Processo nº 339/2019 Data: 25.04.2019
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.
SUMÁRIO
1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 339/2019
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. B, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 93 a 98 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 100 a 101-v).
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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer considerando também que censura não merece a decisão recorrida; (cfr., fls. 144 a 145).
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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– B, ora recorrente, deu entrada no E.P.C. em 30.09.2017, para cumprimento de uma pena única de 2 anos de prisão pela prática de 2 crimes de “passagem de moeda falsa”, sendo 1 na forma tentada, e no pagamento da quantia de MOP$8.642,40 à ofendida dos autos;
– em 29.01.2019, cumpriu dois terços de tal pena, expiando-a em 29.09.2019;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá regressar à Malásia, de onde é natural, vivendo com a sua família, e tendo proposta de emprego.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Vejamos.
— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).
“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 30.09.2017, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.
Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 31.01.2019, Proc. n.° 15/2019, de 21.02.2019, Proc. n.° 67/2019 e de 14.03.2019, Proc. n.° 169/2019, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Cremos que de sentido positivo deve ser a resposta.
De facto, o recorrente era primário antes da condenação na pena que ora cumpre, tendo desenvolvido um comportamento prisional pelo Director do E.P.C. considerado “adequado”, onde desenvolveu actividades laborais, presentes se nos apresentando as condições para a sua reinserção social, uma vez que vai voltar a viver na Malásia com a sua família que o tem visitado e que o apoia, tendo proposta de emprego, viável é, desta forma, o necessário “juízo de prognose favorável” quanto ao seu futuro comportamento em liberdade.
Por sua vez, em causa estando crimes de “passagem de moeda falsa”, tendo em conta o “bem jurídico” com o mesmo protegido e que em questão não estão “quantias monetárias elevadas”, ponderando igualmente, no período da pena que já cumpriu, (1 ano e 7 meses de prisão), e o que falta cumprir, (cerca de 5 meses), sendo esta a última oportunidade para beneficiar da pretendida libertação antecipada e que irá regressar à sua terra natal, (Malásia), afigura-se de considerar também verificado o pressuposto da alínea b) do n.° 1 do art. 56° do C.P.M., se ao mesmo se fixar o dever de não voltar a Macau no período de liberdade condicional.
Assim, em face das expostas considerações, há que revogar a decisão recorrida.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, concedendo-se, nos exactos termos consignados, a pretendida liberdade condicional ao ora recorrente.
Sem custas.
Passem-se os competentes mandados de soltura.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Comunique à P.S.P enviando cópia do presente veredicto.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 25 de Abril de 2019
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa (Vencida por entender que face à gravidade dos crimes praticados pelo recorrente, não estão reunidos ainda todos os requisitos para conceder a liberdade condicional.)
Proc. 339/2019 Pág. 4
Proc. 339/2019 Pág. 3