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Processo n.º 95/2019
(Autos de recurso cível)

Data: 9/Maio/2019

Assuntos: Indeferimento liminar
      Erro na forma de processo
Rectificação do registo

SUMÁRIO
O registo é inexacto quando se mostre lavrado em desconformidade com o título que lhe serviu de base ou enferme de deficiências provenientes desse título que não sejam causa de nulidade (artigo 19.º do Código do Registo Predial).
Pede o Autor que fique a constar no registo, relativamente ao regime de bens, que a comproprietária inscrita no registo, sua esposa, é casada com ele no regime da participação nos adquiridos, e não no regime da separação de bens conforme referido no registo.
Se isso for verdade, estamos perante uma situação de inexactidão do registo, inexactidão essa que não resulta da desconformidade com o título, pois o registo foi feito com base nos elementos do próprio título, mas provavelmente proveniente de deficiência deste, na medida em que alguns dos elementos constantes do próprio documento que serviu de base ao registo podem não corresponder à realidade.
Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 116.º do Código do Registo Predial, “as inexactidões provenientes de deficiência dos títulos só podem ser rectificadas com o consentimento de todos os interessados ou por decisão judicial, desde que as deficiências não sejam causa de nulidade.” – sublinhado nosso
Considerando o pedido de rectificação dever ser instruído junto da respectiva Conservatória e ser remetido ao tribunal competente após emissão de parecer pelo competente conservador, a petição inicial ora apresentada não pode ser aproveitada, pelo que não merece censura a decisão recorrida ao indeferir liminarmente a tal petição, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 394.º do CPC.

       
O Relator,

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Tong Hio Fong


Processo n.º 95/2019
(Autos de recurso cível)

Data: 9/Maio/2019

Recorrente:
- A (Autor)

