打印全文
--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 23/04/2019 ---------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. José Maria Dias Azedo -----------------------------------------------------------------

Processo nº 359/2018
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A (A), arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática como co-autor material e concurso real de 2 crimes de “burla de valor consideravelmente elevado”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 1 e 4, al. a) e 196°, al. b) do C.P.M., nas penas parcelares de 3 anos e 6 meses e 4 anos e 3 meses de prisão, e em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, assim como no pagamento de uma indemnização total de HKD$1.513.500,00 e juros aos ofendidos dos autos; (cfr., fls. 728 a 735 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o arguido recorreu, afirmando que o Acórdão do T.J.B. padece de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “violação do art. 26° do C.P.M.”, devendo (apenas) ser condenado como “cúmplice” – e não, como “co-autor” – pedindo a consequente “atenuação especial ou redução da pena”; (cfr., fls. 740 a 746).

*

Em Resposta e douto Parecer entende o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 751 a 753 e 762 a 763-v).

*

Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” todos os factos que constavam da acusação pública, agora como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 729-v a 731, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (nenhum facto tendo ficado por provar).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou pela prática como co-autor material e concurso real de 2 crimes de “burla de valor consideravelmente elevado”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 1 e 4, al. a) e 196°, al. b) do C.P.M., nas penas parcelares de 3 anos e 6 meses e 4 anos e 3 meses de prisão, e em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, assim como no pagamento da uma indemnização total de HKD$1.513.500,00 e juros aos ofendidos dos autos.

Afirma que o Acórdão recorrido padece do vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “violação do art. 26° do C.P.M.”, pugnando pela sua condenação como “cúmplice” – e não, como “co-autor” – pedindo, a final, a “atenuação especial ou redução da pena”.

Como se deixou adiantado, apresenta-se-nos evidente a improcedência do pelo arguido recorrente pretendido.

Vejamos.

–– Quanto à “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.

Repetidamente temos considerado que tal vício apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.06.2018, Proc. n.° 451/2018, de 06.09.2018, Proc. n.° 677/2018 e de 10.01.2019, Proc. n.° 859/2018, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).

Como decidiu o T.R. de Coimbra:

“O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa”; (cfr., Ac. de 17.05.2017, Proc. n.° 116/13, in “www.dgsi.pt”).

E, como igualmente também considerou o T.R. de Évora:

“A insuficiência da matéria de facto para a decisão não tem a ver, e não se confunde, com as provas que suportam ou devam suportar a matéria de facto, antes, com o elenco desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas ou deficientes, antes, por não encerrar o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso”; (cfr., o Ac. de 26.09.2017, Proc. n.° 447/13).

“Só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”; (cfr., o Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16).

“O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada traduzir-se-á, afinal, na falta de elementos fácticos que permitam a integração na previsão típica criminal, seja por falência de matéria integrante do seu tipo objectivo ou do subjectivo ou, até, de uma qualquer circunstância modificativa agravante ou atenuante, considerada no caso. Em termos sintéticos, este vício ocorre quando, com a matéria de facto dada como assente na sentença, aquela condenação não poderia ter lugar ou, então, não poderia ter lugar naqueles termos”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 647/14).

Aliás, como no recente Ac. da Rel. de Coimbra de 12.09.2018, Proc. n.° 28/16, se decidiu, inexiste insuficiência da matéria de facto provada para a decisão “quando os factos dados como provados permitem a aplicação segura do direito ao caso submetido a julgamento”, sendo, como se verá, este o caso dos autos.

No caso dos autos, o Colectivo a quo investigou e emitiu pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo, elencando a que do julgamento resultou “provada”, e explicitando, (quanto a nós), adequadamente, as razões desta sua decisão; (cfr., fls. 729 a 732).

E, nesta conformidade, evidente é que não incorreu o Tribunal recorrido no acusado vício de “insuficiência”, notando-se, também, que como adiante se irá expor, é a “factualidade provada” perfeitamente apta para uma segura aplicação do direito, (mais não se mostrando de aqui consignar sobre a questão, porque ocioso).

Continuemos.

–– Pretende também o arguido que a sua conduta seja considerada com a prática dos crimes pelos quais foi condenado como (mero) “cúmplice”, e não como “co-autor”, como decidido foi.

Pois bem, nos termos do art. 25° do C.P.M.:

“É punível como autor quem executar o facto, por si ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.

Por sua vez, preceitua o art. 26° do mesmo código que:

“1. É punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso.
2. É aplicável ao cúmplice a pena prevista para o autor, especialmente atenuada”.

