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Processo nº 1150/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 04 de Abril de 2019

ASSUNTO:
- Acessão da posse

SUMÁRIO:
- Nada obsta à possibilidade da junção da posse do Autor não titulada à do antecessor titulada nos termos do nº 2 do artº 1180º do C.C. actual, isto é, dentro dos limites da posse não titulada.
O Relator,

Ho Wai Neng










Processo nº 1150/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 04 de Abril de 2019
Recorrentes: B e C (Réus)
Recorrido: D (Autor)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 11/07/2018, julgou-se a acção procedente e, em consequência, decidiu:
- declarou o Autor D titular do direito resultante da concessão por arrendamento sobre a fracção autónoma designada por “H3”, do prédio urbano sito na Rua ......, nº ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 2**** a fls. 116 do Livro B45 em virtude de aquisição pro usucapião.
- absolveu da instância dos outros pedidos formulados pelo Autor.
Dessa decisão vêm recorrer os Réus B e C, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O A. intentou a presente acção pedindo para:
a) ser declarado que o A. adquiriu originariamente por usucapião o direito de propriedade sobre a fracção autónoma "H3" para habitação do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua ...... nº ..., em Macau, da Freguesia de N. Senhora de Fátima, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 2**** a fls 116 do Livro B45 e inscrito na matriz sob o artigo 3****;
2. A douta sentença recorrida julgou a presente acção procedente e declarou o A. D titular do direito resultante da concessão por arrendamento sobre a fracção autónoma designada por "H3" do prédio urbano sito na Rua ...... nº ..., em Macau, da Freguesia de N. Senhora de Fátima, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 2**** a fls 116 do Livro B45;
3. Como consta na douta sentença recorrida, o mérito da causa em litígio concentra-se apenas na determinação se o A. goza ou não da posse do prédio em causa e se a duração do tempo que perdura a posse permite a aquisição do direito sobre o imóvel por via de usucapião;
4. A douta sentença recorrida considerou provada a posse do A. desde 2 de Março de 2001, posse esta que os RR., ora recorrentes, aceitam e considerou, ainda, que esta posse não é titulada e é de boa fé.
5. Tal como dispõe a lei esta posse para conduzir à usucapião terá que perdurar por, pelo menos, 15 anos.
6. E, como ficou demonstrado na presente acção, o tempo decorrido entre 2 de Março de 2001 e a data da entrada da acção em 17 de Setembro de 2015 foi de apenas 14 anos, 6 meses e 15 dias faltando cerca de 6 meses para se completar o prazo de 15 anos.
7. Mais, em 24 de Novembro de 2015 interrompeu-se o prazo de usucapião por via da apresentação da contestação pelos RR. no que diz respeito a metade indivisa da fracção autónoma.
8. Segundo a sentença, ora recorrida, o A. pode juntar à sua posse a posse do seu antecessor (artigo 1180° do C. C.) e, assim sendo, o prazo para a aquisição por usucapião já se completou, motivo porque a sentença julgou procedente o pedido do mesmo A. e o declarou titular do direito da concessão por arrendamento em virtude de aquisição por usucapião.
9. Os recorrentes insurgem-se com esta decisão pois a posse do A. tem características diferentes da posse de F uma vez que não decorre de sucessão hereditária e é exercida a título de um direito real distinto, e, por esse motivo, a acessão só se dará dentro dos limites daquela posse que tem menor âmbito.
10. E a posse que tem menor âmbito é a posse do A., pois esta não chegou ainda, na data da contestação apresentada pelos RR., 15 anos essenciais para que o prazo de usucapião se completasse.
11. Pelo que, assim sendo o A. não pode adquirir por usucapião o direito resultante da concessão por arrendamento sobre a metade da fracção autónoma em questão, pelo que a presente acção deverá ser julgada improcedente.
