Proc. nº 378/2019
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)
Data: 23 de Maio de 2019
ASSUNTOS:
- Advogado
- Passagem de certidão
- Artº 15º do Estatuto do Advogado
SUMÁRIO:
- O artigo 15.º do Estatuto do Advogado não colide com o comando geral do artigo 67.º do Código do Procedimento Administrativo, na medida em que a circunstância de o advogado poder ter acesso a certidões sem necessidade de exibir procuração não significa que ele não tenha que demonstrar o interesse nos elementos a certificar, seja para si mesmo seja para o constituinte que ele representa.
O Relator,
Ho Wai Neng
Proc. nº 378/2019
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)
Data: 23 de Maio de 2019
Recorrente: A (Requerente)
Entidade Recorrida: Presidente do Tribunal Judicial de Base (Entidade Requerida)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 18/03/2019, o Tribunal Administrativo da RAEM julgou improcedentes os pedidos deduzidos pela Requerente A.
Dessa decisão, vem a Requerente interpor o presente recurso jurisdicional, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. O Tribunal Administrativo considerou que quem é capaz de exercer o mandato judicial deve "fornecer demais elementos a fim de se aferir se está em exercício puro da função de advocaia (...) para o órgão decisor excluir a hipótese de que o acesso fosse por razão caprichosa ou de mera curiosidade".
B. O Tribunal Administrativo decidiu ainda que a Recorrente "motivou o respectivo pedido de informação a mero título de "instrução de parecer jurídico", e veio depois esclarecer ser "para efeitos judiciais" ou "instrução de processo judicial", em termos muito abstractos e genéricos que se dificulta tecer alguma relação no exercício de profissão por força do comando geral previso no n.º 2 do artigo 117.º do CPC".
C. Os fundamentos dos despachos da Presidente do Tribunal Judicial de Base que recusaram o pedido da Recorrente de passagem de certidão (juntos aos autos) foram (i) a falta de indicação dos processos específicos, (ii) a cedência do direito de consulta à protecção de dados pessoais, (iii) a falta de interesse atendível, bem como (iv) a falta de procuração da sociedade visada.
D. A Recorrente é advogada em Macau, assinou o pedido de certidão enquanto advogada de Macau e referiu claramente que o pedido se destinava à instrução de acção judicial - fim que está intrinsecamente ligado ao exercício da advocacia.
E. Nenhuns outros elementos são exigidos pela norma do artigo 117.º, n.º 2 do Código de Processo Civil ("CPC"), nos termos da qual "A publicidade do processo implica o direito de exame dos autos na secretaria, nos termos da lei, e o direito de obtenção de cópias ou certidões de quaisquer peças nele incorporadas, pelas partes, por qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial ou por quem nisso revele interesse atendível".
F. A norma do n.º 1 do artigo 124.° do CPC, relativamente ao dever de passagem de certidões, também não exige outros elementos, estabelecendo que "A secretaria deve, sem precedência de despacho, passar as certidões de todos os termos e actos processuais que lhe sejam requeridas, oralmente ou por escrito, pelas partes no processo, por quem possa exercer o mandato judicial ou por quem revele interesse atendível em as obter".
G. A exigência de elementos adicionais à Recorrente para efeitos de obter uma certidão judicial e para demonstrar que o pedido não foi apresentado "por razão caprichosa ou de mera curiosidade" desvirtua completamente o disposto nas normas citadas do CPC e, inclusive, o Estatuto do Advogado (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31/91/M de 6 de Maio, republicado pelo Decreto-Lei n.º 42/95/M de 21 de Agosto) - o qual dispõe, no seu artigo 15.°, n.º 1, que "No exercício da sua profissão, o advogado pode solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como requerer verbalmente ou por escrito a passagem de certidões, sem necessidade de exibir procuração".
H. O advogado não tem o dever de indicar a finalidade da certidão requerida - pois a lei, à luz do princípio da publicidade, torna o processo acessível a "qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial'' ou ''por quem possa exercer o mandato judicial", referindo-se, naturalmente, aos advogados em exercício em Macau.
