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Processo nº 263/2019 Data: 28.03.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Revogação.
Decisão após términus da pena.

SUMÁRIO

1. A extinção da pena não opera de direito, (demandando, sempre, uma decisão que a declare).

2. Constatando-se que a “reentrada ilegal” do recorrente ocorreu “no período da sua liberdade condicional”, e antes de ser a sua pena declarada extinta, (ou prescrita), nenhuma censura merece a decisão que lhe revogou a antes concedida libertação antecipada.

O relator,

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Processo nº 263/2019
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos, vem recorrer do despacho da Mma Juiz de Instrução Criminal que lhe revogou a liberdade condicional antes concedida, alegando – em síntese – que a decisão recorrida viola o estatuído no art. 59°, n.° 1 e 54°, n.° 1, al. b) do C.P.M.; (cfr., fls. 53 a 58 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Em Resposta, é o Ministério Público de opinião que nenhuma censura merece a decisão recorrida; (cfr., fls. 62 a 63-v).

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Admitindo o recurso com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I., onde, em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“No presente recurso está em causa a decisão de 16 de Janeiro de 2019, que revogou a liberdade condicional concedida ao recorrente A pelo remanescente de 4 meses da pena de prisão de 1 ano que lhe havia sido imposta no processo CR2-17-0031-PCC.
O cumprimento daquela pena de 1 ano de prisão terminava em 21 de Novembro de 2018. Contudo, por despacho de 20 de Julho de 2018, foi-lhe concedida liberdade condicional pelo tempo que faltava para cumprimento de pena, tendo o recorrente sido solto em 21 de Julho de 2018. Em 14 de Novembro de 2018, o recorrente foi julgado sumariamente, no âmbito do processo CR5-18-0063-PSM, por reentrada ilegal na Região Administrativa Especial de Macau ocorrida em 6 de Novembro de 2018, sendo condenado na pena de prisão de 5 meses, cuja decisão transitou em julgado no dia 11 de Dezembro de 2018. Em consequência, e após audição do recorrente, veio a ser proferida, em 16 de Janeiro de 2019, a decisão agora objecto do presente recurso, que, com fundamento na norma do artigo 54.°, n.° 1, alínea b), ex vi do artigo 59.°, ambos do Código Penal, revogou a liberdade condicional concedida ao recorrente.
Sustenta o recorrente que o despacho recorrido violou o artigo 54.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal, porquanto, quando foi efectivamente condenado pelo crime de reentrada ilegal, ou seja, em 11 de Dezembro de 2018, data do trânsito da decisão condenatória, já havia transcorrido o prazo da liberdade condicional, que findava em 21 de Novembro de 2018, o que devia ter levado a que nessa data fosse proferido despacho de extinção da respectiva pena, nos termos do artigo 55.°, aplicável ex vi do artigo 59.°, ambos do Código Penal, com a inerente inviabilização da revogação decretada pelo despacho recorrido.
Como o Ministério Público afirma na sua resposta, o recorrente não tem razão.
À revogação da liberdade condicional e extinção da pena são aplicáveis, entre outros, os normativos dos artigos 54.° e 55.° do Código Penal, por força do artigo 59.° do mesmo diploma. O despacho recorrido louvou-se no n.° 1, alínea b), daquele artigo 54.°. E o recorrente entende que tal norma não era aplicável, já que, no momento em que transitou a condenação, a pena da liberdade condicional já devia ter sido declarada extinta por força do artigo 55.° do Código Penal.
A tese do recorrente não tem qualquer apoio no invocado artigo 55.° do Código Penal. O que o n.° 1 de tal artigo reza é que, findo o prazo da liberdade condicional, a pena é declarada extinta quando não haja motivos que possam levar à revogação da liberdade condicional. No caso, existia um motivo que obviava à extinção da pena, pois estava pendente o processo sumário CR5-18-0063-PSM, com condenação ainda não transitada. Aliás, se atentarmos no n.° 2 do mesmo artigo, quaisquer dúvidas se desvanecem: Se, findo o período de [liberdade condicional], se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de readaptação social, a pena só é declarada extinta quando o processo ou incidente findar e não houver lugar à revogação. Na situação em análise, à data de 21 de Novembro de 2018, estava pendente processo por crime que, nos termos do artigo 54.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal, podia determinar a revogação da liberdade condicional, pelo que a extinção da respectiva pena não podia ser declarada antes de se conhecer o desfecho do processo e a sua repercussão na revogação da liberdade condicional. Assim sucedeu, em inteira observância da lei, pelo que, por essa via, não se mostra violado o artigo 54.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal.
(…)”; (cfr., fls. 93 a 94).

