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Processo nº 218/2018
(Autos de recurso cível)

Data: 4/Abril/2019

Assuntos: Contrato de arrendamento
Denúncia
Mora na restituição do locado (artigo 1027.º, n.º 2 do Código Civil)

SUMÁRIO
Findo o contrato de arrendamento, o arrendatário é obrigado a restituir a coisa ao senhorio, sob pena de ter que pagar a este a renda que as partes tenham estipulado, a título de indemnização.
A indemnização é elevada ao dobro se o arrendatário se constitua em mora na restituição do locado.
No caso dos autos, as Autoras enviaram por correio, e com a antecedência prevista na lei, uma carta registada para o domicílio do Réu, e nessa carta, o Réu não foi informado apenas da denúncia do contrato de arrendamento para o termo do respectivo prazo, como também foi interpelado para devolver os imóveis no momento em que terminaria o contrato de arrendamento.
De facto, nada obriga a que essa interpelação terá que ser efectuada necessariamente depois do termo do contrato, se o senhorio desde o início jamais pretende a renovação do contrato de arrendamento.
Assim sendo, tendo o Réu sido interpelado para restituir os imóveis aos seus legítimos donos para o termo do prazo, mas não os devolveu após o seu termo, antes continuou a ocupá-los, temos que concluir que o mesmo se constituiu em mora a partir dessa data, devendo pagar às Autoras o dobro das rendas conforme o estipulado no n.º 2 do artigo 1027.º do Código Civil.
       
       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong


Processo nº 218/2018
(Autos de recurso cível)

Data: 4/Abril/2019

Recurso final
Recorrente:
- A (Réu)

Recorridas:
- B e C (Autoras)

Recurso subordinado
Recorrentes:
- B e C (Autoras)

Recorrido:
- A (Réu)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Inconformado com a sentença que reconheceu como válida a denúncia do contrato de arrendamento efectuada pelas Autoras B e C, bem como condenou o Réu A a pagar às Autoras determinada quantia indemnizatória, recorreu este último jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. 一審法院於2017年9月22日作出以下判決: (載於卷宗第119頁背頁,在此視為完全轉錄,以下簡稱“被訴判決”)
- 本法庭裁定訴訟理由部分成立,裁決如下:
- 宣告原告B及C與被告A訂立的兩份租賃合同於2015年11月19日終止;
- 判處被告支付予原告自2015年11月20日至2016年11月19日不返還租賃物的賠償共港幣$1,023,360元(壹佰零貳萬叁仟叁佰陸拾圓);
2. 對此,上訴人認為被訴判決存有獲證明的事實不足以支持作出有關裁判、審判錯誤以及錯誤適用法律的瑕疵。
獲證明的事實不足以支持作出有關裁判:
3. 按卷宗所有既證事實(載於卷宗第104頁至105頁),不存在上訴人擁有設立在涉案租賃單位上的商業企業或其為該商業企業主之事實陳述。
4. 也不存在上訴人與上訴人之證人D存在僱傭關係之事實陳述。
5. 被上訴人在起訴狀中也沒有陳述以上事實作為組成訴因的事實。
6. 儘管一審法院透過其自由心證去認定被上訴人確實有親自到涉案租賃單位將不再續約的通知交過給一位員工。
7. 但是,也沒有任何事實能顯示該名員工姓甚名誰,也不能斷言該名員工就是上訴人之證人D。
8. 既然,欠缺以上的事實基礎,不可能得出這個結論: 上訴人是涉案租賃單位上的商業企業主或擁有人,以及其是該企業內之員工的僱主。
9. 我們無辦法判定上訴人是一位商人,也無辦法判定涉案租賃單位內的員工從屬於上訴人。