I. Ainda que se considerasse que o advogado tem o dever de indicar interesse atendível na obtenção de certidão, sempre se diria que a Recorrente indicou expressamente tal interesse - isto é, "instrução de acção judicial", fim que está intrinsecamente ligado ao exercício da advocacia.
J. Quanto à finalidade do pedido e ao interesse atendível, a respectiva indicação, ainda que não necessária, foi expressamente incluída no pedido de certidão da Recorrente.
K. A indicação dos processos concretos a incluir na certidão requerida é o objecto do pedido da Recorrente - a informação que a Presidente do Tribunal Judicial de Base refere que a Recorrente deveria ter indicado é precisamente a informação que a Recorrente requereu.
L. Resulta do exposto e das normas citadas, em particular do artigo 15.º, n.º 1, do Estatuto de Advogado, que qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial, ou seja, os advogados em exercício em Macau, podem obter certidões dos tribunais sem necessidade de exibir procuração, pelo que o advogado está dispensado da apresentação de procuração ao requerer o exame de quaisquer processos ou passagem de quaisquer certidões.
M. O artigo 6.º da Lei n.º 8/2005 (Lei da Protecção de Dados Pessoais), ao estabelecer as condições de legitimidade em que o tratamento de dados pode ser efectuado, dispõe que tal tratamento pode ser levado a cabo, não dependendo do consentimento do respectivo titular, nos seguintes casos:
"2) Cumprimento de obrigação legal a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito; (...)
5) Prossecução de interesses legítimos do responsável pelo tratamento ou de terceiro a quem os dados sejam comunicados, desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados".
N. A passagem de certidão pela Presidente do Tribunal Judicial de Base consubstancia o cumprimento de uma obrigação legal a que está sujeita; por outro lado, estão em causa interesses legítimos do terceiro a quem os dados devem ser comunicados (isto é, a Recorrente, cujos interesses legítimos, por actuar na qualidade de advogada, a lei presume), e não prevalecem os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados (os quais prevaleceriam nos termos do já referido art. 118.º do CPC, que o Tribunal a quo não invocou).
O. A Presidente do Tribunal Judicial de Base arguiu, em termos muitíssimo abstractos, a necessidade de contrabalançar o direito de acesso com a protecção de dados pessoais, consideração vaga e não fundamentada, sem citar qualquer norma expressa que limite o já referido princípio da publicidade e direito de acesso e sem referir, em particular, a existência de processos de carácter reservado, secreto ou que possam pôr em causa a eficácia de uma decisão judicial a proferir.
P. Sendo o objecto do requerimento da Recorrente a passagem de certidão relativa a processos instaurados por ou contra uma sociedade, essas situações que poderiam consubstanciar uma recusa de passagem de certidão são ainda mais limitadas pela natureza de pessoa colectiva, apenas se podendo conceber uma recusa com base na al. b) do artigo 118.º n.º 2 do CPC.
Q. O presente recurso deve ser julgado procedente e o despacho da Presidente do Tribunal Judicial de Base revogado por violação dos artigos 108.º, 117.º, n.º 1 e n.º 2 e 124.º do CPC, e ainda do artigo 15.º, n.º 1 do Estatuto dos Advogados.
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A Entidade Requerida respondeu à motivação do recurso da Recorrente nos termos constantes a fls. 121 a 129 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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O Ministério Público é de parecer pela improcedência do presente recurso, a saber:
“…
Em consonância com a brilhante inculca jurisprudencial no que diz respeito à delimitação objectiva de recurso jurisdicional (vide. Acórdão do TUI no Processo n.º22/2004, do TSI no Processo n.º98/2012 e, a nível do direito comparado, acórdão do STA no processo n.º039125), basta-nos indagar se a douta sentença recorrida tiver infringido os preceitos nos art.108º, n.º1 e n.º2 do art.117º e n.º1 do art.124º do CPC, bem como n.º1 do art.15º do Estatuto dos Advogados.