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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Como se deixou relatado, vem A recorrer do despacho da Mma Juiz de Instrução Criminal que lhe revogou a liberdade condicional, alegando que a decisão recorrida viola o estatuído no art. 59°, n.° 1 e 54°, n.° 1, al. b) do C.P.M..

Porém, evidente é a improcedência do recurso.

Vejamos.

Nos termos do art. 59° do C.P.M.:

“1. É correspondentemente aplicável à revogação da liberdade condicional e à extinção da pena o disposto nos artigos 54.º e 55.º
2. Relativamente à prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional, nos termos dos artigos 56.º e 57.º”.

E, por sua vez, prescreve o art. 54° que:

“1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado”.

No caso dos autos, após concessão da liberdade condicional por decisão de 20.07.2018, e, na sua sequência, solto e expulso da R.A.E.M. por ter sido detido em situação de “permanência ilegal”, em 06.11.2018, voltou o recorrente a reintroduzir-se em Macau clandestinamente.

E, com isso, violou, desde logo, a “obrigação” que na referida decisão lhe tinha sido decretada, de “não regressar a Macau no período da sua liberdade condicional” que só atingia o seu términus em 21.11.2018; (cfr., o despacho de 20.07.2018, a fls. 41 a 43 do P.L.C.229-17-1°-A, em apenso).

E, por assim ser, regressando a Macau clandestinamente a “menos de 4 meses após a sua soltura”, infringiu, grosseiramente, o dever que lhe foi imposto, verificada se apresentando a situação do art. 54°, n.° 1, al. a) do C.P.M..

Mas como se viu, com este seu “regresso” (ilegal) a Macau, não só violou o recorrente o “dever que lhe tinha sido imposto”, pois que por tal facto, foi condenado como autor da prática de 1 crime de “reentrada ilegal”, (p. e p. pelo art. 21° da Lei n.° 6/2004), o que impõe igualmente a conclusão que com esta sua “conduta” verificada está também a situação da al. b) do atrás referido art. 54° do C.P.M., uma vez que, até pela “justificação” apresentada para a seu regresso a Macau – para jogar nos casinos e para pagar dívidas – cremos que se terá de considerar que as “finalidades da liberdade condicional concedida não puderam ser alcançadas”.

Perante isto, quid iuris?

Pois bem, nos termos do art. 55° do C.P.M.:

“1. Se não houver motivos que possam conduzir à revogação da suspensão, findo o tempo de duração desta a pena é declarada extinta.
2. Se, findo o período de suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de readaptação social, a pena só é declarada extinta quando o processo ou incidente findar e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período de suspensão”.

Ora, sendo este normativo aplicável à situação do ora recorrente – cfr., art. 59°, n.° 1 do C.P.M. – mostrando-se de notar (assim) que a “extinção da pena não opera de direito”, (demandando, sempre, uma decisão que a declare), e constatando-se que a “reentrada ilegal” do recorrente ocorreu “no período da sua liberdade condicional”, e antes de ser a sua pena declarada extinta, (ou prescrita), evidente é que nenhuma censura merece a decisão recorrida que (apenas) fez boa aplicação dos comandos legais referidos.

Como se considerou no Ac. da Rel. do Porto de 18.04.2018, Proc. n.° 3898/10:

“A revogação da liberdade condicional, que repristina a pena de prisão cuja execução estava interrompida, não é uma sanção pela prática de um novo crime no respectivo período. (…) O que releva é poder ou não formular-se um juízo sobre a insubsistência da anterior previsão positiva sobre a ressocialização e a eficácia preventiva da liberdade condicional”.

E, como em recente decisão também já tivemos oportunidade de ponderar, sendo a liberdade condicional o resultado duma prognose de comportamento futuro conforme as normas jurídicas, afigura-se-nos de afirmar que, no caso vertente, essa prognose, (infelizmente), não se verificou, pois que o recorrente não se mostrou capaz de, em liberdade (condicional), prosseguir a sua vida de modo socialmente responsável; (cfr., a Dec. Sumária de 21.01.2019, Proc. n.° 7/2019).

Não se dúvida que a decisão recorrida foi proferida para além da data do que devia ser o “términus da pena”.

Porém, como sobre a questão se pronunciou F. Dias, tal circunstância constitui “um inconveniente inevitável e que tem de ser suportado”; (cfr., “As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 358, podendo-se também sobre a questão, e como referência doutrinária, ver o Ac. n.° 477/2007 do Tribunal Constitucional português de 25.09.2007, Proc. n.° 833/07).

Dest’arte, em face do que se expôs, e certo sendo que “prescrita” não está a (parcela da) pena em questão, resta decidir.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça de 4 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 28 de Março de 2019
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa

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