10. 事實上,上訴人並沒有領取被上訴人寄出的不續約通知,假設一審法院認為應視有關通知已對上訴人產生效力的話,就必須證明上訴人存在過錯這一要件。
11. 在欠缺能證明過錯的必要事實(上訴人是涉案租賃單位上的商業企業之企業主或擁有人,以及其是該企業內之員工的僱主)前提下,本案不能夠得出上訴人應被歸責,或至少不能夠證明上訴人是存有過錯的。
12. 鑒於以上理由,在缺乏讓人判斷上訴人存有過錯的事實基礎下,錯誤適用《民法典》第216條第2款的規定,被訴判決存有獲證明的事實不足以支持作出有關裁判的瑕疵。
13. 為此,請求上級法院撤銷被訴判決,並因無法證明上訴人存有過錯,不能認定被上訴人有關之單方終止通知對上訴人產生效力,駁回被上訴人的所有請求,開釋上訴人。
倘若法官 閣下不如此認為(這純粹屬假設,並不意味上訴人認同有關見解),則為著訴訟代理人的謹慎,現繼續陳述如下:
審判錯誤:
14. 被上訴人與上訴人之間的租賃期為五年,由2010年11月20日起至2015年11月19日止。
15. 被上訴人主張的首封不續約通知於2015年8月4日以掛號信寄出。(對調查基礎內容第1點事實之答覆)
16. 其次,被上訴人主張的第二封不續約通知是於2015年10月13日親身到租賃物的單位上作出的。(對調查基礎內容第8點事實之答覆)
17. 最後,被上訴人主張的第三封不續約通知是透過律師樓於2015年10月31日以掛號信寄出的。(對調查基礎內容第9點事實之答覆)
18. 被上訴人之所以多次向上訴人作出通知,是因為不論第一次,還是第二次的通知,上訴人均沒有直接收到或知悉該通知。
19. 被上訴人第一次的通知於2015年8月4日作出;第二次的通知於2015年10月13日作出;第三次的通知於2015年10月31日作出。
20. 對於被上訴人行使單方終止權能所應遵守的預先通知期限,至少應在2015年8月28日前作出。(期限屆滿前90日)
21. 被上訴人所作出的三次通知,僅首次的通知能夠符合提前九十日的要求,其他的通知所作出的時間並不在法定期限內。
22. 假設要讓人相信被上訴人已經謹慎地履行其通知義務的話,被上訴人似乎應該還需要在2015年8月28日前作出數次的通知,而不是在逾期之後才作出多次通知。
23. 事實上,上訴人僅一次沒有領取被上訴人寄出的有效或合法的不續約通知,假設一審法院認為應視有關通知已對上訴人產生效力的話,就必須證明上訴人存在過錯這一要件。
24. 上訴人僅錯失一次接收合法通知的事實,一審法院便推斷其存有過錯是不合常理或違反一般經驗法則的。
25. 上訴人對於被上訴人後續所作出的不符合法定期限的通知,即使沒有適時接收,上訴人也不應該受到歸責,因為那些不符合法定期限的通知當然不產生任何單方終止的效力,不產生效力的通知,上訴人也沒有接收的義務。
26. 鑒於以上理由,一審法院在上訴人未有適時接收通知方面,違反《民法典》第216條第3款的規定,錯誤地認定上訴人存有過錯從而認為有關之單方終止通知對上訴人產生效力,被訴判決存有審判錯誤的瑕疵。
27. 為此,請求上級法院撤銷被訴判決,並因無法證明上訴人存有過錯,不能認定被上訴人有關之單方終止通知對上訴人產生效力,駁回被上訴人的所有請求,開釋上訴人。
倘若法官 閣下不如此認為(這純粹屬假設,並不意味上訴人認同有關見解),則為著訴訟代理人的謹慎,現繼續陳述如下:
錯誤適用法律:
28. 於2010年6月10日,被上訴人與上訴人就涉案租賃物簽訂租賃合同。
29. 按租賃合同的內容顯示,被上訴人是由兩個獨立的當事人組成單一的出租人,且其彼此間沒有任何婚姻財產上的關係。(卷宗第15頁至18頁之文件,在此視為完全轉錄)
30. 於2015年8月4日,被上訴人的其一當事人B在欠缺另一當事人C的授權或同意下,單方面向上訴人作出單方終止的通知。(卷宗第19頁之文件,在此視為完全轉錄)
31. 正如前所述,被上訴人主張的三次通知中,僅首次的通知(2015年8月4日)能夠符合提前九十日的要求,其他的通知所作出的時間並不在法定期限內。
32. 被上訴人後兩次的通知因逾期而不能產生效力。
33. 倘出租人是由兩個獨立且在財產上沒有關係的自然人所成時,行使出租人固有的權力應當由兩人共同作出方為有效。
34. 又或者,至少一方獲他方授權又或合同當事人曾協議可由其中一方行使出租人的權能。
35. 上述的通知顯然只能反映該位當事人不續租的意思表示,並不能反映另一位當事人也有同樣的意思表示。
36. 倘首次的單方終止通知因欠缺另一當事人C的簽署或授權而不能產生效力,而其後的單方終止通知因超過法定期限而不能產生效力,那麼結果便會是: 被上訴人與上訴人之間的租賃合同便自動續期一年。
37. 鑒於以上理由,一審法院錯誤地認定被上訴人僅一方當事人作出的單方終止通知有效從而認為有關之單方終止通知對上訴人產生效力,違反《民法典》第1039條第1款的規定,被訴判決存有錯誤適用法律的瑕疵。
38. 為此,請求上級法院撤銷被訴判決,並因被上訴人的單方終止通知不能產生法律效力,駁回被上訴人的所有請求,開釋上訴人。”
*
Ao recurso responderam as Autoras, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“A. Tendo em conta os factos assentes e dados como provados nos autos – e não impugnados pelo Recorrente, em sede de impugnação da matéria de facto – logo se retira que a sentença recorrida não padece de qualquer insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
B. Nos termos das disposições legais que regulam o ónus da prova – conferir artigo 335º do Código Civil – cabia inequivocamente ao Réu e ora Recorrente ter invocado que não recebera a carta de denúncia sem culpa sua.