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1. Nos termos do disposto no n.º1 do art.108º do CPC, devem ser sempre fundamentadas as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo. Por seu lado, a alínea b) do n.º1 do art.571º deste Código comina nulidade à sentença que padeça da falta de fundamentação, traduzida em não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Perfilhando a jurisprudência mais autorizada segundo a qual só a falta absoluta de fundamentação da sentença, de facto ou de direito, constitui a nulidade a que se refere a alínea b) do n.º2 do art.571.º do CPC (cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º21/2004 e n.º1/2012), colhemos sossegadamente que a douta sentença está suficientemente fundamentada, por isso, não ofende o disposto no art.108º do CPC, a arguição neste sentido é descabida.
Na medida em que a recorrente arguiu a falta da fundamentação na petição e a MMª Juiz a quo decidiu não verificada tal arguição, ficamos obrigados a consignar aqui a nossa opinião de que não enferma da falta de fundamentação o despacho de recusa da MMª Juiz Presidente (cfr. fls.13 dos autos), e essa falta é irrelevante na acção para prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão. Vejamos o porquê.
Bem, interpretado em articulação com o despacho proferido pela MMª Presidente em 15/06/2018 (cfr. fls.15 dos autos), o despacho decretado pela mesma em 05/07/2018 permite suficientemente a recorrente a conhecer a razão subjacente à recusa do pedido da passagem de certidão, independentemente de ser acertada ou não essa razão. O que implica que a decisão da recusa do pedido da passagem de certidão não fere desta falta.
De outra banda, e para os devidos efeitos, convém sublinhar que no douto aresto de fls.62 a 66 dos autos, o Venerando TSI ordenou, e bem, a convolação do recurso contencioso em acção para a prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão, e determinou ainda a remessa para o T.A. para prosseguir os ulteriores trâmites.
A nosso ver, a disposição no n.º2 do art.112º do CPAC significa, de molde patente e concludente, que esta acção é de plena jurisdição. Além disso, vale destacar ainda que “não é um processo de tipo impugnativo, uma vez que nele não se colocam em causa vícios próprios dos actos administrativos (incompetência, falta de fundamentação, violação de lei, desvio de poder, etc.), mas sim de tipo injuntivo e intimatório, cujos pressupostos arrancam invariavelmente de um direito à informação. Ou seja, o objectivo da acção não é acometer de ilegal a inércia da Administração ou a sua expressa recusa nesta matéria, nem a missão do tribunal é declarar a invalidade desses silencia ou recusa, ainda que não possa deixar de os analisar enquanto fundamento para o próprio fundamento do pedido. O propósito é intimar a Administração a observar o direito à informação do autor.” (José Cândido de Pinho: Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso, Centro de Formação Jurídica e Judiciária 2018, Volume II, p.69)
A sensata doutrina supra aludida encoraja-nos a inferir que o factor determinante da procedência ou improcedência desta acção não reside na validade ou invalidade da decisão administrativa da recusa total ou parcial, mas sim em existir ou não o direito à informação peticionado pelo autor. Daí decorre que a matéria germinadora da invalidade do acto administrativo propriamente dito (inclusive ilegalidade, ilicitude e vícios de vontade do órgão administrativo), só por si, não constitui causa de pedir adequada na acção destinada ao garantir o direito à informação. Tudo isto implica que no caso sub judice, a ligeira insuficiência da fundamentação do sobredito despacho é inócua para o desfecho da acção.
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2. Note-se que no Requerimento entrado em 12/06/2018 no TJB (cfr. fls.14 dos autos), a recorrente requereu à sua MMª Juiz Presidente a passagem de certidão ainda que negativa, no sentido de que “se nesse Tribunal está pendente alguma acção para declaração de falência ou de dissolução, acção declarativa ou acção executiva intentada por ou contra a seguinte sociedade comercial”, arrogando só “para efeitos de instrução de parecer jurídico” e sem indicar a base legal da sua pretensão de passagem de certidão.
Óbvio é que a certidão pedida à MMª Presidente é completamente independente de qualquer processo concreto – pendente ou findo. Vale assinalar que na sua Exposição (cfr. fls.16 a 18 dos autos), a recorrente também não indicou algum processo concreto e, de outro lado, a referida certidão não visa a intentar acção, mas à “instrução de parecer jurídico”.
