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Proc. nº 789/2018
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 04 de Abril de 2019
Descritores:
- Concessão de terrenos
- Caducidade da concessão
- Execução do acto
- Desocupação do terreno
- Audiência de interessados
- Princípios gerais de direito administrativo

SUMÁRIO:

I - O acto do Secretário do Governo que manda proceder à devolução do terreno, na sequência do acto do Chefe do Executivo que declara a caducidade da concessão, em virtude do decurso do respectivo prazo de duração sem aproveitamento, limita-se a dar execução a este.

II - Se do acto que declara a caducidade foi interposto recurso contencioso e se para decretar a devolução do terreno não teve lugar nenhum acto de instrução relevante, torna-se despiciendo proceder a audiência de interessados.

III - Só em casos de erro grosseiro e manifesto pode o tribunal fazer censura a um acto discricionário anulando-o com base na violação de princípios gerais de direito administrativo, tais como o do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, da proporcionalidade e da justiça.



Proc. nº 789/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
“SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO XXX, S.A.”, em chinês, XXX建築置業股份有限公司 e, em inglês, “XXX Property Investment Campany Limited”, ----
Interpõe neste TSI recurso contencioso ----
Do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 13 de Julho de 2018, exarado sobre a Proposta n.º 215/DSO/2018, de 11 de Julho, ----
Que ordenou o despejo do terreno com a área de 3.490m2, designado por lote 10, da Zona C do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, situado na península de Macau, descrito da Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2****, a fls. 172, do Livro B49K, no prazo de 60 dias, com a remoção de todos os bens móveis nele existentes, tais como equipamentos, máquinas e materiais de construção.
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Na petição inicial, formulou as seguintes conclusões:
“1. A ora Recorrente interpõe recurso contencioso do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 13 de Julho de 2018, exarado sobre a Proposta n.º 215/DSO/2018, de 11 de Julho, que ordena o despejo do terreno com a área de 3.490m2, designado por lote 10 da Zona C do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, no prazo de 60 dias, com a demolição de construções e remoção de todos os bens móveis que se encontram naquele terreno, tais como materiais e máquinas de construção;
2. Não tendo sido realizada a audiência prévia, o despacho recorrido padece de vício de forma, por violação do princípio da participação e preterição absoluta do dever de audiência dos interessados, devendo ser anulado, nos termos dos artigos 21.º, n.º 1, al. c) do CPAC e 124.º do CPA;
3. Não se percebe a razão da urgência em ter o terreno em causa desocupado, quando a Administração nunca agiu com prontidão e tomou sempre decisões com atraso, nomeadamente no que diz respeito à alteração da finalidade, à revisão do contrato da concessão;
4. A Administração tem o dever de apurar se estão verificados os pressupostos de facto e de direito, pelo que a intervenção da Recorrente na fase de instrução do processo é indispensável para assegurar os seus interesses;
5. Ao contrário de outros recursos contenciosos de despejos ordenados na sequência de declarações de caducidade, onde foi realizada a audiência de interessados, neste caso foi efectuada a instrução, com fotografias aéreas e definição das confrontações do terreno (que constam do acto recorrido), mas o direito ao exercício da audiência prévia não foi exercido pela Recorrente;
6. A Administração não procedeu à audiência prévia da ora Recorrente antes de tomar a decisão de declarar a caducidade da concessão do terreno aqui em discussão, nem o fez em sede de despejo, como talo despacho recorrido padece de vício de forma, por violação do princípio da participação e preterição absoluta do dever de audiência dos interessados, devendo ser anulado, nos termos dos artigos 21.º, n.º 1, al. c) do CPAC e 124.º do CPA;
7. A este propósito, decidiu o Tribunal de Segunda Instância, nos Acórdãos n.ºs 841/2015 e 842/2015, ambos de 27 de Outubro de 2016, que “O acto do Secretário do Governo que determina o despejo e desocupação do terreno concessionado é de mera execução do acto declarativo de caducidade da autoria do Chefe do Executivo, podendo ser objecto de recurso contencioso se lhe forem imputadas ilegalidades próprias, como, por exemplo, a falta de audiência de interessados”;
8. Estando a correr termos, pelo Tribunal de Segunda Instância, como Proc. n.º 573/2018, recurso contencioso de anulação da declaração de caducidade da concessão do terreno, a ordem de despejo ora em crise viola o princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes, o princípio da proporcionalidade, e o princípio da justiça, previstos nos artigos 4.º, 5.º, n.º 2, e 7.º do CPA;
9. No referido recurso contencioso n.º 573/2018, foi invocada uma causa impeditiva da caducidade da concessão, circunstância que, por si só, deveria obstar a qualquer decisão sobre o despejo até ser proferido acórdão final no recurso interposto;
10. Face à inércia da Administração, que se absteve de tomar as decisões relevantes que lhe competiam, nomeadamente a prometida aprovação do Plano Urbanístico das Zonas C e D do Fecho da Baía da Praia Grande, a alteração da finalidade e a revisão do contrato de concessão, é evidente que o despejo ordenado imediatamente a seguir ao recurso interposto da declaração de caducidade é uma medida desproporcional em termos de adequação, necessidade, exigibilidade e oportunidade;