C. Cabia ao Réu ter alegado os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelas Autores, pelo que, não o tendo feito, não pode agora vir invocar alegadas insuficiências da matéria de facto que o próprio Réu não alegou, tal como lhe competia. (veja-se Ac. TSI proferido no processo n.º 398/2015)
D. Não tendo o Recorrente impugnado a matéria de facto, nem tão pouco, em sede própria, invocado que não recebeu a carta de denúncia sem culpa sua, não pode invocar tal argumento em sede de recurso.
E. Acresce que, tal como resulta da resposta ao quesito 1º da base instrutória, a carta de denúncia do contrato foi enviada para a morada constante do contrato e indicada pelo Recorrente para efeito de notificações. (veja-se Ac. TSI proferido no processo n.º 654/2013)
F. Contrariamente ao que alega o Recorrente, para o caso é totalmente indiferente saber se o mesmo explorava ou não uma empresa comercial no local arrendado e que tipo de vínculo tinha ou tem com as pessoas que se encontravam no estabelecimento.
G. Pelo exposto, não assiste qualquer razão ao Recorrente quanto à invocação de insuficiência da matéria de facto para a decisão, devendo tal questão ser declarada totalmente improcedente.
H. A carta de denúncia enviada ao Recorrente em 04.08.2015 foi eficazmente enviada pelas Recorridas em cumprimento da lei e do contrato de arrendamento. A denúncia do contrato de arrendamento foi, portanto, efectuada em 04.08.2015.
I. As restantes diligências e cartas enviadas apenas demonstram o esforço das Recorridas em garantir que o Recorrente ficaria bem ciente da sua intenção de não renovação do contrato de arrendamento.
J. Todos os factos relativos a tais diligências e contactos foram dados como provados – conferir resposta aos quesitos 1º a 10º da base instrutória -, não tendo o Recorrente impugnado a resposta a tais factos, em sede de impugnação da matéria de facto.
K. Acresce que, dos factos em análise dos presentes autos resulta de forma muito clara que o Réu se procurou furtar ao recebimento de todas as cartas enviadas pelas Autoras e ora Recorridas, tendo-se constituído deliberadamente em posição de mora (cfr. docs. 5, 6, 8 e 10 juntos na petição inicial), não tendo reclamado nenhuma das cartas que lhe foram enviadas.
L. Pelo que, como resulta da sentença, ao caso tem plena aplicação o disposto nos art. 216º, n.º 2 do Código Civil e também o disposto no art. 794º, n.º 2, al. c) do mesmo diploma legal.
M. Pelo exposto, demonstrado que se encontra que o contrato foi validamente denunciado pela carta de 04.08.2015, tal como resulta da sentença, deverá ser declarado inexistente qualquer vício de julgamento.
N. Por último, não se verifica nenhum vício na aplicação da lei, por falta de assinatura da carta de denúncia por uma das proprietárias do imóvel, vício que agora, e só agora em sede de recurso, o Recorrente se lembrou de vir invocar.
O. Contrariamente ao que diz o Recorrente, a carta de denúncia de 04.08.2015 (cfr. Doc. 4 junto com a petição inicial) foi assinada pela Recorrida B por si e também em representação da Recorrida C, nada tendo o Recorrente arguido ou alegado quanto à capacidade de representação.
P. A carta de denúncia podia ser assinada isoladamente por cada uma das comproprietárias, como poderia ser assinada por representante legal com poderes para o acto.
Q. Acresce que, mesmo que se queira aplicar, por interpretação extensiva, à carta de denúncia de um contrato de arrendamento de um imóvel o disposto no art. 972º do Código Civil, logo se conclui que, no caso, a carta de denúncia sempre poderia ser assinada apenas por uma das comproprietárias do imóvel.