Com todo o respeito pela opinião diferente, o conteúdo do supramencionado Requerimento faz-nos entender que o mesmo não preenche os pressupostos dos quais depende imprescindivelmente a aplicação dos arts.117º a 124º do CPC, dado que estes preceitos legais se circunscrevem a regulamentar a publicidade e acesso ao processo judicial. Nesta linha de vista, entende-mos tranquilamente ser impecável a afirmação da MMª Juiz Presidente de que “… e artº117º do CPC visa apenas facilitar o acesso à informação sobre processos judiciais, com vista a procedimentos também eles judiciais uma vez que estes direito são conferidos tendo em vista o exercício do mandado judicial.” (vide. o despacho de fls.13 dos autos)
Na medida em que a certidão pretendida pela recorrente fica fora do alcance dos arts.117º a 124º do CPC e, consequentemente, lhe é ilegítimo socorrer aos direitos contemplados nestes comandos legais, não podemos deixar de colher que não ofende tais comandos a douta sentença atacada no recurso em apreço, no qual a MMª Juiz a quo julgou improcedente a acção por não se assistir o direito consignado nos arts.117º a 124º do CPC à ora recorrente, que foi então autora da acção.
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3. Dispõe o n.º1 do art.15º do Estatuto dos Advogados: No exercício da sua profissão, o advogado pode solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como requerer verbalmente ou por escrito a passagem de certidões, sem necessidade de exibir procuração.
Este preceito evidencia que pese embora os advogados fiquem dispensados ou isentos de exibir a procuração, o legislador não se esquece de estabelecer um pressuposto e um limite. Pois, enquanto sem exibir a procuração, os advogados não podem examinar os processos, livros ou documento que tenham carácter reservado, e cabe-lhes o ónus de alegar e provar convincentemente o efectivo exercício da profissão ao solicitar o supramencionado exame, sob pena de poder ser indeferido a pretensão do exame, não bastando a mera aparência da qualidade de advogado nem a vaga invocação dessa qualidade.
Na nossa modesta opinião, compreende-se facilmente a cautela e a preocupação do legislador: o benefício de “sem necessidade de exibir a procuração” previsto no n.º1 do art.15º não visa a pôr os advogados numa classe social privilegiada, mas tem por axiologia e objectivo facilitá-los a cumprir, com dignidade e conveniência, a missão de “servidor da justiça e do direito” (art.1.º, n.º1 do Código Deontológico homologado pelo Despacho n.º 121/GM/92).
Repare-se que sob o epígrafo de “Carácter reservado dos autos de falência”, o art.1046º do CPC prescreve peremptoriamente que os autos de falência não são públicos enquanto não for ouvido ou notificado o devedor, nem na parte que envolva segredo de justiça.
Ao abrigo deste art.1046º e atendendo ao texto integral do apontado Requerimento da recorrente (cfr. fls.13 dos autos), inclinamos a entender que o n.º1 do art.15º do Estatuto dos Advogados é insuficiente para sustentar o Requerimento da passagem de certidão apresentado pela recorrente, na medida que com a certidão pedida, ela solicitou, no fundo, informações que permitam saber se “está pendente alguma acção para declaração de falência ou de dissolução” duma determinada sociedade comercial denominada “Companhia de Telecomunicações de B, Limitada”. Daí flui que a douta sentença não infringe o art.15º do Estatuto dos Advogados.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso jurisdicional…”.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Factos
Foi assente a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
1. Em 12/06/2018, a Requerente apresentou junto da Entidade Requerida o requerimento da passagem de certidão, para efeitos de instrução de parecer jurídico, para lhe certificar se está pendente no T.J.B. alguma acção de declaração de falência ou de dissolução, acção declarativa ou executiva que fosse intentada por ou contra a “Companhia de Telecomunicações de B, Limitada” (cfr. fls. 14 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
2. Através do despacho proferido e datado de 15/06/2018, a Entidade Requerida determinou notificar a requerente para apresentar a procuração outorgada pela referida sociedade e indicar, em concreto, a consulta dos quais processos e a respectiva finalidade, no prazo de 10 dias (cfr. fls. 15 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
3. Em 04/07/2018, a Requerente apresentou junto do T.J.B. uma declaração em resposta ao solicitando no despacho supra mencionado (cfr. fls. 16 a 18 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
4. Pelo despacho datado de 05/07/2018, a Entidade Requerida decidiu manter o despacho anterior de 15/06/2018 (cfr. fls. 13 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
5. Em 19/07/2018, a Requerente apresentou via telecópia o requerimento inicial dos presentes autos junto do Tribunal de Segunda Instância (cfr. fls. 21 dos autos).