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O Autor respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 294 a 309 dos autos, cujo teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- Existe a fracção autónoma “H3” para habitação do prédio, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ......, nº ..., 3º andar H, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 2**** e inscrito na matriz sob o artigo nº 3****, tudo conforme doc. 1 junto com a p.i. cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea A) dos factos assentes)
- O direito sobre a referida fracção autónoma encontra-se registo na percentagem de uma metade indivisa a favor de G, pela inscrição n.º 21***, Ap. nº 8 de 12/06/1984, e outra metade indivisa a favor do 1º Réu, B, pela inscrição n.º 29****G, Ap. nº 128 de 06/08/2015. (alínea B) dos factos assentes)
- Por escritura de 09/05/1984 a fls. 23v. do Livro 15ª do 2ª Cartório Notarial, G e H, casados no regime supletivo da lei chinesa, adquiriram cada um metade indivisa do direito resultante da concessão por arrendamento incluindo o direito de propriedade sobre a referida fracção autónoma “H3”, direitos registados na Conservatória do Registo Predial conforme a já mencionada inscrição nº 21***, Ap. nº 8 de 12/06/1984. (alínea C) dos factos assentes)
- A metade indivisa do direito sobre a referida fracção antes pertencente a F foi transmitida e registada a favor de I ou I, nomeadamente pela inscrição de 09/06/2015, pela nº 2****5G, Ap. nº 115 (doc. 2 junto com a p.i.). (alínea D) dos factos assentes)
- Em 06/08/2015, pela inscrição nº 29****G, Ap. nº 128 da mesma data, a mesma metade indivisa do direito resultante da concessão por arrendamento incluindo o direito de propriedade sobre a referida fracção autónoma H3 foi registada a favor do 1º Réu marido por razão de compra (doc. 1 junto a p.i.). (alínea E) dos factos assentes)
- Em 05/08/1985, G, H, a mãe desta, então viúva, e os cinco filhos do casal faleceram. (alínea F) dos factos assentes)
- Da certidão dos autos de justificação da qualidade de herdeiro n.º 352/1993 da 2ª Secção do Tribunal Judicial de Base que integra a certidão predial junta com a p.i. como doc. 2, cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos, conta declarado que F foi o único herdeiro sobrevivo da sua mãe, da sua irmã, H, e dos seus sobrinhos. (alínea G) dos factos assentes)
- … como consta que G era casado com H, e esta irmã de F. (alínea H) dos factos assentes)
- J, mulher de F, faleceu na China em 03/02/1994. (alínea I) dos factos assentes)
- No Notário Privado XXX, F emitiu uma procuração irrevogável pela qual constituiu o Autor seu procurador conferindo-lhe, entre outros, poderes para prometer doar ou prometer vender ou para doar ou vender a referida fracção H3, tudo conforme doc. 62 junto com a p.i., cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea J) dos factos assentes)
- … dele constando, nomeadamente que “o constituído mandatário poderá servir-se desta procuração para a prática de negócios “consigo mesmo” e que a mesa “é também conferida no interesse do procurador, pelo que, nos termos legais, não pode ser revogada sem acordo deste”. (alínea K) dos factos assentes)
- No dia 18/03/2001, F faleceu. (alínea L) dos factos assentes)
- O Autor veio para Macau em Agosto ou Setembro de 1979. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- G não deixou qualquer herdeiro sobrevivo conhecido. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- Após a morte de H e G, F passou desde então a utilizar a fracção supra id. na totalidade, dando-a de arrendamento, tendo celebrado os respectivos contratos, recebido as rendas do inquilino e ao longo do tempo visitando e vistoriando esporadicamente o arrendado. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- … pagando igualmente os impostos relativos ao imóvel, o respectivo condomínio e demais despesas e ele relativas. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- Todos os actos supra referidos foram praticados ao longo do tempo à vista de toda a gente, nomeadamente dos condóminos e dos vizinhos. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- … sem oposição de ninguém de quem que seja. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- … actos estes praticados na convicção de não lesar o direito de outrem. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- … e com igual e plena convicção ser proprietário único e exclusivo da aludida fracção. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- A J, referida em I), residiu sempre e permanentemente em Cantão. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- Desde 05/08/1985 que o único familiar de F em Macau era o Autor. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- Pouco depois F passou a ter problemas de saúde, que se foram agravando progressivamente com o tempo, tornando-se cada vez pior. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- … tendo sido o Autor quem sempre o acompanhou, assistiu e cuidou dele, visitando-o quase diariamente na sua residência sita em Macua, na Av. da ......, s/n, edf. ......, Bloco ..., ...º andar. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- Em 02 de Março de 2001, F disse ao Autor que como reconhecimento da sua amizade, dedicação e auxílio lhe oferecia a supra referida fracção “H3”. (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
- … entregando-lhe as respectivas chaves para que este pudesse passar desde então a utilizá-la como sendo sua. (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
- O Autor aceitou a doação. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- … e nessa altura mudou-se para a referida fracção na companhia da sua filha mais velha, onde até 2003 residiram apenas os dois. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- A partir de 2003 passaram a residir na fracção também a mulher do Autor e duas crianças. (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
- Desde 02 de Março de 2001 e até ao presente o Autor sempre ocupou e ocupa a fracção referida, nela residindo, na companhia da família, nela tendo os seus pertences, nela tomando refeições, pernoitando, recebendo familiares e amigos, recebendo correspondência e praticando todos os demais actos próprios de uma vida quotidiana familiar normal. (resposta ao quesito 20º da base instrutória)
- Desde 02 de Março de 2001 e até ao presente o Autor sempre pagou a contribuição predial relativa a aludida fracção, as rendas da concessão, a renovação da concessão, os consumos de electricidade e alterações do contrato de fornecimento e os consumos de água e telefone fixo e ali realizou obras. (resposta ao quesito 21º da base instrutória)
- Todos os actos supra referidos foram praticados ao longo do tempo à vista de toda a gente, nomeadamente dos condóminos e dos vizinhos. (resposta ao quesito 22º da base instrutória)
- … sem oposição até Agosto de 2015. (resposta ao quesito 23º da base instrutória)
- … actos estes praticados na convicção de não lesar o direito de outrem. (resposta ao quesito 24º da base instrutória)
- … e com igual e plena convicção ser proprietário único e exclusivo da aludida fracção. (resposta ao quesito 25º da base instrutória)
- No início de 2001 a saúde de F agravou-se. (resposta ao quesito 26º da base instrutória)
- Por isso, em 02/03/2001, foi feita a procuração referida em J). (resposta ao quesito 27º da base instrutória)
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III – Fundamentação
O objecto do presente recurso consiste em saber o Autor pode juntar à sua posse do antecessor.
Para os Réus, a resposta é negativa, uma vez que as duas posses têm características diferentes: a posse do antecessor resulta da sucessão, o que não acontece com a posse do Autor.
A sentença recorrida decidiu pela forma seguinte:
“…
   Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
   Vem o Autor pedir que lhe seja declarado como proprietário e titular da fracção autónoma designada por “H3”, para habitação do prédio sito na Rua ......, n°..., inscrito na matriz sob o artigo nº3****, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob o n°2**** a fls. 116 do Livro B45.
   Contestaram os 1° e 2° Réus que o F não tinha doado o imóvel ao Autor e que este passou a nele residir por arrombamento da porta, entendendo que a posse do Autor não é titulada, má fé e não pacífica, não se reúnem os requisitos necessários para a usucapião da metade indivisa da fracção que era registada em nome do F.
    O conhecimento do mérito da causa do litígio colocado pelas partes concentra-se unicamente em saber se o Autor goza da posse do prédio em causa e se a duração do tempo que perdura a posse permite à aquisição do direito sobre o imóvel por via de usucapião.