R. Pelo exposto, entendem as Recorridas que não assiste qualquer razão ao Recorrente, não tendo o mesmo sequer legitimidade para suscitar tal vício, na medida que, caso existisse, nos termos do disposto no art. 280º do Código Civil tratar-se-ia de um vício de anulabilidade, que, como tal, só poderia ser suscitado pela comproprietária que não assinou a carta, no caso, pela ora Recorrida C, e dentro do prazo de 1 ano.
S. Entendendo as ora Recorridas que o Recorrente, ao vir agora suscitar tal vício, quando nunca impugnou a carta de denúncia, nem os poderes de representação, para mais invocando nas suas alegações preocupações com a própria Recorrida (cfr. ponto 44 das alegações), quando até sabe que a mesma é Autora na presente acção, está a invocar factos que, se não se subsumem directamente, roçam claramente os limites da litigância de má fé.
T. Pelo exposto, deverá ser declarado totalmente improcedente o alegado vício de violação da lei, sendo certo que o Recorrente nem aponta qual a norma jurídica que, no seu entender, foi violada.”
*
Por outro lado, as Autoras interpuseram recurso subordinado tendo apresentado as seguintes conclusões alegatórias:
“A. O presente recurso subordinado tem como objecto a parte da sentença recorrida que considerou que o Recorrido apenas se constituiu em mora, no que diz respeito à restituição do(s) locado(s) às Recorrentes, a partir da data da citação, e não a partir do dia 19 de Novembro de 2015, data em que, nos termos da carta junta como Doc. 4 da petição inicial, o Recorrido também foi interpelado para proceder à entrega dos locados às Recorrentes livre e devolutos de pessoas e bens.
B. Perante os factos dados como provados e devidamente analisados na sentença, não concordam as Recorrentes que o Tribunal a quo tenha fixado o momento da constituição em mora do Réu e ora Recorrido, para efeitos de pagamento da indemnização pelo atraso na entrega dos imóveis, apenas a partir da citação nos termos e para os efeitos da presente acção.
C. Mesmo seguindo a posição consagrada no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 458/2014, de 04.12.2014, resulta que o Recorrido deve considerar-se interpelado, pois da própria carta de denúncia do contrato enviada ao Recorrido em 04.08.2015, junta como Doc. 4 da petição inicial, resulta que as Recorrentes não se limitaram a denunciar o contrato de arrendamento para o termo do respectivo prazo, tendo do mesmo passo interpelado o Réu e ora Recorrido para proceder à entrega dos imóveis livres e devolutos de pessoas e bens.
D. Não obstante, tal como resulta dos documentos 5 e 6 juntos aos autos, bem como do teor dos documentos 8 a 10 juntos no mesmo articulado, o Réu e ora Recorrido furtou-se ao recebimento de todas as notificações, não tendo reclamado nenhuma das cartas que lhe foram enviadas.
E. Da mesma forma que o Tribunal a quo considerou – e muito bem – que o contrato de arrendamento terminou, por efeito de denúncia, no dia 19 de Novembro de 2015, também deveria ter concluído que a interpelação do Réu para devolução dos locados às Recorrentes ocorreu na mesma data, por tal resultar da mesma carta.
F. Citando o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 24.07.2014, proferido no âmbito do processo n.º 654/2013: “Não basta o destinatário dizer que não receber a carta que denunciava o contrato de arrendamento; se recebeu o aviso da carta registada e não a levantou, não dando qualquer razão para esse não levantamento, qualquer impossibilidade nesse sentido, então, temos de presumir que não levantou porque não quis e o Direito não pode tutelar uma conduta dessa natureza.”
G. No mesmo sentido, veja-se o art. 794º, n.º 2, al. c) do Código Civil, nos termos do qual: “2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
(…)
c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.”
H. Consagrar um diferente entendimento quanto às normas em análise, significa premiar o devedor que, voluntariamente, procurou protelar o momento de constituição em mora.
I. Entendendo, por isso, as Recorrentes que o Tribunal a quo ao considerar que o momento de constituição em mora do Réu apenas ocorreu aquando da data da citação – em 14.04.2016 – e não a partir do momento em que, pela carta de 04.08.2015, foi interpelado para devolver os locados às Recorrentes em 19.11.2019, consagrou uma errada interpretação do disposto no art. 1027º, n.º 2 do Código Civil, em conjugação com o disposto nos arts. 216º, n.º 2 e 794º, n.º 2, al. c) do mesmo diploma legal.