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III – Fundamentação
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
“…
Cumpre agora decidir.
No caso em apreço, a requerente veio requerer, na qualidade de advogada, junto do T.J.B. a passagem de certidão a fim de atestar se estivesse algum processo judicial pendente sobre uma determinada sociedade, até mesmo se não estivesse, para o invocado fim de instrução de parecer jurídico.
Foi oportunamente apreciado o referido pedido pela entidade requerida e proferiu o despacho seguinte:
“…A律師以需撰寫法律意見為由,向本院要求查找B電信有限公司有否以原告或被告的身份在本院牽涉包括宣告破產或解散在內的民事宣告之訴以及執行之訴的案件,並為此請求發出證明書。
按照澳門《民事訴訟法典》第117條第2款的規定,當中所體現的民事訴訟程序公開原則是旨在賦予當事人、任何可擔任訴訟代理人之人、具有應予考慮之利益之人有權依法在辦事處查閱卷宗,以及有權取得組成卷宗之任何文書之副本或證明。然而,該等權利的行使前提是要求有關利害關係人士在提出上指聲請之同時,必須明確指出其欲查閱或取得副本或證明的卷宗具體是哪個又或哪些,言即是要有具體所針對之標的“卷宗”。
基於A律師在其聲請中未有具體指明擬查找甚麼卷宗,為了在查閱資料的權利行使與個人資料保護兩者之間取得平衡,先著A律師儘快於十日期間內提交其獲上述公司賦權的授權書,以及具體指出查找之目的。
作出通知。…”
Na declaração complementar apresentada em resposta, a requerente veio pronunciar o seguinte:
“…1. No requerimento de passagem de certidão (o “Requerimento”), a Requerente indicou expressamente que o pedido, em concreto, era para efeitos judiciais, ou seja, destina-se à instrução de processo judicial - pelo que se ora esclarece que a indicação da finalidade da consulta já foi efectuada pela Requerente.
2. De todo o modo, refira-se que a indicação da finalidade da consulta não constitui requisito legal quando o pedido de certidão é efectuado por advogado no exercício das suas funções (como é o caso da Requerente), o que resulta dos artigos 117.º, n.º 2, e 124.º, n.º 1, ambos do CPC - que concedem acesso ao processo, nomeadamente através da passagem de certidões, a quem possa exercer o mandato judicial (isto é, aos advogados) ou a quem nisso revele interesse atendível (note-se o uso da conjunção disjuntiva “ou”, indicando um contraponto com o que lhe antecede).
3. Tal deve-se ao facto de o interesse do advogado ser inerente à sua qualidade profissional (e, por isso, constitui presunção inilidível nos termos dos referidos preceitos legais), que age, não em nome individual e directo, mas no interesse dos seus constituintes, ocupando ainda uma função de colaborador e servidor do Direito e da Justiça e tendo, naturalmente, um estatuto diverso dos cidadãos comuns quando age nessa qualidade.
4. A respeito da apresentação de procuração, atente-se no Estatuto do Advogado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31/91/M de 6 de Maio, republicado pelo Decreto-Lei n.º 42/95/M de 21 de Agosto, o qual dispõe no seu artigo 15.º, n.º 1 que “No exercício da sua profissão, o advogado pode solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como requerer verbalmente ou por escrito a passagem de certidões, sem necessidade de exibir procuração” (negrito e sublinhados nossos).
5. Sendo óbvio que, para os efeitos pretendidos, a Requerente não dispõe de procuração da sociedade visada.
6. Contudo, não carece a Requerente de apresentar procurações para que lhe seja facultada a certidão solicitada, encontrando-se a Requerente a actuar na qualidade de advogada no exercício de um direito e ao abrigo de uma garantia que a lei lhe confere para o cabal exercício da sua profissão (que, de resto, é essencial para a boa administração da justiça).
