Processo n.º 327/2017
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data : 4 de Abril de 2019
ASSUNTOS:
- Cláusula com teor particularizado inserido no contrato-promessa
- Sinal como arra confirmatória ou como arra penitencial
- Convenção em contrário e execução específica
- Cláusula resolutória e simultaneamente penal e com base nela resolver o contrato-promessa
- Reenvio do processo para apreciar o pedido subsidiário
SUMÁRIO:
I – Inserida no contrato-promessa uma cláusula com o seguinte teor: depois de assinado o presente contrato, se a Parte A não pretender vender, indemnizará à Parte B o dobro do sinal, impõe-se ao Tribunal uma tarefa de interpretar a vontade das partes e de proceder à sua qualificação jurídica.
II – Se o Tribunal recorrido defendesse e como efectivamente defendia que tal cláusula não era uma cláusula resolutiva, nem ela tinha por função afastar a execução específica, devia ter, de seguida, procedido à sua qualificação jurídica, uma vez que o Tribunal a quo não chegou a declarar a invalidade da cláusula em causa (nulidade ou anulabilidade), nem a qualificou como uma cláusula abusiva, simplesmente desaplicou-a na resolução do caso, verifica-se, assim, um salto de raciocínio e uma “omissão de pronúncia” em sentido impróprio, pois desconhece-se a razão de desaplicar tal cláusula, que resultou da vontade das partes.
III – No que toca ao sinal, para quem o oferece, o sinal pode ser tido como arra confirmatória da vontade de cumprir o contrato-promessa e, consequentemente, o propósito de celebrar o contrato definitivo. É essa a consideração que usualmente se tem do sinal, entre nós. Mas, o sinal também pode ser tido como arra penitencial. Quer dizer, o promitente que oferece o sinal assume que, caso não mantenha o interesse na celebração do negócio principal, porque desiste dele, ou porque se arrepende de o realizar, o perderá em favor do outro promitente. Esse arra penitencial funciona aí como indemnização, que pode coincidir total ou parcialmente com o valor do sinal entregue. Saber se o sinal tem uma ou outra função, isso depende do teor da cláusula que for inscrita no contrato-promessa.
IV – Vista outra face da moeda, agora por parte de quem recebe o sinal (o promitente comprador), é possível consignar, por convenção com a outra parte, que ela configure uma mera arra confirmatória. Nada dizendo sobre o assunto, e apenas ficando clausulado que como sinal e princípio de pagamento o promitente comprador entregou ao promitente vendedor determinado, essa entrega terá o valor de sinal confirmatório (isso resulta do artigo 436º/2 do CC).
V – É perfeitamente possível que ambos os promitentes consignem no contro-promessa que o promitente possa desistir, ou arrepender-se, de celebrar o contrato definitivo, pagando ao outro contraente uma determinada indemnização. Essa indemnização pode corresponder ao dobro do sinal recebido ou a qualquer outro valor, dentro do princípio da liberdade contratual. Neste caso, o accionamento de uma tal cláusula, livremente convencionada, não se confunde com o incumprimento propriamente dito por parte do promitente-vendedor, nem com o efeito que resulta da aplicação do artigo 436º/2 do CC. É outra coisa diferente: é uma convenção em que as partes acordam que uma delas (promitente vendedor, v.g.) desista do negócio, comprometendo-se, então, a pagar a indemnização acordada. É o caso dos autos.
VI - Trata-se de uma cláusula que corresponde a uma “convenção em contrário” do que habitualmente resulta do contrato-promessa com entrega de sinal. Logo, assume-se como uma cláusula resolutória, ou revogatória, como lhe chama Inocêncio Galvão Teles (in Direito das Obrigações, 7ª ed., pág. 132-133) e simultaneamente penal. Se o promitente vendedor se arrepender e desistir do negócio, não será obrigado a celebrá-lo; apenas terá que pagar a indemnização convencionada (será a convenção em contrário a que alude o artigo 820º/1 do CC), sem possibilidade, por exemplo, de o contraente fiel poder exigir a execução específica. É justamente o caso sub judice.
VII – Nestes termos, é de entender que os contratos-promessa foram resolvidos pela Recorrente/Ré com base na cláusula acima citada mediante notificação judicial avulsa, o que determina a procedência da reconvenção da Ré/Recorrente.
VIII - Como a Autora/Recorrida chegou a formular pedido subsidiário que não foi apreciado pelo Tribunal de primeira instância e como neste momento não dispomos de todos os elementos necessários à resolução desta questão, outra alternativa não haverá senão a de mandar baixar os autos ao Tribunal a quo para este apreciar o respectivo pedido subsidiário em tempo formulado pela Autora/Recorrida.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo n.º 327/2017
(Recurso em matéria cível)
Data : 04/Abril/2019
Recorrente: A置業發展股份有限公司
(Sociedade de Investimento imobiliário A, S.A.)
Recorrida: B發展有限公司
(Companhia de Desenvolvimento B, Limitada)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I - RELATÓRIO
A置業發展股份有限公司(Sociedade de Investimento imobiliário A, S.A.), Recorrente/Ré, com os sinais identificativos nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base (P.º n.º CV3-14-0093-CAO), datada de 08/11/2016, dela veio, em 24/11/2016, recorrer para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 449 a 493, tendo formulado as seguintes conclusões :
A. O douto Tribunal a quo julgou não provado que Quando a Autora assinou os Contratos-Promessa, sabia que os preços de compra das fracções eram de favor e que seriam corrigidos em função do aumento dos custos da respectiva construção? (artigo 3º da base instrutória)
B. No entanto, a Recorrente entende, salvo o respeito devido, que o douto Tribunal a quo não valorou adequadamente a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento quanto à matéria de facto em causa, cuja reapreciação ora se requer.
C. Considerando o depoimento das testemunhas C, D, E, F e G, maxime, nos excertos transcritos nesta alegação, ficou demonstrado o facto em causa. Consequentemente, a decisão do douto Tribunal a quo sobre a matéria de facto deve ser alterada e, nessa sequência, se julgado provado o artigo 3º da base instrutória.
D. O douto Tribunal a quo julgou não provado que Durante o ano de 2011, os custos de construção de fracções para comércio (em relação aos custos de 1995, época de início de construção do edifício das fracções), aumentaram em HKD849,00 por pé quadrado? (artigo 4º da base instrutória).
E. No entanto, o Recorrente entende, salvo o respeito devido, que o douto Tribunal a quo não valorou adequadamente a prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento quanto à matéria de facto em causa, cuja reapreciação ora se requer.
F. Considerando o depoimento das testemunhas C, D e G, maxime, nos excertos transcritos nesta alegação, bem como os Does. juntos aos autos pelo Recorrente em 16/06/2016, ficou demonstrado que, face ao muito elevado valor das acções da XX e ao desconhecimento de bens, designadamente imóveis, no património da Recorrida H, aquelas constituem o bem mais valioso no seu património. Consequentemente, a decisão do douto Tribunal a quo sobre a matéria de facto deve ser alterada e, nessa sequência, se julgado provado o artigo 2º da base instrutória.
G. O pedido principal da Recorrida é a execução específica dos Contratos-Promessa, tendo a Recorrente alegado em sede excepção, na sua contestação, que tal não poderia proceder, desde logo, porque os Contratos-Promessa se encontram resolvidos. Como resulta da simples leitura dos Contratos-Promessa de fls. 60 a 71, designadamente a respectiva cláusula 2.2, as partes acordaram expressamente em atribuir à Recorrente o direito de não celebrar o contrato definitivo, fixando-se uma indemnização à Recorrida, com referência ao dobro do sinal pago.
H. E foi precisamente esse direito, potestativo, que a Recorrente exerceu em 22 de Maio de 2014, quando requereu a notificação judicial avulsa da Recorrida para, nos termos da aludida cláusula 2.2 e do n.º 1 do artigo 426.° do Código Civil, fazer operar a resolução dos Contratos-Promessa, tendo na mesma notificação disponibilizado à Recorrida as indemnizações que lhe são devidas pelas aludidas resoluções - facto assente G).
I. Face ao teor da cláusula 2.2. dos Contratos Promessa, a Recorrida não tem o direito de se opor àquela resolução, que é válida, nem o direito de requerer a execução específica dos Contratos-Promessa, na medida em que por um lado, os mesmos foram resolvidos, e, por outro, o direito à execução específica dos Contratos-Promessa foi expressamente afastado pelas partes. A aludida cláusula 2.2 constitui uma convenção que, por conferir direito de arrependimento à promitente-vendedora, a ora Recorrente, afasta o funcionamento da execução específica. Trata-se da "convenção em contrário" a que alude o artigo 820.° do CC.
J. Ao decidir em sentido contrário, indeferindo a excepção de resolução, a douto Tribunal a quo violou na sentença em crise os artigos 399.°, 426º, n.º 1, e 430º, n.º 1, todos do CC, pelo que deve esta ser revogada e substituída por outra que, julgando procedente a presente excepção, julgue improcedente a presente acção
K. Prevendo a improcedência do pedido de execução específica dos Contratos¬Promessa, a Recorrida peticiona, a título subsidiário, uma indemnização pelo dano excedente, alegadamente a coberto da norma do n.º 4 do artigo 436º do Código Civil.
L. Porém, esta norma apenas se aplica perante o "não cumprimento do contrato" e, como ficou demonstrado supra, os Contratos-Promessa foram validamente resolvidos pela ora Recorrente sem que se verificasse qualquer incumprimento da sua parte.
M. Em todo o caso, a Recorrida nunca teria direito a ser indemnizada pelo dano excedente, por não estarem preenchidos os requisitos de que depende a aplicação do n.º 4 do artigo 436º do CC, não podendo, caso o presente recurso seja julgado procedente e indeferido o direito da Recorrida à execução específica dos Contratos-Promessa, ser-lhe reconhecido o direito à alegada indemnização pelo dano excedente.
N. Em 22 de Maio de 2014, a Recorrente requereu a notificação judicial avulsa da Autora para, nos termos da aludida cláusula 2.2 e do n.º 1 do artigo 426º do CC, fazer operar a resolução dos Contratos-Promessa, pelo que, julgando-se procedente o presente recurso, deve a douta sentença recorrida ser revogada, por violar o artigo 399º do CC (princípio da autonomia privada e liberdade contratual das partes - pois a Recorrente fez operar uma causa de resolução fundada em convenção, nos termos do n.º 1 do artigo 426º do CC, mediante declaração à contra parte, nos termos do n.o 1 do artigo 430º do mesmo diploma) e substituída por outra, que declare que os Contratos-Promessa foram resolvidos através da sobredita notificação judicial avulsa.
O. Ainda que o fosse procedente o pedido de execução específica dos Contratos-Promessa, o que não se concede, não pode deixar de se reconhecer o direito da Recorrente de receber os valores resultantes do aumento dos custos de construção das Fracções.
P. A douta sentença recorrida, na medida em que indefere o pedido reconvencional subsidiário da Recorrente, de condenação da Recorrida no pagamento do aumento dos custos de construção, viola o n.º 2 do artigo 752º do CC, pelo que, ainda que o douto Tribunal ad quem confirme a douta sentença recorrida na medida em que defere o pedido de execução específica dos Contratos-Promessa, não pode deixar de revogar a sentença em crise e substituí-Ia por outra, que condene a Recorrida a pagar à Recorrente os valores resultantes do aumento dos custos de construção das Fracções.
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Concluindo, a recorrente pede que seja julgado procedente o presente recurso, declarando-se consequentemente:
Revogada a douta decisão de fls. 427 a 437, ora recorrida, por violar os artigos 399º, 426º, n.º 1, e 430, n.º 1, todos do CC, e substituída por outra que:
1. Julgue procedente, por provada, a excepção peremptória de resolução dos Contratos-Promessa, absolvendo a Recorrente dos pedidos;
2. confirme que os Contratos-Promessa foram validamente resolvidos pela Recorrente, mediante notificação judicial avulsa; e, consequentemente,
3. ordene o cancelamento, junto da Conservatória do Registo Predial, dos registos, a favor da Recorrida, constituídos por via das Apresentações n.ºs 87, 88 e 89 de 15/08/2013, da aquisição dos direitos resultantes da concessão por arrendamento, incluindo a propriedade de construção, das Fracções "A1", "F1" e "G1", respectivamente, do prédio ali descrito sob o n.º 22.295, a fls. 81 do Livro B8K, todos titulados pelos Contratos-Promessa resolvidos, que deram origem às seguintes inscrições:
i) inscrição n.º 257446G, relativa à fracção "A1";
ii) inscrição n.º 257447G, relativa à fracção "F1"; e
iii) inscrição n.º 257448G, relativa à fracção "G1";
subsidiariamente, caso assim não se entenda e seja confirmada a douta sentença recorrida na parte em que defere o pedido de execução específica dos Contratos-Promessa, deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo, em consequência, revogada a douta decisão de fls. 427 a 437, ora recorrida, por violar o n.º 2 do artigo 752.° do CC, e substituída por outra que:
4. julgue procedente, por provado, o pedido reconvencional da Recorrente e, em consequência, condene a Recorrida a pagar à Recorrente a quantia de MOP1.904.184,66 (um milhão, novecentas e oitenta e quatro mil, cento e oitenta e quatro patacas e sessenta e seis avos), com correcção monetária, mediante a aplicação sucessiva, sobre tal quantia, das taxas de inflação anuais, desde 1 de Junho de 2012 e até à data da prolação da decisão condenatória,
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Em sede de contra-alegações, a Recorrida veio a apresentar os seus argumentos constantes de fls. 496 a 512, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Nas conclusões A, B, C, D, E) e F) das suas alegações os Recorrentes insurgem-se contra as respostas que foram dadas pelo Tribunal a quo aos quesitos 3º e 4º da base instrutória.
2. Para demonstrar o erro de julgamento da matéria de facto que imputa ao Tribunal a quo, os Recorrentes reproduzem algumas passagens da gravação da audiência.