J. Pelo exposto, por aplicação do disposto no art. 1027º, n.º 2 do Código Civil, deverá o Recorrido ser condenado em indemnização a pagar às Recorrentes, correspondente ao valor das rendas estipuladas no contrato, elevadas ao dobro, pelo período de 1 (um) ano, de 20.11.2015 a 19.11.2016, num total de HKD$1.279.200,00 (=HKD$106.600,00 (HKD$46.300,00 + HKD$7.000,00 x 2) x 12), com conversão em patacas no valor de MOP$1.317.576,00.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso subordinado ser considerado procedente e, em consequência, fixado que o Recorrido se constituiu em mora, para efeitos de pagamento da indemnização pelo atraso na entrega dos imóveis às Recorrentes, no dia 19.11.2015, data em que se considera interpelado para efeitos de devolução dos locados, devendo, em consequência, ao abrigo do disposto no art. 1027º, n.º 2 do Código Civil, o Recorrido ser condenado em indemnização a pagar às Recorrente, correspondente ao valor das rendas estipuladas no contrato, elevadas ao dobro, pelo período de 1 (um) ano, de 20.11.2015 a 19.11.2016, num total de HKD$1.279.200,00 (=HKD$106.600,00 (HKD$46.300,00 + HKD$7.000,00 x 2) x 12), com conversão em patacas no valor de MOP$1.317.576,00, confirmando-se a sentença recorrida no mais decidido.
Decidindo assim farão, Vossas Excelências, a habitual JUSTIÇA!”
*
A este recurso não respondeu o Réu.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
As Autoras são proprietárias das fracções autónomas designadas por “ER/C” do rés-do-chão “E” e “HR/C” do rés-do-chão “H”, para comércio, ambas do prédio denominado XX, sito em Macau, XXX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXX. (alínea A) dos factos assentes)
Por dois contratos de arrendamento celebrados em 10 de Junho de 2010, as Autoras deram de arrendamento ao Réu as referidas fracções autónomas, tudo conforme doc. 2 e 3 juntos com a p.i. que se dão aqui por reproduzidos para os legais e devidos efeitos. (alínea B) dos factos assentes)
Nos termos dos referidos contratos, as partes acordaram que o arrendamento tinha a finalidade de comércio. (alínea C) dos factos assentes)
… e que o prazo de arrendamento tem início em 20 de Novembro de 2010 e termo em 19 de Novembro de 2015. (alínea D) dos factos assentes)
A título de renda, quanto à fracção ER/C, foi convencionado que o Réu pagaria:
* de 20/11/2010 a 19/11/2012, uma renda de HKD$33.000,00;
* de 20/11/2012 a 19/11/2014, uma renda de HKD$39.600,00; e
* de 20/11/2014 a 19/11/2015, uma renda de HKD$46.300,00. (alínea E) dos factos assentes)
… e, quanto à fracção HR/C, que o Réu pagaria:
* de 20/11/2010 a 19/11/2012, uma renda de HKD$6.000,00; e
* de 20/11/2012 a 19/11/2015, uma renda de HKD$7.000,00. (alínea F) dos factos assentes)
Mais acordaram as partes que as notificações dirigidas aos senhorios e arrendatário seriam feitas através de carta registada enviadas para os respectivos domicílios constantes do contrato. (alínea G) dos factos assentes)
… e que, no caso de alteração dos respectivos domicílios, as partes teriam o dever de o comunicar à outra parte, sob pena de as notificações dirigidas aos domicílios constantes do contrato serem consideradas recebidas pelos notificados 5 dias após a emissão. (alínea H) dos factos assentes)
Em 4 de Agosto de 2015, as Autoras enviaram por correio uma carta registada para o domicílio do Réu constante do contrato, a saber: Alameda Dr. Carlos D’Assumpção nºs 393 a 437, 皇朝廣場, 11º andar A, comunicando que denunciam o contrato de arrendamento para o termo do respectivo prazo, ou seja, 19 de Novembro de 2015, tudo conforme doc. 4 junto como p.i. e cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
Ao mesmo tempo as Autoras tentaram o contacto com o R. por telefone a fim de o informarem sobre a denúncia do contrato de arrendamento. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
… não obstante não o conseguindo por o mesmo não ter atender o telefone. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
De seguida as Autoras contactaram telefonicamente o Senhor Choi – empregado do Réu que se encarregava do funcionamento do estabelecimento comercial que o Réu instala nos imóveis arrendados –, comunicando-lhe que tinham denunciado o contrato de arrendamento para o termo do respectivo prazo. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
… assumindo este senhor XX o encargo de informar o Réu. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
O Réu não reclamou a carta id. em 1º, a qual foi devolvida pelos Correios às Autoras cerca de dois meses após o respectivo envio, tudo conforme docs. 5 e 6 junto com a p.i. e cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
Tendo tido conhecimento da devolução da carta enviada id. em 1º em 13/10/2015, as Autoras dirigiram-se ao locado e entregaram em mão a um funcionário do Réu a carta cuja cópia foi junta com a p.i. como doc. 7 e cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efetios. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
Em 31/10/2015, por intermédio do seu mandatário, as Autoras enviaram mais uma carta para o Réu, desta vez, quer para o seu domicílio, quer para a morada do locado, a reiterar a sua vontade de denunciar o contrato para o termo do respectivo prazo, tudo conforme cópia da carta junta com a p.i. como doc. 8 e cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
… cartas estas que também não foram reclamadas pelo Réu, tudo conforme cópia da carta junta com a p.i. como doc. 8, 9 e 10 e cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
O R., após 19 de Novembro de 2015 até 19 de Novembro de 2016, continuou a ocupar as fracções autónomas supra id. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
*
Comecemos pelo recurso principal.