7. Mais se esclarece que a Requerente não solicitou informações sobre o conteúdo material dos processos (apenas uma informação genérica sobre a existência dos mesmos), pelo que a certidão requerida não é susceptível de revelar quaisquer dados que pudessem constituir elementos de carácter reservado, secreto ou que pudessem pôr em causa a eficácia de uma decisão judicial a proferir (as únicas causas em que, nos termos do disposto no artigo 118.º do CPC, devem prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados).
8. Importa ainda sublinhar que a Requerente tem vindo, ao longo dos anos, a apresentar requerimentos em tudo semelhantes ao Requerimento, tendo as suas pretensões sido atendidas sem apresentação de procuração ou de finalidades mais concretas que aquelas que a Requerente indicou - o que, de resto, decorre dos já referidos artigos 117.º, n.º 1 e n.º 2, e 124.º, n.º 1 do CPC, conjugados com o artigo 15.º, n.º 1 do Estatuto dos Advogados.
9. Por fim, refira-se que a invocação da protecção de dados pessoais não constitui, salvo o devido respeito, fundamento de recusa de comunicação dos dados à Requerente, porquanto o artigo 6.º da Lei n.º 8/2005 (Lei da Protecção de Dados Pessoais), não faz depender de consentimento do titular o tratamento de dados quando este se destina ao “cumprimento de obrigação legal a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito” (aI. 2)) ou ainda à “prossecução de interesses legítimos do responsável pelo tratamento ou de terceiro a quem os dados sejam comunicados, desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados” (al 5)).
10. Ora, por um lado, a passagem de certidão pelo Tribunal consubstancia o cumprimento de uma obrigação legal a que está sujeito; e por outro, estão em causa interesses legítimos do terceiro a quem os dados devem ser comunicados (isto é, a Requerente), cujos interesses legítimos, por actuar na qualidade de advogada, a lei presume), e não prevalecem os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados (os quais prevaleceriam nos termos do já referido art. 118.º do CPC, que o Tribunal não invocou).…”
A entidade requerida veio, em seguida, proferir o despacho em escrutínio:
“…Mantem-se o despacho proferido em 15/6/2018 nos seus precisos termos, uma vez que continua a não se identificar processo algum, nem a justificar de forma fundamentada o pedido, não se juntando procuração da pessoa colectiva visada e não se invoca interesse que se considere atendível, sendo certo, que o artº 15º do Estatuto do Advogado e o artº 117º do CPC visa apenas facilitar o acesso à informação sobre processos judiciais, com vista a procedimentos também eles judiciais uma vez que estes direitos são conferidos tendo em vista o exercício do mandato judicial.…”
Pese embora não consta uma decisão explícita no sentido de recusar a informação solicitada, considera-se já verificado a insatisfação do pedido de informação dado que demonstra, quer nos referidos despachos dirigidos à requerente quer na contestação apresentada, a satisfação do pedido fica dependente do fornecimento dos demais elementos comprovativos do legitimidade e interesse da requerente pela aquisição da informação solicitada. Desde já, os motivos invocados na resposta da desnecessidade de exibição da procuração outorgada e indicação concreta da finalidade de informação com apelo ao art.º 15.º do《Estatuto do Advogado》(aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31/91/M de 6 de Maio, republicado pelo Decreto-Lei n.º 42/95/M de 21 de Agosto) não foram aceites pela entidade requerida, ainda que não é posto expressamente em causa a informação requerida se respeita a matéria sujeita à confidencialidade ou intimidade das pessoas.
A questão abordada no que concerne ao acesso a informação de terceiros pelo advogado em exercício de funções com apelo à prerrogativa consagrada no art.º 15.º do 《Estatuto do Advogado》 tem-se objecto de análise jurisprudencial, entre outros, nos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, dos processos n.ºs 182/2013 de 23/05/2013, 214/2013 de 09/05/2013, 468/2017 de 27/07/2017 e 511/2017 de 13/07/2017.