3. Mas sem razão.
4. Primeiro, porque a convicção do Tribunal a quo baseou-se no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência que depuseram sobre os quesitos da base instrutória, nos documentos de fls. 11 a 105, 160 a 190,247 a 278 e 374 a 393 juntos aos autos, o que permite formar uma síntese quanto à veracidade dos apontados factos (cfr. fundamentação do acórdão de 25/07/2016).
5. Segundo, porque a prova produzida não impõe decisão diversa da recorrida - artigo 599.°, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do CPC, antes concorrendo para a confirmar.
6. Terceiro, segundo o n.º 1 do artigo 388º, quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo dos documentos autênticos ou particulares mencionados nos artigo 367º a 373º não é admissível a prova por testemunhas, assim, só as palavras das testemunhas, sem qualquer documento que registam as convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento não têm força probatória para comprovar o conteúdo contrário ou para além do documento.
7. Quarto, porque aos minutos 01:27:42 a 01:31:12 da gravação Translatorl - Recorded on 29-Jun-2016 at 10:30:11 (lUUSW4KG00711270), a testemunha Albano Martins esclareceu que na sua avaliação dos preços de mercado não tomou em conta que se tratavam de fracções de um edifício em construção oneradas com hipoteca e consignação de rendimentos e que, quando assim é, tal se repercute no preço, fazendo-o baixar, o que, em rigor e por ser verdade, retira qualquer utilidade que o seu depoimento pudesse ter tido para a Ré.
8. Quinto, porque não foi alegado que os contratos promessa de fls. 60-71. serviram para realizar uma liberalidade a favor da promitente compradora.
9. Sexto, porque como ficou consignado na fundamentação do acórdão da matéria de facto: ... o quesito 4º refere-se ao aumento dos custos de construção durante o ano 2011 e não durante do período de 1995 a 2011, uma vez que do depoimento da testemunha não se resultou o valor do aumento durante o ano 2011, também não se pode considerar como provado o facto constante do quesito 4º.»
10. Sétimo, porque o recurso, nesta parte, se limita a contrapor a convicção pessoal da Recorrente (e uma mão cheia de conclusões) à convicção formada pelo julgador, o que, se não é despropositada, também não contribui para o remédio, na medida em o Tribunal "a quo", no exercício do "munus" de julgar, seguiu o resultado que melhor pareceu ajustado de acordo com a sua livre convicção num quadro de imediação da prova holística produzida.
11. Faltam, pois, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impusessem sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida (alínea b) do n.º 1 do artigo 599º do CPC.
12. Não se verifica assim nenhuma das hipóteses legais de modificabilidade da decisão de facto previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 629º do CPC.
13. Nada havendo por isso a censurar à avaliação da matéria de facto, tal como a fez o Tribunal "a quo" nas respostas aos quesitos 3º e 4º da base instrutória.
14. Da excepção da resolução dos contratos - Por outro lado, nas G, H, I e J das suas alegações a Recorrente bate-se pela tese de que a sentença recorrida violou os artigos 399º, 426/1, e 430/1, todos do CC.
15. Mas sem razão. Desde logo, porque da factualidade especificada na Alínea G) dos Factos Assentes resulta que o incumprimento dos contratos promessa é imputável à Ré, sendo que no ordenamento jurídico da RAEM, fora das hipóteses de convenção em contrário e/ou alteração superveniente das circunstâncias, o exercício da resolução tem o seu fundamento apenas na ruptura do sinalagma.
16. Tal significa que a resolução por arrependimento do promitente infiel é ineficaz, já que não estão cumpridos os pressupostos inerentes ao direito potestativo de resolução.
17. Por conseguinte, o não cumprimento por arrependimento do promitente vendedor confere ao promitente comprador o direito a requerer, nos termos do disposto nos artigos 436/3 e 820/1 e 2 ambos do CC, a realização coactiva da prestação através de execução específica do contrato-promessa, ou seja, de obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso.
18. Só esta interpretação se compagina com a teleologia do preceito e que vai no sentido de proteger o comprador contra uma prática especulativa por banda dos agentes imobiliários e vendedores de recusarem a celebração do contrato definitivo numa situação inflacionista.
19. Por outro lado, ante a factualidade provada, resulta do regime conjugado dos artigos 436º e 820º do Código Civil que a simples existência de sinal prestado no contrato-promessa, ou a fixação de pena para o caso do não cumprimento deste, não pode ser interpretada como afastamento do direito à execução específica.
20. Isto porque o promitente comprador fiel pode optar pelo recebimento do sinal em dobro (artigo 436/2) ou, em alternativa, pelo recurso à execução específica (artigo 820/1).
21. Neste sentido, XX nota que no CC de 1999, independentemente da existência ou não do sinal, o contrato-promessa fica sujeito a execução específica, salvo se esse direito (or afastado por declaração das partes em contrário.
22. Daí que a prevalecer a tese da validade da resolução unilateral por simples declaração unilateral da promitente compradora, estar-se-ia a derrogar o direito à execução específica que a lei confere ao promitente comprador, como alternativa ao recebimento do sinal em dobro.
23. Pois, no fundo, a nossa lei, na falta de convenção expressa em contrário, não quis conferir incondicionalmente ao promitente vendedor o chamado "direito ao arrependimento", mas sim impõe que o exercício desse direito fique condicionado pelo não exercido por parte do promitente comprador do direito de recorrer à execução especifica, o que se justifica pela necessidade de evitar, ou pelo menos reduzir a verificação de situações imorais na pratica do contrato promessa, estimuladas pela desvalorização monetária e pelo próprio acréscimo efectivo do valor dos bens" - Cfr. Acórdão do TSI de 17/03/2016, P.º n.º 1002/2015, publicado no Website dos Tribunais da RAEM.
24. Logo, não tendo as partes afastado a possibilidade de execução específica dos Contratos-Promessa em caso de não cumprimento, tal significa que à Ré não foi conferido o direito à desvinculação ad nutum, ou seja, à resolução dos contratos mediante o pagamento do sinal em dobro como preço do arrependimento.
25. Nada obstava, portanto, à procedência do pedido de execução específica dos contratos promessa especificados na Alínea D) dos Factos Assentes, nada havendo por isso a apontar à sentença recorrida.
26. Da indemnização pelo dano excedente - Nas conclusões K, L, M e N das suas alegações a Recorrente, prevenindo a hipótese de o Tribunal ad quem poder conhecer da questão subsidiária da indemnização pelo dano excedente, pretende que a Recorrida nunca teria direito a ser indemnizada pelo dano excedente, por não estarem preenchidos os requisitos de que depende a aplicação do n.º 4 do artigo 436º do Código Civil.
27. Mas, a verdade é que sempre estariam verificados os pressupostos da indemnização pelo dano excedente, embora o conhecimento desta questão se mostre prejudicada pela solução dada ao litígio.
28. Isto porque quando o promitente-comprador perde o direito a comprar a coisa, perde-o na totalidade, pelo que a indemnização por essa perda há necessariamente de corresponder, não só ao preço pago pela aquisição do direito em 2011, mas também à valorização do bem a que respeita o negócio prometido e de que dá conta o relatório de avaliação de fls. 359-361 por força do disposto no artigo 436/4 do CC.
29. Esta previsão pretendeu evitar que a mera estipulação de sinal ou a fixação de uma pena se tomasse um meio de estímulo ao incumprimento (XXX in ob. cit.).
30. Perante os números do relatório de avaliação de fls. 359-361, permitir que a Ré resolvesse os Contratos-Promessa, impondo-se-lhe apenas a obrigação de restituir em dobro as quantias pagas pela Autora, seria beneficiar o contraente infractor e promover uma prática de todo contrária à boa-fé e à certeza e segurança do comércio jurídico.
31. Deste modo, e perante a vertiginosa subida dos preços do imobiliário, não restam dúvidas de que, caso não tivesse sido admitida a exeeução específica dos Contratos-Promessa, o dano da Autora teria largamente ultrapassado a compensação que lhe caberia mediante a mera restituiçãodo sinal em dobro.
32. E porque assim é, sempre teria a Autora o direito de ser compensada pelo dano excedente que teria sofrido caso não lhe tivesse sido reconhecido o direito à execução específica.
33. Do pedido reconvencional subsidiário - Nas conclusões O e P das suas alegações de recurso pretende a Recorrente que, ainda que proceda o pedido de execução específica dos Contratos-Promessa, não pode deixar de se reconhecer o seu direito de receber os valores resultantes do aumento dos custos de construção das fracções.
34. Mas, também aqui, sem razão.
35. Desde logo, porque a Autora nunca se obrigou a pagar o valor resultante do aumento do custo de construção das fracções, nem tal obrigação consta dos Contratos-Promessa ora em causa, nem de qualquer adenda nesse sentido que os tenha alterado.
36. Ao invés, o que ficou provado por confissão da Ré no artigo 137º da Contestação foi exactamente o contrário, ou seja, que: «O preço acordado para cada uma das referidas Fracções foi pago intergralmente na data da celebração de cada um dos referidos Contratos-Promessa.» (alínea E) dos Factos Assentes).
37. Trata-se de uma confissão judicial escrita, pelo que tem força probatória plena contra o confitente (artigo 351/1, do CC).
38. E, tendo ficado confessado pela Ré que o preço acordado para cada uma das referidas fracções foi pago integralmente na data da celebração de cada um dos referidos Contratos-Promessa, tal significa que nada mais tem a Ré a receber.
39. Nada, pois, a apontar, à decisão que julgou improcedente o pedido reconvencional formulado pela Ré na alínea f) do petitório da sua Réplica.
Concluindo, pede que o presente recurso seja julgado totalmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
1. O prédio urbano sito em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona A, Lote 6, descrito na Conservatória de Registo Predial (CRP) sob o n.º 2229595, encontra-se construído em terreno concedido por arrendamento, pelo prazo de 25 anos, a contar de 30 de Julho de 1991, conforme inscrição n.º 2023, a fls. 174 do Livro F8K da aludida Conservatória. (alínea A) dos factos assentes)
2. A Ré é titular das fracções autónomas "A1", do primeiro andar "A", "F1", do primeiro andar "F", "G1", do primeiro andar "G", para escritórios, do prédio supra identificado, registadas a seu favor na CRP, sob a inscrição n.º 4301, a fls. 88 do Livro F20K (adiante também designadas por "Fracções"), e com o título constitutivo da propriedade horizontal definitivamente inscrito sob o n.º 33712F. (alínea B) dos factos assentes)
3. No dia 30 de Dezembro de 2010, a Ré constitui uma hipoteca e uma consignação de rendimentos voluntárias, para garantia de créditos até ao limite de HK$250,000,000.00 (MOP$257.500.000,00), despesas até ao limite de MOP$25,750,000.00 e, bem assim, juros à taxa anual de 2,82%, acrescidos de 3% em caso de mora, a favor do "Banco XXX" sobre o prédio supra identificado. (alínea C) dos factos assentes)
4. Por três contratos-promessa de compra e venda formalizados no dia 19 de Abril de 2011, a Ré prometeu vender, e a Autora prometeu comprar, as seguintes fracções autónomas:
* fracção "A1", do primeiro andar "A", pelo preço de HK$817,000.00 equivalente a MOP$841,510.00; e
* fracção "F1", do primeiro andar "F", pelo preço de HK$1,087,000.00 equivalente a MOP$1,119,610.00; e
* fracção "G1", do primeiro andar "G", pelo preço de HK$1,672,000.00 equivalente a MOP$ 1,722,160.00;
todas do prédio urbano acima identificado em A) - cfr. os documentos constantes de fls. 60 a 71 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea D) dos factos assentes)
5. O preço acordado para cada uma das referidas Fracções foi pago integralmente na data da celebração de cada um dos referidos Contratos-Promessa. (alínea E) dos factos assentes)
6. Em 21 de Junho de 2013, a Autora requereu e obteve, junto da Conservatória do Registo Predial, o registo da inscrição provisória por natureza, a seu favor, "na sequência das apresentações n.ºs 87 (Fracção "A1"), 88 (Fracção "F1") e 89 (Fracção "G1") de 15 de Agosto de 2013". (alínea F) dos factos assentes)
7. A Ré requereu a rectificação judicial das inscrições referidas em F). (alínea FI) dos factos assentes)
8. Em 22/05/2014 a Ré requereu a notificação judicial avulsa da Autora para efeitos de declaração da resolução dos três Contratos-promessa - cfr. os documentos constantes de fls. 79 a 83, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea G) dos factos assentes)
9. Em 05/06/2014, a Autora respondeu à declaração resolutiva dizendo à Ré que ela não dispunha de fundamento legal para resolver os Contratos-Promessa (ponto 1);que ela não concordava nem aceitava tal resolução (ponto 2); que ela se recusava a aceitar a indemnização ali proposta (ponto 3); que ela completasse as obras em curso e ultimasse os procedimentos notariais após receber esta carta (ponto 4) e que, por último, tratasse da marcação da data da assinatura da escritura de compra e venda das Fracções o mais rápido possível - cfr. o documento constante de fls. 281, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea H) dos factos assentes)
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Da Base Instrutória :
- Em 25 de Abril de 2011 e 6 de Outubro de 2014 a Autora pagou o imposto de selo e selo do conhecimento relativo às relativo transmissões intercalares das Fracções no valor MOP$42,465.00 (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- Em 1 de Junho de 2012, a Ré comunicou à Autora o escrito constante de fls. 184, que aqui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- A Autora recusou-se a proceder a esse pagamento (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
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IV - FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
A Companhia de Desenvolvimento B, Limitada (B發展有限公司), com sede em Macau, na XXX, registada na Conservatória do Registo Comercial sob o n.ºXXX, vem intentar a presente
ACÇÃO ORDINÁRIA contra
Sociedade de Investimento Imobiliário A, SARL (A置業發展股份有限公司), com sede em Macau, na XXX, registada na Conservatória do Registo Comercial sob o n.ºXXX.