Alega o Réu que os factos provados são insuficientes para a tomada de posição sobre os pedidos formulados pelas Autoras.
Mais precisamente, entende o Réu que não há prova de que o mesmo era comerciante nem que a pessoa quem recebeu a carta de denúncia era seu empregado, daí que não deveria, na sua opinião, ser considerada eficaz a tal denúncia nos termos do n.º 2 do artigo 216.º do Código Civil.
Efectivamente, a matéria quesitada ficou basicamente provada, a saber:
- As partes acordaram que as notificações dirigidas aos senhorios e arrendatário seriam feitas através de carta registada enviadas para os respectivos domicílios constantes do contrato;
- No caso de alteração dos respectivos domicílios, as partes teriam o dever de o comunicar à outra parte, sob pena de as notificações dirigidas aos domicílios constantes do contrato serem consideradas recebidas pelos notificados 5 dias após a emissão;
- Em 4.8.2015, as Autoras enviaram por correio carta registada para o domicílio do Réu constante do contrato;
- Ao mesmo tempo, tentaram as Autoras contactar com o Réu por telefone com vista a informarem sobre a denúncia do contrato de arrendamento, mas foi infrutífero por o mesmo não ter atendido a chamada;
- De seguida, as Autoras contactaram telefonicamente o empregado do Réu, o qual ficou incumbido de informar o Réu;
- Não tendo reclamado a carta, as Autoras dirigiram-se em 13.10.2015 ao locado e entregaram em mão nova carta a um funcionário do Réu;
- E depois, em 31.10.2015, por intermédio de mandatário, as Autoras enviaram mais uma carta para o Réu, desta vez, para o seu domicílio e para a morada do locado, reiterando a sua vontade de denunciar o contrato para o termo do prazo, mas igualmente, as mesmas não foram reclamadas pelo Réu.
Ora bem, não tendo o recorrente logrado impugnar a decisão sobre a matéria de facto, ao abrigo do artigo 599.º do Código de Processo Civil, nem que os elementos constantes dos autos permitissem impor decisão diversa, não podemos nesta instância sindicar a matéria de facto dada como provada pela Primeira Instância.
Conforme decidiu o Acórdão deste TSI, no âmbito do Processo n.º 654/2013: “Não basta o destinatário dizer que não recebeu a carta que denunciava o contrato de arrendamento; se recebeu o aviso da carta registada e não a levantou, não dando qualquer razão para esse não levantamento, qualquer impossibilidade nesse sentido, então, temos de presumir que não levantou porque não quis e o Direito não pode tutelar uma conduta dessa natureza.”
In casu, provado que as Autoras enviaram por correio carta registada para a morada indicada pelo Réu no contrato de arrendamento, com a antecedência prevista na lei, mas não tendo o mesmo reclamado a carta, nem alegado algum motivo ou justo impedimento para não a receber, dúvidas não restam de que a carta de denúncia do contrato de arrendamento se tornou eficaz ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 216.º do Código Civil.
Improcede, pois, o recurso quanto a esta parte.
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Alega ainda o Réu que, apesar de as Autoras terem enviado três cartas de denúncia, apenas uma foi enviada dentro do prazo de 90 dias previsto no artigo 1039.º do Código Civil.