11. A ordem de despejo, durante a pendência de um recurso de anulação do acto que a determinou, não pode ser considerada indispensável ou essencial ao resultado final pretendido, caso este venha a prevalecer a final;
12. Entendeu o Tribunal de Segunda Instância no Acórdão proferido no Proe. n.º 586/2018-A que apesar de, na pendência do contencioso de anulação, poder vir a ser despossado das mãos da requerente, o terreno não desaparece no mundo físico nem é imediatamente aproveitado para outros fins, pelo que se o contencioso de anulação vier a triunfar no sentido de não ficar caducada a concessão do terreno, a Administração terá de reconstruir o status quo, bastando reinvestir a ora requerente na titularidade da concessão;
13. Ora, salvo o devido respeito, a manutenção do status quo é, certamente, mais prudente e menos lesiva dos interesses em jogo do que um despejo apressado e determinado na pendência de um recurso contencioso de anulação;
14. Com o registo da declaração de caducidade, que foi realizado por averbamento à respectiva inscrição, e a ordem de despejo determinada em 13 de Julho de 2018 já não existem obstáculos para a concessão do terreno a terceiros;
15. Se o terreno for concessionado a terceiros, mesmo que seja dado provimento ao recurso contencioso de anulação da declaração de caducidade interposto, a Recorrente não poderá ser reinvestida na sua titularidade, não podendo realizar o projecto imobiliário para o terreno;
16. Por isso, é mais adequado e menos lesivo manter uma situação jurídica do que reconstruí-la, tanto mais que nenhuma urgência justifica a necessidade de despejo imediato;
17. Se não há imediato destino a dar ao terreno nada justifica impor, neste momento, à Recorrente que incorra em despesas com demolição de construções e remoção de máquinas e equipamentos de construção, que poderão verificar-se desnecessárias e injustas se for dado provimento ao recurso contencioso de anulação da declaração de caducidade;
18. O princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes, previsto no artigo 4.º do CPA, corresponde à essência do Direito Administrativo e à necessidade de permanentemente equilibrar o interesse público e o interesse privado, mediante o justo e proporcional sacrifício de cada um deles;
19. Para que exista um interesse legalmente protegido é necessário, pois, como refere Freitas do Amaral, que se verifiquem os seguintes requisitos: a) que exista um interesse próprio de um sujeito de direito; b) que a lei proteja directamente um interesse público que, se for correctamente prosseguido implicará a satisfação simultânea do interesse individual referido; c) que o titular do interesse privado não possa legalmente exigir da Administração que satisfaça o seu interesse, mas pode exigir-lhe que não prejudique esse direito ilegalmente; d) que a lei não impondo à Administração que satisfaça o interesse particular, a proíba de realizar o interesse público com ele conexo por forma ilegal; e) e que, em consequência disto, a lei dê ao particular o poder de obter a anulação dos actos pelos quais a Administração tenha prejudicado ilegalmente o interesse privado - requisitos cuja existência aqui que se constata;
20. A ordem de despejo nas circunstância supra descritas não é proporcional ou adequada ao benefício que a Administração pretende obter, pelo que, quer em comparação co a conduta da Administração, quer com o custo ou sacrifício da Recorrente provocado pela decisão ora recorrida, o despacho em causa viola gravemente o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 5.º do Código de Procedimento Administrativo;
21. Ao ordenar o despejo imediatamente a seguir à declaração de caducidade sem ponderar os elementos acima expostos e sem que nenhum imperativo legal o ditasse a Administração manifestou total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários;
22. Desta forma, é também violado o princípio da justiça previsto no artigo 7.º do Código de Procedimento Administrativo, pois é desrazoável a conduta que impõe ao particular um sacrifício de direitos desnecessário e desproporcional aos benefícios pretendidos;
23. Constituindo a violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça uma ilegalidade por vício de violação de lei, o acto recorrido é anulável por força do artigo 124.º do CPA e do artigo 21.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Administrativo Contencioso.”
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A entidade recorrida apresentou contestação, que concluiu com a seguinte síntese:
“1.ª - O objecto do presente recurso é o Despacho do STOP de 13 de Julho de 2018, exarado sobre a proposta n.º 215/DSO/2018, de 11 de Julho, que ordena o despejo do terreno, com a área de 3,490m2, designado por lote 10 da Zona C, do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, situado na Península de Macau, descrito na Conservatória do registo Predial sob o n.º 2****, a fls. 172, do Livro B49K, no prazo de 60 dias, com a demolição das construções e remoção de todos os bens móveis que se encontram naquele terreno, tais como equipamentos, máquinas e materiais de construção.
2.ª - A audiência prévia da Recorrente não foi efectuada, mas também não tinha que o ser, pois o acto recorrido assentou na emissão de acto que declarou a caducidade da concessão pelo decurso do prazo, estando inserido no mesmo procedimento administrativo, pelo que, a haver necessidade de pronúncia, a Recorrente teria de o fazer antes de ser declarada a caducidade da concessão.
3.ª - Mas, porque estamos perante uma caducidade preclusiva, nem mesmo nesse momento havia necessidade de efectuar audiência prévia, pois esta caducidade decorre do decurso do prazo, pelo que esse despacho tem efeitos meramente declarativos, operando a caducidade de forma automática.

