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Processo nº 1114/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 16 de Maio de 2019

ASSUNTO:
- Posse
- Usucapião

SUMÁRIO:
- Não tendo provado os elementos constitutivos da posse, nunca pode ter lugar a aquisição da propriedade por usucapião nem o reconhecimento da mera posse.
O Relator,
Ho Wai Neng










Processo nº 1114/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 16 de Maio de 2019
Recorrentes: A Limitada (representada pelos B e C) (Autora)
Administração dos Condóminos do Edifício D (em representação de alguns condóminos)
Recorridos: A Limitada (representada pelos B e C) (Autora)
Condóminos do Edifício D – Intervenientes Principais/Réus

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho saneador de 08/03/2017, julgou-se a Administração dos Condóminos do Edifício D não possuir poderes especiais de representação dos condóminos, e não sendo esse vício susceptível de sanação, dado que já estão em juízo os condóminos a actuar de per si, julgou-se igualmente inadmissível a contestação apresentada a fls. 678 a 690 dos autos.
Dessa decisão vem recorrer a Administração dos Condóminos do Edifício D, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O poder de contestar a presente acção de usucapião de uma parte comum do condomínio inscreve-se no poder mais vasto de propor acção sobre a propriedade dos parques de estacionamento do edifício, pelo que, por força do argumento a maiori ad minus, se deverá entender que a Recorrente também, inter alia, se encontra mandatada para contestar a presente em representação dos condóminos referidos na lista de fls. 696 a 698.
2. Por outro lado, ainda que o Tribunal a quo entendesse que a Recorrente não dispunha de poderes especiais de representação dos condóminos identificados na lista de fls. 696 a 698, tal reconduzir-se-ia a um vício de mera falta, insuficiência e/ou irregularidade do mandato sanável nos termos do disposto no artigo 82/2 ex vi do artigo 427.° n.º 1, al. a) do CPC.
3. Nesta conformidade e sem necessidade de outros desenvolvimentos, não devia a contestação de fls. 678 a 690 ter sido julgada inadmissível face ao disposto no artigo 427.° n.º 1, al. a) do CPC, devendo por isso revogar-se essa decisão, o que ora se requer, com as legais consequências.
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A Autora A Limitada respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 4868 a 4871 dos autos, cujo teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
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Por sentença de 16/04/2018, julgou-se a acção improcedente interposto pela Autora.
Dessa decisão vem recorrer a Autora, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. A apreciação feita pelo Mmº Juiz "A quo", relativamente à pretensão e aos pedidos formulados pela Autora, não teve em conta a realidade jurídica dos imóveis construídos com base em legislação especial, a qual regulamenta os Contratos de Desenvolvimento para Habitação.
B. Não basta dizer que a Autora não pode invocar o direito de propriedade por usucapião ou até mesmo o direito à mera posse, simplesmente porque já não detém em seu poder essas mesmas áreas de parques pertencentes ao edifício em questão.
C. A verdade é que, o imóvel em questão quer no seu todo quer apenas na parte correspondente aos parques automóveis, pertenceram quanto ao direito de propriedade à Autora, que foi quem construiu o referido imóvel.
D. A construção do imóvel foi feita como se referiu ao longo das presentes alegações ao abrigo do Decreto-Lei nº 124/84/M de 29 de Dezembro, e este diploma estabelece regras muito específicas quanto aos contratos de desenvolvimento.
Assim, a concessão dos terrenos para a construção do imóvel com base nos contratos de desenvolvimento atribuíam ao concessionário e construtor do edifício, o benefício de adquirir a propriedade das áreas construídas e comercializar por sua conta e responsabilidade os fogos do edifício em seu proveito próprio, mediante certas contrapartidas a dar à Administração do Território de Macau, nomeadamente uma percentagem de fogos construídos prontos a habitar e devolutos.
Os parques de estacionamento ficariam afectos em comum e de modo inseparável às fracções autónomas do edifício e constituíam desde o início, área constituída e propriedade do concessionário, considerando o seu pagamento efectuado pelas contrapartidas dadas ao Governo de Macau.
E. Assim sendo, os parques para estacionamento do edifício em questão, apenas poderiam ser geridos e administrados "ab initio", pela Autora na sua qualidade de concessionária e administradora de toda a área construída.