Objecto de recurso: Despacho que indeferiu liminarmente a petição inicial

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, com sinais nos autos, intentou junto do Tribunal Judicial de Base acção declarativa comum sob a forma de processo ordinária contra sua esposa B, pedindo que se declare o regime de bens do casal ser o regime da participação nos adquiridos e que seja rectificado o registo de aquisição da fracção autónoma “B1”, no sentido de ficar a constar que a comproprietária inscrita, sua esposa B, era casada com o Autor no regime da participação nos adquiridos e não no regime da separação.
Em sede de despacho liminar, o Juiz a quo indeferiu liminarmente o pedido, por entender que o mecanismo processual de que o Autor deve socorrer-se está previsto no Código do Registo Predial, em concreto no seu artigo 114.º conjugado com o artigo 19.º, verificando-se, assim, erro na forma de processo.
Inconformado, dele recorreu o Autor jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. 本案是涉及宣告原告與被告的婚姻財產制度應為「取得財產分享制」而非「分別財產制」及命令澳門物業登記局更正澳門XXXXXX單位(物業標示編號XXXXX,獨立單位B1) 293726G號登錄中原告和被告的財產制度為「取得財產分享制」。
2. 初級法院認為應透過《物業登記法典》第114條所訂定的程序及規則作出相關的更正,而非透過本宣告案作出。
3. 即便初級法院所認定的法律問題(一如卷宗第32至34頁的內容)是正確,《物業登記法典》第114條所訂定的程序及規則只是對某特定物業的登記產生效力而不產生一如《民事訴訟法典》第577條就人之身份問題對第三人而言亦產生效力。
4. 為此,原告透過宣告之訴提出本案的請求是合適且不應被駁回起訴。
謹請中級法院考慮上述理據並廢止初級法院駁回起訴之批示決定。”
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Está em causa a seguinte decisão da primeira instância:
“Pede-se na presente acção, estruturando-se a consequente causa de pedir em conformidade, a rectificação do registo relativo a um imóvel inscrito também como propriedade da esposa do A., a R., e por na escritura de compra de venda está ter erradamente declarado que casou com aquele no regime de separação (que não de participação de adquiridos como se impunha).
Lida a p.i., sendo a acção de simples apreciação, impunha-se que da peça referida resultasse um qualquer litígio, dissídio, e para que estivesse imaculada.
Com efeito as acções de simples apreciação apresentam na sua articulação uma exigência especial, qual seja um típico interesse em agir: o interesse provém, nas acções de simples apreciação positiva, de uma situação de incerteza objectiva e grave em que se encontra o direito, tudo por acção resultante da negação do R.
Não vislumbramos nada disto nesta acção – pelo contrário -, não obstante ser legítima a pretensão da A. no que pretende tutelar, ao fim ao resto repor na legalidade o que no quadro dela devia estar.
A macro estrutura jurídico processual tem solução para o caso, não sendo todavia no quadro desta acção e, como já se aflorou, por via da ausência de interesse em agir – art.º 73, n.º 1 do CPC.
Os tribunais resolvem litígios – com excepção do que ocorre nos processos de jurisdição voluntária que têm por objecto, digamos, um mesmo interesse mas perspectivado de modo diferente-, não são entidades administrativas.
O mecanismo processual de que deve socorrer-se o A. está previsto no CRP, em concreto no seu art.º 114 conjugado com o art.º 19.
Prevê o art.º 114 do CRP um mecanismo ágil de correcção do registo quando são inexactos ou se encontram indevidamente lavrados.
Mas vejamos, transcrevendo Vicente João Monteiro, incluindo a sua citação de Mouteira Guerreiro: “A inexactidão do registo surge agora também incluída no capítulo dos vícios de registo. A redacção desta norma abrange as duas situações previstas no Código de 1967, nos artigos 81º (registos errados) e 82º (irregularidades do registo). De facto, o registo tanto pode estar errado, em sentido próprio ou restrito, por se verificar desconformidade com o título que lhe serviu de base, como em sentido impróprio ou amplo, por patentear as irregularidades derivadas do próprio titulo, que não sejam causa de nulidade do registo.
Conforme refere Mouteira Guerreiro, «O actual Código englobou estes dois conceitos – erro e irregularidade – num único, que designou por inexactidão. A alteração teve o efeito prático de determinar a aplicabilidade do mesmo processo de rectificação às duas hipóteses. Normalmente, as que respeitam às deficiências dos títulos que não obrigam à prévia emenda destes». O mesmo autor esclarece em nota que «Neste caso, não há agora, portanto, no registo predial, motivo para obrigar os interessados a proceder à rectificação dos títulos (v.g. escrituras públicas) para só depois se rectificar o registo. Esse é um procedimento injustificado à face do actual CRP. O registo pode (deve) ser rectificado independentemente do título. Isto é, mesmo que este o não tenha sido»”. – cfr. A. cit. In CRP de Macau anotado e comentado. p. 222.
Parece pois claro que a situação em apreço encontra a respectiva específica tutela no quadro do mecanismo referido.
Veja-se o exemplo apresentado na op. e loc. cit. e tendo por objecto uma situação que é um minus em relação ao caso vertente: “Assim, se, por exemplo, o comprador tiver efectuado o registo a seu favor, e se, posteriormente, o mesmo se apresentar na conservatória com certidão do registo civil (vide, nomeadamente, artigos 4º, 51º, 52º e 157º do Código do Registo Civil) comprovativa de que afinal já era casado na data em que celebrou a escritura, poderá ser desde logo instaurado o competente processo de rectificação do registo, quer tenha ou não sido previamente promovida a rectificação da escritura.”
Por maioria de razão se poderá rectificar o regime de bens adoptado pelo casal composto pelo A. e R. declarante.
Destarte, conclui-se que não é este o meio processual adequado à tutela do interesse configurado pela requerente, nessa medida ocorrendo erro na forma do processo.
Não sendo susceptível de ser aproveitável o presente processo, mandando seguir o meio processual adequado (outro processo especial de natureza não judicial) conforme estabelece o art.º 145º do CPC, configura tal circunstância uma nulidade que deve ser conhecida nos termos do art.º 152º, n.º 2 do CPC – cfr. Abrantes Geraldes, Termas da Reforma Do Processo Civil, VI, p. 281 (2ª ed.)
