打印全文
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
  A interpôs, em 18 de Março de 2005, recurso de revisão da sentença proferida na acção ordinária CV1-97-0003-CAO, do 1.º Juízo Cível, com fundamento na sua falta de citação para a acção.
  Na acção foram partes:
  Autores:
  1.ª B;
  2.ª C;
  3.º D.
  Réus:
  1.ª E;
  2.ª A;
  3.ª F;
  4.º G;
5.º H;
6.º I.
  No presente recurso de revisão, o Ex.mo Juiz de 1.ª Instância proferiu despacho liminar, determinando, nos termos do n.º 3 do art. 660.º do Código de Processo Civil, a notificação da parte contrária para responder.
  A 1.ª autora da acção, B, veio responder, suscitando, além do mais, a intempestividade do recurso de revisão, de acordo com o disposto na alínea b) do art. 656.º do Código de Processo Civil.
  Então, o Ex.mo Juiz de 1.ª Instância decidiu ser o recurso intempestivo, por o seu presidente e gerente-geral, G, ter conhecimento da acção em 1998. E condenou a ré como litigante de má fé por ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não ignorava.
  A, 2.ª ré da acção e recorrente no recurso de revisão interpôs recurso da decisão para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), que decidiu o seguinte:
  - O 4.º réu G interveio na acção em nome individual e não como representante da 2.ª ré, pelo que não se poderia considerar que esta ré teve conhecimento da acção;
  - Ainda que assim não fosse, o momento em que a ré teria tido conhecimento da acção não seria relevante para a contagem do prazo da alínea b) do art. 656.º do Código de Processo Civil, pois nesse momento não existiria situação em que poderia ocorrer o recurso de revisão, cuja contagem se deveria iniciar mais tarde;
  - Em consequência, não há má fé.
  Inconformada, recorre a 1.ª autora da acção, B, formulando as seguintes conclusões úteis:
  - O prazo de interposição do recurso de revisão com fundamento em alegada falta de citação e revelia sem intervenção na acção e na execução previsto no art. 653° al. f) do actual CPC é de 60 dias contados a partir da data em que a recorrente "teve conhecimento do facto que serve de base ao recurso de revisão", tal como dispõe a al. b) do art. 656° do actual Cód. Proc. Civil de Macau;
  - O conhecimento tido pela sociedade tem de ser necessariamente o conhecimento captado pelas pessoas físicas que a integram dado que a captação e conhecimento efectivo de factos e processos é um dom exclusivo da capacidade sensorial das pessoas físicas e só por ficção jurídica é que o conhecimento da pessoa física pode também ser conhecimento (jurídico ou ficcionado) da sociedade;
  - O conhecimento por meio de citação para a acção é um conhecimento formal, veiculado por meio de actuação da pessoa física com as vestes ou a título de representante da pessoa física, mas o prazo de 60 dias do art. 656º al. b) do C. Proc. Civil para interpor Recurso Extraordinário de Revisão corre a partir do momento em que a parte tenha conhecimento do facto que serve de base à revisão, independentemente do meio que haja veiculado esse conhecimento. O Ac. recorrido violou esse preceito ao ter decidido que o conhecimento tido pela pessoa do Presidente e Gerente Geral da Ré era irrelevante, por lhe ter sido veiculado por meio de actuação a título pessoal e não por meio de actuação a título de representante da Ré;
  - A versão final da sentença transitada e revidenda foi fixada em Ac. 22.7.2004 do TSI em recurso de apelação do co-Réu, G, ficando este a saber perfeitamente, a partir do trânsito em 16.12.2004, que foi definitivamente absolvido da instância pela revidenda sentença transitada e condenados os restantes Réus, incluindo a Ré de que é Presidente e Gerente Geral e aqui recorrida;
  - Por isso, este Réu, antes do trânsito, conhecia os autos e a sentença não transitada da 1ª instância, da qual recorreu. E após o trânsito, ficou a conhecer quer os autos, quer a versão final transitada da sentença.
  - Por isso, o Recurso de Revisão devia ter sido interposto pelo menos dentro dos 60 dias subsequentes, até 7 de Março de 2005, 2ª feira;
  - Como só foi interposto em 18 de Março de 2005, foi extemporâneo pelo menos em 11 (onze) dias e, por isso, andou mal Acórdão aqui recorrido ao julgá-lo tempestivo e tê-lo mandado admitir, violando os art. 656º al. b) do CPC conjugado com art. 366º do C. Civil e com o art. 7º a) da Escritura do Acto Constitutivo ou Pacto Social com referência às alíneas f) e g) do art. 6º n° 1 e art. 8º do Pacto.
  