F. Esta situação jurídica e que regulamenta os Contratos de Desenvolvimento para Habitação veio mais tarde a sofrer alguma actualização e reformulação. No entanto, nesta matéria dos parques de estacionamento dos edifícios construídos com base nos contratos de desenvolvimento as regras implementadas também não permitiam a transformação dos parques comuns de estacionamento em fracções autónomas. Isto é, no artigo 14º do Decreto Lei nº 59/85/M de 29 de Junho, foram introduzidas regras muito específicas relativas aos parques para automóveis.
Assim, a construção de um parque de automóvel correspondia a 16 habitações de categoria A ou 12 habitações de Categoria B ou então 1 parque automóvel por cada 200 m2 de área bruta comercial do edifício.
No entanto, a gestão e administração de toda a área para estacionamento deveria ser feita em conjunto.
Pois este diploma não previa ainda a constituição em fracções autónomas da área destinada a parqueamento nos edifícios.
G. Posteriormente, o Decreto-Lei nº 13/93/M de 12 de Abril veio a introduzir a possibilidade das áreas de estacionamento poderem ser constituídas em fracções autónomas para serem vendidas a condóminos ou a terceiros, usando os condóminos do direito de preferência na aquisição, desde que exercessem esse direito no prazo de 30 dias.
H. Mas a verdade, é que à data da introdução deste diploma já existem muitos edifícios construídos com base na legislação aplicável aos contratos de desenvolvimento para habitação, nos quais a gestão e administração das áreas de parqueamento era feita desde o início da construção desses edifícios pela construtora concessionária, como é o caso da Autora.
I. A Autora deve assim ser considerada como legítima proprietária dos parques de estacionamento conforme o pedido que formulou na petição inicial, ou se assim não entender deve ser considerada como titular da mera posse da área do parque de estacionamento do edifício, e se assim não entender deve a Autora ser ressarcida das importâncias que despendeu na gestão e administração daqueles parques de estacionamento ao longo dos anos, a calcular a final em execução de sentença conforme formulou no seu pedido inicial.
J. Que no mínimo deverá entender-se que Autora, ora Recorrente, teve o direito de gerir e administrar o piso referente ao parque de estacionamento até 2011, data em que terminou o processo de comercialização de todo o prédio, deve entender-se que também deteve a posse ou mera posse das partes comuns, onde se situam os parques por ser sua legítima proprietária e por gerir e administrar directamente ou por interposta pessoa, esses mesmos espaços.
*
A Ré E respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 5479 a 5483v dos autos, cujo teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
a) O Edifício D foi construído sobre um terreno com a área de 2942 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXXX-A-I e XXXXX-A-II, sito na freguesia de Nossa Senhora de Fátima e objecto de Concessão por Arrendamento à Autora Sociedade A Lda. – cfr. Despacho nº 32/SAES/86 publicado no Boletim Oficial nº 39 de 29 de Setembro de 1986, junto a fls. 12 a 17, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
b) Nos termos da cláusula quarta do aludido Despacho ficou estabelecido que o aproveitamento desse terreno consistia na construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, constituído por dois blocos iguais e simétricos com 19 pisos cada um, sendo o edifício afectado às seguintes finalidades de utilização:
1. Habitação: 23791 m2;
2. Lojas para comércio: 440 m2;
3. Centro comercial: 1685 m2;
4. Estacionamento: 2476 m2;
5. Piso livre vazado 1589 m2;
c) Da Memória Descritiva do Edifício D, resulta que são partes comuns do edifício: o terreno, entradas para o edifício, escadas, corredores e vestíbulos de distribuição, elevadores, terraços, coberturas, piso do pódio (terraço do 2.º andar) rampas de acesso, parques de estacionamento (1.º andar), casa do porteiro, casa das bombas, tanque de água, conduta e casa do lixo, instalação eléctrica (…) em conformidade com o teor do documento de fls. 156 a 187 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
d) A construção do imóvel terminou em 18.05.1989 com a obtenção da respectiva licença de ocupação do prédio, emitida por entidades de serviços competentes para o efeito, a Direcção dos Serviços Obras Públicas e Transporte de Macau;
