打印全文
Proc. nº 676/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 21 de Março de 2019
Descritores:
     - Acidente de viação
     - Veículos prioritários

SUMÁRIO:

1 - Segundo o art. 35º, nº2, al. 3), da LTR, o condutor de veículo estradal deve ceder a passagem aos veículos prioritários, porque, face ao art. 55º, nº1 do mesmo diploma, “O condutor de veículo prioritário pode, quando a sua missão o exigir, deixar de cumprir regras e sinais de trânsito, com excepção dos sinais dos agentes reguladores do trânsito”.

2 - O nº 2, al. 1), do mesmo art. 55º preceitua que “O condutor referido no número anterior não pode, porém, em circunstância alguma, pôr em perigo os demais utentes da via, sendo, designadamente, obrigado a suspender a sua marcha…perante o sinal luminoso vermelho de regulação do trânsito, embora possa prosseguir, sem esperar que a sinalização mude, depois de tomadas as devidas precauções”.

3 - É no quadro da conjugação destes preceitos que se deve apurar o comportamento estradal de cada um dos condutores dos veículos que intervêm num acidente de trânsito.
Proc. nº 676/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, casado, do sexo masculino, de nacionalidade chinesa, titular do BIR de Macau n.º 74XXXXX(1), residente na Estrada de XX, Edf. XX, Bloco XX, XX.º andar XX, em Macau, ------
Instaurou no TJB (Proc. nº CV2-16-0064-CAO) acção, sob a forma de processo ordinário de declaração, contra: ------
1 - “B, S.A. (XX)”, matriculada na Conservatória dos Registos Comerciais e de Bens Móveis de Macau sob o número SO1XX01, com representação permanente em Macau, na Avenida da XX, n.º XX, Edf. XX, XX.º andar; ------
2 - “C, S.A.”, matriculada na Conservatória dos Registos Comerciais e de Bens Móveis de Macau sob o número SO5XX54, pessoa colectiva com sede em Macau, na Avenida da XX, n.º XX, Edif. XX, XX.º andar.
Pedindo a condenação destas (a 2ª por sucessão à 1ª) no pagamento de MOP$ 1.848.940,30 e juros de mora respectivos, por danos patrimoniais e não patrimoniais derivados de um acidente de viação que dizia ter sofrido nas circunstâncias descritas na petição inicial.
*
Na oportunidade foi proferida sentença, que julgou improcedente a acção, com a consequente absolvição do pedido da 2ª ré.
*
É contra a sentença que ora se insurge o autor no presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
“1. O recurso tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal a quo em 5 de Março de 2018, que julgou improcedente a acção intentada pelo recorrente e absolveu a recorrida dos pedidos formulados pelo recorrente.
2. Salvo o devido respeito, o recorrente entende que no acórdão recorrido não está correcta a decisão da matéria de facto, nomeadamente, existe erro notória na apreciação da prova.
3. Relativamente ao sucedido do acidente de viação em questão, o Tribunal a quo formou a sua convicção essencialmente com base nas gravações juntas aos autos. Sem dúvida que as gravações juntas aos autos filmaram claramente o sucedido do acidente, tratando-se da prova mais essencial para determinar a causa do acidente de viação em questão.
4. O recorrente entende que o tribunal a quo não interpretou correctamente tais gravações.
5. Através das gravações constantes dos autos, pode-se claramente saber que D tinha efectuado a redução da velocidade da ambulância ao sinal luminoso que se lhe deparava, mas existia uma certa distância entre o local em que a ambulância reduziu a velocidade e a intersecção, em seguida, a ambulância prosseguiu a sua marcha e nunca parou até à ocorrência do acidente.
6. Caso D não imobilizasse a ambulância antes da intersecção para se aperceber, não era possível perceber os veículos que se apresentaram na faixa de rodagem onde o recorrente circulava.