   Posse
   “Posse é o poder que se manifesta quando alguém actual por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.” (art°1251° do C.C. 66 e art°1175° do C.C.99)
   Sobre a posse, a doutrina dominante tem entendido que o conceito da posse, acolhido no art°1251° e ss do C.C. 66 (com a redacção idêntica dos art°1175° e ss do C.C. 99), deve ser entendido de acordo com a concepção subjectivista, em que se exige dois elementos “corpus” e “animus”. O corpus, traduz-se como os actos materiais praticados sobre a coisa, com o exercício de certos poderes sobre a coisa, enquanto o anímus, que consiste na intenção por parte de quem a exerce, de se comportar como titular do direito real correspondente aquele domínio de facto ou aos actos praticados. (Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, 2ª edi, Vol III, pag.5 e Orlando Carvalho, RLJ, 122°-65 e ss)
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Posse do F
   Resulta-se dos factos assentes que a fracção autónoma designada por “H3” do prédio urbano sito na Rua ......, n°..., encontra-se registada a favor do B, ora 1º Réu, em metade indivisa do direito resultante da concessão por arrendamento, sob a inscrição nº29****G, ap. nº128 de 06/08/2015 e a favor de G, em metade indivisa sob a inscrição nº21***, de 12/06/1984 na Conservatória do Registo Predial.
   A fracção autónoma referida pertencia ao casal G e H, que adquiriram, cada em metade indivisa do referido direito sobre a fracção em 09/05/1984.
   No entanto, em 05/08/1985, o casal, os seus cinco filhos e a mãe de H faleceram.
   O F era a irmão do H, o qual foi reconhecido como único herdeiro da mão dele H e dos seus filhos, enquanto G não deixou qualquer herdeiro sobrevivo.
   Após a morte do H e G, o F passou a utilizar a fracção autónoma referida, dando-a arrendamento, recebendo as rendas, pagando os impostos relativos ao imóvel e as despesas de condomínios, à vista de todo, e sem oposição de ninguém, na convicção de ser único proprietário.
   Os acima actos praticados pelo F são os mesmos que forem praticados pelo proprietário do imóvel, o que se traduz do domínio de facto exercido por ele sobre a fracção autónoma. Este é o elemento material da posse, o “corpus”.
   Ainda que não chegou a formalizar, na sua vida, o registo em relação à parte pertencente a H, o F já era, na substância, titular de direito da metade indivisa da fracção autónoma, por sucessão legal, o que evidenciou o intuito subjectivo do ser dono da fracção em relação a essa parte.
   No que tocante à metade indivisa do G, este era seu cunhado, ainda que o F não tivesse com ele vínculo de parentesco, como aquele faleceu e não deixou quaisquer herdeiros sobrevivos, sendo F único herdeiro deixado da mulher de G, ao suceder no direito de H e obteve o domínio de facto sobre a fracção, o F adquiriu, simultaneamente, a parte pertencente ao G, como se a “sucedesse”. Ele exercia o domínio de facto sobre a fracção na convicção do seu exercício correspondente ao direito pertencente à H e ao G. Dito por outro modo, o F exercia sobre a fracção o domínio de facto como seu único proprietário e não apenas como um dos comproprietários.
   Dest’arte, a posse que o F tinha sobre a fracção autónoma “H3” é excluisiva, correspondente ao seu único proprietário.
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   Posse do Autor
   Invoca o Autor que é cunhado do F, e que a posse deste lhe tinha sido transmitido por doação em 1999, por amizade com este e auxilio que lhe ele dedicava.
   Portanto, existe causa da transmissão da posse pelo F ao Autor, que é sucessão “entre vivo”.
   Nos termos do artº1263º do C.C.66 (art°1187° do CC99) vigente que:
   “A posse adquire-se:
   a) Pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito;
   b) Pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor;
   c) Por constituto possessório;
   d) Por traditio brevi manu; ou
   e) Por inversão do título da posse.”
   É constituto possessório, refere-se o artº1264º, nº1 do C.C.66 (artº1188º do C.C.99) : “Se o titular do direito real, que esta na posse da coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa de considerar-se transferido a posse para o adquirente, ainda que, por qualquer causa, aquele continue a deter a coisa.”
   Nos caso em apreço, vem provado que o Autor passou a ter a posse sobre o imóvel em virtude do acto translativo entre ele e o antepossuidor, que é a doação feita pelo F a ele, não obstante de que a doação tivesse sido realizada por forma verbal e não pela forma legal, nada impede a considerar que o Autor adquiriu a posse da fracção por via do constituto possesório.