4.ª - E, declarada a caducidade da concessão, o despejo é consequência necessária, dada a natureza vinculada do despacho que o ordena, pelo que a ordem de despejo não constitui qualquer surpresa, apenas se traduzindo numa formalidade inútil e dilatória.
5.ª - Apesar de a entidade recorrida considerar que o despejo é um acto decorrente da declaração de caducidade de cujo procedimento faz parte, entende que mesmo que fosse objecto de um procedimento autónomo, porque não foi realizada qualquer diligência instrutória, não se imporia a audiência prévia.
6.ª - Mesmo que qualquer omissão tivesse havido, sempre a mesma se teria degradado numa mera irregularidade não invalidade, em respeito pelo princípio do aproveitamento dos actos.
7.ª - Também não se verifica alegado vício de violação dos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes que, aliás, a Recorrente não densifica limitando-se a discorrer teoricamente sobre os requisitos legais necessários à protecção de tais interesses.
8.ª - A falta de densificação relativamente aos direitos e interesses dos residentes alegadamente violados pelo despacho do STOP torna impossível à entidade recorrida contestar os mesmos e ao venerando Tribunal proceder à respectiva sindicância.
9.ª - Não foi, do mesmo modo, violado o princípio da proporcionalidade, uma vez que a causa impeditiva da caducidade da concessão, cujo recurso ainda não foi decidido, não releva para a decisão de desocupação do terreno. Aguardar por esse momento para a desocupação apenas protelaria uma situação contrária ao interesse público.
10.ª - A concessão só caducou por inércia da Recorrente pelo que não se vislumbra a existência de qualquer prejuízo.
11.ª - A violação do princípio da proporcionalidade só poderia proceder se a actuação administrativa revelasse um erro manifesto e intolerável, o que não acontece.