Alegando que celebraram com a Ré três contratos-promessas, em 19 de Abril de 2011, em que esta prometeu vender e a Autora prometeu a comprar as três fracções “A1”, “F1”e “G1”, do prédio urbano sito em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona A, Lote 6, descrito na C.R.P. sob o nº 22295, pelo preço de HKD817.000,00, HKD1.087.000,00 e HKD1.672.000,00 tendo a Autora pago integralmente o preço na data da celebração dos contratos.
Em 22/05/2014, a Ré requerer a notificação judicial avulsa da Autora para efeito da declaração da resolução dos três contratos, tendo a Autora respondido à Ré em 05/06/2014.
Perante a intenção resolutiva dos contratos-promessas a que à Ré não assiste o direito para o fazer, entendendo a Autora que houve incumprimento por parte da Ré dos três contratos, assim, com base no incumprimento, formulando as seguintes pretensões:
(i) Ser proferido sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Ré faltosa, designadamente os efeitos translativos da propriedade para a Autora das Fracções supra identificadas; e
(ii) Ser a Ré condenada na entrega à Autora do montante do débito garantido correspondente às fracções objecto dos contratos, e dos juros respectivos, vencidos e vincendos até integral pagamento para o efeito de expurgação da hipoteca.
Subsidiariamente, caso assim não entenda, deve:
(iii) Ser a Ré condenada por não cumprimento dos Contratos-Promessa a pagar à Autora o dobro das quantias que este lhe pagou, bem como a indemnização pelo dano excedente – correspondente à diferença entre o preço acordado entre as partes na data da celebração dos Contratos-Promessa e o valor de mercado das fracções prometidas na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (artigo 560/5 do CCivl), i.e., no momento do encerramento da discussão e julgamento (artigo 556/1 do CPC) – mais o valor dos impostos pagos pelas respectivas transmissões intercalares, o que, à data da proposição da presente acção, se cifra já em (MOP$74.899.745,00 = MOP$16.927.058,00 + MOP$23.543.103,00 + MOP$34.429.584,00), tudo com juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Subsidiariamente, caso assim não entenda, deve:
(iv) Ser a Ré condenada pelo não cumprimento dos Contratos-Promessa a pagar à Autora o dobro das quantias que este lhe pagou, mais o valor dos impostos pagos pelas transmissões intercalares das Fracções ora em causa (MOP$7.409.025,00 = MOP$841.510,00 + MOP$1.119.610,00 + MOP$1.722.160,00) x 2 + MOP$42.465,00), tudo com juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
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A Ré apresentou a contestação com os fundamentos constantes de fls. 114 a 159 dos autos, excepcionando a falta de interesse de agir em relação ao pedido subsidiário constante da alínea iv), alegando ainda que os preços fixados nos três contratos foram muito abaixo do valor do mercado a favor da Autora, preços esses teriam de sofrer um ajustamento, tendo em conta o aumento dos custos de construção, por outro lado, devido à fixação do preço tão baixo, foi estipulada nos contratos a cláusula da resolução discricionária, que permite à Ré a faculdade de revogar unilateralmente os contratos e no exercício desse direito, a Réu comunicou à Autora a resolução dos contratos através da notificação judicial avulsa, entendendo que os contratos já foram resolvidos com tal declaração, jamais poderá a Autora exigir a execução específica. Por outra banda, tendo a Autora sabido os preços fixados eram a seu favor e que os preços teriam que sujeitar ao ajustamento, a recusa de pagamento do aumento do preço e a pretensão de indemnização do dano excedente constitui abuso de direito por parte da Autora, o que lhe impede tanto a execução específica como a petição de indemnização por dano excedente. Para além disso, formulou a Ré pedidos reconvencionais de declaração da resolução dos três contratos-promessa, com o cancelamento dos registos de aquisição a favor da Autora e, caso se julgasse procedente o pedido de execução específica, deverá a Autora ser condenada a pagar a quantia de MOP$1.904.184,66, valor resultantes do aumento dos custos de construção das fracções.
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Saneados os autos, admite-se a reconvenção deduzida pela Ré e foram seleccionados factos considerados assentes e os factos que se integram na base instrutória.
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Realiza-se a audiência de discussão e julgamento por Tribunal Colectivo de acordo com o formalismo legal.
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O Tribunal é competente em razão da matéria, da hierarquia e internacionalmente e o processo é próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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I) FACTOS
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
Da Matéria de Facto Assente:
(…)
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II) FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
Considerando as posições expostas pelas partes, a solução do presente litígio importar apreciar as seguintes questões relevantes:
-Natureza jurídica dos contratos celebrados entre a Autora e a Ré;
-Cláusula resolutiva;
-Abuso de direito;
-Execução específica
-Expurgação da hipoteca
-Reconvenção
Natureza jurídica dos contratos celebrados entre a Autora e a Ré
Em relação à qualificação jurídica dos contratos celebrados, não existe dissíduo entre as partes a classificação dos mesmos como contratos-promessa a que se refere o art°404° do C.C..
Pois, está assente que o objecto dos três contratos consiste em a Ré prometer vender e a Autora prometeu compra três fracções autónomas “A1”, “F1”e “G1”, pelos preços fixados em HKD817.000,00, HKD1.087.000,00 e HKD1.672.000,00, respectivamente.
Dessa factualidade decorre para a Ré a obrigação de emitir uma declaração de vontade de venda dos bens prometidos à Autora e para esta o direito de exigir àquela a celebração do contrato de compra e venda relativa às fracções autónomas.
Os três contratos constam dos documentos de fls. 61 a 72, sendo celebrados de acordo com a forma exigida pela lei, atento o disposto do nº2 do artº404ºe 866º. do C.C..
Cláusula resolutiva
Argumenta a Ré que as partes têm estipulado convenção que confere ao promitente-vendedor a faculdade de resolver, unilateralmente, os contratos, justificando que os preços da venda das fracções autónomas em causa eram fixados abaixo do valor do mercado e com a previsão da possibilidade de correcção do preço em função do aumento dos custos de construção, não obstante, a Autora recusou peremptoriamente o pagamento dos montantes adicionais, perante a atitude da Autora, a Ré declarou, no exercício dessa faculdade, a vontade da resolução dos contratos por via da notificação judicial avulsa da Autora, tendo esta sido notificada, entendendo que os três contratos-promessa já se encontraram resolvidos.
Para saber se os contratos em causa ainda poderão produzir efeito em relação aos contraentes, urge aquilatar se a resolução alegada pela Ré é validamente efectuada, isto é, se as eontraentes estipularam, realmente, a cláusula resolutiva, tal como alegou a Ré.
A resolução é uma declaração unilateral recipienda ou receptícia pela qual uma das partes, dirigindo-se à outra, põe termo ao negócio retroactivamente, destruindo assim a relação contratual.1
Dispõe-se o nº1 do art°426° do C.C., que “É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção.”
A resolução legal pressupõe o não cumprimento definitivo. São casos comuns de não cumprimento a impossibilidade culposa, incumprimento definitivo ou incumprimento definitivo oriundo da conversão da situação da mora.
Outra base legal da resolução do contrato é a existência de cláusula resolutiva expressa, através do qual as partes podem reservar a faculdade de revogar o contrato, normalmente quando certa e determinada obrigação não seja cumprida ou determinadas circunstancias não se ocorrerem conforme o estipulado contratualmente,
No caso em apreço, foi invocada pela Ré como causa legítima da resolução a existência de convenção resolutiva, que é a cláusula 2.2. inserida nos três contratos.
Vejamos se a tal convenção confere, efectivamente, a faculdade ao promitente-vendedor o direito de desvincular a relação obrigacional estabelecida.
Segundo o regime jurídico do contrato-promessa actual, a lei confere ao promitente-comprador o direito de execução específica dos contratos-promessa, independentemente da existência ou não do sinal. O contrato-promessa é, em regra, vinculado para o promitente-vendedor, o exercício do chamado direito ao arrependimento ou o afastamento da execução específica só é permitido no caso de haver convenção expressa.
Decide-se o T.S.I., a propósito dum caso semelhante, mas o promitente-vendedor pretendeu a resolução o contrato-promessa por sua iniciativa com base no cumprimento imputável a si própria, “Pois no fundo, a nossa lei, na falta de convenção expressa em contrário, não quis conferir incondicionalmente ao promitente vendedor o chamado “direito ao arrependimento”, e mas sim impõe que o exercício desse direito fique condicionado pelo não exercício por parte do promitente comprador do direito a recorrer à execução especifica, o que se justifica pela necessidade de evitar, ou pelo menos reduzir a verificação de “situações imorais na prática do contrato-promessa, estimuladas pela desvalorização monetária e pelo próprio acréscimo efectivo do valor dos bens” (cfr. Acórdão do T.S.I., nº1002/2015, 17/03/2016)
Portanto, se o contrato-promessa for conceituado como meio de vinculação insusceptível de revogação unilateral, salvo convenção em contrária das partes. Essa convenção estipulada pelas partes para afastar a regra geral tem que ser clara, com a manifestação inequívoca da vontade das partes de conferir ao promitente vendedor o direito de resolver o contrato.
Consta da cláusula 2.2 o seguinte teor: “簽立本合約後,如甲方放棄賣出,則以雙倍訂金賠償對方。” Significa em português que se a parte A não pretender ou desistir de vender, indemnizará à contraparte o dobro do sinal.
Da literalidade da cláusula se refere somente a consequência a advir para a promitente-vendedor se “não pretendeu ou desistiu de vender” após a celebração do contrato. O termo “não pretender vender” ou “desistir de vender” é um facto ou realidade, que poderá derivado de incumprimento, da impossibilidade ou de outra causa.
Não nos podemos olvidar que o que se salienta, nessa cláusula, mais não é a consequência para o promitente-vendedor se não querer honorar o seu compromisso. A sanção indemnizatória estipulada pelas partes, o dobro do sinal, é exactamente a que é prevista pela lei para o caso de incumprimento imputável ao promitente-vendedor. (art°436°, nº2 do C.C.) Não obstante de ser previsão legal, a estipulação expressa da consequência legal do incumprimento do contrato é uma prática não menos utilizada nos contratos-promessa de compra e venda relativa aos imóveis.
Portanto, o sentido dessa cláusula mais não é a estipulação da sanção indemnizatória para o promitente-vendedor no caso de não vender. A expressão “放棄賣出” refere-se somente ao não cumprimento por parte do promitente-vendedor. .
Repara-se que não se constata nessa cláusula qualquer circunstância ou obrigação cuja verificação ou incumprimento importar a resolução do contrato.
No caso, o promitente-comprador já cumpriu a sua prestação, pagando a totalidade do preço ao promitente-vendedor no momento da celebração do contrato-promessa, em regra, só aguardará o promitente-vendedor a cumprir a sua obrigação de alienar. Nessas circunstâncias, não faria muito lógica que as partes conferiram ao promitente-vendedor e só a ele, o poder de manter ou pôr em termo o contrato.
Pois, se as partes quisessem mesmo a conferir apenas ao promitente-vendedor, a faculdade de revogar, com toda a liberdade e sem necessidade de qualquer causa, deveriam declarar expressa e inequivocamente essa vontade. O que não é o caso.
Nestes termos, não se acha que, por via dessa cláusula, as partes querem conferir ao promitente-vendedor a faculdade de revogar o contrato por sua iniciativa e à vontade.
Assim, na falta de estipulação expressa que confere ao promitente-vendedor, a faculdade de resolução do contrato, não se achamos que estamos perante uma cláusula resolutiva.
A referida cláusula também não tem qualquer sentido de afastamento da execução específica.
Não tendo a Ré o direito resolver os contratos-promessa unilateralmente e por sua iniciativa com base na cláusula invocada, considerando a ideia de que o direito ao arrependimento por parte do promitente-vendedor está condicionado com o não exercício da execução específica do promitente-comprador, a notificação judicial avulsa nunca poderá produzir o efeito de resolução dos contratos celebrados entre a Autora e a Ré.
Abuso de direito
Defende a Ré que a Autora sabia, no momento de celebração dos contratos-promessa, o preço acordado pelas partes era de favor e que o mesmo estaria sujeito à correcção em função do aumento dos custos da construção. Ao recusar a Autora a proceder ao pagamento dos montantes adicionais, resultantes do aumentos do preço de construção, exigindo a execução específica dos contratos-promessa, terá a Autora agido com abuso do direito, devendo a mesma ser vedada o direito de execução específica.
Dispõe-se o art°326° do C.C. que, “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos ela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
“O abuso do direito pressupõe logicamente a existência do direito (direito subjectivo ou mero poder legal), embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes. A nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele dever ser exercido.” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª edição p.300).
Sobre a noção do abuso do direito, a doutrina vária no tocante à delimitação da actuação abusiva. Manuel de Andrade fala-se “dos direitos exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça”. Para Vaz Seria, “há abuso do direito quando o direito, legítimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante”
Hoje em dia, uma das manifestações mais corrente do abuso de direito na doutrina e jurisprudências é “venire contra factuam proprium”. O venire postula duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si e diferidas no tempo. A primeira ‒ o factum proprium é contrariada pela segunda.”
Na palavras do Prof. Baptista Machado, “o ponto de partida é uma anterior conduta de um sujeito jurídico que “objectivamente considerada é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira. (Tutela da confiança e “venire contra factum proprium” in RLJ, ano 117 e ss)
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O abuso do direito pressupõe uma conduta anterior do abusante que criará na contraparte a legítima confiança, e uma conduta posterior daquela contrária à sua conduta anterior pelo abusante, frustrando a confiança que gerada pelo seu comportamento.
No caso em apreço, de acordo com os factos apurados, não se afigura haver matéria fáctica que se suporta a confiança depositada pela Ré no comportamento da Autora.
A Ré falava do preço fixado nos contratos era de favor e que sujeita ao aumento posterior. Mas, não consta dos contratos qualquer menção sobre o eventual aumento do preço concertado pelas partes.
Feita a prova, não logrou a Ré provar que a Autora sabia que os preços seriam corrigidos em função do aumento dos custos da construção, nem que os custo de construção aumentassem, efectivamente, em HKD849,00 por pé quadrado no ano de 2011.