7. Embora encontrassem parados alguns veículos no lado direito da faixa de rodagem, atento ao sentido de marcha do recorrente (o recorrente conduzia no lado esquerdo da faixa de rodagem), de facto, só era possível perceber a ambulância quando ficava no ponto mais preferido (a parte frontal do motociclo) que localiza-se em frente do lado direito da faixa de rodagem, atento ao seu sentido de marcha, pois, parou e cedeu a passagem à ambulância, e devido à imobilização deste motociclo, os outros veículos que seguiam atrás pararam e não prosseguiram a marcha.
8. O recorrente seguia pela esquerda faixa de rodagem da Avenida do XX, no sentido de marcha da Avenida de XX para Avenida de XX. As gravações constantes dos autos mostram claramente que o recorrente circulava pela esquerda faixa de rodagem, atento ao seu sentido de marcha, mas existia uma passagem superior para peões no lado esquerdo do recorrente que reduzia a sua visibilidade, pois, ao entrar à intersecção, o recorrente era difícil de perceber que a ambulância surgiu de repente no seu lado esquerdo.
9. Naquele momento, a ambulância accionou o sinal sonoro, mas, de acordo com a nossa experiência de vida, pode-se saber que, na alta noite (o acidente ocorreu cerca da 1h00 da madrugada), o som emitido pelo sinal sonoro é diminuído até o mínimo ou em silêncio. Além disso, o veículo conduzido pelo recorrente era o motociclo, ele era difícil ouvir o som de alerta emitido pela ambulância devido à influência do vento e do capacete (as orelhas foram cobertas pelo mesmo).
10. Nos termos do disposto no art.º 599.º e art.º 629.º, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, o recorrente pede ao Tribunal de Segunda Instância que se digne rever as duas gravações a seguir indicadas:
➢  Gravação entre 10:54 a 11:02 do ficheiro “20130801-004013239-CAM21-100.100.101.100-4-av%DCAM%21-26157-40-1-352-288-3323” do ficheiro “CAM21” do ficheiro “2013-08-01 Avenida do XX + Avenida do XX” constante do CD junto aos autos (com um total de 8 segundos, as imagens mostram que o tempo da ocorrência foi de 00:51:06 a 00:51:14);
➢  Gravação entre 10:54 a 11:02 do ficheiro “20130801-004014935-CAM22-100.100.101.100-4-av%DCAM%22-23725-40-1-352-288-3327” do ficheiro “CAM22” do ficheiro “2013-08-01 Avenida do XX + Avenida do XX” constante do CD junto aos autos (com um total de 8 segundos, as imagens mostram que o tempo da ocorrência foi de 00:51:06 a 00:51:14);
11. O recorrente pede a modificação da decisão do Tribunal Judicial de Base sobre a matéria de facto, designadamente:
Julgar como não provada a seguinte matéria de facto:
- Foi o Autor que se precipitou a entrar na intersecção da Avenida do XX com a Avenida do XX, sem ter atenção ao trânsito do local. (quesito 62º da Base Instrutória)
- Ao aproximar-se da intersecção da Avenida do XX com a Avenida do XX, D reduziu a sua velocidade e observou o trânsito que se aproximava do cruzamento. (quesito 64º da Base Instrutória)
- Quando a ambulância já se encontrava se intersecção da Avenida do XX com a Avenida do XX, foi embatida pelo motociclo conduzido pelo Autor, o qual entrou naquela intersecção sem parar ou reduzir a sua velocidade e de forma repentina. (quesito 67º da Base Instrutória)
Julgar como provada a seguinte matéria de facto:
- D não reparou no motociclo conduzido pelo Autor e conduziu a ambulância entrando também na intersecção? (quesito 5º da Base Instrutória)
- Ao entrar da intersecção, D não se assegurou que os veículos que estavam na via onde ia entrar lhe iam ceder a passagem? (quesito 7º da Base Instrutória)
- Por o sinal luminoso da direcção onde o motociclo do autor circulava estar verde e por o autor circular na parte esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, era difícil ao autor prever o aparecimento súbito da ambulância na intersecção, proveniente do lado esquerdo do autor? (quesito 8º da Base Instrutória)
- O Autor desmaiou, ficando inconsciente na sequência do embate? (quesito 10º da Base Instrutória)
12. Nos termos do disposto no art.º 630.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, deve julgar procedente a acção e condenar a recorrida no pedido alegado na Petição Inicial.
