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Processo n.º 628/2018
(Autos de recurso cível)

Data: 2/Maio/2019

Assuntos: Indemnização por danos não patrimoniais

SUMÁRIO
O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.


O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 628/2018
(Autos de recurso cível)

Data: 2/Maio/2019

Recorrente:
- A (Autora)

Recorrido:
- B (Réu)


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, Autora na acção declarativa sob forma ordinária que correu termos no Tribunal Judicial de Base, inconformada com a sentença que apenas arbitrou o montante da indemnização por danos não patrimoniais em MOP25.000,00, dela recorreu jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso é interposto da parte da sentença condenatória que fixou em MOP$25.000,00, o montante indemnizatório devido pelos danos morais sofridos.
2. Perante a factualidade relevante tida por provada, mormente, a seguinte:
“- 原告一向為人耿直,富有正義感,是次事件之發生,是由於其不服從被告濫收車資,於是其致電有關部門作出檢舉,致使被告知悉後下車向其施襲。
- 經過是次事件,原告變得非常膽小怕事,不敢再作出任何申張正義之行為,亦不敢與別人據理力爭,完全改變了其對實情的看法及價值觀。
- 被告施暴之行為,直接導致原告精神受到傷害及遭受困擾。
- 原告因此在心理上受到相當程度之創傷。”
3. Perante aquela factualidade provada, as profundas lesões ao seu equilíbrio emocional e sentimento de justiça, e as sequelas daí resultantes e que a acompanharão no futuro, o valor em causa peça por parcimónia em demasia.
3. Entendemos que o montante de MOP$25.000,00, não permite repor ou reconstituir a situação que existia se não tivesse verificado o evento de agressão, tal como exige a norma do artigo 556º do Código Civil, e não reflecte o respeito devido pelo juízo de equidade que deve nortear a fixação do montante indemnizatório a que se refere o artigo 489º, n.ºs 1 e 3 do Código Civil, que, assim, foram violadas.
4. Correctamente interpretando e aplicando as normas dos artigos 489º, n.º s 1 e 3 e do artigo 556º do Código Civil de Macau, deve o réu ser condenado a pagar à autora a quantia de MOP$100.000,00, pelos danos morais sofridos.
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Excia., deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, vindo o réu a ser condenado pelo pagamento da quantia de MOP$100.000,00, devido aos danos morais sofridos, mantendo-se o resto inalterada.
Assim se fazendo inteira e sã Justiça!”
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Devidamente notificado, não ofereceu o recorrido resposta ao recurso.
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Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
於2016年2月2日早上約10時50分,被告駕駛一輛車牌編號為MU-86-XX之的士在澳門路氹城邊檢站門外等待客人,原告到達該處並登上被告所駕駛之的士,但由於路程及收費問題雙方發生爭執。
期間,被告下車並登上的士後排乘客座位以右手襲擊原告的左邊臉頰。
被告的行為直接及必然地導致原告的左耳擦傷,經法醫鑑定需1天康復。
被告是在自由、自願和有意識的情況下,向原告施以襲擊,造成原告的身體完整性受到傷害。
被告為是次事件中之唯一過錯方。
事發當時被告以右手向原告左邊臉頰連續三次大力揮拳攻擊,以致原告左耳瘀腫及擦傷。
當被告向原告左邊臉頰第一次揮拳攻擊之時,已經將原告配帶的眼鏡打飛落在車箱之內。
原告當時已感到一陣暈眩,被告隨即再向原告左邊頭部連續揮拳兩下。
原告左邊臉頰隨即紅腫發熱,左邊臉頰、左耳及左邊後腦勺感到十分疼痛,當下痛楚及驚慌使其眼淚直流。
原告隨後轉乘另一輛計程車去氹仔警局報警,由警方陪同下到仁伯爵綜合醫院接受治療。
就上述左耳傷患,原告於受傷後前往仁伯爵綜合醫院接受治療,當天花費澳門幣66.00元。
事發後,原告左後腦會間歇性感到陣痛及酸痛之狀況,前往仁伯爵綜合醫院接受治療:
1. 於2017年1月12日,治療及藥物費用為澳門幣90.40元;
2. 於2017年1月23日,治療及藥物費用為澳門幣38.00元;
3. 於2017年2月11日,化驗及診金為澳門幣243.00元;
4. 於2017年2月15日,神經外科診金為澳門幣42.00元。
事發後第二天開始,原告的左耳位置逐漸開始出現大片紫黑色的瘀腫,輕輕一碰就會痛,該瘀腫約持續了八至十天才消散,然而左邊臉頰及左耳外框及耳內之疼痛感維持了約三星期。
原告每天對患處塗抹藥膏,每次塗抹時均感到十分疼痛。
期間,原告一直承受著傷患的疼痛。
此外,事發後原告左腦勺會間歇性感到陣痛及酸痛,左耳出現耳鳴症狀,此情況在事故發生前從未曾出現,直至現時為止此情況依然存在。
在事故發生後四至五個月,原告仍不時想起事發當天被打的情況,晚上經常難以入睡,更常發 “惡夢”,重複夢見事發的經過,導致其半夜驚醒,致使翌日精神欠佳。
每當這些日子,都會影響原告上班無法集中精神工作,於事發時,原告於澳門豐澤電器任職售貨員。更數次被客戶投訴其出售電器時忘記作出使用之說明。這種情況在本案發生前從未出現過。
原告因是次襲擊引致其對乘搭的士產生恐懼,在事故發生前,其外出多以的士代步; 但事故發生至今,其再沒有乘搭的士,因其害怕再遇到被告這樣的司機及襲擊,現時其出門均乘搭巴士,較花時間,對其生活造成了一定程度之不便。
現時,原告只在朋友陪同下才敢搭乘的士。
原告任職電器銷售員,工作範圍主要為向客戶介紹電子、電器產品,經常需與客戶面對面近距離傾談及接待。
由於大片紫黑色的瘀痕在左耳及散至臉頰位置,十分明顯; 期間,客戶經常向原告之左臉頰投以歧視及取笑之目光,使原告感到十分尷尬。
公司其他同事亦在工作及吃飯等閒暇時間竊竊私語討論其左臉頰瘀腫之狀況; 討論是由於她笨及反應遲鈍,才會被人攻擊而不懂得逃走,使其感到傷心難過。
原告為一個十分愛美的女性,平日十分注重儀容外觀,外出必定會化妝打扮。受傷期間臉上紫黑色的瘀痕在左耳及散至臉頰位置,十分明顯,因為需要使用藥膏,使原告無法化妝,面對自己醜陋的樣子,感到十分不開心。
在上述傷患康復期間,原告曾多次被客戶、同事、家人及朋友詢問其左耳廓位置的瘀腫 “為什麼這樣子?” 或詢問其是否與人打架?被男朋友打? 或向其投以奇異目光,使原告感到十分尷尬,傷心難過及自卑。同時,亦勾起其被襲的回憶。
當時待康復期間,約半個月時間,為避免上述尷尬狀況,其減少了與家人及朋友的見面。
原告一向為人耿直,富有正義感,是次事件之發生,是由於其不服從被告濫收車資,於是其致電有關部門作出檢舉,致使被告知悉後下車向其施襲。
經過是次事件,原告變得非常膽小怕事,不敢再作出任何申張正義之行為,亦不敢與別人據理力爭,完全改變了其對事情的看法及價值觀。
被告施暴之行為,直接導致原告精神受到傷害及遭受困擾。
原告因此在心理上受到相當程度之創傷。
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Dos danos não patrimoniais
A Autora pede para alterar o montante da indemnização fixado pelo Tribunal a quo, a título de dano não patrimonial.
No vertente caso, entende o Tribunal a quo ser adequado e razoável fixar uma indemnização na quantia de MOP25.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Entretanto, por parte da Autora, entende que esse valor deveria ser MOP100.000,00.
Vejamos.
A nossa lei (artigo 489.º do Código Civil) aceita a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, na medida em que os mesmos mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito.
Cabe, portanto, ao tribunal, em cada caso concreto, decidir se o dano é, ou não, merecedor de tutela jurídica.
Como observa Pires de Lima e Antunes Varela1, o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
A equidade deve ser a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, devendo o julgador ter em conta as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida (cfr., entre outros, o Ac. do STJ de 10/12/98, in CJ).