   Ademais, para além do constituo possessório, houve igualmente a tradição material da coisa, com a entrega das chaves do imóvel pelo F ao Autor.
   Assim, é de confirmar que o Autor adquiriu a posse sobre a fracção a partir de 2 de Março de 2001.
   Conforme os factos assentes, provado fica que desde 2 de Maio de 2001, o Autor mudou-se com a sua filha mais velha para a referida fracção, e a partir de 2003 passaram a residir na mesma fracção a sua mulher e mais duas crianças.
   Tem sido nessa fracção o Autor e a sua família tomar refeições, pernoitar, receber familiares e amigos, receber correspondências e praticar actos próprias de vida quotidiana familiar normal.
   Tendo o Autor pago as contribuições prediais, as rendas da concessão, a renovação da concessão, as despesas da electricidade e a realizado as obras.
   Os actos acima referidos que o Autor tem praticado ao longo dos anos tratam-se actos tipicamente praticados por qualquer proprietário. Dúvidas maior não deverão ter que existe nesse caso o elemento “corpus”.
   No que diz respeito ao “animus”, o suporte das despesas de contribuições prediais e das rendas da imóvel é um acto demonstrativo de ele agir como dono do prédio. Para além disso, provado fica que o Autor fez todos os actos acima à vista de toda a gente, nomeadamente dos condóminos e dos vizinhos, na convicção de ser proprietário único e exclusivo da fracção. Daí se denota o “animus” por parte do Autor.
   Reunidos os dois elementos “corpus” e “animus”, o Autor tem posse sobre fracção autónoma em causa.
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   Usucapião
   Preceitua-se o disposto do art°1287° do C.C.66 (actual art°1212° ) “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião.”
   Flui desse preceito que a aquisição do direito real por meio de usucapião exige-se a verificação cumulativa de dois requisitos essenciais: a posse e o decurso de certo lapso de tempo.
   Está afirmado que o Autor adquiriu a posse, abordaremos se o Autor se mantém a posse com o lapso de tempo exigido por lei para sustentar a usucapião.
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De acordo com o disposto do art°1182° do C.C., “A posse pode ser titulada ou não titulada, de boa ou má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta.”
   Para o efeito da usucapião, a posse há de ser pública e pacífica. (art°1336° do C.C.66 (actual art°1225°, n°1).
   Os restantes caracteres da posse influem na determinação do prazo que possa produzir os efeitos jurídicos.
   A posse titulada e com registo, o prazo necessário para o efeito da usucapião é de 10 ou 15 anos, consoante for de boa fé ou má fé. (art° 1294° do CC. 66, actual art°1219° do C.C.)
   Na falta de registo do título nem da mera posse, o prazo passa a ser 15 ou 20 anos, conforme for de boa fé ou má fé, independentemente do carácter titulado ou não da posse. (art°1296° do C.C.66 e actual art°1221° do C.C.)
   No caso sub judice, não se suscita hesitação que a posse exercida pelo Autor é pacífica e pública.
   Invocam os 1° e 2° Réus que a posse do Autor foi obtido por arrombamento, mas, feito o julgamento, não fica provado esse facto.
   Ao invés, fica provado que o Autor obteve a posse da fracção autónoma por doação do seu antecessor ocorrido em 2 de Março de 2001, assim, a sua posse é pacífica.
   A posse do Autor é igualmente pública, visto que ele tem exercido os actos materiais à vista de todos, incluindo os condóminos e vizinhos.
   Quanto aos demais caracteres.
   “Diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo abstractamente idóneo para adquirir o direito nos termos do qual se possui, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade do negócio jurídico. 2. O título não se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca; contudo, é insuficiente o recurso à mera prova testemunhal para prova do título, case este padeça de vício de forma.” (art°1259° do C.C.66, actual art° 1183°)
   Está provado que o Autor adquiriu a posse sobre a fracção por doação verbal do seu antecessor, no entanto, para a transmissão do direito de propriedade do imóvel, a lei exige a forma solene de escritura pública, desse modo, por falta de forma legal, a posse do Autor não poder ser considerada titulada.