Conforme os factos assentes, vem comprovado apenas que a Ré prometeu a vender três fracções autónomas pelos preços determinados à Autora e já recebeu a totalidade dos preços fixados da parte da Autora.
Dispõe-se o n° 1 do art°400° do C.C., que “o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.”
Assim, na falta de prova da existência de convenção adicional, contemporânea ou posterior quanto ao preço da venda, não poderá a promitente-vendedora, ora Ré, alterar, sem o consentimento da contraparte, o preço já acordado, exigindo ao promitente-comprador o pagamento de montante adicional
Desse modo, notificada a Autora pela Ré para proceder ao pagamento adicional, terá a Autora o direito de recusar de pagar mais do que aquilo que foi acordado pelas partes.
Portanto, a recusa de pagamento adicional do preço por parte da Autora é legítima, não se acha que a Autora infringiu no cumprimento dos contratos-promessa.
Sendo legítima a recusa de pagamento adicional do preço, essa conduta da Autora não poderá servir, sob o ponto de vista de homem médio, para justificar qualquer expectativa por parte da Ré, se a houver, de a Autora ter perdido o seu interesse no cumprimento dos contratos-promessa, bem ao contrário, a recusa de pagamento de mais montante deverá ser entendido como manifestação inequívoca por parte do promitente-comprador de exigir a contraparte no cumprimento escrupuloso da sua obrigação contratual de vender nos precisos termos dos três contratos-promessa.
A confiança alegada pela Ré, mesmo que existisse, não é justificada e legítima.
Nestes termos, perante a manifestação categórica de não honrar o compromisso de vender pelo promitente-vendedor, a Autora, na qualidade de promitente-compradora, lança mão ao mecanismo legal de execução específica, que lhe é conferido pela lei, não se afigura que a conduta da Autora ofende clamorosamente o sentimento ético-jurídico que poderá ser integrada na concepção de abuso de direito.
Assim, nada impede à Autora o recurso à execução específica dos contratos-promessa.
Execução específica
Não tendo sido resolvidos os contratos-promessa, analisaremos se no presente caso concreto se reuniam os requisitos para a execução específica.
Prevê-se o artigo 820º do Código Civil de Macau, o seguinte:
“1. Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida.
2. Para efeitos do número anterior, a simples existência de sinal prestado no contrato-promessa, ou a fixação de pena para o caso de não cumprimento deste, não é entendida como convenção em contrário e, ainda que tenha havida convenção em contrário, o promitente-adquiridor, relativamente à promessa de transmissão ou constituição onerosa de direito real sobre prédio ou fracção autónoma dele, goza do direito à execução específica, contanto que tenha havido a seu favor tradição da coisa objecto do contrato.
3 ....”
Estatui-se ainda no artigo 435º do mesmo Código que “No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.”
Como se refere, a existência ou não do sinal não constitui obstáculo do recurso à execução específica.
No entanto, a letra do nº 1 do art°820° fala-se de “não cumprir a promessa”, há interesse apurar se a expressão aqui usada se refere a incumprimento temporário ou incumprimento definitivo.
Sobre a questão em causa, ensina João Calvão da Silva, “O pressuposto da chamada execução específica do contrato, é a mora e não o incumprimento definitivo.” in «Sinal e contrato promessa», pág. 97.
Por outro lado, decidiu, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 1966, CJ, 1996, 2°-153, “A mora do devedor é pressuposto da execução específica do contrato-promessa. Tal mora depende de o devedor ter sido interpelado-judicial ou extrajudicialmente para cumprir. Tal interpelação só pode ser efectuada a partir do momento em que o credor pode exigir a realização da prestação devida.”
É entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência da admissibilidade de recurso à execução específica no caso de mora, bastando o atrasamento no seu cumprimento para a execução específica da promessa.
In casu perante a posição tomada pela Ré, após a recusa expressa de pagamento por parte da Autora de montantes adicionais exigidos, em declarar resolução dos três contratos-promessa por via de notificação judicial avulsa, é claro que a Ré não pretendeu comprar a sua prestação, essa conduta da Ré não poderá deixar ser entendida como incumprimento definitivo, sendo imputável, como é óbvio, a si próprio.
Outro requisito para que a execução específica, sem eficácia real, seja viável é o bem se encontra registado em nome do promitente-vendedor.
Disse, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/02/1989, “Em contrato-promessa de compra e venda, despido de eficácia real, a venda do objecto do contrato a terceiro impede a execução específica deste.”
“A possibilidade de execução específica não significa eficácia real, daí que não tenha lugar se, entretanto, o promitente vendedor já vendeu o prédio a terceiro. Então se essa transferência se tiver verificado não se pode, por sentença judicial, provocar a aquisição do mesmo”. (Mota Pinto, in Direitos Reais, pag.142)
Segundo o teor da certidão do registo predial, encontram-se ainda registadas a favor da Ré as fracções autónomas “A1”, “F1”e “G1, pelo que nada impede o recurso à execução específica.
Dispõe-se o nº6 do artigo 820° do C.C. que “Tratando-se de contrato em que ao obrigado seja lícito invocar a excepção de não cumprimento, a acção improcede, se o requerente não consignar em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado pelo tribunal.”
No caso, como a promitente-compradora tem pago a totalidade do preço acordado no' momento da celebração do contrato-promessa, não há por parte da Autora a obrigação de prestação de pagamento de demais quantia.
Em conclusão, verificando o incumprimento da promessa por parte da Réu, não haja incompatibilidade com a substituição da declaração da vontade por parte do promitente vendedor, e atento ao facto de ainda se encontrarem registadas a favor da Ré as fracções autónomas em causa, e tendo já a Autora pago a totalidade do preço, o pedido de execução específica deverá proceder.
Deverá julgar-se procedente o pedido de execução específica.
Expurgação da hipoteca.
Para além da execução específica, a Autora exige que a Ré seja condenada no montante necessário do débito garantido e dos juros respectivos, vencidos e vincendos, até integral pagamento, para efeito de expurgação da hipoteca no termos do art° 820°, nº 5 do C.C.
O art°820°, nº4 e 5º do C.C. prevêem-se o seguinte:
4. Tratando-se de promessa, sujeita a execução especifica, relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre prédio, ou fracção autónoma dele, sobre que recaia hipoteca, pode o promitente-adquirente, para efeito de expurgação da hipoteca, requerer que a sentença referida no nº 1 condene valor nele correspondente à fracção objecto do contrato, e dos juros respectivos, vencidos e vincendos, até integral pagamento.
5. O disposto no número anterior só se aplica, porém, se;
a) A hipoteca tiver sido constituída posteriormente à celebração da promessa;
b) A hipoteca tiver sido constituída para garantia de um débito do promitente faltoso a terceiro, pelo qual o promitente-adquirente não seja responsável;
c) A extinção da hipoteca não proceder a mencionada transmissão ou constituição, nem coincidir com esta.”
Dos factos está assente que no dia 30 de Dezembro de 2010, a Ré constitui uma hipoteca e uma consignação de rendimentos voluntários, para garantia de créditos até ao limite de HK$250.000.000,00, ... a favor do Banco Industrial e Comercial da China, sobre o prédio onde se integra as três fracções autónomas discutidas nos autos.
A hipoteca foi constituída em 30 de Novembro de 2010, enquanto os contratos-promessa foram celebrados em 19 de Abril de 2011. Pelo que, a hipoteca foi constituída antes e não depois da celebração dos contratos-promessa celebrado entre a Autora e a Ré
Logo, não se preenche um dos requisitos cumulativos para expurgação da hipoteca, não tendo a Autora o direito de exigir ao promitente faltoso de entregar montante para efeito de expurgação da hipoteca.
Desse modo, julga-se improcedente esse pedido.
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Conhecendo o pedido principal, fica prejudicada apreciação dos pedidos subsidiários formulados pela Autora.
Reconvenção
Em reconvenção, pretende a Ré formula dois pedidos, em subsidiário:
i) A declaração da resolução dos três contratos-promessa com fundamento de resolução convencional;
ii) Da condenação da Autora no pagamento do aumento dos custos de construção.
Resolução dos contratos-promessa
Em relação ao primeiro pedido, conforme o que se deixa referido acima quanto à cláusula de resolução, uma vez que não se entende que existe cláusula resolutiva, tal como alegou a Ré, não poderá a mesma destruir os contratos em causa com base da resolução convencional.
Logo, esse pedido reconvencional não poderá deixar de ser naufragado.
Aumento do preço da venda
Pretende a Ré, em subsidiário à procedência do pedido de execução específica, a exigir à Autora o pagamento dos montantes decorrentes do aumento dos custos de construções das fracções.
Fundamenta o seu pedido por força do princípio de boa fé, alegando que a Autora foi informada, por ocasião da assinatura dos contratos-promessa, da possibilidade de ter que pagar esses valores como ajustamento do preço das fracções aos custos da construção.
Na óptica da Ré, apesar de ter fixado um preço certo para a transmissão das fracções autónomas, objecto dos contratos-promessa, esse preço é susceptível de alteração em função do aumento dos custos de construção, conforme o acordado pelas partes.
No entanto, nada consta dos factos tidos por assentes que a Autora prometeu a pagar mais valores, para além do preço fixado nos contratos-promessa, decorrente do aumento dos custos de construção, nem se ficou provado os valores efectivamente aumentados durante o ano de 2011 para justificar a correcção do preço acordado pelas partes no ano 2010.
Sem estipulação expressa da possibilidade de alteração do preço, não poderá o promitente-vendedor modificar, unilateralmente, o elemento essencial do contrato, exigindo, a contraparte a pagar mais valores, para além do preço fixado, alegando o aumento dos custos de construção.
Ao contrário, tendo o promitente-vendedor prometido vender as fracções pelo preço certo, o princípio de boa fé exige-lhe a honorar o seu compromisso, não podendo modificar arbitrariamente os elementos do contrato, sem consentimento da outra parte.
Nestes termos, julga-se improcedente esse pedido.
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III) DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga procedente a acção e, improcedente a reconvenção em consequência, decide:
-Substituir-se à Ré Sociedade de Investimento Imobiliário A SARL a emitir a declaração de no sentido de vender à Autora, pelo preço de HKD$817.000.00, HKD1.087.000,00 e HKD1.672.000,00, respectivamente, as fracções autónomas designada por “A1”, “F1” e “G1” do 1° andar “A”, “F” e “G”, para escritório, do prédio urbano sito em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona A, Lote 6, descrito na CRP de Macau sob o número 22295, inscrita a favor da Ré sob a inscrição o nº4301, a fls. 88 do Livro F20K; e
- Julgar-se improcedente o restante pedido formulado pela Autora, absolvendo a Ré do pedido;
- Julgar-se improcedentes todos os pedidos reconvencionais formulados pela reconvinte / Ré, absolvendo a Autora/reconvinda desses pedidos.
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Custas pela Autora e Ré na proporção do seu decaimento.
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Registe e Notifique.
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Macau, aos 08 de Novembro de 2016
Quid Juris?
Neste recurso, a Recorrente veio a suscitar essencialmente as seguintes questões:
1) – Impugnação de matéria de facto – as respostas negativas dos quesitos 3º e 4º da base instrutória (e também deficiência de factos detectada oficiosamente);
2) –Interpretação da cláusula 2.2 dos contratos-promessa e possível resolução dos mesmos;
3) – Execução específica dos contratos-promessa e pedido reconvencional da Recorrente/Ré.
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Comecemos pela primeira questão, que consiste em impugnar as respostas NEGATIVAS dos quesitos 3º e 4º da base de instrução.
Ora, para impugnar a matéria de facto, o legislador fixa mecanismo, métodos e procedimentos próprios, nomeadamente os previstos nos artigos 599º e 629º do CPC.
É do entendimento pacífico deste TSI que a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação. Nessa conformidade, não sofre qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º 2 do referido artigo 599º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada.
No âmbito de reapreciação da decisão de facto, importa ter presente que, em conformidade com o regime de recursos aplicável, não cabe ao Tribunal ad quem proceder a um novo julgamento latitudinário da causa, mas apenas sindicar os invocados erros de julgamento da 1.ª instância sobre os pontos de facto especificamente questionados, mediante reapreciação das provas produzidas nesse âmbito, tomando por base os factos tidos por assentes, a prova produzida ou algum documento superveniente, oportunamente junto aos autos, que imponham decisão diversa.
No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social
Os dois quesitos postos em crise têm o seguinte teor:
Quando a Autora assinou os contratos-promessa, sabia que os preços de compra das fracções eram de favor e que seriam corrigidos em função do aumento dos custos da respectiva construção? (artigo 3º da base instrutória)
Durante o ano de 2011, os custos de construção de fracções para comércio (em relação aos custos de 1995, época de início de construção do edifício das fracções), aumentaram em HKD849,00 por pé quadrado? (artigo 4º da base instrutória).
A Recorrente/Ré veio a impugnar as respostas dadas NEGATIVAMENTE, por entender que os 2 quesitos em causa deviam ficar provados, tendo em conta o depoimento das testemunhas ouvidas em audiência e os elementos juntos aos autos.
Reapreciados os elementos disponíveis nos autos, verificamos que efectivamente as respostas dadas aos quesitos em análise merecem algum reparo.
A propósito de eventual aumento de custos adicionais de (re)construção do edifício em causa, poderá ter alguma razão, porque os contratos-promessa foram celebrados em 19/4/2011, numa data em que estavam a decorrer as obras de construção do Edifício em causa (pois, o documento de fls. 184 informa que as obras seriam concluída em 2012, o que nos permite retirar a conclusão de que tais contratos-promessa foram celebrados já na fase de construção). Situação diferente será outras em que, tomos conhecimento no exercício das nossas funções (artigo 434º do CPC), certos contratos-promessa foram celebrados na década de 90, por exemplo no ano de 1996 (cfr. Processo nº 937/2017, de 14/03/2019), um momento muito antes em relação aos contratos-promessa em que interveio a Recorrida nos presentes autos. Perante um lapso de tempo tão distante, poderá levantar-se a questão de custos de construção, nomeadamente resultante de inflação económica.