e) As fracções autónomas assim como as lojas comerciais foram postas à venda nos termos e condições reguladas pelo Decreto-Lei nº 124/84/M, tendo o processo de comercialização, pela Autora, terminado em 2011;
f) Em princípios de 2002 um grupo de membros da Associação dos Condóminos do prédio D tentou tomar de assalto as instalações do espaço de estacionamento do respectivo edifício;
g) No dia 02 de Janeiro de 2004 a Autora recebeu uma carta do Instituto de Habitação, informando-a da decisão tomada pela Associação de Condóminos no sentido de apoderar do espaço de estacionamento, em conformidade com o teor do documento junto a fls. 35 dos autos que aqui se reproduz;
h) Em 08.11.2004 a Administração do condomínio do Edifício D intentou uma acção de reivindicação, contra a F, Limitada, em conformidade com o teor da petição inicial junta a fls. 745 dos autos, à qual coube o nº CAO-30-04-5;
i) Em 29 de Dezembro de 1992, a gestão do parque de estacionamento passou a ser exercida pelo G, H e I e a partir de 21.11.2002, a administração do parque de estacionamento passou a ser exercida pela “F有限公司” (F, Limitada);
j) Parte das fracções se destinavam a ser comercializadas segundo critérios que promoviam o acesso à habitação por pessoas que não dispunham de habitação própria;
k) Cabia à Autora administrar o espaço de estacionamento até ao ano de 1992;
l) A Autora nunca negou aos condóminos do referido prédio a utilização do estacionamento quando o pretendiam;
m) Para o efeito, os condóminos que utilizavam um lugar de estacionamento pagavam voluntariamente uma quantia em dinheiro por cada hora de estacionamento;
n) A Autora colocou empregados no espaço de estacionamento nos Anos de 89 a 92;
o) A Autora pagava aos empregados colocados nos Anos de 89 a 92;
p) A administração aludida em i) foi transferida para terceiros por iniciativa da Autora.
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III – Fundamentação
A. Do recurso final:
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
   “…
   Cumpre apreciar e decidir.
   Nestes autos a Autora pede que:
   - Seja declarado que a Autora adquiriu por usucapião o piso de estacionamento de veículo automóveis do prédio “D”, com numeração policial nºs 472 a 490 da XXXX, 1 a 13 da XXXX e 4 a 40 da XXXX,
   Ou subsidiariamente e se aquele pedido não proceder,
   - Seja reconhecido ter a Autora a Mera Posse do referido piso de estacionamento;
   - Seja a Ré condenada a pagar a indemnização por perdas e danos causados à Autora cujo montante será contabilizado no momento da execução da sentença, acrescidos de juros legais.
   Ora, seja o pedido principal de reconhecimento de ter adquirido por usucapião a parte comum do condomínio constituída pelo piso destinado ao estacionamento, seja o pedido subsidiário de reconhecimento da Autora ter a mera posse daquele espaço, dependem ambos da prova de que a Autora está na posse do indicado piso destinado ao estacionamento.
   Ora, da factualidade apurada o que resulta é que a Autora não tem a posse daquele espaço, pelo que, sem prejuízo da interpretação das normas legais aplicáveis ao caso que pudesse vir a ser feita, não se provando a posse por banda da Autora outra solução não se poderá retirar que não seja a da improcedência do pedido principal de usucapir e do pedido subsidiário de ser reconhecida a mera posse.
   Quanto ao pedido indemnizatório, tal como quanto aos demais não foi produzida prova alguma, pelo que, sem necessidade de outros considerandos também este terá de improceder.
   Nestes termos e pelos fundamentos expostos julga-se a acção improcedente porque não provada e em consequência absolvem-se os intervenientes principais dos pedidos.
   Custas a cargo da Autora.
   Registe e Notifique…”.
Como é sabido, a aplicação do direito é feita com base na factualidade provada.
No caso em apreço, não resulta da matéria fáctica assente e provada qualquer facto que permite concluir pela existência da alegada posse da ora Recorrente.
E não foi impugnada a decisão da matéria de facto.
Nesta conformidade, o recurso não deixará de se julgar improvido.
B. Do recurso interlocutório:
Torna-se desnecessária a sua apreciação nos termos do nº 2 do artº 628º do CPCM.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- negar provimento ao recurso final, confirmando a sentença recorrida;
- não conhecer do recurso interlocutório.
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Custas do recurso final pela Autora.
Sem custas do recurso interlocutório.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 16 de Maio de 2019.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong




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