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Processo nº 273/2019 Data: 11.04.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.



SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

3. A compatibilidade da libertação condicional com a defesa da ordem e da paz social não se reconduz à previsível ausência de expressões públicas de inconformismo, mas antes, (e mais latamente), à compatibilidade da libertação condicional com a defesa da sociedade e a prevenção da prática de crimes, não sendo de se olvidar também que nos termos do art. 43°, n.° 2 do C.P.M. se prescreve que: “A execução da pena de prisão serve igualmente a defesa da sociedade, prevenindo o cometimento de crimes”.

O relator,

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Processo nº 273/2019
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora presa no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 77 a 85 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 87 a 88).

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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Inconformada com o despacho de 22 de Janeiro de 2019, que lhe recusou a liberdade condicional, dele recorre a reclusa A.
Na sua motivação de recurso, sustenta que todos os requisitos exigidos para a concessão da almejada liberdade condicional estavam manifestamente preenchidos, pelo que, ao denegar a libertação condicional, a decisão recorrida teria efectuado uma: incorrecta apreciação dos pressupostos materiais para tanto necessários, violando a norma do artigo 56.°, n.° 1, do Código Penal, no que é contrariada pelo Ministério Público, em cuja resposta vem sustentada a bondade do julgado.
Está em causa ajuizar se estão ou não preenchidos os requisitos materiais de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional.
É sabido que a liberdade condicional é de aplicação casuística, dependendo a sua concessão do juízo de prognose indiciador de que o recluso vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em consonância com as regras de convivência, bem como da ponderação da compatibilidade entre a libertação antecipada e a defesa da ordem jurídica e da paz social. Trata-se, no fundo, de verificar se estão satisfeitas as exigências de prevenção especial e de prevenção geral, tal como imposto pelo artigo 56.°, n.° 1, do Código Penal.
No caso vertente, tendemos para considerar, tal como opinou a decisão recorrida, que ainda se suscitam algumas dúvidas em sede de prevenção especial. A recorrente, apesar do bom comportamento registado em contexto prisional, apresenta perspectivas pouco sólidas de reinserção social, tal como notou o Exm.° Director do Estabelecimento Prisional, aventando soluções não sustentadas e até incongruentes em termos de projecto de vida para o futuro, quer quanto ao local, quer quanto à ocupação. Digamos que, perante o modo de vida passado, altamente desestruturado, e na ausência de indicadores que apontem para uma reorganização minimamente delineada e consistente do seu futuro, ainda não é possível arriscar um juízo de prognose favorável sobre a sua reinserção na sociedade em conformidade com as regras de convivência, como acabou por concluir o despacho recorrido.
Depois, há a considerar a questão da prevenção geral. Prevenção geral positiva ou de integração, enquanto exigência de tutela do ordenamento jurídico, que se manifesta primordialmente no momento chave da aplicação da pena, mas que não pode menosprezar-se na avaliação das condições de concessão da liberdade condicional – cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, parágrafos 283 e 852.
Também deste ponto de vista é possível acompanhar as considerações aduzidas no despacho recorrido para julgar não satisfeito o requisito da prevenção geral. Face à gravidade e impacto social dos crimes relativos ao tráfico ilícito de droga, e sabendo-se que a recorrente foi punida por ter participado numa operação transfronteiriça de tráfico de droga, a sua libertação, quando falta cumprir um terço da pena, pode acarretar desconfiança quanto à efectiva vigência e eficácia das normas violadas e colocar em causa as finalidades de prevenção positiva que não podem deixar de ser salvaguardadas na concessão da liberdade condicional, as quais em Macau são particularmente prementes.
Somos, assim, a concluir que a decisão recorrida efectuou uma correcta ponderação dos aspectos a considerar na concessão da liberdade condicional, em consonância com os comandos do artigo 56.° do Código Penal, pelo que, na improcedência da argumentação do recorrente, deverá ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls. 125 a 126).

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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– A, ora recorrente, deu entrada no E.P.C. em 24.03.2014, para cumprimento de uma pena de 7 anos e 3 meses de prisão que lhe foi aplicada pela prática de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”;
– em 22.01.2019, cumpriu dois terços de tal pena, expiando-a em 22.06.2021;
– em caso de vir a ser libertada, irá viver com a sua mãe, em XX, R.P.C..

Do direito

3. Insurge-se a ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).

Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, atenta a pena que à recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente presa desde 24.03.2014, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 31.01.2019, Proc. n.° 15/2019, de 21.02.2019, Proc. n.° 67/2019 e de 14.03.2019, Proc. n.° 169/2019, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta.

Na verdade, (e independentemente do demais), ponderando no tipo de crime cometido e seus graves efeitos na sociedade, na pena aplicada e no período de pena que falta cumprir, (mais de dois anos), apresenta-se-nos, por ora, inviável considerar verificado o pressuposto do art. 56, n.° 1, al. b) do C.P.M., pois que, importa acautelar a repercussão de tal tipo de criminalidade, não se podendo postergar as exigências de tutela do ordenamento jurídico, (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo, igualmente, que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”, impondo-se, também por isso, uma reafirmação social mais intensa da validade das normas jurídicas violadas; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106 e o Ac. da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15).

Como no recente Ac. do T.R. de Évora de 05.02.2019, (Proc. n.° 669/16), se considera, importa ter em conta que “a compatibilidade da libertação condicional com a defesa da ordem e da paz social não se reconduz, restritivamente, à previsível ausência de expressões públicas de inconformismo, mas antes, mais latamente, à compatibilidade da libertação condicional com a defesa da sociedade e a prevenção da prática de crimes”, não sendo de se olvidar também que nos termos do art. 43°, n.° 2 do C.P.M. se prescreve que: “A execução da pena de prisão serve igualmente a defesa da sociedade, prevenindo o cometimento de crimes”.

Assim, em face das expostas considerações, e verificado não estando o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. b) do C.P.M., há que se negar provimento ao presente recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam julgar improcedente o recurso.

Pagará a recorrente a taxa de justiça de 4 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 11 de Abril de 2019


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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa

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Proc. 273/2019 Pág. 15