Relativamente à parte do quesito em que menciona “os preços de compra eram de favor…”, existem 2 documentos que o Tribunal a quo não chegou a valorar devidamente, que é o documento de fls. 103 a 104 e de fls. 359 e 360 dos autos.
São, portanto, 2 relatórios de avaliação do preço do mercado das 3 fracções autónomas, o primeiro, elaborado por uma agência especializada nesta área, elaborada em 21/11/2014, à ordem da Autora/Recorrida, obviamente a intenção de mandar elaborar tal relatório era para cálculo de eventual indemnização em caso de improcedência do pedido da execução específica; enquanto o segundo foi elaborado à ordem do Tribunal de primeira instância, pela Comissão de Avaliação de Imóveis da DSF.
Relativamente ao primeiro, como foi elaborado a pedido da Recorrida/Autora e por uma agência particular, a sua credibilidade poderá suscitar alguma dúvida, por ser um documento elaborado na sequência do pedido de uma das partes, portanto, existe interesse por quem mandou fazer tal avaliação.
O mesmo raciocínio já não se pode defender em relação ao segundo relatório, de autoria da Comissão de Avaliação de Imóveis da DSF, que, sendo uma entidade autónoma, não tem nenhum interesse na matéria discutida nos autos. Pelo que, entendemos que este relatório merece credibilidade e deve ser considerado como prova adquirida nos termos legalmente fixados.
Ou seja, uma vez que o 2º relatório constitui provas adquiridas nos autos, ele deve ser aceite e a sua apreciação há-de ser feita nos termos do disposto no artigo 436º (Princípio da aquisição processual) do CPC, que estipula:
O tribunal deve tomar em consideração todas as provas realizadas no processo, mesmo que não tenham sido apresentadas, requeridas ou produzidas pela parte onerada com a prova, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado.
Despois, o artigo 437.º (Princípio a observar em casos de dúvida) do mesmo CPC manda:
A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.
Este relatório (fls. 359 e 360) tem o seguinte teor:
Assunto: Resultado de Avaliação (Proc. n.º CV3-14-0093-CAO)
Em referência ao solicitado através do ofício mencionado em epígrafe, cumpre-me informar V.Ex.ª, de que a Comissão de Avaliação de Imóveis atribuíu, na avaliação efectuada em 25/02/2016, seguintes valores para os imóveis abaixo discriminados:
Referência Matricial
Área(m2)
Fin.
Localização
Valor
73784-01-A1
45.560
Com.
Avenida Comercial de Macau, n.ºs 337, 341, 345 e 349, Macau
MOP$5.467.000,00
73784-01-F1
64.250
MOP$7.710.000,00
73784-01-G1
92.490
MOP$11.098.000,00
Junto se anexa a cópia da Deliberação de Avaliação (Acta).
Com os melhores cumprimentos.
A Directora dos Serviços, Substituta
決議
Deliberação
於2016年2月25日,上午11時至下午1時,根據分別刊登於2016年1月 20日第3期《澳門特別行政區公報》第二組之第1/2016號經濟財政司司長批示組成的不動產估價委員會“B”於澳門特別行政區南灣大馬路575、579至585號財政局10樓會議室舉行了會議,出席者有下列人士:主席—XXX,委員—XXX及XXX;地產界代表及建築界代表—XXX及XXX。委員會根據所備有之資料,對以下不動產進行估價:
內部通信編號: 37/NIS/RFM/2016
房屋紀錄編號
不動產地點
用途
面積
73784-01-A1
澳門商業大馬路337、341、345及359號財神商業中心
商業
45.560平方米
73784-01-F1
64.250平方米
73784-01-G1
92.490平方米
委員會採用以下基本標準計算參數:
a) 大廈結構新舊、
b) 房地產市場價值、
c) 位置、
d) 樓宇使用准照批出日期、
e) 面積的大小、
f) 比較相同區份同類型樓宇之價值。
參考樓宇一:
不動產地點: 澳門商業大馬路友邦廣場
房屋紀錄編號:73432-01-D1
用途:商業
面積:45.360平方米
最近移轉價值:$4,027,017
每平方米:$88,780
移轉日期:08/03/2012
參考樓宇二:
不動產地點:澳門南灣大馬路778號中華廣場
房屋紀錄編號:72019-RC-IRC
用途:商業
面積:34.900平方米
最近評估價值:$17,450,000
每平方米:$500,000
評估日期:20/01/2014
Ou seja, tal prova, uma vez adquirida, há-de ser aceite quer a favor, quer contra quem a apresentou.
Daqui, o que podemos retirar?
1) – Se os contratos-promessa foram celebrados em 19/04/2011, em que mencionaram que os preços eram HK$841,510.00 (fracção A-1º), HK$1087.000.00(fracção F-1º), HK$1672,000.00(fracção G-1º), o relatório de avaliação da Comissão elaborado em 25/02/2016, à ordem do Tribunal recorrido, informou que os preços já passaram a ser:
- A-1º MOP$5,46,000.00;
- F-1º MOP$7,710,000.00;
-G-1º MOP$11,098,000.00.
Quantas vezes é que subiram os preços? Mais do que 10 vezes!
Seguida a mesma lógica, os custos de construção não subiram? Parece-nos que sim.
É de notar a diferença abissal ao nível dos preços entre os declarados nos contratos e os avaliados pela agência especializada à luz do preço praticado no mercado. A experiência de vida diz-nos que, durante quatro anos em causa, o mercado imobiliário de Macau não deu um salto tão grande (uma da razões tem a ver com as medidas restritivas impostas pelo Governo da RAEM, ex: imposto de selo especial).
Quer se toma o primeiro relatório, quer o segundo, é certo que os preços subiram bastante.
O que nos permite duvidar e abalar a precisão da resposta do quesito 3º em exame.
À luz da lógica da Recorrida/Autora, se subiram os preços das fracções autónomas substancialmente, não subiam os custos de construção em 2011 e 2012?
Perante o quadro acima desenhado, é-nos legítimo tirar conclusão de que os preços referidos nos contratos-promessa eram abaixo dos praticados do mercado, em 2011, para já não falarmos da eventual existência de uma situação de simulação para fugir ao Fisco!
Pelo que, a resposta do quesito 3º há-de ser alterada em função das provas encontradas nos autos, passando a responder-se da seguinte forma:
PROVADO QUE quando a Autora assinou os contratos-promessa, sabia que os preços de compra das fracções eram abaixo dos preços do mercado.
*
No que se refere ao 4º quesito, a experiência informa-nos que efectivamente se regista, todos os anos, a inflação de custo de vida, agora é tal valor que se verificou naquele período? É uma questão pertinente.
Vejamos de imediato.
Aliás, o relatório elaborado à ordem da Autora/Recorrida (fls. 104) também menciona os custos necessários à (re)construção de 3 fracções autónomas, que se avalizou em MOP$4669,000.00 (para 3 imóveis), porque a construção do Edifício estava parada durante largos anos (quase 15 anos, de 1997 a 2010, fls. 184 e 185) e quando se retomava a construção, com a inflação económica, demandava-se obviamente o aumento de custos de (re)construção. O que faz sentido e tem lógica.
Pelo que, globalmente apreciados os elementos probatórios juntos aos autos, podemos responder o quesito da seguinte forma:
Durante o ano de 2011, os custos de construção de fracções para comércio (em relação aos custos de 1995, época de início de construção do edifício das fracções), aumentaram em valor não apurado, mas não superior a HK$849.00 por pé quadrado (artigo 4º da base instrutória)
Vai assim atendido recurso nesta parte interposto pela Recorrente.
*
Na sequência da análise crítica, para além dos 2 quesitos, cujas repostas foram impugnadas, verificamos que os factos fixados pelo Tribunal recorrido padecem também de deficiências, depois de reapreciados os elementos juntos aos autos, e como tal temos de proceder à sua correcção.
Nesta matéria, é de recordar o artigo 629º (Modificabilidade da decisão de facto) do CPC que manda:
1. A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 599.º, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
2. No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, o Tribunal de Segunda Instância reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham servido de fundamento à decisão de facto impugnada.
3. O Tribunal de Segunda Instância pode determinar a renovação dos meios de prova produzidos em primeira instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto objecto da decisão impugnada, aplicando-se às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na primeira instância e podendo o relator determinar a comparência pessoal dos depoentes.
4. Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode o Tribunal de Segunda Instância anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na primeira instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.
5. Se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode o Tribunal de Segunda Instância, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de primeira instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou escritos ou repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limita-se a justificar a razão da impossibilidade.
O que está em causa nesta parte do recurso são os documentos juntos aos autos e o valor a que deve ser atribuído tendo em conta os critérios fixados na lei civil.
No caso, para além do normativo acima citado, temos de atender também o artigo 630º do CPC.
Podemos começar pela comparação dos 3 documentos juntos aos autos que reproduzimos aqui por scan:
Documento nº 1:
Documento nº 2:
Documento nº 3:
O que merece destacar aqui? São justamente os seguintes pontos:
1) – Nos contratos-promessa quem figura como promitente-compradora era a Empresa B, Limitada, em que assinaram os alegados representantes seus.
2) – No 2º documento, foi aposto o carimbo da Recorrida, mas ninguém assinou!
3) – No 3º documento, também foi aposto o carimbo da Recorrida, sem assinatura!
Mas com base neste documento, conjugado com o depoimento recolhido em audiência, o Tribunal recorrido deu uma resposta positiva constante do quesito 6º, Mas o mesmo critério não foi utilizado no que toca ao documento nº 2! Salvo o melhor respeito, parece-nos aqui existe alguma incoerência na avaliação dos documentos particulares.
Mais, o documento nº 2 (fls. 187) foi apresentado pela Recorrente/Ré, que em princípio, não devia ter o carimbo da Recorrida (Empresa B), mas a Recorrente conseguiu apresentar tal documento, o que significa que, em princípio, tal foi mandado pela Recorrida para a ora Recorrente/Ré (assim é que pode ter acesso a tal documento)!
Pelo que, devemos valorar ou revalorar este elementos probatórios encontrados nos autos nos termos legalmente fixados.
*
Continuemos, passemos a ver outras questões ligadas às respostas dadas pelo Tribunal recorrido.
Relativamente ao quesito 5º da base de instrução, o Colectivo deu a seguinte resposta:
Em 1 de Junho de 2012, a Ré comunicou à Autora o escrito constante de fls. 184, que aqui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
Ora, o Colectivo remete APENAS para fls. 184, que é uma carta (circular) dirigida à Recorrida/Autora (se bem que foi um modelo utilizado para enviar a todos os promitentes-compradores), pedindo que suportassem os custos adicionais de construção do Edifício resultantes de inflação em vários aspectos, considerando o facto de as obras de construção terem ficado parado durante vários anos (quase 15 anos) o reinício destas obras demandar custos pesados e adicionais.
Em bom rigor, tal remissão de ser feita para o teor de fls. 184 a 185, porque tal carta contem 2 folhas (eis aqui uma deficiência detectada), cujo teor transcrevemos de propósito aqui:
致:B發展有限公司(Companhia de Desenvolvimento B, Limitada.)
聯絡地址:XXX
(南灣湖A區6號地段大廈其中3個商場單位之承諾買家)
敬啟者:
關於復建南灣湖A區6號地段大廈的函件
事緣負責承建本公司上述大廈建築工程的原總承判商,於十多年前因受到當時世界金融危機的影響,並欠下各分判商巨額工程費,其負責人亦已不知所踪,故令該建築中的樓宇被迫於1997年停工。
上述情況之發生不是本公司所希望發生的,亦不是本公司可以控制得到的。同時,由於有關大廈建築工程已停頓十多年,所有已存在之機電設備及用料均不能被使用,需重新更換有關之機電設備及所有用料,否則,當有關之樓宇建成後亦成各位之負擔。
本公司現時的股東經過詳細的研究,對復建上述大廈作初步的成本估算;計復建工程費總開支預算需約為港幣2.76億元,連同須補償給地盤各原分判商之離場補償費約港幣1.5億元,總成本合共約港幣4.26億元,根據圖則計算,大廈的總建築面積為462,401平方呎,即每平呎建築面積的造價平均約為HK$921元,相比十多年前每平方呎建築費約HK$216元,平均每平方呎增加了約HK$705元(停車場增加HK$649元/呎2、地舖增加HK$1,649元/呎2、商場增加HK$849元/呎2、寫字樓增加HK$649元/呎2)。
因此,若要求本公司按現時情況復建上述大廈而需支付這麼多的額外金錢,明顯是違反了善意原則,況且,需要本公司額外付出這樣多之金錢應超越了本公司訂立合同所應承受之風險。
然而,若不復建上述大廈,已簽立了承諾合同之買家所承諾購買的單位則交樓遙遙無期。故本公司全體新股東為著保障各人之利益,均決定復建上址大廈。茲經過多月來艱辛的努力,終於在2010年初與各家原分判商達成和解協議,順利地收回上址地盤並隨即進行籌備可能復建的工作。
本公司初步預計,此項復建工程可於2012年內完成全部工程。至於建築工程所涉及的各項機電設備及用料等,鑒於有關大廈建築工程已停頓十多年,所有已存在之機電設備及用料均不能被使用,需重新更換有關之機電設備及用料。因此,本公司認為有關樓宇在其品質及選材方面均須配合現時商業樓宇的要求,方能迎合市場步伐及造就高質素之物業。當樓宇建成後,本公司預計有關物業所增長的價值,亦必定大大超越當時的價格(見以下附表)。
復建後與十多年前的物業價格比對如下:
種類
1995年價格
2012年預算價格
增值預計
地舖
8,000/呎2
30,000/呎2
↑22,000/呎2
商場
2,000/呎2
5,000/呎2
↑3,000/呎2
寫字樓
1,800/呎2
4,000/呎2
↑2,200/呎2
基於以上各種原因,謹特函通知上述大廈全部的承諾買方知悉,本公司打算取得 台端的同意按衡平原則,以 貴公司所購商場單位建築面積的比例承擔相應之增加工程費(每平方呎增加HK$849元)。為此,現為產生適當之法律效力,敬請於本函發出日期起計之十五(15)天內賜予意見及回覆,並請填妥本函附件之《回條》寄回/傳真給本公司為盼。倘日期屆滿而本公司仍未收到 台端的回覆時,將視為 台端已同意按衡平原則接受承擔相應之增加工程費,屆時經過收集及統計後,所得之結果,如同意者所佔之建築面積超過全部承諾買家所佔建築面積之50%,則本公司將按照本函所述予以執行。有關按衡平原則而增加工程費用將會於有關之樓宇建成後(取得入伙紙前)向 台端收取,祈為知照。
耑此,順頌
台祺
A置業發展股份有限公司 啟
2012年6月1日
Ora, verificamos que este documento também não foi devidamente valorado pelo Tribunal a quo.