Segundo os acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.ºs 182/2013 de 23/05/2013 e 511/2017 de 13/07/2017, entenderam que o advogado, enquanto tal, requerendo nessa qualidade, fazendo-o expressamente ao abrigo do artigo 15.º do《Estatuto do Advogado》, ainda que não munido de uma procuração, tem o direito a que lhe seja passada uma certidão, mesmo não indicando o fim a que a destina, desde que não se trate de matéria confidencial, secreta ou reservada.
Enquanto os acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.ºs 214/2013 de 09/05/2013 e 468/2017 de 27/07/2017, entenderam que o artigo 15.º do《Estatuto do Advogado》não colide com o comando geral do artigo 67.º do《Código do Procedimento Administrativo》, na medida em que a circunstância de o advogado poder ter acesso a certidões sem necessidade de exibir procuração não significa que ele não tenha que demonstrar o interesse nos elementos a certificar, seja para si mesmo seja para o constituinte que ele representa.
A divergência reside, pois, apenas em libertação absoluta ou não pelo advogado do ónus de demonstrar ter interesse directo e pessoal ao exercer o direito de informação de acordo com o previsto do art.º 67.º do Código do Procedimento Administrativo (C.P.A.). Não se pode deixar perfilhar a tese desenvolvida no douto Acórdão do Tribunal da Segunda Instância, do processo n.º 214/2013, o que não demostra ser plenamente diferente ao presente caso quando a requerente pretendia obter simplesmente dados dos processos juntos dos ficheiros informáticos dos tribunais cuja divulgação se rege pelo previsto nos art.ºs 117.º a 125.º do Código do Processo Civil (C.P.C.), ex vi do n.º 1 do art.º 108.º do C.P.A.C..
Segundo o princípio de publicidade dos processos consagrado no C.P.C., é facultado a qualquer pessoa (incluindo quem possa exercer o mandato judicial e quem nisso tiver interesse atendível, pois, terceiros que não são partes nem seus representantes) o acesso livre aos processos judiciais, pela consulta junto ou fora da secretária e obtenção de cópias ou certidões de qualquer peças neles incorporadas, ainda mesmo não é munido da procuração de alguma constituinte (cfr. art.º 117.º, n.º 2 e 119.º, n.º 1 e 2, do C.P.C.). A restrição ao seu acesso se rege pelo previsto no art.º 118.º do mesmo Código, caso “a divulgação do seu conteúdo possa ofender a dignidade das pessoas, a intimidade da vida privada ou os bons costumes, ou pôr em causa a eficácia da decisão a proferir”.
Na esteira da transparência dos processos judiciais, cabem então às secretarias fornecer informação precisa dos processos pendentes, providenciar para facultar a confiança do processo, e ainda passar as certidões de todos os termos e actos processuais que lhe sejam requeridas, oralmente ou por escrito (cfr. art.º 117.º, n.º 3, 119.º, n.º 3 e 124.º, n.º 1, do C.P.C.)
Desde modo, não se pode concluir os dados de identificação dos intervenientes processuais nem todas as matérias discutidas nos processos caem necessariamente em matéria de confidencialidade inerente salvo as excepções legalmente previstas. É de facto qualquer pessoa pode procurar informação através do website dos tribunais sobre a distribuição dos processos e realização de audiência com os dados pessoais das partes (com excepção das restrições legalmente previstas).
Neste sentido, parece que a informação relativa aos processos pendentes instaurados pela determinada sociedade ou a si contra, se encontrarem, não mostra ser, em termos genéricos, matéria sujeita ao sigilo ou confidencialidade salvo se verifique algum limite legal a isso, nos termos do art.º 118.º do C.P.C..
Todavia, salvo o devido respeito por entendimento diverso, a invocada qualidade de advogada não basta justificar alguém “capaz de exercer o mandato judicial ”.
Tal como se refere no citado acórdão, a satisfação dessa solicitação pelo advogado com apelo ao art.º 15.º do 《Estatuto do Advogado》carece da revelação de dois importantes requisitos: a) que tais documentos ou que a certidão não recaiam sobre elementos ou documentos, com carácter secreto ou reservado; b) que a solicitação perante o tribunal ou repartição pública esteja a ser feita “No exercício da sua profissão”.