A consequência da verificação da referida nulidade neste caso de inaproveitabilidade é, conforme refere aquele A., a extinção da instância. Na fase vestibular a consequência é o indeferimento liminar nos termos do art.º 394º, n.º 3, última parte, do CPC.
Impõe-se, pois, a rejeição da p.i. pelo motivo citado, igualmente por falta de interesse de agir, pressuposto processual cuja inobservância determina igualmente o indeferimento liminar – art.º 73, n.º 1, 413, al. h), 414 e 394, n.º 1, al. c), todos do CPC.
Pelo exposto indefiro liminarmente a p.i.
Custas pelo A.
Notifique.”
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Entende a decisão recorrida que o meio processual adequado à tutela do interesse configurado pelo Autor padece de erro na forma de processo.
Vejamos.
A nosso ver, entendemos que andou bem a decisão recorrida ao indeferir liminarmente a petição inicial com fundamento em erro na forma de processo.
Em boa verdade, as irregularidades e deficiências do registo estão qualificadas, conforme a sua gravidade, como inexistência, nulidade ou inexactidão do registo.
A inexistência é o vício mais grave e que está prevista nos artigos 15.º e 16.º do Código do Registo Predial, podendo ser invocada por qualquer pessoa, a todo o tempo, independentemente de declaração judicial, não produzindo o registo, digamos inexistente, quaisquer efeitos.
Quanto à nulidade do registo, as suas causas estão previstas no artigo 17.º do CRP.
E em relação à inexactidão, o registo é inexacto quando se mostre lavrado em desconformidade com o título que lhe serviu de base ou enferme de deficiências provenientes desse título que não sejam causa de nulidade (artigo 19.º).
Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 114.º do CRP, “os registos inexactos e os registos indevidamente lavrados podem ser rectificados por iniciativa do conservador ou a pedido de qualquer interessado, ainda que não inscrito.”
Segundo se refere no Parecer 73/96 elaborado pelo Ministério Público – Procuradoria-Geral da República, de 20.11.2000, publicado no Diário República, citado em termos de direito comparado e para efeitos de consulta, «a inexactidão do registo constitui, por seu lado, um vício de menor intensidade que não determine a inexistência ou nulidade. Está caracterizado no artigo 18.º, n.º 1, do Código do Registo Predial: “O registo é inexacto quando se mostre lavrado em desconformidade com o título que lhe serviu de base ou enferme de deficiências provenientes desse título que não sejam causa de nulidade.” Este conceito é novo em relação ao Código anterior e abrange o que então se designava como “erro no registo” e como “irregularidade de registo”. O primeiro caso era o da desconformidade do registo com os títulos que lhe serviram de base. Estes continham uma coisa, mas o registo publicava outra”. O registo estava errado, “não espelhando a realidade constante dos documentos, ou por simples erro de cópia, ou por erro substancial, alterando o sentido e alcance do título”. Quando a inexactidão se referia ao próprio documento que serviu de base ao registo não era este que se podia dizer errado. Errado[…] estava o título, não o registo. A esta anomalia do documento correspondia, pois, o conceito de “irregularidade do registo”.»
Como observa Mouteira Guerreiro1, “no que respeitam às deficiências dos títulos, não obrigam à prévia emenda destes, ou seja, não há, portanto, no registo predial, motivo para obrigar os interessados a proceder à rectificação dos títulos (v.g. escrituras públicas) para só depois se rectificar o registo. Esse é um procedimento injustificado à face do actual C.R.P. O registo pode (deve) ser rectificado independentemente do título, isto é, mesmo que este o não tenha sido.”
No caso dos autos, pede o Autor que fique a constar no registo, relativamente ao regime de bens, que a comproprietária inscrita, sua esposa B, é casada com o Autor A no regime da participação nos adquiridos, e não no regime da separação de bens conforme referido no registo, e como fundamento, alegou que na altura em que foi celebrado o casamento, o casal tinha o centro efectivo e estável da sua vida pessoal na RAEM.
Ora, se isso for verdade, estamos perante uma situação de inexactidão do registo, inexactidão essa que não resulta da desconformidade com o título, pois o registo foi feito com base nos elementos do próprio título, mas provavelmente proveniente de deficiência deste, na medida em que alguns elementos constantes do próprio documento que serviu de base ao registo podem não corresponder à realidade.
Dispõe o n.º 1 do artigo 116.º do Código do Registo Predial que “as inexactidões provenientes de deficiência dos títulos só podem ser rectificadas com o consentimento de todos os interessados ou por decisão judicial, desde que as deficiências não sejam causa de nulidade.” – sublinhado nosso
De facto, se o interessado pretende recorrer à via judicial, terá que deduzir processo de rectificação judicial previsto nos termos do artigo 121.º e seguintes do Código do Registo Predial.
Ora bem, considerando o pedido de rectificação dever ser instruído junto da respectiva Conservatória e ser remetido ao tribunal competente após emissão de parecer pelo competente conservador, a petição inicial ora apresentada não pode ser aproveitada, pelo que não merece censura a decisão recorrida ao indeferir liminarmente a tal petição, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 394.º do CPC.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo Autor A, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.
***
RAEM, 9 de Maio de 2019
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
1 Mouteira Guerreiro, Noções de Direito Registral, 2ª edição, pág. 102
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