Antes de mais, importa destacar os pontos mais importantes trazidos por esta carta:
- Foram invocados motivos de paragem das obras de construção do Edifício (crise económica da Ásia; litígio entre o empreiteiro geral e os subempreiteiros, por aquele devia a este últimos quantias resultantes da execução das obras; a fuga do empreiteiro geral…etc) e as razões que determinaram a retoma das obras de (re)construção;
- Foram apresentadas as razões porque é que aos promitentes-compradores era exigido o suporte de custos de construção adicionais à luz do critério de equidade;
- Foi dado um prazo de 15 dias para responder, valendo o silencio como concordância com a proposta referida na carta em causa.
Pela vista, tal carta, datada de 01/06/2012, não foi impugnada pela Autora/Recorrida, pelo contrário, ela veio a manifestar a sua concordância conforme o teor de fls. 187 e 188 (matéria que veremos mais adiante), o que nos permite tirar a conclusão de que ela, Autora/Recorrida, percebeu claramente o conteúdo da carta. Dúvida não sobra neste ponto.
Nesta óptica, importa saber o que aconteceu quando a destinatária recebeu tal carta, no caso concreto, recebida pela Recorrida/Autora? É matéria assaz importante para esclarecer a posição dela e para resolver o litígio entre elas. Sobre este ponto veremos mais adiante. Para já, arrumamos a resposta que devia dar ao quesito 5º em análise.
A fim de suprir a deficiência verificada, a resposta do quesito 5º passa a ser:
Em 1 de Junho de 2012, a Ré comunicou à Autora o escrito constante de fls. 184 a 185 que aqui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
*
Do mesmo modo, verifica-se também uma deficiência na resposta dada ao quesito 6º, que consignou os seguintes termos:
- A Autora recusou-se a proceder a esse pagamento (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
Efectivamente estes factos foram alegados pela Recorrente/Ré na contestação (artigo 20º a 22º - fls. 119) e a Recorrida/Autora veio a impugná-los mediante os artigos 1º a 9º da réplica (fls. 204 a 205/verso).
De facto, a Recorrida recusou-se a proceder ao pagamento de preços adicionais, com fundamento de que os contratos-promessa não previam tal possibilidade de ajuste de preço.
Neste ponto, verifica-se um outro documento que também não foi devidamente valorado pelo Tribunal a quo. Estamos a referir-nos ao documento de fls. 187 a 188 (na parte anterior já transcrevemos por scan), que é o modelo de resposta a dar-se à carta acima referida, concordando com a proposta de suporte de custos adicionais de construção do Edifício em causa. Tal documento tem o seguinte teor e nele foi aposto carimbo da Autora/Ré, em que aceitou o pagamento de custos de construção adicionais:
《回條》
【請於2012年6月16日前寄回/傳真至(853)28550200】
本人/本公司B發展有限公司(Companhia de Desenvolvimento B, Limitada.)作為澳門南灣湖A6地段興建中大廈其中3個商場單位的預約購買人,現聲明同意上述函件的內容及同意支付上述增加的工程費,此同意作為預約買賣樓宇合同的一部份。
(aposto o carimbo da Recorrida/Autora)
B發展有限公司(Companhia de Desenvolvimento B, Limitada.)
日期:14/06/2012 (escrito à mão)
A própria resposta menciona expressamente que tal proposta faz parte do contrato-promessa anteriormente celebrado.
Ora, nesta matéria, é de recordar o artigo 388º (Convenções contra o conteúdo de documentos ou além dele) do CC que dispõe:
1. É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 367.º a 373.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.
2. A proibição do número anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.
3. O disposto nos números anteriores não é aplicável a terceiros.
Como está em causa um documento particular, temos de recorrer ao normativo do artigo 370º (Força probatória) do CCM, que estipula:
1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
3. Se o documento contiver notas marginais, palavras entrelinhadas, rasuras, emendas ou outros vícios externos, sem a devida ressalva, cabe ao julgador fixar livremente a medida em que esses vícios excluem ou reduzem a força probatória do documento.
Não foi levantada por nenhuma das partes a falsidade do documento em causa, e como tal por força do disposto no artigo 434º do CPC, tal constitui prova adquirida.
Pelo que, tendo em conta os dados constantes dos autos, nomeadamente o documento de fls.187 a 188, que não foi impugnado, deve admitir-se como verdadeiro o teor das declarações constantes desse mesmo documento.
O que demonstra que a Recorrida/Autora tinha aceite o pagamento de custos adicionais de construção, só depois veio a tomar uma atitude contrária à posição anteriormente assumida, recusando de pagar os preços exigidos.
A fim de documentar objectivamente esta realidade fáctica, a resposta do quesito 6º deve ser dada da seguinte forma:
- A Autora recusou-se a proceder a esse pagamento, não obstante ter manifestado para a Ré a sua declaração constante de fls. 187 a 188, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
Pelo que, ficam assim supridas as deficiências verificadas nas respostas dadas aos quesitos acima mencionados.
*
Passemos a conhecer de outras questões.
2ª questão: Interpretação da cláusula 2.2 dos contratos-promessa e eventual resolução dos mesmos
Toda a discussão neste ponto concentra-se na interpretação do sentido da cláusula 2.2 dos contratos-promessa em causa, matéria que forçosamente está indexada ao regime de execução específica.
O regime de execução específica consta do artigo 820º (Contrato-promessa) do CCM que estipula:
1. Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida.
2. Para efeitos do número anterior, a simples existência de sinal prestado no contrato-promessa, ou a fixação de pena para o caso do não cumprimento deste, não é entendida como convenção em contrário e, ainda que tenha havido convenção em contrário, o promitente-adquirente, relativamente a promessa de transmissão ou constituição onerosas de direito real sobre prédio ou fracção autónoma dele, goza do direito à execução específica, contanto que tenha havido a seu favor tradição da coisa objecto do contrato.
3. A requerimento do faltoso, a sentença que produza os efeitos da sua declaração negocial pode ordenar a modificação do contrato nos termos do artigo 431.º
4. Tratando-se de promessa, sujeita a execução específica, relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre prédio, ou fracção autónoma dele, sobre que recaia hipoteca, pode o promitente-adquirente, para o efeito de expurgação da hipoteca, requerer que a sentença referida no n.º 1 condene também o promitente faltoso a entregar-lhe o montante do débito garantido, ou o valor nele correspondente à fracção objecto do contrato, e dos juros respectivos, vencidos e vincendos, até integral pagamento.
5. O disposto no número anterior só se aplica, porém, se:
a) A hipoteca tiver sido constituída posteriormente à celebração da promessa;
b) A hipoteca tiver sido constituída para garantia de um débito do promitente faltoso a terceiro, pelo qual o promitente-adquirente não seja corresponsável; e
c) A extinção da hipoteca não preceder a mencionada transmissão ou constituição, nem coincidir com esta.
6. Tratando-se de contrato em que ao obrigado seja lícito invocar a excepção de não cumprimento, a acção improcede, se o requerente não consignar em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado pelo tribunal.
Ora, importa sublinhar algumas ideias basilares a propósito do regime de execução específica:
1) – Em face da redacção do artigo 820º do CCM acima transcrita, não se pode afirmar que o direito à execução específica é um DIREITO ABSOLUTO para o promitente-comprador! Ideia que, parece, é defendida pela Recorrida/Autora;
2) – Também não corresponde à verdade a afirmação produzida pelo ilustre mandatário da Recorrida/Autora, defendendo que na falta de convenção EXPRESSA em contrário – vidé fls. 208 a 209 dos autos -, o legislador nunca utiliza a palavra EXPRESSA! O que significa que o contrário tanto pode resultar da convenção expressa ou da tácita. Aqui pode surgir uma questão da interpretação da vontade das partes, objectivamente captada com base nos termos devidamente consignados nos documentos. Parece que é o caso dos autos.
3) – Nesta óptica, importa ver, de seguida, o que o contrato-promessa em causa consignou. A clásula 2.2 do acordo contem o seguinte teor:
Depois de assinado o presente contrato, se a Parte A não pretender vender, indemnizará à Parte B o dobro do sinal.
Pergunta-se, que utilidade é que tal cláusula pode resultar? Colocando-se a questão noutros termos: quando as partes apuseram tal cláusula, que efeitos é que elas pretendem obter através ela?
Ora, um dos objectivos é justamente para afastar a execução específica, senão não faria sentido inserir tal cláusula no contrato-promessa.
É uma cláusula que tutela preponderantemente o interesse da promitente-vendedora? É efectivamente. Mas porque é que a Recorrida/Autora assinou?! Uma vez aceite, tem de aceitar as consequências respectivas. Atenção, estamos perante negócios privados, em que as partes estão em pé de igualdade para negociar e transaccionar. A Recorrida/Autora poderia não aceitar tal negócio.
Rematada esta questão, passemos a ver se os contratos-promessa foram efectivamente resolvidos!
A Recorrente entendeu que por notificação judicial feita em 22/05/2014, os contratos já estavam resolvidos, por se verificarem os requisitos legalmente exigidos. Ou seja, os factos assentes confirmam:
10. Em 22/05/2014 a Ré requereu a notificação judicial avulsa da Autora para efeitos de declaração da resolução dos três Contratos-promessa - cfr. os documentos constantes de fls. 79 a 83, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea G) dos factos assentes)
11. Em 05/06/2014, a Autora respondeu à declaração resolutiva dizendo à Ré que ela não dispunha de fundamento legal para resolver os Contratos-Promessa (ponto 1);que ela não concordava nem aceitava tal resolução (ponto 2); que ela se recusava a aceitar a indemnização ali proposta (ponto 3); que ela completasse as obras em curso e ultimasse os procedimentos notariais após receber esta carta (ponto 4) e que, por último, tratasse da marcação da data da assinatura da escritura de compra e venda das Fracções o mais rápido possível - cfr. o documento constante de fls. 281, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea H) dos factos assentes)
Ora, no procedimento de notificação judicial avulsa, é irrelevante a resposta da notificada, pois não se devem discutir as questões de mérito face ao artigo 209º (Inadmissibilidade de oposição às notificações avulsas) do CPC que dispõe:
1. As notificações avulsas não admitem oposição alguma e os direitos do notificado contra o requerente da notificação só podem fazer-se valer nas acções competentes.
2. Do despacho de indeferimento da notificação cabe recurso ordinário, mas só até ao Tribunal de Segunda Instância.
Pois, ao apreciar o requerimento de notificação judicial avulsa, o juiz só tem de verificar a sua regularidade formal e de curar de saber se o direito existe abstractamente na lei.
Nestes termos a questão de saber se tais contratos-promessa foram validamente resolvidos ou não, deve ser discutida nestes autos.
Neste ponto, o Tribunal a quo afirmou:
Cláusula resolutiva
Argumenta a Ré que as partes têm estipulado convenção que confere ao promitente-vendedor a faculdade de resolver, unilateralmente, os contratos, justificando que os preços da venda das fracções autónomas em causa eram fixados abaixo do valor do mercado e com a previsão da possibilidade de correcção do preço em função do aumento dos custos de construção, não obstante, a Autora recusou peremptoriamente o pagamento dos montantes adicionais, perante a atitude da Autora, a Ré declarou, no exercício dessa faculdade, a vontade da resolução dos contratos por via da notificação judicial avulsa da Autora, tendo esta sido notificada, entendendo que os três contratos-promessa já se encontraram resolvidos.
Para saber se os contratos em causa ainda poderão produzir efeito em relação aos contraentes, urge aquilatar se a resolução alegada pela Ré é validamente efectuada, isto é, se as eontraentes estipularam, realmente, a cláusula resolutiva, tal como alegou a Ré.
A resolução é uma declaração unilateral recipienda ou receptícia pela qual uma das partes, dirigindo-se à outra, põe termo ao negócio retroactivamente, destruindo assim a relação contratual.2
Dispõe-se o nº1 do art°426° do C.C., que “É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção.”
A resolução legal pressupõe o não cumprimento definitivo. São casos comuns de não cumprimento a impossibilidade culposa, incumprimento definitivo ou incumprimento definitivo oriundo da conversão da situação da mora.
Outra base legal da resolução do contrato é a existência de cláusula resolutiva expressa, através do qual as partes podem reservar a faculdade de revogar o contrato, normalmente quando certa e determinada obrigação não seja cumprida ou determinadas circunstancias não se ocorrerem conforme o estipulado contratualmente,
No caso em apreço, foi invocada pela Ré como causa legítima da resolução a existência de convenção resolutiva, que é a cláusula 2.2. inserida nos três contratos.
Vejamos se a tal convenção confere, efectivamente, a faculdade ao promitente-vendedor o direito de desvincular a relação obrigacional estabelecida.
Segundo o regime jurídico do contrato-promessa actual, a lei confere ao promitente-comprador o direito de execução específica dos contratos-promessa, independentemente da existência ou não do sinal. O contrato-promessa é, em regra, vinculado para o promitente-vendedor, o exercício do chamado direito ao arrependimento ou o afastamento da execução específica só é permitido no caso de haver convenção expressa.