Pese embora é reconhecido ao quem “capaz de exercer o mandato judicial” o acesso à informação dos processos judiciais, não lhe afasta da necessidade de fornecer demais elementos a fim de se aferir se está em exercício puro da função de advocacia, somente no momento não está pronto a apresentar comprovativo de algum mandato judicial, pelo menos, para o órgão decisor excluir a hipótese de que o acesso fosse por razão caprichosa ou de mera curiosidade.
No caso em apreço, a requerente motivou o respectivo pedido de informação a mero título de “instrução de parecer jurídico”, e veio depois esclarecer ser “para efeitos judiciais” ou “instrução de processo judicial”, em termos muito abstractos e genéricos que se dificulta tecer alguma relação no exercício de profissão por força do comando legal previsto no n.º 2 do art.º 117.º do C.P.C..
De outro lado, diz no n.º 4 do art.º 117.º do C.P.C. o seguinte: “Os mandatários judiciais podem ainda obter informação sobre o estado dos processos em que intervenham através de acesso aos ficheiros informáticos existentes nas secretarias.”
Conforme o citado estatuído, parece que é concedido acesso à informação sobre o estado dos processos pendentes às partes, seus representantes ou mandatários judiciais daquelas e os empregados destes, identificados nos termos do n.º 4 do art.º 111.º.
Pese embora a certidão a emitir, caso “positiva”, como se referiu pela requerente, viria revelar apenas o número dos processos pendentes, falta-la do direito para aceder aos dados constantes dos ficheiros informáticos dos tribunais. Concomitantemente, é difícil retirar da citada norma uma “permissão” para os tribunais emitirem certidão “negativa”, designadamente, para atestar o estado de qualquer pessoa nos ficheiros informáticos dos tribunais, como se consigna no regime de informação criminal previsto pelo Decreto-Lei n.º 27/96/M, de 3 de Junho.
Com efeito, não se vislumbra qualquer violação pela entidade requerida do direito à informação dos processos judiciais da requerente, pela negação da passagem da certidão requerida, nos termos dos n.ºs 1, 2 e 4 do art.º 117.º do C.P.C..
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A requerente invocou outro argumento para questionar a legalidade de recusa, de que a decisão não foi fundamentada tendo no passado atendido pedidos semelhantes e a presente recusa é incongruente com a prática adoptada pelo Tribunal Administrativo.
Segundo o n.º 2 do art.º 112.º do C.P.A.C.: “A decisão que conheça do pedido apenas o pode indeferir com fundamento nas razões que, nos termos do Código do Procedimento Administrativo ou de lei especial, permitem ao órgão administrativo recusar ou limitar a satisfação da pretensão do interessado.”
Parece óbvio que a presente acção tenta apenas reconhecer a titularidade do direito à informação do interessado, não é mesmo o meio próprio para sindicar a legalidade da decisão de recusa (cfr. art.º 20.º do C.P.A.C.). Para além disto, não é duvidoso que é devida apenas à interpretação diversa dada as normas em discussão a que levou outra(s) decisão(s) em favor da requerente, por isso não basta per si questionar a contradição dos fundamentos nem a violação dos princípios de boá fé e da confiança.
Para concluir, falta também do justificativo para a requerente recorrer à “regra de precedente”, em matéria do acesso aos processos, por não caindo em alguma actividade discricionária do decisor.
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Por tudo o que fica expendido e justificado, o Tribunal decide-se improceder os pedidos deduzidos pela requerente, absolvendo a entidade requerida nos termos dos n.ºs 1, 2 e 4 do art.º 117.º do C.P.C..
Custas pela requerente à taxa de justiça de 6UC.
Registe e notifique…”.
Trata-se duma decisão ajuizada e correcta, pelo que é de louvar a sentença recorrida, e ao abrigo do nº 5 do artº 631º do CPCM, ex vi do artº 1º do CPAC, é de negar provimento ao recurso com os fundamentos constantes na decisão impugnada.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pela Requerente, com taxa de justiça de 8UC.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 23 de Maio de 2019.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong Mai Man Ieng
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378/2019