13. Caso assim não se entenda, o Tribunal de Segunda Instância não pode julgar procedente a acção acima referida, então, o recorrente vem suplementarmente apresentar os seguintes fundamentos do recurso.
14. O acórdão recorrido reconheceu que o recorrente era o único culpado no acidente de viação em questão, por isso, julgou improcedente a acção intentada pelo recorrente.
15. De acordo com os factos provados pelo tribunal a quo, o recorrente entende que a recorrida deve assumir, pelo menos, 70 por centos da responsabilidade por culpa de tal acidente de viação.
16. Mesmo que o veículo pesado de matrícula de ME-XX-X0, conduzido por D, tratasse-se de veículo prioritário, mas, ao chegar à intersecção, o sinal luminoso que se lhe deparava pela frente estava vermelho e não parou a sua marcha, bem como, ao entrar à intersecção, não determinou que todos os veículos que se apresentaram em outro lado do seu sentido cederam-lhe a passagem.
17. Portanto, D violou o disposto no art.º 55.º, n.º 2, alínea 1) da Lei do Trânsito Rodoviário quando conduzia e, é o culpado principal no acidente de viação em questão, assim, a recorrida deve assumir, pelo menos, 70 por centos da responsabilidade por culpa de tal acidente de viação.
18. Ainda que não possa reconhecer que cabe ao bombeiro D a culpa do presente acidente de viação, o recorrente não deve ser considerado como o único culpado em tal acidente, assim, entende que o recorrente só deve assumir a responsabilidade por culpa do acidente de viação em questão até o limite de 30%.
19. Dado que o presente acidente trata-se da colisão de veículos, de acordo com a parte posterior do art.º 499.º, n.º 1 do Código Civil, a recorrida é obrigada indemnizar o recorrente com base na responsabilidade pelo risco.
20. Nos termos do disposto no art.º 630.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, deve julgar a acção procedente ou parcialmente procedente e, condenar a recorrida no pedido alegado na Petição Inicial.
21. Portanto, quando existe erro de direito, o Tribunal a quo viola os art.ºs 477.º, 480.º, 499.º n.º 1 do Código Civil e o art.º 55.º, n.º 2, alínea 1) da Lei do Trânsito Rodoviária.
Nestes termos, solicita-se ao Mm.º Juiz do Tribunal de Segunda Instância que se digne julgar o recurso procedente e, em consequência, julgar procedente a acção intentada pelo recorrente.
Por fim, solicita-se ao Mm. Juiz do Tribunal de Segunda Instância que faça a habitual e costumada Justiça!”
*
A ré respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões alegatórias.
“A. - O condutor da ambulância assinalando a sua marcha de emergência, aproximou-se da intersecção, reduziu a velocidade e observou o trânsito, cumprindo o disposto no n.º 1, na alínea 1) do n.º 2 e n.º 3 do art.º 55.º da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR).
B. - os restantes veículos que também se aproximavam da mesma intersecção, mas no sentido de trânsito do Autor, ora Recorrente, reduziram a sua marcha e pararam, permitindo que a ambulância prosseguisse lentamente a sua marcha, cumprindo com o determinado na alínea 3 do n.º 2 do art.º 35.º e nos n.ºs 1 e 2 do art.º 56.º da mesma LTR;
C - contudo, quando a ambulância já se encontrava na intersecção, foi embatida pelo motociclo conduzido pelo Autor, ora Recorrente, o qual entrou intersecção sem parar ou reduzir a sua velocidade e de forma repentina, violando o disposto na alínea 3 do n.º 2 do art.º 35.º e nos n.ºs 1 e 2 do art.º 56.º da mesma LTR.