E tratando de idêntica questão teve já este T.S.I. oportunidade de consignar, (nomeadamente, no Ac. de 28.04.2011, Proc. n.° 415/2010, de 14.01.2016, Proc. n.° 1053/2015 e de 23.03.2017, Proc. n.° 115/2017, do ora relator), que são requisitos essenciais para que ocorra “comparticipação criminosa” sob a forma de “co-autoria”, a existência de “decisão” e de “execução conjuntas”.
O “acordo” pode ser tácito, bastando-se com a consciência/vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado crime.
No que respeita à “execução”, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes a atingir o resultado final, importando, apenas, que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do objectivo em vista.
No fundo, o que importa é que haja uma “actuação concertada” entre os agentes e que um deles fira o bem tutelado; (cfr., também os Acs. deste T.S.I. de 23.01.2014, Proc. n.° 816/2013, de 24.07.2014, Proc. n.° 428/2014, e a Decisão Sumária de 27.07.2018, Proc. n.° 651/2018 e de 06.09.2018, Proc. n.° 718/2018).

Por sua vez, é “cúmplice” aquele que tem uma actuação à margem do crime concretamente cometido, quedando-se em actos anteriores ou posteriores à sua efectivação. Na cumplicidade, há um mero auxílio ou facilitação da realização do acto assumido pelo autor e sem o qual o acto ter-se-ia realizado, mas em tempo, lugar ou circunstâncias diversas. Portanto, aqui, o cúmplice, fica fora do acto típico e só deixa de o ser, assumindo então o papel de co-autor, quando participa na execução, ainda que parcial, do projecto criminoso.

Ora, da factualidade provada, resulta à saciedade que a “intervenção” do ora recorrente não se limita a aspectos (meramente) “acessórios”, “laterais”, ou “menos relevantes”…

Pelo contrário, é o ora recorrente que, (agindo livre e de acordo com um plano traçado), apresentando-se com uma “qualidade” que não possuía, e em colaboração e conjunção de esforços com um outro individuo, faz crer que a sua participação nos acordos celebrados com os ofendidos eram sérios e honestos, prometendo vender duas fracções sobre as quais nenhum direito (ou expectativa jurídica tinha), fazendo com que lhes fosse entregue quantias monetárias, concretamente, HKD$660.000,00 e HKD$853.500,00, assim se enriquecendo ilicitamente e causando o respectivo prejuízo aos referidos ofendidos, claro sendo que “participou na execução do projecto criminoso”.

E, perante esta facticidade, evidente é que o seu envolvimento preenche todos os requisitos legais para ser qualificada como a prática dos ditos crimes como “co-autor”.

–– Por fim, quanto ao “excesso de pena”.

Antes de mais, importa considerar que, como temos repetidamente entendido:

“Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 13.09.2018, Proc. n.° 626/2018, de 17.01.2019, Proc. n.° 1077/2018 e de 21.02.2019, Proc. n.° 5/2019).

Por sua vez, é também sabido que com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais legalmente atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 12.07.2018, Proc. n.° 534/2018, de 25.10.2018, Proc. n.° 570/2018 e de 17.01.2019, Proc. n.° 1138/2018).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como recentemente se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

No caso dos autos, sendo os crimes cometidos puníveis com a pena parcelar de 2 a 10 anos de prisão, e ponderando no estatuído nos art°s 40° e 65° do C.P.M., atento o “prejuízo” causado – que ascende a HKD$1.513.500,00 – e não se olvidando as necessidades de prevenção criminal, (especial e geral), há que dizer que excessivas não se mostram as penas parcelares fixadas.

–– Quanto à “pena única” resultado do “cúmulo jurídico”, há que atentar no estatuído no art. 71° do C.P.M., que dispõe que:

“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”; (sub. nosso).

Abordando idêntica questão à ora em apreciação, e tendo em consideração o teor do n.° 1 do transcrito art. 71°, teve já este T.S.I. oportunidade de afirmar que:

“Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade – que se manifesta na totalidade dos factos – devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 08.03.2018, Proc. n.° 61/2018, de 11.10.2018, Proc. n.° 716/2018 e de 17.01.2019, Proc. n.° 1160/2018).

Atento ao que até aqui se deixou exposto, (e que é de manter), e certo sendo que, in casu, em causa está uma moldura penal com um “limite mínimo de 3 anos e 6 meses” e um “limite máximo de 7 anos e 9 meses de prisão”, nenhuma censura nos merece também a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão que ao ora recorrente foi fixada.

Tudo visto, resta decidir como segue.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 5 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 23 de Abril de 2019

José Maria Dias Azedo
Proc. 359/2018 Pág. 18

Proc. 359/2018 Pág. 1