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Processo n.º 353/2019
(Autos da suspensão de eficácia)
     
Relator: Fong Man Chong
Data : 25 de Abril de 2019


Assuntos:
     
  - Suspensão de eficácia do acto administrativo
  - Prova de prejuízos de difícil reparação na ordem não patrimonial
     


SUMÁRIO:

I - O Recorrente, ao formular o pedido de suspensão de eficácia do acto recorrido, deve, para que o pedido proceda, invocar concretamente factos susceptíveis de convencer o Tribunal da dificuldade de reparação dos prejuízos que a execução imediata do acto lhe cause.

II - O prejuízo moral decorrente da execução de acto administrativo só pode fundamentar a suspensão da respectiva eficácia, quando atinja um grau de intensidade e objectividade que mereça a tutela do direito, de acordo com a doutrina que se extrai do artigo 489º/1 do Código Civil de Macau. No caso, o Requerente alegou que a não renovação do pedido da autorização da fixação de residência dele determina o seu regresso ao país de origem e a separação da esposa e da família, aqui instalada, sendo certo que o relatório da PSP revelou que o casal se encontra separado de facto já há algum tempo. O que vem contrariar o alegado dano moral emergente da separação da família.

III - Por outro lado, a alegada dificuldade de se readaptar à sua vida no paí de origem pelo facto de o Requerente ter já enraizado aqui em Macau há vários anos não convence o Tribunal que se está perante um prejuízo de difícil reparação, por se tratar de uma alegação abstracta.

VI – Não estando verificados os requisitos exigidos pelo artigo 121º/1 do CPAC (nomeadamente o mencionado na alínea a)), é de julgar improcedente o pedido da suspensão da eficácia da decisão administrativa que indeferiu o pedido da renovação da autorização da fixação de residência em Macau.

O Relator,

________________
Fong Man Chong







Processo n.º 353/2019
(Autos de suspensão da eficácia)

Data : 25 de Abril de 2019

Requerente : A

Entidade Requerida : Secretário para a Segurança

* * *
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    I - RELATÓRIO
A, Requerente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Segurança, datado de 01/02/2019, veio em 04/04/2019 junto deste TSI pedir a suspensão da eficácia do referido despacho que lhe indeferiu o pedido da renovação da autorização da fixação de residência em Macau, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 12, tendo formulado as seguintes conclusões:
1- A presente providência deverá ser concedida sob pena de se vir a verificar uma situação de facto consumado insusceptível de reparação se os direitos e interesses do requerente e da sua esposa apenas viessem a ser objecto de tutela e acolhimento a final do recurso contencioso administrativo a intentar.
2- A não haver a pedida suspensão de eficácia da decisão de não renovação da autorização de residência do requerente, tal implicará desde logo que o requerente ficara separado da sua esposa.
3- O requerente não tem qualquer possibilidade de obter rendimento fora da RAEM e no seu país de nacionalidade tal e impossível.
4- Sendo que, com a perda do direito de residência, o requerente e a sua esposa, deixam de poder estar juntos licitamente em Macau e, como tal, terá o requerente de abandonar o Território, causando-lhes uma profunda perturbação e mesmo disrupção da vida familiar.
5- Tal situação a acontecer causará ao requerente e à sua esposa uma forte, intensa e inapagável tristeza, incompreensão e angústia, configurando um prejuízo, de ordem material e moral, de muito difícil - senão verdadeiramente impossível - reparabilidade.
6- Nenhuma vertente do interesse público eventualmente convocável para o caso vertente será atingida ou afectada caso seja decretada a suspensão do despacho sub judice até que se venha a decidir o recurso contencioso administrativo a intentar.
7- O requerente impugnou apresentou audiência escrita e vai defender-se em tribunal da acusação injusta e sem qualquer prova factual.
8- Pelo que, atentas a legitimidade quer material quer adjectiva do aqui requerente, este tem um legítimo direito à hetero-definição judicial da situação controvertida.
9- Estão, pois, verificados todos os requisitos legalmente necessários para o decretamento da requerida providência de suspensão de eficácia do acto.