12.ª - O princípio da proporcionalidade constitui um limite interno ao exercício de poderes discricionários, não sendo a sua violação configurável no uso de poderes vinculados.
13.ª - Não se verifica, igualmente, a assacada violação do princípio da justiça consagrado no artigo 7.º do CPA, pois, com a sua actuação, a Administração não impôs à Recorrente qualquer sacrifício de direitos desnecessário nem desproporcional aos benefícios pretendidos.
14.ª - Bem sabia a Recorrente que, declarada a caducidade preclusiva pelo não aproveitamento do terreno dentro dos prazos contratuais o mesmo reverte inexoravelmente para o Estado.
15.ª - A ordem de despejo é um acto completamente vinculado, nem mesmo a determinação do momento em que este deve ser realizado tem carácter discricionário, porquanto a Administração não pode obstar ao normal funcionamento destes procedimentos.”
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Na alegação facultativamente apresentada, as partes reiteraram no essencial as posições anteriormente assumidas nos autos.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“Constitui objecto do presente recurso contencioso o despacho de 13 de Julho de 2018, da autoria do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que ordenou o despejo do terreno ocupado pela recorrente, com a área de 3.490 m2, situado na península de Macau, no empreendimento do Fecho da Baía da Praia Grande, designado por lote C10, no prazo de 60 dias, com remoção de todos os bens móveis que aí se encontram, tais como equipamentos, máquinas e materiais de construção.
A recorrente, “Sociedade de Investimento Imobiliário XXX S.A.”, imputa ao acto os vícios de omissão da audiência prévia da interessada e violação dos princípios do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes, da proporcionalidade e da justiça.
Por seu turno, a autoridade recorrida bate-se pela legalidade do acto.
Vejamos.
A recorrente começa por imputar ao acto a preterição da formalidade de audiência prévia.
Crê-se que, no caso, a formalidade não era exigível, pelo que não lhe assistirá razão.
Estamos perante um acto de execução do despacho que declarou a caducidade da concessão. Posto que este acto de execução seja recorrível - não foi, aliás, suscitada qualquer questão quanto a isso -, trata-se de um acto situado a jusante da decisão principal, mas que faz parte do mesmo procedimento e constitui uma decorrência normal daquela decisão. É relativamente a essa decisão principal, que se seguiu à fase procedimental da instrução, que pode fazer sentido invocar a necessidade e acuidade da exercitação da audiência prévia. Não quanto ao despejo que, como se referiu, é uma decorrência normal daquela decisão sobre a caducidade.
Aliás, e como já dissemos noutros casos semelhantes, mesmo que, em tese, se equacionasse um exercício de autonomização do procedimento de execução, nem assim se imporia a audição, já que não houve uma fase de instrução neste “novo” procedimento - cf. artigo 93.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.
Improcede, pois, o vício de preterição da audiência.
A recorrente afirma ainda que o acto padece de violação de lei por ofensa dos princípios do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes, da proporcionalidade e da justiça.
Na tentativa de caracterizar estes vícios, socorre-se do facto de se encontrar pendente, neste Tribunal de Segunda Instância, o recurso contencioso n.º 573/2018, onde é posta em xeque a legalidade da declaração de caducidade da concessão do mesmo terreno que agora é objecto da ordem de despejo, e onde foi invocada uma causa impeditiva da caducidade, circunstância que, no seu entender, deveria obstar a qualquer decisão sobre o despejo até que fosse conhecida a decisão daquele recurso contencioso. E para reforçar a desnecessidade do despejo, fala em inércia da Administração, durante muitos anos, com abstenção da tomada de decisões que lhe competiam, e acrescenta que não há imediato destino a dar ao terreno.