   Na verdade, consta dos autos que o F tinha passado a favor do Autor uma procuração com poderes especiais para disposição relativamente à metade indivisa da fracção, porém, a procuração não é meio idóneo para a transmissão, a título oneroso ou gratuito, do direito de propriedade de imóvel, a posse relativa a essa parte não poderá considerado como titulada.
   Segundo o disposto dos n°1 e 2 do art°1260°, do C.C.66 (actual art°1184° n°2 do C.C.), a posse diz-se de boa-fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem; a posse titulada é presumida de boa fé e a não titulada, de má fé.
   Não sendo a posse do Autor titulada, a posse é presumida de boa fé. Porém, vem provado que a ocupação pelo Autor é exercida com a convicção de não lesar o direito de outrem. Logrou o Autor elidir a presunção, pese a posse seja não titulada, é considerada de boa fé.
   Assim, para conduzir à usucapião, a posse deverá perdurar por quinze anos.
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   In casu, vem demonstrado que o exercício do poder de facto pelo próprio Autor se iniciou em 2 de Março de 2001, até à data do registo da acção em 17/09/2015, decorreu apenas 14 anos 6 meses e 15 dias, faltando acerca de 6 meses para completar o prazo de 15 anos.
   Se contasse o tempo decorrido entre a data da acção e a data do encerramento da discussão ocorrido em 19 de Março de 2018, o prazo de 15 anos já se completou. (art°566°, n°1 do C.P.C.)
   Porém, destaca-se que durante esse período, ocorreu uma circunstância interruptiva para contagem do prazo prescritivo, que é a apresentação da contestação pelos 1° e 2° Réus em 24 de Novembro de 2015.
   Com efeito, dispõe-se o art°331°, n°1 do C.C. vigente, que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.” E prevê-se o n°4 do mesmo preceito que “é equiparado à citação ou notificação, para efeito deste artigo, qualquer outro meio judicial, com excepção do mencionado no número seguinte, pelo qual se dê conhecimento do acto à quele contra quem o direito poder ser exercido.”
   Exige o Autor ser reconhecido a aquisição do direito de propriedade por via usucapião, o direito que pretende exercer, na parte respeitante à metade indivisa registada a favor do 1° Réu, confronta com o direito dos 1° e 2° Réus, tendo estes apresentado contestação, impugnando o direito alegado pelo Autor, essa é um meio judicial na manifestação da oposição do direito do Autor, o que tem a virtualidade de interromper o prazo de prescrição aquisitiva que tem em curso.
   Assim, em relação à metade indivisa da fracção autónoma registada a favor dos 1°Réu, há lugar a interrupção do prazo da prescrição.
   Pelo que a posse do Autor no que diz respeito a metade indivisa registada em nome do 1° Réu, só decorre o prazo de 14 anos 8 meses 22 dias à data da contestação dos 1° e 2° Réus, insuficiente para conduzir à usucapião.
   Mas, quanto à posse do Autor no tocante ao exercício do direito sobre outra metade indivisa do direito que é registada a favor do G, como não houve contestação contra esse direito, não se verificando circunstância interruptiva, o prazo da posse já completou 15 anos à data do encerramento de discussão.
   Por isso, a posse do próprio Autor já permite-lhe adquirir o direito sobre essa metade indivisa por via de usucapião.
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Acessão da posse
Porém, dispõe-se o artº 1256º do C.C.66 (artº 1180º do CC):
“1. Aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor.
2. Quando a posse do antecessor tiver características diferentes ou for exercida a título de um direito real distinto, a acessão só se dará dentro dos limites daquela que tem menor âmbito.”
Para efeito de usucapião, a posse do Autor poderá juntar à posse do seu antecessor.
Importa-se saber se a posse do F tem a mesma característica da posse do Autor
Conforme o que deixou mencionado supra, o F adquiriu a posse da fracção, em relação à metade indivisa registada em nome da H por sucessão já no ano 1985. No momento da aquisição, a sua posse não é titulada. Não obstante, a posse tornou-se titulada com a prolação da sentença judicial de reconhecimento da qualidade de herdeiro único proferida em 1994, o que é título suficiente para aquisição do direito em causa.
