., não sendo também acolhidas pela jurisprudência local; (sobre a questão, cfr., também o já citado Ac. de 30.03.2017, Proc. n.° 169/2017).

–– Por fim, quanto à(s) “pena(s)”.

Ao crime de “emissão de cheque sem provisão” pelo arguido cometido cabe a pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias cada; (cfr., art. 214°, n.° 2 do C.P.M.).

E, como sabido é, um sede de determinação da uma pena importa desde já atentar que preceitua o art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

E, nos termos do art. 64° do mesmo C.P.M.: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Ponderando na conduta pelo arguido desenvolvida, nos prejuízos causados à assistente, e nas fortes necessidades de prevenção criminal, impõe-se concluir que bem andou o T.J.B. ao decidir aplicar uma pena de prisão, pois que verificado não está o “circunstancialismo” do referido art. 64° do C.P.M..

Dest’arte, motivos não havendo para se alterar a “espécie” da pena aplicada, o que dizer da “medida” da(s) pena(s) de prisão decretada(s).

Pois bem, temos entendido – e motivos não vislumbramos para o deixar de o fazer – que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 13.09.2018, Proc. n.° 626/2018, de 17.01.2019, Proc. n.° 1077/2018 e de 21.02.2019, Proc. n.° 5/2019).

Cabe aqui consignar também que como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 12.07.2018, Proc. n.° 534/2018, de 25.10.2018, Proc. n.° 570/2018 e de 17.01.2019, Proc. n.° 1138/2018).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

In casu, atentos os montantes em questão, (HKD$200.000.000,00 e HKD$112.000.000,00), e moldura penal aplicável, cremos que não se mostra de considerar excessivas as penas parcelares decretadas.

Por sua vez, e em relação à “pena única”, certo sendo que em causa está uma moldura penal com um “limite mínimo de 3 anos” e um “limite máximo de 6 anos de prisão”, nenhum censura merece também a pena (única) de 3 anos e 6 meses de prisão fixada, (a 6 meses do seu mínimo).

Nesta conformidade, e inviável sendo a suspensão da execução da pena porque inverificados os pressupostos do art. 48° do C.P.M., resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça de 6 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 28 de Março de 2019

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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa

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