Decide-se o T.S.I., a propósito dum caso semelhante, mas o promitente-vendedor pretendeu a resolução o contrato-promessa por sua iniciativa com base no cumprimento imputável a si própria, “Pois no fundo, a nossa lei, na falta de convenção expressa em contrário, não quis conferir incondicionalmente ao promitente vendedor o chamado “direito ao arrependimento”, e mas sim impõe que o exercício desse direito fique condicionado pelo não exercício por parte do promitente comprador do direito a recorrer à execução especifica, o que se justifica pela necessidade de evitar, ou pelo menos reduzir a verificação de “situações imorais na prática do contrato-promessa, estimuladas pela desvalorização monetária e pelo próprio acréscimo efectivo do valor dos bens” (cfr. Acórdão do T.S.I., nº1002/2015, 17/03/2016)
Portanto, se o contrato-promessa for conceituado como meio de vinculação insusceptível de revogação unilateral, salvo convenção em contrária das partes. Essa convenção estipulada pelas partes para afastar a regra geral tem que ser clara, com a manifestação inequívoca da vontade das partes de conferir ao promitente vendedor o direito de resolver o contrato.
Consta da cláusula 2.2 o seguinte teor: “簽立本合約後,如甲方放棄賣出,則以雙倍訂金賠償對方。” Significa em português que se a parte A não pretender ou desistir de vender, indemnizará à contraparte o dobro do sinal.
Da literalidade da cláusula se refere somente a consequência a advir para a promitente-vendedor se “não pretendeu ou desistiu de vender” após a celebração do contrato. O termo “não pretender vender” ou “desistir de vender” é um facto ou realidade, que poderá derivado de incumprimento, da impossibilidade ou de outra causa.
Não nos podemos olvidar que o que se salienta, nessa cláusula, mais não é a consequência para o promitente-vendedor se não querer honorar o seu compromisso. A sanção indemnizatória estipulada pelas partes, o dobro do sinal, é exactamente a que é prevista pela lei para o caso de incumprimento imputável ao promitente-vendedor. (art°436°, nº2 do C.C.) Não obstante de ser previsão legal, a estipulação expressa da consequência legal do incumprimento do contrato é uma prática não menos utilizada nos contratos-promessa de compra e venda relativa aos imóveis.
Portanto, o sentido dessa cláusula mais não é a estipulação da sanção indemnizatória para o promitente-vendedor no caso de não vender. A expressão “放棄賣出” refere-se somente ao não cumprimento por parte do promitente-vendedor. (sublinhado nosso)
Repara-se que não se constata nessa cláusula qualquer circunstância ou obrigação cuja verificação ou incumprimento importar a resolução do contrato.
No caso, o promitente-comprador já cumpriu a sua prestação, pagando a totalidade do preço ao promitente-vendedor no momento da celebração do contrato-promessa, em regra, só aguardará o promitente-vendedor a cumprir a sua obrigação de alienar. Nessas circunstâncias, não faria muito lógica que as partes conferiram ao promitente-vendedor e só a ele, o poder de manter ou pôr em termo o contrato. (sublinhado nosso)
Pois, se as partes quisessem mesmo a conferir apenas ao promitente-vendedor, a faculdade de revogar, com toda a liberdade e sem necessidade de qualquer causa, deveriam declarar expressa e inequivocamente essa vontade. O que não é o caso. (sublinhado nosso)
Nestes termos, não se acha que, por via dessa cláusula, as partes querem conferir ao promitente-vendedor a faculdade de revogar o contrato por sua iniciativa e à vontade.
Assim, na falta de estipulação expressa que confere ao promitente-vendedor, a faculdade de resolução do contrato, não se achamos que estamos perante uma cláusula resolutiva.
A referida cláusula também não tem qualquer sentido de afastamento da execução específica.
Não tendo a Ré o direito resolver os contratos-promessa unilateralmente e por sua iniciativa com base na cláusula invocada, considerando a ideia de que o direito ao arrependimento por parte do promitente-vendedor está condicionado com o não exercício da execução específica do promitente-comprador, a notificação judicial avulsa nunca poderá produzir o efeito de resolução dos contratos celebrados entre a Autora e a Ré.
Quid Juris?
Salvo o melhor respeito, não acompanhamos de todo em todo o raciocínio e argumentação do Tribunal a quo, visto que:
1) – O Tribunal a quo concluiu que a cláusula 2.2 do contrato-promessa não é uma cláusula resolutiva, nem tem por função afastar a execução específica, mas não chegou a nos diz o que ela é? Também não chegou a classificá-la como cláusula inválida (nula, por exemplo), nem abusiva! Subsiste a questão: o que ela é? Sendo certo que ela resulta da vontade das partes, nenhuma delas veio a impugná-la (referimo-nos apenas a este cláusula) e invocar fundamentos bastantes para afastar a sua aplicação!
2) – Não é irrelevante relembrarmos as passagens históricas dos factos pertinentes:
a) – Em 01/06/2012 a Recorrida/Autora respondeu à Recorrente/Ré nos termos constantes de fls. 187 e 188, aceitando o pagamento de custos adicionais de construção, concordando que este conteúdo passava a ser incorporado nos respectivos contratos-promessa. Repare-se, este documento foi apresentado pela Recorrente/Ré, que não foi impugnado pela parte contrária. O que determina a sua validade em termos de prova adquirida.
b) - Em 22/05/2014 foi pedida a notificação judicial avulsa, dirigida à Recorrida/Autora, declarando que os contratos-promessa foram resolvidos a partir da recepção da notificação;
c) – Em 05/06/2014 a Recorrida/Autora manifestou a sua discordância em relação à pretendida resolução dos contratos – fls. 281 dos autos;
O acima referido demonstra a modificação dos comportamentos da Recorrida/Autora, no 1º momento disse que sim, no 2º já declarou que não, recusando o pagamento de custos adicionais.
É de realçar que a redacção da cláusula em análise não é feliz, tanto pode ser entendida como uma cláusula resolutiva, como uma cláusula penal, mas o efeito é o mesmo: pôr termo à relação contratual.
Portanto, uma cláusula sui generis, numa leitura defensável, podemos classifica-la como uma cláusula de resgate atípica:
Cláusula de resgate ‒ existe quando as partes convencionam que o contrato seja revogável a arbítrio de uma ou de qualquer delas, sem ou com o pagamento de alguma prestação em alternativa (G. Telles, Manual dos Contratos em Geral, 349).
Cláusula de resgate ‒ consubstancia-se numa obrigação com faculdade de alternativa a favor do devedor. Distingue-se da cláusula penal visto não pressupor um acto ilícito; por isso, o credor só poderá exigir o cumprimento da prestação inicial ou a reparação dos prejuízos resultantes do não cumprimento, mas nunca a cláusula de resgate (Pessoa Jorge, Lições de Obrigações, 1966, 621).
Mesmo que assim não se entenda, parece-nos que, interpretada a vontade subjacente à cláusula em causa, inclinamos para classificar ela como cláusula resolutiva/revogatória. Aqui, evocamos os ensinamentos do Prof. Galvão Telles:
“Claro que, tratando-se de prestação de facto infungível, como a celebração do negócio prometido, e porque ninguém pode ser coagido a essa prestação («nemo potest cogi ad factum»), o contraente, na vigência do Código de 1867, podia sempre arrepender-se de facto, sujeitando-se à perda do sinal ou à sua restituição em dobro. E ainda hoje pode fazê-lo nos casos em que não haja execução específica, que conduzirá à emissão de uma sentença com valor igual ao do negócio omitido. A outra parte, impotente para conseguir a prestação a que tem jus (ou o seu sucedâneo judicial), não terá, na prática, outro remédio que não seja resolver o contrato e embolsar a correspondente indemnização, medida pelo valor do sinal. Mas aquele arrependimento não traduz o exercício de um direito, antes envolve a ofensa de um dever, constituindo ilícito sancionado pela referida indemnização.
Isto mostra que o sinal, como é delineado e regulado pela nossa legislação, quer pelo actual Código quer pelo de Seabra, corresponde ao que os antigos chamavam (e algumas legislações ainda chamam) arras confirmatórias, destinadas, como o nome diz, a confirmar e consolidar o contrato celebrado, sujeitando o inadimplente a uma indemnização predeterminada, de cobrança particularmente fácil para o que as recebe, pois se limita a fazê-las suas, retendo-as em seu poder.
Mas nada obsta, em princípio, a que as partes convencionem que alguma delas ou qualquer delas possa revogar, livremente, o contrato, tendo embora de pagar um preço por essa revogação. Existe então direito ao arrependimento: o interessado, abstendo-se de executar o contrato, não comete qualquer ilícito, uma vez que deixou de estar vinculado. Se se fizer entrega de alguma coisa e se estipular que essa coisa, em caso de arrependimento e portanto de revogação o contrato, funcionará como preço desta, teremos outra figura jurídica, distinta do sinal ou arras confirmatórias. A essa outra figura jurídica cabe a denominação tradicional de arras penitenciais. (sublinhado nosso)
Na linguagem jurídica portuguesa podemos chamar, pura e simplesmente, arras às penitenciais, uma vez que as outras, as confirmatórias, passaram a denominar-se sinal, designação profundamente enraizada nos nossos hábitos linguísticos.
q) Execução específica: noção — A falta de cumprimento do contrato-promessa3 está sujeita ao regime geral, a estudar oportunamente, da falta de cumprimento das obrigações. Mas a matéria oferece especialidades sobre que convém dizer aqui alguma coisa mais.
A particularidade principal introduzida pelo actual Código Civil, na esteira de legislações estrangeiras, consistiu em ter-se tornado possível, ao contrário do que acontecia em face do Código de 1867, a execução específica do contrato-promessa. Quer isto dizer que, se o promitente, na promessa unilateral, ou algum dos promitentes, na promessa bilateral, deixar de cumprir o contrato, poderá a outra parte, como diz a lei (art. 830.º, n.º 1), «obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso». A sentença, baseada em pedido da parte cujo direito foi ofendido, supre a manifestação de vontade da parte ofensora. Por outras palavras e mais adequadamente, fica a decisão judicial tendo valor igual ao do contrato prometido, cujos efeitos produz.
Assim, se A e B prometem reciprocamente vender e comprar determinado prédio pelo preço x, e um deles se recusa a cumprir, pode o outro pedir ao tribunal que profira sentença (constitutiva) que supra a declaração contratual do réu. Julgada procedente a acção, a sentença fica valendo como título de compra e venda e tem a mesma eficácia que teria a respectiva escritura pública (In Direito das Obrigações, 7ª edição, Coimbra Editora, pág. 132 a 134)
No mesmo sentido pronunciou-se o Prof. Menezes Cordeiro 4:
III. O actual Direito italiano distingue ainda o sinal confirmatório ‒ artigo 1385 do Código italiano ‒ do sinal penitencial ‒ artigo 1386: o primeiro não impede as partes de optar pelo regime geral da indemnização, no caso de inadimplemento; o segundo permite a qualquer das partes libertar-se do contrato, mediante o pagamento do valor do sinal ou a sua restituição em dobro.
O Direito português, porém, operou a junção das diversas figuras. Assim:
‒ o sinal tem uma dimensão confirmatório-penal, na medida em que dá consistência ao contrato e funciona como indemnização;
‒ o sinal tem uma dimensão penitencial quando funcione como “preço do arrependimento”, permitindo ao interessado resolver o contrato, mediante o pagamento do que resulte do próprio sinal.
IV. No âmbito do contrato-promessa, poder-se-á dizer que, quando as partes afastem a execução específica, o sinal é penitencial; na hipótese inversa, ele é confirmatório-penal, uma vez que não há “direito ao arrependimento”. O sinal confirmatório-penal tornou-se regra no âmbito da reforma de 1980, dada a natureza largamente imperativa que, então, o legislador emprestou à execução específica.
Aprofundando esta linha, RIBEIRO DE FARIA considera mesmo, embora com dúvida, que o sinal, quando não precluda a execução específica, permite ao “...contratante comprador optar por uma indemnização de perdas e danos computada nos termos legais genéricos”5.
V. Neste cenário, e em geral, dependerá da interpretação da vontade das partes o saber se um concreto sinal estipulado tem predominância confirmatório-penal ou predominância penitencial. No primeiro caso, as partes pretenderam ressarcir danos; no segundo, elas procuraram reservar-se a faculdade do recesso. No primeiro, há indemnização; no segundo, um preço.
O aprofundamento dogmático do sinal, quer nas suas ligações ao contrato-promessa ‒ onde assume um regime bastante diferenciado ‒ quer enquanto consequência do incumprimento, cabe ao Direito das obrigações.
187. A cláusula penal
I. Uma cláusula típica bastante frequente ‒ designadamente através de cláusulas contratuais gerais ‒ é a pena convencional ou cláusula penal. Nela as partes fixam, num momento prévio, as consequências do eventual incumprimento do negócio jurídico6.
De acordo com o artigo 809.º, ninguém pode renunciar previamente aos direitos que lhe assistam, mercê do incumprimento da outra parte. Trata-se dum afloramento da regra segundo a qual não se pode dispôr de bens futuros, patente no artigo 942.°/1. Deste modo, só são possíveis as obrigações naturais previstas na lei.
Todavia, os artigos 810.° e seguintes admitem que as partes fixem elas próprias, por convenção, as consequências do incumprimento7.
II. O artigo 810.°/1 parece limitar o âmbito da cláusula penal à fixação do montante da indemnização, A prática ‒ possível perante o artigo 405.° ‒ admite âmbitos mais vastos: os diversos campos do incumprimento podem ser contemplados. De todo o modo e por decorrência do artigo 809.º, teremos de exigir, à sanção convencional, um conteúdo efectivo, sob pena de mais não representar do que uma violação do artigo 809.°.