Não creio que lhe assista razão.
A circunstância da pendência do recurso contencioso sobre a declaração de caducidade não é motivo para paralisar os efeitos do acto, nem contende com os princípios alegadamente violados. Como é sabido, a Administração goza do privilégio da execução prévia, assistindo-lhe legalmente a faculdade de, uma vez definido o direito que tem por aplicável ao caso, impor aos destinatários as consequências dessa definição, mesmo contra a oposição dos visados e sem a prévia intervenção dos tribunais. Só assim não será se a eficácia do acto estiver suspensa, o que não é o caso.
Acresce que o princípio da proporcionalidade, como corolário do princípio da justiça, obriga a que as decisões administrativas que colidam com direitos e interesses dos particulares apenas possam afectar as posições destes na justa medida da necessidade reclamada pelos objectivos a prosseguir. Isto pressupõe, por um lado, que a Administração actue no exercício de poderes discricionários. Ora, parece seguro que, declarada a caducidade, está a Administração vinculada a recuperar o terreno, pelo que pouca ou nenhuma acuidade relevarão aí os princípios que funcionam como limites internos da actuação administrativa. Por outro lado, haverá que notar que a eventual mora anterior da Administração em nada contende com a proporcionalidade ou desproporcionalidade do acto de despejo, pois nada permite sustentar a ideia de que as injunções a cumprir pelos particulares podem beneficiar de dilações proporcionais às demoras ocorridas no seio da Administração.
Ante o exposto, e na improcedência dos vícios alegados, o nosso parecer vai no sentido do não provimento do recurso.”
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão bem representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 - A Recorrente tem sede em Macau, na Avenida ......, Edifício ......, ....º andar “...”, encontra-se registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o n.º 8*** (SO), e é concessionária por arrendamento do terreno denominado Lote C10, situado em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona C, com a área de 3.490m2, destinado à construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, para habitação e estacionamento, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2****, a fls. 172, do Livro B49K, e inscrito a favor da Recorrente sob a inscrição n.º 26673F (Docs. n.os 2 e 3, juntos com a p.i.).
2 - Por Despacho do Chefe do Executivo, de 3 de Maio de 2018, tornado público pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 24/2018, publicado no Boletim Oficial n.º 20, II Série, de 16 de Maio de 2018, foi declarada a caducidade da mencionada concessão pelo decurso do prazo geral sem aproveitamento.
3 - A ora Recorrente interpôs recurso contencioso contra esse despacho do Chefe do Executivo em 15 de Junho de 2018, que corre termos neste Tribunal de Segunda Instância com o nº 573/2018.
4 - Por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 13 de Julho de 2018, exarado sobre a proposta n.º 215/DSO/2018, de 11 de Julho, que ordena o despejo do terreno, com a área de 3.490m2, designado por lote 10 da Zona C, do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, situado na Península de Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2****, a fls. 172, do livro B49K, no prazo de 60 dias, com demolição das construções e remoção de todos os bens móveis que se encontra, naquele terreno, tais como equipamentos, materiais e máquinas de construção.
5 - A decisão referida no ponto 4 foi tomada sem a recorrente ter sido ouvida em audiência de interessados.
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IV – O Direito
1 - Foram os seguintes os vícios invocados pela recorrente:
- De forma, por omissão de audiência prévia de interessados;
- De lei, por violação dos princípios do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, da proporcionalidade e da justiça.
Conheçamo-los.
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2 - Da audiência de interessados
Pretende a recorrente obter a anulação da decisão administrativa aqui impugnada, com fundamento nos arts. 10º e 93º do CPA.
Vejamos.
Não teve lugar essa diligência no procedimento em causa nos autos, isso é certo. Cremos, porém, que a pretendida anulação não pode ser decretada. Com efeito, o acto sindicado limita-se a dar execução ao acto anterior do Chefe do Executivo, que tinha declarado a caducidade da concessão do terreno em causa, em virtude do decurso do respectivo prazo de duração sem aproveitamento.