D - Desse modo, o acidente ocorreu por culpa exclusiva do Recorrente, pelo que não se verificam os pressupostos da responsabilidade pela culpa previstos no art.º 477.º do Código Civil.
E - Pelo que se afigura correcta a decisão recorrida que absolveu a Ré, ora Recorrida, do pedido.

Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, requer-se a V. Exas. que se dignem julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se, em consequência, a douta Decisão recorrida.
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
“Dos factos assentes:
- Pela apólice de seguro n.º MFLE/000057/0000, a Ré C S.A. assumiu, até ao limite máximo de MOP$4.000.000,00 por cada acidente, a responsabilidade civil por dano causado a terceiros pelo veículo automóvel pesado de matrícula ME-XX-X0. (alínea A) dos factos assentes)
- No dia 1 de Agosto de 2013, cerca das 01h e 00m, ocorreu um embate entre veículos na intersecção da Avenida do XX com a Avenida do XX. (alínea B) dos factos assentes)
- Em tal acidente foram intervenientes D, conduzindo uma ambulância com a chapa de matrícula ME-XX-X0 e o Autor, A, conduzindo um motociclo com a chapa de matrícula MK-XX-X0. (alínea C) dos factos assentes)
- Quando a referida ambulância chegou à intersecção da Avenida do XX com a Avenida do XX, o sinal luminoso instalado no sentido da sua passagem estava vermelho. (alínea D) dos factos assentes)
Da base Instrutória:
- No dia 1 de Agosto de 2013, pela 1 hora da madrugada, o bombeiro D conduziu a ambulância com chapa de matrícula ME-XX-X0 para ir ao terminal de autocarros do XX a fim de transportar para o Centro Hospitalar Conde de São Januário um indivíduo do sexo masculino que se sentiu mal por estar embriagado. (quesito 1º da Base Instrutória)
- Depois de o indivíduo acima referenciado se encontrar na ambulância, D ligou os sinais sonoros (vulgo sirene) e luminosos e conduziu a ambulância na Avenida do XX em direcção à Avenida do XX. (quesito 2º da Base Instrutória)
- Quando a ambulância chegou à intersecção da Avenida do XX com a Avenida do XX, o Autor conduzia o motociclo de matrícula MK-XX-X0, no qual transportava a sua esposa E, na via de trânsito esquerda da faixa rodoviária da Avenida do XX, atento o seu sentido de marcha, vindo da Avenida de XX em direcção à Avenida de XX. (quesito 3º da Base Instrutória)
- Quando o Autor conduziu o motociclo até à intersecção da Avenida do XX com a Avenida do XX, o sinal luminoso destinado a regular o trânsito com que se deparou na sua frente estava verde e o Autor continuou a sua marcha e entrou na intersecção. (quesito 4º da Base Instrutória)
- O que consta da resposta ao quesito 68º. (quesito 6º da Base Instrutória)
- Após o embate, o Autor e E caíram no chão. (quesito 9º da Base Instrutória)
- Posteriormente o Autor foi levado para o Centro Hospitalar Conde de São Januário para tratamento. (quesito 11º da Base Instrutória)
- O Autor sentiu dores intensas. (quesito 12º da Base Instrutória)
- O embate causou ao Autor fractura da diáfise femoral esquerda. (quesito 13º da Base Instrutória)
- O acidente provocou ao Autor fractura no rádio distal do lado direito. (quesitos 14º e 20º da Base Instrutória)
- E hematoma subcapsular do fígado. (quesitos 15 e 21º da Base Instrutória)
- O Autor teve de ser sujeito a operação de fixação interna da fractura da diáfise femoral esquerda. (quesito 17º da Base Instrutória)
- E teve de receber agulhas de fixação. (quesito 18º da Base Instrutória)
- O Autor necessitou, no total, de 180 a 210 dias para recuperar das lesões sofridas. (quesito 22º da Base Instrutória)
- O que consta da resposta ao quesito 52º. (quesito 23º da Base Instrutória)