  II – Os factos
  Consideram-se assentes os seguintes factos:
  O 4.º réu da acção, G, é presidente e gerente-geral da 2.ª ré da acção, A, recorrente no recurso de revisão, e único com poderes para obrigar a sociedade;
  O 4.º réu da acção, G, interveio nesta qualidade na acção, tendo junto procuração forense a advogado em 26 de Novembro de 1998 (fls. 99 da acção), antes da realização da audiência de discussão e julgamento, que ocorreu a 27 de Novembro de 1998, na qual aquele réu esteve presente e representado por advogado (fls. 102 da acção);
  Na mencionada audiência de discussão e julgamento a 2.ª ré da acção, A, foi representada pelo Ministério Público, por ser revel e ter sido citada editalmente (fls. 102 da acção);
  Na mesma acção, o 4.º réu, G, por intermédio do seu advogado, apresentou alegações escritas relativas aos aspectos jurídicos da causa, em 5 de Janeiro de 1999 (fls. 115).
  A decisão final da acção transitou em julgado em 16 de Dezembro de 2004, após despacho do Presidente do Tribunal de Última Instância, que indeferiu reclamação apresentada pelo 4.º réu, G, da não admissão de recurso para este Tribunal, do despacho do Ex.mo Relator do TSI.
  A interpôs, em 18 de Março de 2005, recurso de revisão da sentença proferida na acção ordinária CV1-97-003-CAO, do 1.º Juízo Cível, com fundamento na sua falta de citação para a acção.
  
  III – O Direito
  1. As questões a resolver
  São duas as questões a resolver:
  A primeira é a de saber se, tendo um réu intervindo em nome individual numa acção, esse conhecimento releva para o conhecimento que a sociedade - de que era o único representante com poderes para obrigar a mesma sociedade - teria da existência da mencionada acção, em que também era ré, para os efeitos do disposto na alínea b) do art. 656.º do Código de Processo Civil.
  A segunda questão é a de saber qual o momento a partir do qual se conta o prazo de caducidade do recurso de revisão que tem por fundamento a falta de citação para a acção, que correu à revelia do réu, para os efeitos da norma mencionada no parágrafo anterior.
  
  2. Conhecimento de pessoa colectiva
  Quanto à primeira questão, é inaceitável a tese do Acórdão recorrido, que o facto de um réu ter intervindo numa acção a título individual, esse facto não releva para o conhecimento que outra ré, uma sociedade comercial, de que ele é o único representante com poderes para a obrigar, teria da existência da acção.
  Que se saiba os entes colectivos actuam através de órgãos a quem é imputável a vontade funcional das pessoas colectivas, pelo que, quando se fala de conhecimento de um facto por parte de um ente colectivo, como seja uma sociedade comercial, tal conhecimento se refere aos seus órgãos, por meio dos respectivos titulares, até se atingir o conhecimento de uma pessoa singular.
  Ora, se o 4.º réu, G teve conhecimento de uma acção porque interveio como réu, não só por intermédio de advogado constituído, como até esteve presente a actos processuais, e se tal réu era o único representante da 2.ª ré, como é que se pode defender que esta ré não teve conhecimento da acção?
  Ao contrário do que defende o Acórdão recorrido, para efeitos do recurso de revisão, o conhecimento que o representante da ré teve da acção releva para o conhecimento desta, seja qual for o meio, a forma ou a natureza de tal conhecimento. E se ele não informou os restantes órgãos da sociedade (se é que se verificou tal omissão), isso sim é um assunto interno da empresa, completamente irrelevante para este recurso de revisão.
  Esta questão não constitui matéria de facto, mas mera qualificação jurídica dos factos apurados, pelo que nada obsta ao seu conhecimento por este Tribunal.
  