Ora, se este acto de execução nada traz de novo em termos substantivos ou materiais em relação ao acto executado, e não representa senão a consequência normal e própria da concretização material (leia-se “execução”) do acto declarativo já citado, não se crê que fosse necessário ouvir o interessado para se pronunciar de novo sobre uma solução que automaticamente emerge da determinação administrativa primária e prévia e sobre a qual já a recorrente tinha vertido impugnação contenciosa no âmbito do Processo nº 573/2018 (Neste sentido, entre outros, ver Acs. do TUI, de 22/11/2017, Proc. nº 39/2017, de 30/05/2018, Proc. nº 42/2018 ou de 21/11/2018, Proc. nº 89/2018; tb. do TSI, de 30/11/2017, Proc. nº 626/2016 e nº 1048/2017, de 21/06/2018).
De resto, também se nos afigura desnecessária a audiência de interessados, em virtude de, no caso em apreço, e conforme consulta do p.a. anexo aos presentes autos e ao Proc. de Rec. Cont. nº 573/2018, não ter havido nenhum acto instrução, face ao que dispõe o art. 93º, nº1, do CPA (cit. aresto). Por esta razão, cremos que se tornava despiciendo proceder à audiência de interessados.
Improcede, pois, o vício.
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3 - Do princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados
Na sua actuação diária, a Administração Pública, sem nunca perder de vista o interesse público relevante que, em cada caso, lhe cabe respeitar e fazer cumprir, deve também ter presente o direito e interesses legalmente protegidos dos administrados. Em consequência deste princípio geral, deve fazer o balaço necessário entre os direitos e interesses conflituantes em cada procedimento, de modo a realizar aquele que lhe foi cometido, sem ofender desnecessariamente o leque dos que integram inelutavelmente a esfera jurídica dos particulares e que devam manter-se intocados. É isso o que, grosso modo, significa o princípio plasmado no art. 4º do CPA.
Ora, na situação em apreço, não vemos como possa ter a entidade recorrida ofendido o direito da recorrente, pois que ela se limitou, através do acto, a determinar a desocupação e entrega do terreno sobre o qual, no seu entender, a recorrente já não tinha qualquer direito. E quanto ao interesses em presença, igualmente não se vê que os da recorrente, em não acatar o acto administrativo em crise, mereçam maior consideração do que o interesse público na desocupação do terreno e remoção dos bens lá existentes.
Portanto, não vemos em que medida o princípio esteja ofendido.
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4 - Da proporcionalidade e da justiça
Acha a recorrente que o “despejo”, ordenado imediatamente após o recurso contencioso da declaração de caducidade da concessão, configura uma medida desproporcional e injusta, dado não ser considerada indispensável ou essencial ao resultado final pretendido. Acresce que, com a entrega livre do terreno neste momento, a Administração pode vir a concedê-lo a terceiros, o que inviabilizará o desenvolvimento imobiliário nele, mesmo que o recurso contencioso do acto declarativo de caducidade venha ser procedente.
Compreendemos a preocupação da recorrente. Mas, em relação ao segundo argumento somos, desde já, a acrescentar que essa preocupação não teria razão de ser se a recorrente tivesse deduzido (e com êxito) a suspensão de eficácia do acto que declarou a caducidade da concessão. Todavia, nem sequer requereu a providência com referência a esse acto, nem ao aqui sindicado. De acordo com a máxima latina, sibi imputet, si, quod saepius cogitare poterat et evitare, non fecit (Que se culpe a si mesmo, se não fez o que poderia prever e evitar).
Quanto ao primeiro argumento, cremos que também ele é improcedente. Na verdade, o tribunal não está em condições de aquilatar da essencialidade ou indispensabilidade - imediata, ou não - do terreno para a Administração.
Ou seja, a entrega do terreno no prazo de 60 dias, tal como determinada no acto em crise, terá sido fruto da ponderação efectuada pela entidade administrativa em face de circunstâncias e objectivos que não pode o TSI entrever, nem contrariar, porque se trata de uma actividade desenvolvida no mais puro campo da discricionariedade administrativa. Se o fizesse, o tribunal estaria a efectuar administração activa, o que atentaria contra o princípio da separação de poderes.
De resto, e como já se tem dito, só em casos de erro grosseiro e manifesto pode o tribunal fazer censura a um acto discricionário anulando-o com base na violação de princípios gerais de direito administrativo (v.g., Ac. do TUI, de 28/01/2015, Proc. nº 123/2014; de 19/11/2014, Proc. nº 112/2014; do TSI, de 21/06/2018, Proc. nº 1048/2017, de 20/07/2017, Proc. nº 15/2016, de 26/05/2016, Proc. nº 325/2015, de 18/04/2013, Proc. nº 647/2012).
Improcede, pois, o vício concernente aos princípios da proporcionalidade e da justiça previstos no art. 5º e 7º do CPA.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 8 UCs.
T.S.I., 04 de Abril de 2019
Fui presente (Relator) Joaquim Teixeira de Sousa José Cândido de Pinho

(Primeiro Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong

(Segundo Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong






Rec. Cont. nº 789/2018 2