A sua posse é titulada e presumida de boa fé. Aliás, mesmo sem contar a sentença do reconhecimento da qualidade de herdeiro, a posse do F é ainda de boa fé, desde a sua aquisição, por ficar provado que ele estava convicta de a sua actuação material não estar lesar o direito de outrem, elidindo a presunção da má fé proveniente da falta de título.
Sendo a posse do Autor com mesmas características da do F, não há obstáculo a sua junção, tomando em conta o mesmo prazo de usucapião que é de 15 anos. (art° 1296° do C.C. 66)
Desse modo, considerando a posse do F que se remonta ao ano 1985, ano em que os seus parentes morreram, com a acessão, a posse do Autor já tem perdurado por cerca 30 anos, prazo que é mais que suficiente para conduzir à aquisição originária por via de usucapião da metade indivisa do direito registado em nome do 1° Réu.
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Pedidos do Autor
Formula o Autor os seguintes pedidos: a) o pedido de declaração como titular do direito sobre a fracção autónoma por via usucapião; b) o pedido de reconhecimento do seu direito pelos Réus c) o pedido de cancelamento dos registos prediais quanto às inscrições a favor dos Réus.
Em relação ao primeiro pedido, de acordo com a análise acima expendida, esse pedido deverá ser julgado totalmente procedente.
Quanto ao segundo pedido, esse é pedido típico da acção de revindicação, conforme o que foi alegado pelo Autor, pretende somente acção de usucapião, não foi alegado, em parte algum, interesse justificativo do reconhecimento do seu direito, não se vê o interesse de agir por parte do Autor em relação a esse pedido, assim, julga-se extinta a instância desse pedido por falta de interesse de agir.
No que diz respeito ao terceiro pedido de cancelamento de registo, o registo poderá e deverá ser requerido pelo interessado junto à competente Conservatória do Registo Predial com a apresentação do título, não se vê o interesse e a razão da ordenação do cancelamento do registo pelo Tribunal em substituição dos próprios interessados enquanto poderá ser feito pelos mesmos, assim, julga-se extinta a instância desse pedido, por falta de interesse de agir.
   Tudo visto, resta decidir.
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IV) DECISÃO
   Nos termos e fundamento acima expostos, julga-se a presente acção procedente por provado e consequentemente, decide:
   - Declara-se o Autor D titular do direito resultante da concessão por arrendamento sobre a fracção autónoma designada por “H3”, do prédio urbano sito na Rua ......, nº..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 2**** a fls. 116 do Livro B45 em virtude de aquisição por usucapião.
   - Absolver-se da instância dos pedidos formulados nas alíneas b) e c) pelo Autor.
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   Custas pelo Autor e pelos 1º e 2ª Réus em partes iguais por o primeiro quem tire proveito do processo e serem os últimos vencidos…”.
Quid júris?
Dispõe o artº 1256º do C.C. de 1966 (artº1180º do C.C. actual) que:
1. Aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor.
2. Quando a posse do antecessor tiver características diferentes ou for exercida a título de um direito real distinto, a acessão só se dará dentro dos limites daquela que tem menor âmbito.
Segundo os factos provados, tanto a posse do Autor, como a do antecessor, ambas são de boa fé, pacífica e pública.
Ambas foram exercidas no âmbito do direito real de propriedade.
A sentença recorrida considerou que a posse do Autor não era titulada ao passo que a do seu antecessor era titulada.
Ora, apesar existe esta diferença, tal nada obsta à possibilidade da junção da posse do Autor à do antecessor nos termos do nº 2 do artº 1180º do C.C. actual, isto é, dentro dos limites da posse não titulada.
Nesta conformidade, nada a censurar a sentença recorrida nesta parte, pelo que o recurso não deixará de se julgar improvido.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pelos Réus.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 04 de Abril de 2019.

(Relator) Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto) José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong



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1150/2018