Segundo Mota Pinto, os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis; não podem ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização. Não se trata, portanto, de atribuir ao lesado um “preço de dor” ou um “preço de sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal.
Resulta do acima exposto que o juiz, em cumprimento da prescrição legal que o manda julgar de acordo com a equidade, irá atender a todos os factores expressamente referidos na lei, com vista a determinar, após a devida e cuidadosa ponderação, o valor pecuniário que considera justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais sofridos.
Além disso, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjectivismo, não se deve ignorar os padrões de indemnização adoptados na jurisprudência.
Sobre a questão tem este TSI entendido que “a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer”, “visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, “sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são montantes miserabilistas, não sendo igualmente de se proporcionar enriquecimentos ilegítimos ou injustificados” (cfr., v.g., Acórdãos nos Processos n.° 535/2010, 393/2012, etc.)
Pelo que convém ter em conta as recentes decisões deste TSI, na matéria atinente à determinação do valor de indemnização por dano não patrimonial.
Por Acórdão de 3.11.2011, no Processo-crime n.º 603/2011, o agente causou directamente ao ofendido, num acidente de viação, instabilidade da vértebra cervical, bem como contusões e escoriações dos tecidos moles do seu joelho direito, fazendo com que o ofendido sentisse dores e ansiedades, demandando trinta dias para recuperar, tendo o responsável sido condenado a pagar ao ofendido MOP80.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Por Acórdão de 13.12.2012, no Processo-crime n.º 840/2012, sobre um caso de ofensa simples à integridade física em que o ofendido foi agredido na cabeça com socos e pontapés, e que acabou por cair no chão sem sentidos, vindo a sofrer concussão cerebral, várias contusões e escoriações em todo corpo, fractura nas órbitas dos olhos, contusão nos bulhos oculares e fractura no 1° dente incisivo da maxila esquerda superior e na coroa do 1° dente molar da frente da maxila esquerda inferior, e internamento hospitalar de 29 de Julho a 18 de Agosto de 2007 no Hospital Kiang Wu para ser tratado, necessitando de sessenta dias para convalescer, entre os quais, os primeiros vinte dias perdeu a capacidade de trabalho, tendo o arguido sido condenado a pagar ao autor MOP220.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Num Acórdão mais recente (Processo n.º 471/2016, de 9.3.2017), também referente a um caso de acidente de viação em que o autor naquele processo, em consequência do acidente, sofreu fractura do metatarso do pé direito e diversas escoriações por todo o corpo e ferimento no pescoço, assim como dores, tendo-lhe sido fixada uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de MOP150.000,00.
Quanto ao nosso caso?
Deu como provado que a Autora foi agredida fisicamente pelo Réu, no momento em que ela pretendia pedir auxílio, por telefone, à Polícia, tendo a tal agressão causado à Autora equimoses, inchaços e escoriações na orelha esquerda, necessitando de oito a dez dias para recuperação, bem como dores no ouvido do lado esquerdo que mantiveram-se durante cerca de três semanas.
Além disso, provado ainda que, sendo a Autora vendedora de artigos electrónicos, as suas funções consistiam principalmente na apresentação de produtos electrónicos e eléctricos aos clientes, a grande nódoa negra deixada na zona da orelha esquerda e expandida até à face era bem visível, fazendo com que a Autora tivesse que ser sujeita a comentários por colegas de serviço, o que lhe fez sentir embaraço, tristeza e desprezo.
Mais, sendo uma senhora, naturalmente a fisionomia é muito importante, e provado ficou que ela se preocupava muito com a sua aparência e sempre saía com maquilhagem, durante o período em que tinha a nódoa negra na orelha esquerda e expandida até à face, estava muito triste porque tinha que pôr pomada, não podendo fazer maquilhagem, daí que muitas vezes nem saía.
Finalmente, também está provado que a agressão cometida pelo Réu causou perturbações psicológicas à Autora, sabendo que antes era uma pessoa corajosa e não se atrevia a lutar pela justiça, mas agora passou a ser uma pessoa tímida, jamais tem a ousadia de apresentar queixa contra quem quer que seja sobre situações ilegais e injustas.
Considerando todas as circunstâncias concretas acima descritas, sendo média a gravidade dos danos sofridos pela Autora em consequência da agressão, assim como a inflação ocorrida nos últimos anos, achamos justo e equilibrado fixar um montante de MOP70.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela mesma.
Destarte, há-de conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Autora.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Autora A e, em consequência, revogando a decisão recorrida quanto ao valor da indemnização por danos não patrimoniais, fixando-se essa indemnização em MOP70.000,00, acrescida de juros legais calculados de acordo com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 69/2010, do TUI.
Confirmando-se a sentença em tudo o mais decidido.
Custas pelas partes na proporção do respectivo vencimento.
Registe e notifique.
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RAEM, 2 de Maio de 2019
Tong Hio Fong