- O que consta da resposta ao quesito 48º. (quesito 24º da Base Instrutória)
- O Autor ficou internado no hospital até 23 de Agosto de 2013. (quesito 25º da Base Instrutória)
- Depois de ter alta hospitalar, o Autor teve de comparecer às consultas ambulatórias e permanecer em casa para descansar até 14 de Fevereiro de 2014. (quesito 26º da Base Instrutória)
- Consta da factura emitida pelo Centro Hospitalar Conde S. Januário que as despesas hospitalares pelo internamento e tratamento do Autor foram de MOP$42.245,00 e entre o ano de 2013 a 2014, devido ao acidente, o Autor despendeu a quantia total de MOP$2.366,30 em despesas médicas. (quesito 27º da Base Instrutória)
- Que por recomendação médica, o Autor faltou ao serviço entre 1 de Agosto de 2013 a 14 de Fevereiro de 2014. (quesito 28º da Base Instrutória)
- Em 3 de Setembro de 2007, o Autor foi contratado pela F Ltd., e em 24 de Março de 2014 o salário mensal era de MOP$31.200,00. (quesito 29º da Base Instrutória)
- Entre 1 a 3 de Agosto de 2013 (no total de 31 dias), a F Ltd. Permitiu ao Autor que não comparecesse ao serviço, sendo os dias 1 a 7 por licença médica, 8 a 25 por descanso anual, 26 por descano semanal, 27 a 31 por compensação dos dias de descanso semanal. (quesito 30º da Base Instrutória)
- Não obstante a F Ltd. ter pago ao Autor o vencimento do mês de Agosto de 2013, este teve de estar internado ou a descansar, não podendo gozar os dias 8 a 31 de Agosto enquanto descaso anual, semanal e compensação de dias de descanso semanal. (quesito 31º da Base Instrutória)
- E consequência do acidente, o Autor não recebeu salário entre 1 de Setembro de 2013 a 14 de Fevereiro de 2014, no montante total de MOP$173.680,00. (quesito 32º da Base Instrutória)
- Nos primeiros três a quatro meses após o Autor ter alta do hospital em 23 de Agosto de 2013, teve de andar com o apoio de muleta, o que lhe causou incómodo. (quesito 33º da Base Instrutória)
- Depois de ter alta do hospital, o Autor teve de ter apoio de terceiros na sua vida quotidiana. (quesito 34º da Base Instrutória)
- A situação acima descrita causou tristeza ao Autor. (quesito 36º da Base Instrutória)
- O Autor deixou de conduzir. (quesito 43º da Base Instrutória)
- Devido ao acidente, o Autor sente limitação nos movimentos do joelho esquerdo e dores. (quesito 48º da Base Instrutória)
- Conforme recomendação médica, em 6 de Abril de 2016, o Autor teve de se submeter a operação para remoção das agulhas de fixação que lhe foram colocadas devido à fractura da diáfise femoral esquerda. (quesito 52º da Base Instrutória)
- Devido à referida operação, o Autor teve de suportar despesas médicas de MOP$3.042,00. (quesito 53º da Base Instrutória)
- Depois da operação, o Autor sentiu dores na perna esquerda. (quesito 54º da Base Instrutória)
- O Autor teve alta em 18 de Abril de 2016. (quesito 55º da Base Instrutória)
- O médico recomendou ao Autor que descansasse 4 meses depois de alta. (quesito 56º da Base Instrutória)
- Por ter de ser submetido à referida operação, o Autor teve de faltar ao serviço, pelo mesmo, a partir de 6 de Abril de 2016 e, em consequência, perdeu o vencimento durante a sua ausência no trabalho. (quesito 57º da Base Instrutória)
- O Autor voltou ao trabalho no dia 1 de Julho de 2016. (quesito 58º da Base Instrutória)
- O salário mensal do Autor foi aumentado e em 8 de Julho de 2016 auferia MOP$32.800,00. (quesito 59º da Base Instrutória)
- O Autor perdeu o salário, pelo menos, correspondente ao período de 6 de Abril a 30 de Junho de 2016. (quesito 60º da Base Instrutória)
- O presente acidente causou ao Autor perturbações na sua vida pessoal. (quesito 61º da Base Instrutória)