Salvo o devido respeito, somos a entender que basta uma denúncia do contrato de arrendamento efectuada por escrito dentro do prazo de 90 dias para se tornar eficaz a cessação do contrato.
No caso vertente, o contrato de arrendamento ia terminar em 19.11.2015, sendo a carta enviada em 4.8.2015, isto é, ainda dentro de 90 dias antes do termo do prazo, pelo que preenchido está o pressuposto legal da cessação do contrato por denúncia.
E não obstante ter sido enviadas mais duas cartas para o Réu, tal apenas demonstrava o esforço das Autoras em garantir que o mesmo pudesse ficar ciente da sua intenção de não renovação do contrato de arrendamento.
Por outro lado, face à matéria provada, dúvidas de maior não restam de que o Réu se furtou a receber todas as cartas de notificação remetidas pelas Autoras.
De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 216.º do Código Civil, a denúncia do contrato de arrendamento deve ser considerada eficaz na medida em que só por culpa do Réu a denúncia não foi por ele recebida, e foi o que, precisamente, sucedeu.
Isto posto, improcede o recurso nesta parte.
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Aponta ainda o Réu que faltando a assinatura da outra comproprietária, a denúncia do contrato de arrendamento não pode produzir qualquer efeito jurídico.
Segundo o artigo 971.º do Código Civil, “a locação constitui, para o locador, um acto de administração ordinária, excepto quando for celebrada por prazo superior a 6 anos”.
Dispõe o n.º 1 do artigo 972.º do Código Civil que “O contrato de locação, referente a bem indiviso, celebrado por prazo superior a 6 anos depende, para a sua validade, do acordo de todos os comproprietários e o celebrado por um prazo igual ou inferior a 6 anos depende do acordo da maioria indicada na alínea a) do n.º 3 do artigo 1304.º” – sublinhado nosso
Por sua vez, preceitua a alínea a) do n.º 3 do artigo 1304.º do Código Civil que “tratando-se de actos de administração ordinária, os actos estão dependentes do acordo dos consortes que representem mais de metade do valor total da coisa”.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que se a lei exige que a celebração do contrato de arrendamento por prazo igual ou inferior a 6 anos depende do acordo dos comproprietários que representem mais de metade do valor da coisa, a mesma regra deve aplicar-se também ao caso de denúncia, considerando que tanto a celebração como a denúncia do contrato de arrendamento são actos da mesma natureza, i.e., actos de administração ordinária.
Assim sendo, somos a concluir que a denúncia efectuada (assinada) apenas por uma das comproprietárias não está conforme a lei, sendo o tal acto jurídico anulável de acordo com os termos legais.
Como se referem no n.º 2 do artigo 972.º e artigo 280.º, ambos do Código Civil, os actos efectuados em violação daquela norma são anuláveis, devendo a anulabilidade ser invocada pelo interessado dentro do ano seguinte à cessação do vício que lhe serve de fundamento, ou, enquanto o negócio não estiver cumprido, ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção.
No caso vertente, o Réu não chegou a invocar o tal vício na contestação, sendo verdade que, segundo o disposto no artigo 409.º do Código de Processo Civil, toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados as excepções, incidentes e meios de defesa que a lei admita passado esse momento.
Considerando que só agora, em sede de recurso, é que vem o Réu suscitar a questão, não resta outra alternativa senão considerar como sanado o vício invocado e, em consequência, julgando improcedentes as razões aduzidas pelo Réu ora recorrente.
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Vemos agora o recurso subordinado interposto pelas Autoras.
Alegam as Autoras que ao enviar a carta para o Réu não se limitaram a denunciar o contrato de arrendamento para o termo do prazo, mas também interpelaram-no para restituir o locado livre e devoluto de pessoas e bens no momento do termo do contrato de arrendamento, sendo que, não obstante a denúncia, o Réu continuou a ocupar as fracções autónomas até ao dia 19.11.2016, entendem que deve o Réu ser condenado a pagar o dobro das rendas estipuladas no contrato, ao abrigo do n.º 2 do artigo 1027.º do Código Civil.
A nosso ver, julgamos terem razão as Autoras.
Decidiu-se no Acórdão deste TSI, no âmbito do Processo n.º 458/2014, o seguinte:
“Isto é, não obstante a caducidade do arrendamento, que foi regular e atempadamente denunciado, prevenindo a possibilidade de o locatário ainda ali permanecer, seja por tolerância do locador, seja por outra razão, permanência que pode até conduzir à renovação do contrato, afigura-se que o legislador configura vários estádios de incumprimento, atribuindo consequência diversas em função da gravidade do incumprimento. Parece que o legislador configura aí a possibilidade de um incumprimento sem mora, caso em que o locatário pagará a título de indemnização o correspondente ao montante das rendas pelo período em que utilize o locado, devendo, porém, pagar em dobro se entrar em mora.