A cláusula penal está sujeita à forma e às formalidades exigidas para a obrigação principal ‒ artigo 810.°/2; além disso ‒ e de acordo com as regras gerais, reforçadas por se tratar duma cláusula acessória ‒, ela é nula quando nula seja essa mesma obrigação, segundo o referido preceito8.
No tocante ao funcionamento da cláusula penal, registou-se, no início da década de oitenta do século XX, uma curiosa instabilidade legislativa: os artigos 811.° e 812.° foram, sucessivamente, alterados pelos Decretos-Leis n.OS 200-C/80, de 24 de Junho e 262/83, de 16 de Junho9. Fundamentalmente, pelo seguinte: atravessou-se, nessa época, um período de inflação muito intensa; o legislador permitiu a subida das taxas de juros, mas de modo limitado; procurou evitar que as partes, através de cláusulas penais, agravassem tensões inflacionistas ou, mais simplesmente: impedissem a repercussão da inflação sobre os proprietários e os credores.
Assim, o artigo 811.º limita os direitos do credor: ele não pode exigir, cumulativamente ‒ e salvo mera mora ‒ o cumprimento coercivo da prestação principal e o pagamento da cláusula penal ‒ n.º 1; ele não pode exigir uma indemnização pelo dano excedente ‒ n.º 2; ele não pode exigir uma indemnização que exceda o prejuízo. Finalmente, o artigo 812.º permite a redução equitativa da cláusula penal: quando seja “manifestamente excessiva” e por decisão do tribunal.
III. A doutrina tradicional via na cláusula penal um instituto unitário e com uma função dupla: a de fixar antecipadamente a indemnização e a de incentivar o devedor ao cumprimento. A sua unidade tiraria especial relevância ao preciso escopo prosseguido pelas partes.
A evolução mais recente da doutrina e da jurisprudência, primeiro na Alemanha e, depois, noutros países, introduziu, contudo, uma distinção. Poderiam as partes, ao lado da pena convencional tradicional, estabelecer uma pura e simples liquidação antecipada da indemnização a que, eventualmente, pudesse haver lugar10.
Assim sendo, torna-se importante, perante uma determinada cláusula penal, apurar qual foi, precisamente, a vontade das partes: se estabelecer uma cláusula penal (estrita) ou se fixar a liquidação antecipada do dano (Schadensersatzpauschalierung). Vários aspectos do regime dependerão, depois, desta opção11.
Eis as ideias ilustrativas que valem, mutatis mutandis, para o ordenamento jurídico macaense.
Ou seja, por parte de quem o oferece, o sinal pode ser tido como arra confirmatória da vontade de cumprir o contrato-promessa e, consequentemente, o propósito de celebrar o contrato definitivo. É essa a consideração que usualmente se tem do sinal, entre nós. Mas, o sinal também pode ser tido como arra penitencial. Quer dizer, o promitente que oferece o sinal assume que caso não mantenha o interesse na celebração do negócio principal, porque desiste dele, ou porque se arrepende de o realizar, o perderá em favor do outro promitente. Esse arra penitencial funciona aí como indemnização, que pode coincidir total ou parcialmente com o valor do sinal entregue. Saber se o sinal tem uma ou outra função, isso depende do teor da cláusula que for inscrita no contrato-promessa.
Por parte de quem o recebe (o promitente comprador), é possível consignar, por convenção com a outra parte, que ela configure uma mera arra confirmatória. Nada dizendo sobre o assunto, e apenas ficando clausulado que como sinal e princípio de pagamento o promitente comprador entregou ao promitente vendedor determinado, essa entrega terá o valor de sinal confirmatório (isso resulta do artigo 436º/2 do CC).
Mas também é possível que ambos os promitentes consignem no contro-promessa que o promitente possa desistir, ou arrepender-se, de celebrar o contrato definitivo, pagando ao outro contraente uma determinada indemnização. Essa indemnização pode corresponder ao dobro do sinal recebido ou a qualquer outro valor, dentro do princípio da liberdade contratual. Neste caso, o accionamento de uma tal cláusula, livremente convencionada, não se confunde com o incumprimento propriamente dito por parte do promitente-vendedor, nem com o efeito que resulta da aplicação do art. 436º, nº2, do CC. É outra coisa diferente: é uma convenção em que as partes acordam que uma delas (promitente vendedor, v.g.) desista do negócio, comprometendo-se, então, a pagar a indemnização acordada.
Trata-se de uma cláusula que corresponde a uma “convenção em contrário” do que habitualmente resulta do contrato-promessa com entrega de sinal. Logo, assume-se como uma cláusula resolutória, ou revogatória, como lhe chama Inocêncio Galvão Teles, (in Direito das Obrigações, 7ª ed., pág. 132-133) e simultaneamente penal. Se o promitente vendedor se arrepender e desistir do negócio, não será obrigado a celebrá-lo; apenas terá que pagar a indemnização convencionada (será a convenção em contrário a que alude o artigo 820º/1 do CC), sem possibilidade, por exemplo, de o contraente fiel poder exigir a execução específica. Essa indemnização pode ter por referência o sinal entregue (neste caso, arras penitencial) ou outro valor qualquer e diferente livremente aceite por ambos.
Neste temos, as partes tanto podem convencionar dobro, triplo ou quádruplo sinal como indemnização pelo incumprimento da promessa, ou até poderiam convencionar que fosse uma outra fracção autónoma em substituição da mencionada nos respectivos contratos-promessa, em caso da não venda do imóvel identificado no primitivo contrato-promessa. Tudo isto é suficiente para demonstrar que eis um acordo das partes que deve ser respeitado.
Pelo que, entendemos que os contratos-promessa foram revogados com a notificação judicial avulsa, o que determina a procedência da reconvenção da Ré/Recorrente.
Pelo que, é de julgar procedente o recurso interposto pela Recorrente/Ré, revogando a decisão de primeira instância recorrida e declarando resolvidos os contratos-promessa em causa, e, consequentemente julgar improcedente o pedido principal da Recorrida/Autora
Como a Autora/Recorrida chegou a formular pedido subsidiário que não foi apreciado pelo Tribunal de primeira instância e também não dispomos de todos os elementos necessários à resolução desta questão, outra alternativa não haverá senão a de mandar baixar os autos ao Tribunal a quo para apreciar o respectivo pedido subsidiário em tempo formulado pela Autora/Recorrida.
Com esta decisão fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas neste recurso pelas partes.
*
Síntese conclusiva:
I – Inserida no contrato-promessa uma cláusula com o seguinte teor: depois de assinado o presente contrato, se a Parte A não pretender vender, indemnizará à Parte B o dobro do sinal, impõe-se ao Tribunal uma tarefa de interpretar a vontade das partes e de proceder à sua qualificação jurídica.
II – Se o Tribunal recorrido defendesse e como efectivamente defendia que tal cláusula não era uma cláusula resolutiva, nem ela tinha por função afastar a execução específica, devia ter, de seguida, procedido à sua qualificação jurídica, uma vez que o Tribunal a quo não chegou a declarar a invalidade da cláusula em causa (nulidade ou anulabilidade), nem a qualificou como uma cláusula abusiva, simplesmente desaplicou-a na resolução do caso, verifica-se, assim, um salto de raciocínio e uma “omissão de pronúncia” em sentido impróprio, pois desconhece-se a razão de desaplicar tal cláusula, que resultou da vontade das partes.
III – No que toca ao sinal, para quem o oferece, o sinal pode ser tido como arra confirmatória da vontade de cumprir o contrato-promessa e, consequentemente, o propósito de celebrar o contrato definitivo. É essa a consideração que usualmente se tem do sinal, entre nós. Mas, o sinal também pode ser tido como arra penitencial. Quer dizer, o promitente que oferece o sinal assume que, caso não mantenha o interesse na celebração do negócio principal, porque desiste dele, ou porque se arrepende de o realizar, o perderá em favor do outro promitente. Esse arra penitencial funciona aí como indemnização, que pode coincidir total ou parcialmente com o valor do sinal entregue. Saber se o sinal tem uma ou outra função, isso depende do teor da cláusula que for inscrita no contrato-promessa.
IV – Vista outra face da moeda, agora por parte de quem recebe o sinal (o promitente comprador), é possível consignar, por convenção com a outra parte, que ela configure uma mera arra confirmatória. Nada dizendo sobre o assunto, e apenas ficando clausulado que como sinal e princípio de pagamento o promitente comprador entregou ao promitente vendedor determinado, essa entrega terá o valor de sinal confirmatório (isso resulta do artigo 436º/2 do CC).
V – É perfeitamente possível que ambos os promitentes consignem no contro-promessa que o promitente possa desistir, ou arrepender-se, de celebrar o contrato definitivo, pagando ao outro contraente uma determinada indemnização. Essa indemnização pode corresponder ao dobro do sinal recebido ou a qualquer outro valor, dentro do princípio da liberdade contratual. Neste caso, o accionamento de uma tal cláusula, livremente convencionada, não se confunde com o incumprimento propriamente dito por parte do promitente-vendedor, nem com o efeito que resulta da aplicação do artigo 436º/2 do CC. É outra coisa diferente: é uma convenção em que as partes acordam que uma delas (promitente vendedor, v.g.) desista do negócio, comprometendo-se, então, a pagar a indemnização acordada. É o caso dos autos.
VI - Trata-se de uma cláusula que corresponde a uma “convenção em contrário” do que habitualmente resulta do contrato-promessa com entrega de sinal. Logo, assume-se como uma cláusula resolutória, ou revogatória, como lhe chama Inocêncio Galvão Teles (in Direito das Obrigações, 7ª ed., pág. 132-133) e simultaneamente penal. Se o promitente vendedor se arrepender e desistir do negócio, não será obrigado a celebrá-lo; apenas terá que pagar a indemnização convencionada (será a convenção em contrário a que alude o artigo 820º/1 do CC), sem possibilidade, por exemplo, de o contraente fiel poder exigir a execução específica. É justamente o caso sub judice.
VII – Nestes termos, é de entender que os contratos-promessa foram resolvidos pela Recorrente/Ré com base na cláusula acima citada mediante notificação judicial avulsa, o que determina a procedência da reconvenção da Ré/Recorrente.
VIII - Como a Autora/Recorrida chegou a formular pedido subsidiário que não foi apreciado pelo Tribunal de primeira instância e como neste momento não dispomos de todos os elementos necessários à resolução desta questão, outra alternativa não haverá senão a de mandar baixar os autos ao Tribunal a quo para este apreciar o respectivo pedido subsidiário em tempo formulado pela Autora/Recorrida.
*
Tudo analisado e visto, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao presente recurso, revogando a sentença de primeira instância recorrida e declarando resolvidos os contratos-promessa identificados nos autos com a notificação judicial avulsa.
*
Acordam igualmente em mandar os autos ao Tribunal a quo para este apreciar o pedido subsidiário formulado em tempo pela Autora/Recorrida, se outras circunstâncias impeditivas não existirem.
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Custas pela Recorrida nesta instância.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 4 de Abril de 2019.
Fong Man Chong
José Cândido de Pinho
Ho Wai Neng (com declaração de voto vencido)
Processo nº 327/2017
DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO
Salvo o devido respeito da posição maioritária da Conferência, entendo que a cláusula em causa não constitui numa cláusula resolutiva/revogatória nem cláusula de resgate, mas sim, tal como qualificada pelo Tribunal a quo, numa cláusula geral indemnizatória para o caso de incumprimento do contrato imputável ao promitente-vendedor, o que é uma prática não menos utilizada nos contratos-promessa de compra e venda de imóveis em Macau, não obstante já existir previsão legal para o mesmo efeito.
Assim, deveria conhecer das restantes questões suscitadas.
*
RAEM, aos 04 de Abril de 2019.
Ho Wai Neng
1 Pedro Pais e Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed. pg. 772.
2 Pedro Pais e Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed. pg. 772.
3 A falta de cumprimento do contrato-promessa não ocorre só pelo facto de o promitente ou um dos promitentes se recusar a celebrar o contrato prometido, mas também por deixar de satisfazer outra ou outras obrigações que haja assumido, como v.g. reforçar o sinal.
Há, no entanto, que distinguir entre o incumprimento da obrigação principal decorrente do contrato-promessa, ou seja, a obrigação de realizar o contrato prometido, e as obrigações secundárias convencionalmente assumidas pelas partes, como a citada obrigação de reforço do sinal. O exposto regime do sinal só é aplicável ao incumprimento da obrigação principal; o incumprimento das obrigações secundárias rege-se pelos princípios e disposições aplicáveis ao cumprimento das obrigações em geral.
4 In Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo I, 2ª ed., 2000, pág. 530 e seg.
5 JORGE RIBEIRO DE FARIA, Direito das Obrigações, 1.º vol. (1987), 274. Em nota, o Autor citado explica que a tanto não se opõe o artigo 442.º/4: este preceito apenas visa evitar a acumulação do sinal com a indemnização; não a opção por esta última ‒ idem, 274, nota 3.
6 Cf. STJ 17-Fev.-1998 (ARAGÃO SEIA), CJ/Supremo VI (1998) 1,70-72 (71), com indicações.
7 Na preparação dos competentes preceitos do Código Civil, foi decisivo o estudo de VAZ SERRA, Pena convencional, BMJ 67 (1957),185-245.
8 Esse mesmo preceito é aplicável, por analogia, aos demais vícios possíveis da obrigação principal: anulabilidade, invalidades mistas e ineficácia stricto sensu.
9 As diversas redacções, com comentários, podem ser confrontadas em PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. II, 3ª ed. (1986),75 ss..
10 KARL LARENZ, Lehrbuch des Schuldrechts, 14ª ed., 1.º vol. cit., 376 ss. e 383 ss..
11 PINTO MONTEIRO, Cláusula penal e indemnização cit., 757 ss. (as conclusões); com mais elementos vide, aí, 619 ss .. Cf. aplicações desta orientação em STJ 18-Nov.-1997 (CARDONA FERREIRA), BMJ 471 (1997), 380-386 (385) e em STJ 9-Fev.-1999 (LOPES PINTO), CJ/Supremo VII (1999) 1, 97-100 (98).
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