- Foi o Autor que se precipitou a entrar na intersecção da Avenida do XX com a Avenida do XX, sem ter atenção ao trânsito do local. (quesito 62º da Base Instrutória)
- A ambulância de matrícula ME-XX-X0, conduzida por D, circulava no exercício das duas funções, assinalando a sua marcha através dos sinais sonoros (vulgo sirene) e luminosos, ambos bem identificativos da sua circulação. (quesito 63º da Base Instrutória)
- Ao aproximar-se da intersecção da Avenida do XX com a Avenida do XX, D reduziu a sua velocidade e observou o trânsito que se aproximava do cruzamento. (quesito 64º da Base Instrutória)
- Face à aproximação da ambulância, os restantes veículos que se encontravam na faixa da rodagem em que seguia o Autor e a chegar à intersecção, provenientes da faixa de rodagem em que seguia o Autor reduziram a marcha e pararam. (quesito 65º da Base Instrutória)
- Com essa atitude, os veículos referidos na resposta ao quesito 65º permitiram que a ambulância de matrícula ME-XX-X0 prosseguisse a sua marcha, o que fez entrando lentamente na intersecção. (quesito 66º da Base Instrutória)
- Quando a ambulância já se encontrava se intersecção da Avenida do XX com a Avenida do XX, foi embatida pelo motociclo conduzido pelo Autor, o qual entrou naquela intersecção sem parar ou reduzir a sua velocidade e de forma repentina. (quesito 67º da Base Instrutória)
- Indo, assim, o motociclo conduzido pelo Autor colidir com a roda frontal, do lado direito, da ambulância. (quesito 68º da Base Instrutória)
- Na mesma faixa de rodagem onde o Autor conduzia o seu motociclo já havia outros veículos parados para cedência de passagem à ambulância incluindo um ciclomotor ou motociclo na via de trânsito em que o Autor circulava. (quesito 69º da Base Instrutória)”
***
III – O Direito
1 – É questionada no presente recurso a bondade jurídica da sentença do TJB, que absolveu a ré do pedido por nela ter sido julgado que a culpa na produção do acidente se ficou a dever ao próprio autor.
O autor/recorrente, condutor do motociclo, começa por impugnar a matéria de facto, especialmente a que foi dada como não provada aos artigos 5º, 7º, 8º e 10º da Base Instrutória, que considera que deveria ter sido provada.
E para o efeito invocas as gravações de imagens constantes dos autos em dois ficheiros que identifica. Esta é a única prova que o recorrente invoca para impugnar a factualidade provada.
Contudo, depois do visionamento das imagens por este TSI, a prova que dele se colhe não dá razão ao autor/recorrente.
Efectivamente, o que se nota é que o motociclo avançou na intersecção das ruas XX e XX indo embater na ambulância que ali passava na ocasião.
Provado está ainda nos autos – e tal nem sequer é questionado pelo recorrente – que a ambulância circulava no cruzamento das referidas artérias com o sinal luminoso devidamente accionado, não havendo dúvidas também que a sirene ia em funcionamento.
O recorrente ainda tenta agora justificar-se, dizendo que não se apercebeu da presença da ambulância na qual embateu, porque havia uma passagem superior para peões do lado esquerdo que lhe reduzia a sua visibilidade. Procura assim afastar a culpa.
Nós somos, porém, forçados a responder que se havia essa passadeira que não lhe permitia uma perfeita visibilidade (coisa que não foi alegada, nem quesitada), deveria ainda redobrar o seu cuidado em especial se, como está provado, a ambulância se dirigia para o cruzamento das vias com a sirene ligada, como se disse. E a verdade é que, enquanto se nota que a ambulância reduziu a velocidade no momento do cruzamento das artérias, o mesmo se não pode dizer do recorrente, que entrou nele sem reduzir o andamento do seu veículo.
