Processo n.º 47/2019. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorrido: B.
Assunto: Frustração da citação por mandatário judicial.
Data do acórdão: 29 de Maio de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
Quando o mandatário judicial não logrou citar o réu no prazo de 30 dias, a que alude o n.º 2 do artigo 192.º, por na morada indicada como residência dele este não ter sido encontrado, dá conta do facto ao tribunal e procede-se à citação nos termos gerais, o que significa que deve ser tentado o procedimento regra para a citação, que é a citação pessoal, feita mediante entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 180.º do Código de Processo Civil, se ainda não tivesse sido tentada antes.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
A intentou acção de revisão e confirmação de sentença do exterior, proferida pelo High Court de Singapura, contra B, no Tribunal de Segunda Instância (TSI), que, por acórdão de 22 de Novembro de 2018, negou a revisão, com fundamento na não verificação do requisito da alínea e) do n.º 1 do artigo 1200.º do Código de Processo Civil: falta de citação regular do réu na acção do exterior.
Recorre, A para este Tribunal de Última Instância (TUI), defendendo que:
- A recorrente seguiu escrupulosamente o vertido em 191.º e 192.º do C.P.C.
- Frustrada esta citação pessoal há duas possibilidades, ou o citando se encontra ausente em parte certa ou em parte incerta, aplicando-se os artigos 189.º e 190.º, respectivamente.
- Uma vez que, o citando se encontrava em parte incerta, dúvidas não restam que se aplica o art. 190.º.
- Pelo que andou bem a recorrente e a sua Mandatária ao promoverem a citação edital do citando.
- O que veio a acontecer com a publicação dos anúncios nos dias 24 e 25 de Julho de 2017 no jornal em Língua Portuguesa PONTO FINAL e no jornal em Língua Chinesa VA KIO.
- Pelo que a citação do requerido seguiu todas as disposições da Código de Processo Civil de Macau, o que quer dizer que obedeceu à Order 11 rule 3 of Rules of Court of Singapore.
II – Os factos
Estão provados os seguintes factos:
- O Requerido é residente de Macau;
- Em 30/01/2012, a requerente concedeu empréstimo ao requerido, o qual não cumpriu o acordo estipulado entre ambas as partes, de ter liquidado a dívida;
- A Requerente posteriormente intentou acção no Tribunal de Singapura contra o Requerido, ele foi citado, porém não apresentou contestação;
- Segundo a sentença proferida pelo High Court de Singapura, o Requerido como réu foi condenado a pagar à Requerente o montante de SGD$1, 638,789.00, acrescidos de juros no valor de SGD$394,367.80 e as custas judiciais no montante de SGD$11,436,26;
- A Sentença transitou em julgado.
III – O Direito
1. As questões a resolver
Trata-se de saber se o réu foi regularmente citado na acção que correu termos no High Court de Singapura.
2. Frustração da citação por mandatário judicial
Na acção que correu termos no High Court de Singapura determinou-se a citação do réu residente em Macau por meio de mandatário judicial.
A advogada encarregada da citação não conseguiu localizar o Requerido, pelo que o Tribunal de Singapura aceitou o pedido da Requerente de proceder a citação do Requerido por edital, o que foi feito.
O réu não contestou acção, nem nela interveio.
Dispõe o parágrafo (3) da O. 11, r. 3 das Rules of Court, Chapter 322, Section 80, do Supreme Court of Judicature Act, de Singapura que:
(3) An originating process which is to be served out of Singapore need not be served personally on the person required to be served so long as it is served on him in accordance with the law of the country in which service is effected.
Cuja tradução será:
(3) A citação num processo que tenha de ser efectuada fora de Singapura não tem de ser realizada pessoalmente na pessoa em causa, desde que seja efectuada de acordo com a lei do país onde a citação é realizada.
Da interpretação desta norma parece resultar que a citação de pessoa, que tenha de ser feita fora de Singapura, é efectuada de acordo com a lei do país onde a citação é realizada.
A autora da acção, ora recorrente, não discute, nem a aplicação desta norma, nem a mencionada interpretação, efectuada pelo acórdão recorrido.
Defende apenas que a citação foi efectuada de acordo com os artigos 191.º e 192.º do Código de Processo Civil de Macau.
Vejamos, então, se a citação foi feita de acordo com as regras do Código de Processo Civil de Macau, que será o citado doravante.