  3. Momento a partir do qual se conta o prazo de caducidade do recurso de revisão que tem por fundamento a falta de citação para a acção, que correu à revelia do réu
  Quanto à segunda questão, a solução do Acórdão recorrido também não é satisfatória.
  Trata-se de saber qual o momento a partir do qual se conta o prazo de caducidade do recurso de revisão que tem por fundamento a falta de citação para a acção, que correu à revelia do réu, para os efeitos do disposto na alínea b) do art. 656.º do Código de Processo Civil.
  Tal prazo de interposição do recurso de revisão é de 60 dias a contar do facto que serve de base ao recurso de revisão.
  E qual o facto, quando o fundamento do recurso de revisão é a falta de citação do réu para a acção em que a revelia foi absoluta (em que não contestou nem interveio de qualquer forma no processo)?
  O facto é, naturalmente, a existência da acção e a sua falta de citação.
  Mas diz o acórdão recorrido que o momento em que a sociedade, eventualmente, teria tido da acção não teria relevância, pois nessa altura, ainda não havia recurso de revisão.
  Mas não é assim. É evidente que quando um réu tem conhecimento da existência da acção e da sua falta de citação durante a pendência da acção, o prazo de 60 dias para interpor recurso de revisão, com tal fundamento, se inicia na data do trânsito em julgado da acção.
  Antes desse momento, isto é, quando a acção ainda está pendente, o meio processual próprio para suscitar a falta ou a nulidade da citação é a arguição de nulidade processual no próprio processo, seja qual for a fase em que este esteja, incluindo em recurso (ordinário), nos termos dos arts. 140.º a 142.º, 144.º, 149.º e 150.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
  Na verdade, ao contrário do que defende a ora recorrente, quando a acção ainda está pendente, não é possível interpor recurso de revisão, pela singela razão de que este é um recurso extraordinário (art. 581.º, n.º 2 do Código de Processo Civil) e os recursos extraordinários interpõem-se de decisões transitadas em julgado (art. 582.º e 653.º do Código de Processo Civil) – e se um recurso deste tipo foi admitido anteriormente com a acção pendente, foi-o indevidamente.
  Logo, o prazo para interposição do recurso de revisão com este fundamento só se pode iniciar com a data do trânsito em julgado da acção, mas inicia-se efectivamente nesta data, quando o conhecimento do facto a que se refere a alínea b) do art. 656.º é anterior. Mas deve notar-se que a falta de arguição de nulidade processual quando a acção está pendente e o conhecimento do vício já existe, não preclude a possibilidade de interpor recurso de revisão. A arguição de nulidade processual de falta ou nulidade de citação é um direito e não um ónus, no que à interposição do recurso de revisão concerne.
  Já quando o conhecimento da existência da acção e da sua falta de citação só advém após trânsito em julgado da sentença, então os 60 dias para interpor o recurso de revisão contam-se a partir daquele conhecimento.
  A não ser assim, e na tese do Acórdão recorrido, aquele que tem conhecimento da acção há mais tempo, ainda quando ela está pendente, estaria sempre a tempo de intentar o recurso de revisão (salvo o prazo de 5 anos do art. 655.º), em posição muito mais vantajosa do que aquele que só tem conhecimento da acção quando ela está finda, que teria apenas 2 meses a partir do seu conhecimento, o que seria, no mínimo, absurdo.
  É, pois, evidente que quando alguém tem conhecimento da existência da acção e da sua falta de citação durante a pendência da acção, o prazo de 60 dias para interpor recurso de revisão, com tal fundamento, se inicia com a data do trânsito em julgado da acção e termina 60 dias depois.
  Tal prazo suspende-se nas férias judiciais1 (art. 94.º, n.os 1 e 4 do Código de Processo Civil).
  Começou a correr a 17 de Dezembro de 2004 e terminou em 7 de Março de 2005, segunda-feira.
  Tendo sido interposto em 18 de Março de 2005 foi intempestivo, como se decidiu em 1.ª instância. Tendo entendido diversamente o Acórdão recorrido, deve ser revogado.
  
  4. Litigância de má fé
  A decisão de 1.ª instância condenou a recorrente do recurso de revisão, por litigância de má fé, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 385.º do Código de Processo Civil, por ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, por ter interposto o recurso em Março de 2005 e ter tido conhecimento do facto em 1998.
  Não nos parece que se possa dizer que quando alguém intenta uma acção ou um recurso com prazo excedido deduz pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar. De resto, o prazo terminou em 7 de Março de 2005 e o recurso foi interposto em 18 de Março de 2005, pelo que a condenação nunca seria de confirmar, com este fundamento.
  Onde parece ter havido litigância de má fé é na alegação da então recorrente (ora recorrida), feita no art. 3.º da petição de recurso de revisão (em 18 de Março de 2005), em que alega que nunca soube que contra si pendia a acção, quando é certo que já o sabia desde 26 de Novembro de 1998, como se disse atrás. Alegou um facto falso, que constitui litigância de má fé, nos termos da alínea b) do n.º 2 do art. 385.º do Código de Processo Civil.
  Mas este Tribunal não a pode condenar como tal, já que lhe compete apreciar o recurso e não questões novas, e esta é uma questão nova, já que a condenação da 1.ª instância tem outro fundamento e, aliás, não é de confirmar nessa parte.
  Já se a afirmação falsa tivesse sido feita perante este Tribunal, se teria de conhecer da litigância de má fé. Mas não foi o caso.
  
  III – Decisão
  Face ao expendido, dá-se provimento ao recurso e:
  a) Revoga-se a decisão recorrida na parte em que considerou tempestivo o recurso de revisão;
  b) Confirma-se, por outras razões, a revogação da condenação da recorrente do recurso de revisão (ora recorrida) por litigância de má fé.
  Custas pela ora recorrida deste recurso jurisdicional, já que a ora recorrente não impugnou a revogação da condenação da ora recorrida por litigância de má fé. A ora recorrida suportará igualmente as custas do recurso de revisão e do recurso para o TSI.
Macau, 23 de Maio de 2008.
  
   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Chu Kin - Tam Hio Wa
  
1 CÂNDIDA PIRES e VIRIATO LIMA, Código de Processo Civil de Macau Anotado e Comentado, Macau, Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 2006, Volume I, p. 288.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




13
Processo n.º 9/2008