Depois, o recorrente refere que, por ser noite quando o acidente se deu, o sinal sonoro da sirene é diminuído ou vai “em silêncio”. Quer ele dizer que habitualmente é assim? E no caso concreto, como foi? A sirene emitia um som fraco, pouco audível, principalmente para quem circulava de motociclo, “devido à influência do vento e do capacete”?
Ora, estes factos só agora vêm enunciados e não fizeram parte da causa de pedir e, portanto, nunca poderiam ser quesitados, nem provados. Logo, também não podem agora ser considerados nesta instância. E o que está provado, diferentemente, é que a ambulância apresentava a sirene ligada.
Assim sendo, não concordamos com o recorrente quanto a esta parte do recurso.
*
2 – Subsidiariamente, considera o recorrente ainda que, mesmo que se não altere a matéria de facto, ao menos deve o TSI repartir a culpa na produção do acidente entre os intervenientes, com a contribuição de 70% para o condutor da ambulância e 30% para si próprio.
No seu critério, o condutor da ambulância (que chegou a reduzir a velocidade ao chegar ao cruzamento das vias, segundo diz) deveria ter imobilizado o veículo. E só não o fez, por não se aperceber do motociclo conduzido pelo recorrente. E dessa maneira violou o disposto no art. 55º, nº 2, al. 1), da Lei do Trânsito Rodoviário.
Contudo, a argumentação que utiliza é improcedente. Com efeito, por um lado, segundo o art. 35º, nº2, al. 3), da LTR, o autor é quem deveria ceder a passagem aos veículos prioritários.
Por outro lado, o art. 55º, nº1 do mesmo diploma dispõe que “O condutor de veículo prioritário pode, quando a sua missão o exigir, deixar de cumprir regras e sinais de trânsito, com excepção dos sinais dos agentes reguladores do trânsito”.
Certo é que o nº2, al. 1), do mesmo art. 55º preceitua que “O condutor referido no número anterior não pode, porém, em circunstância alguma, pôr em perigo os demais utentes da via, sendo, designadamente, obrigado a suspender a sua marcha…perante o sinal luminoso vermelho de regulação do trânsito, embora possa prosseguir, sem esperar que a sinalização mude, depois de tomadas as devidas precauções”.
É no quadro da conjugação destes preceitos que se deve apurar o comportamento estradal de cada um dos condutores dos veículos que intervêm num acidente de trânsito.
Ora, o que está provado é que, embora o sinal vertical luminoso estivesse vermelho para o condutor da ambulância, e verde para o motociclo, aquele veículo prioritário, conquanto estivesse legitimado a deixar de cumprir as regras e sinais de trânsito (art. 35º), cumpriu o dever de cuidado que lhe era imposto pelo art. 55º, já que ao aproximar-se da intersecção das vias reduziu a velocidade e observou o trânsito que se aproximava do cruzamento (resposta ao art. 64º da BI).
E certo é também que todos os veículos que se encontravam na via em que seguia o autor reduziram a marcha e pararam para cederem a passagem da ambulância (respostas aos arts. 65º e 69º da BI). E foi quando já a ambulância se encontrava na intersecção das duas avenidas que o embate se deu, em virtude de o autor nela ter entrado “de forma repentina” com o seu motociclo “sem parar ou reduzir a velocidade” (resposta ao art. 67º da BI).
Portanto, o desenho factual apurado aponta totalmente para a culpa única do autor (art. 477º do CC), não sendo possível a pretendida repartição de culpas, nem necessário cobrir a situação pelas regras da responsabilidade pelo risco (art. 496º e 498º, do CC).
Improcede, pois, também esta questão.
*
E como não há mais questões a tratar, somos a concluir que o recorrente fracassou na sua impugnação jurisdicional.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando e mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
T.S.I., 21 de Março de 2019
_________________________
José Cândido de Pinho
_________________________
Tong Hio Fong
_________________________
Lai Kin Hong


Proc. Nº 676/2018 19