Dispõem os artigos 191.º e 192.º do Código de Processo Civil:
Artigo 191.º
(Citação promovida pelo mandatário judicial)
1. À citação promovida pelo mandatário judicial é aplicável o regime do artigo 185.º, com as necessárias adaptações.
2. Seja qual for o local em que se encontre o citando, o mandatário judicial pode, na petição inicial, declarar o propósito de promover a citação por si, por outro mandatário judicial ou por via de pessoa identificada nos termos do n.º 4 do artigo 111.º; pode também requerer a promoção de tal diligência em momento ulterior, sempre que qualquer outra forma de citação se tenha frustrado.
3. A pessoa encarregada da diligência é identificada pelo mandatário, na petição inicial ou no requerimento, com expressa menção de que foi advertida dos seus deveres.
Artigo 192.º
(Regime e formalidades da citação promovida pelo mandatário judicial)
1. Os elementos a comunicar ao citando, nos termos do artigo 181.º, são especificados pelo próprio mandatário judicial, sendo a documentação do acto datada e assinada pela pessoa encarregada da citação.
2. Sempre que, por qualquer motivo, a citação não se mostre efectuada no prazo de 30 dias a contar da declaração ou do requerimento a que alude o n.º 2 do artigo anterior, o mandatário judicial dá conta do facto, procedendo-se à citação nos termos gerais.
3. O mandatário judicial é civilmente responsável pelas acções ou omissões culposamente praticadas pela pessoa encarregada de proceder à citação, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar e criminal que ao caso couber.
No caso dos autos não se logrou citar o réu no prazo de 30 dias, a que alude o n.º 2 do artigo 192.º.
A norma determina: “o mandatário judicial dá conta do facto, procedendo-se à citação nos termos gerais”.
Como explicam JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE1, proceder-se à citação nos termos gerais significa retomar o curso normal de citação, sob a égide da secretaria, desde o início, no caso de a citação pelo mandatário ter sido inicial.
Daqui resulta que o juiz, informado da não citação do réu por advogado, manda que se siga o procedimento regra da citação, se este procedimento ainda não tiver sido tentado.
Ora, o procedimento regra para a citação é a citação pessoal, que é feita mediante entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 180.º do Código de Processo Civil.
E, como no caso não seria possível a citação por funcionário de justiça (n.º 1 do artigo 185.º do Código de Processo Civil), se a citação por carta registada com aviso de recepção se tivesse frustrado e não se verificasse o condicionalismo do artigo 189.º, então passar-se-ia para citação edital, mediante prévio despacho do juiz de Singapura (n.º 1 do artigo 190.º do Código de Processo Civil),
Daí que tivesse de ser tentada a citação pelo correio, em carta registada com aviso de recepção.
Alega a recorrente que o envio de carta seria inútil, por o réu não ter sido encontrado por duas vezes na casa onde disse residir, tendo uma pessoa que aí se encontrava informado que ele não era conhecido lá.
Inútil ou não, a lei é para ser seguida.
No caso, passar-se logo para a citação edital tinha ainda um contra suplementar.
Se a acção corresse nos tribunais de Macau, antes de decidir a citação edital, a secretaria diligenciaria obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, podendo o juiz, quando o considerasse absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, solicitar informação às autoridades policiais (n.º 1 do artigo 190.º do Código de Processo Civil).
Ora, a secretaria judicial e o juiz de Singapura não poderiam recorrer a estas diligências.
Por outro lado, a citação por mandatário do autor não é efectuada por entidade independente das partes, como os serviços de Correios ou o funcionário judicial. Pelo que nunca se poderia passar para a citação edital com a mera informação do mandatário do autor, de que o paradeiro do réu era desconhecido.
A citação é o acto processual mais importante para a defesa do réu, pelo que deve ser rodeado de todas as cautelas.
Alega, ainda, a recorrente, que o mesmo Relator do TSI decidiu em sentido contrário noutro caso idêntico. Mas, não constituindo as decisões judiciais precedente em Macau, nada obstava a que o Tribunal decida em sentido contrário, se a decisão se impuser perante um exame mais atento.
Tendo-se empregado indevidamente a citação edital, há falta de citação, nos termos da alínea c) do artigo 141.º do Código de Processo Civil.
O recurso não merece provimento.
III – Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Macau, 29 de Maio de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
1 JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2014, vol. I, p.465.
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