Não obstante a minha inteira concordância com o quantum de indemnização ora fixado neste Acórdão, entendo que é ilegal a presente acção civil em separado, ou pelo menos é materialmente incompetente o tribunal civil, nos termos da fundamentação nos Acórdãos de 17MAIO2012 e de 05MAIO2015, tirados nos processos nºs 176/2011 e 504/2015, respectivamente.

Ao que me limito a acrescentar que:

Por força do princípio da adesão obrigatória, não é legalmente admissível a acção civil em separado fora das situações previstas no artº 61º do CPP.

In casu, apesar de estarmos perante um crime semi-público, cujo procedimento depende da queixa, não é de afastar a aplicação do princípio da adesão obrigatória previsto no artº 60º do CPP.

Para nós, a correcta interpretação da alínea c) do nº 1 do artº 61º não pode deixar de ser feita em conjugação com o artº 60º e nº 2 do artº 61º.

Da conjugação dessas normas resulta que, no caso de crime semi-público, enquanto não tiver sido apresentada a queixa, a instauração de acção civil implica a renúncia ao direito de queixa, ao passo que, se tiver sido já apresentada a queixa, é de aplicar a regra geral da adesão obrigatória nos termos da qual o pedido só pode ser formulado no âmbito e nos termos do processo penal e que a sorte de uma eventual acção civil em separado instaurada no Tribunal civil é, de duas uma, ou liminarmente rejeitada por ser ilegal por infringir o princípio da adesão obrigatória consagrado no artº 60º, ou é oficiosamente remetida para o processo penal no Tribunal penal nos termos prescritos no artº 33º/1 do CPC.

Lai kin Hong
Fong Man Chong

1 Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., pág. 501
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