A mora está ligada à culpa -“O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido” –art. 793, n.º 2 do CC.
Uma vez que o legislador releva a permanência do locatário para além do termo do prazo, atribui efeito jurídico a essa permanência, gradua diferentemente o seu inadimplemento, prevenindo até uma situação de tolerância do locador por um prazo de um ano, sob pena de essa tolerância se converter em abuso se o senhorio permanecesse inerte durante esse tempo e beneficiasse da indemnização máxima (montante equivalente ao dobro da renda), se porventura se considerasse que o locatário entrara logo em mora aquando do termo do prazo de arrendamento, por todas estas razões somos a considerar que se torna necessária uma interpelação judicial ou extrajudicial, não obstante a denúncia do arrendamento para o termo do respectivo prazo.”
No mesmo sentido, veja também o Acórdão deste TSI, no Processo n.º 382/2013:
“Todos os contratos de arrendamento têm o seu limite temporal.
Aliás, a própria lei fixa a duração máxima da locação, que é de 30 anos – cfr. artº 973º do CC.
Nesta conformidade, se a não entrega imediata do locado pelo locatário no termo do contrato constitui desde logo a mora na restituição, o n.º 1 do art.º 1027.º do CC quedaria sem campo de aplicação, pois, aplicar-se-ia sempre o n.º 2 do mesmo artigo.
Por outro lado, o legislador prevê ainda a possibilidade de renovação do contrato de arrendamento não obstante a sua caducidade, isto é, se o arrendatário se mantiver no gozo da coisa pelo lapso de tempo de 1 ano após o termo do contrato e sem oposição do senhorio, o contrato considera-se renovado não obstante a sua caducidade (cfr. Art.º 1037.º do CC). ”
Ora bem, segundo o artigo 1027.º do Código Civil, findo o contrato de arrendamento, o arrendatário é obrigado a restituir a coisa ao senhorio, sob pena de ter que pagar a este a renda que as partes tenham estipulado, a título de indemnização.
A indemnização é elevada ao dobro se o arrendatário se constitua em mora.
No caso dos autos, provado está que em 4.8.2015, as Autoras enviaram por correio uma carta registada para o domicílio do Réu.
Ora, a carta de denúncia tem o seguinte teor:
“有關閣下租用本人坐落於大三巴街XXX之住宅單位及XXX商業鋪位之租約(簽約日期為2010年6月10日,租期由2010年11月20日至2015年11月19日止),現特此函通知閣下本人終止上述租約,租約將於租期2015年11月19日屆滿時終止,請閣下於2015年11月19日立即遷出,並將該住宅單位及鋪位原整交還本人。” – sublinhado e realçado nosso
Face ao teor da carta, seguramente, o Réu não foi informado apenas da denúncia do contrato de arrendamento para o termo do respectivo prazo, como também foi interpelado para devolver os imóveis no momento em que terminaria o contrato de arrendamento.
A nosso ver, nada obriga a que essa interpelação terá que ser efectuada necessariamente depois do termo do contrato, se o senhorio desde o início jamais pretende a renovação do contrato de arrendamento.
In casu, o Réu foi interpelado para restituir os imóveis aos seus legítimos donos para o termo do prazo, mas não os devolveu após o seu termo, antes continuou a ocupá-los, pelo que podemos concluir que o mesmo se constituiu em mora a partir dessa data, devendo pagar às Autoras o dobro das rendas conforme o estipulado no n.º 2 do artigo 1027.º do Código Civil.
Posto isto, considerando que o Réu ocupou ilegitimamente os imóveis das Autoras entre 20.11.2015 e 19.11.2016 (no período de 1 ano), o mesmo é obrigado a pagar às Autoras a indemnização na quantia de HK1.279.200,00 (renda de HK53.300,00 x dobro x 12 meses), convertível em MOP1.317.576,00.
Há-de conceder, assim, provimento ao recurso subordinado.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo Réu A e conceder provimento ao recurso interposto pelas Autoras B e C.
Confirmando-se a sentença em tudo o mais.
Custas nesta instância pelo Réu nos dois recursos.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 4 de Abril de 2019
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong



Recurso Cível 218/2018 Página 25