* * *
Citado, veio o Senhor Secretário para a Segurança contestar o pedido nos seguintes termos:
一、聲請人,XX公民,於2012年6月15日獲批居留許可與配偶B團聚。
二、2017年5月聲請人提出居留許可續期申請,經調查發現聲請人長時間不與配偶共同生活,與申請及批准居留許可的目的不符,保安司司長因此根據第 5/2003號行政法規第22條2款及第4/2003號法律第9條2款3項規定,不批准 有關居留許可的續期申請。
三、這就是聲請人現請求中止效力的行為。
四、批准中止行政行為的效力應同時符合《行政訴訟法典》第121條第1款a至 c項所定的三項要件,即執行行為可能對聲請人或其受保護的利益造成難以彌補的損害、中止行為效力不會對公共利益造成嚴重損害,以及卷宗內不存在顯示違法提起行政司法上訴的跡象。
五、聲請人指執行有關行為,將令夫妻分離,關係破裂,以及若返回原居地將無法找到工作,從而造成難以彌補的損失。
六、然而,聲請人不但有義務將執行有關行政行為所引致的不可彌補的損失具體 化,並將之逐一地指出,尚須提出具體及確定的事證,使得法院認定:在一般情 況下,根據事務正常發展過程及一般經驗規則,所提出的損害乃執行有關行為的 適當、典型並可能的後果。
七、也就是說,執行有關行為對聲請人所造成的損害必須是直接、立即及必然的,而排除了推測的、倘有的,或假定的損害。
八、聲請人只是籠統地指出執行有關行為將造成夫妻分離影響夫妻感情,但是未 有具體說明何以認定有關損害為不可彌補。
九、事實上,聲請人夫婦的分離根本不是執行有關行為所導致的後果,兩人感情 不睦且早已因己願而分開。
十、即使不這樣認為,不批准居留許可續期申請,僅導致聲請人不能以澳門居民 的身份在澳門長期居住,以及引致對其已習慣的生活方式有所改變,但並不直接 及必定影響家庭生活的穩定。
十一、聲請人可以來澳門看望及陪伴妻子,相反,其妻子也可前往尼泊爾相聚,不 存在任何障礙。
十二、看不到何以會令其夫妻感情破裂,而且這種損害是一旦主訴被裁定得直而難以回復的。
十三、另外,聲請人還指出,執行有關行為將導致其返回原居地後找不到工作。 
十四、聲請人正值壯年,有工作能力,包括潛在的工作能力,完全可以在原居地或其他地方找到工作維持家庭生計。只有當其不去尋找工作缺乏收入來源的情況 下,才有可能造成以上所指的困厄和不能滿足起碼基本需求的狀況。
十五、不管怎樣,聲請人並未能就此提供有力且可信的證明。
十六、在主張並提出造成難以彌補損害的事實時,聲請人必須具體及明確地提出證明,不能作空泛的、結論性的陳述。不但有義務將執行有關行政行為所引致的不可彌補的損害具體化,並逐一指出,而且須提出其體及確定的事證,令人信服所提出的損害乃執行有關行為適當、典型,以及可予以證明的後果。
十七、由聲請書內容並不能得出不批准聲請人的居留續期申請對聲請人造成了不可彌補的損失。
十八、綜上,有關請求並不能滿足《行政訴訟法典》第121條第1款a項所定的要件,因此,不應批准中止有關行為的效力。

* * *
O Digno. Magistrado do MP oferece o seu douto parecer (fls.99 e 100), pugnando pelo indeferimento do pedido:
Relativamente ao pedido de suspensão da eficácia do acto administrativo, requerido pelo A, vamos expor a nossa posição nos termos seguintes:
Em primeiro lugar, o acto recorrido em causa (acto de revogação de autorização de residência) possui claramente natureza negativo, no sentido de não atribui nada de novo à esfera jurídica de requerente, contudo, possui uma vertente positiva na medida em que o acto toca ou afecta a situação actual do requerente, até poderá causar prejuízo à mesma.
Assim, pensamos que o primeiro requisito essencial da susceptibilidade de suspensão de eficácia prescrito no artº 120, al. a) do C.P.A.C. está preenchido.
E quanto à questão de fundo, ou seja, o preenchimento ou não dos requisitos legais previstos no artº 121 do C.P.A.C. para que o pedido possa ser deferido, temos de dizer o seguinte:
Em princípio, e é jurisprudência e doutrina uniforme que os requisitos exigidos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artº 121 do C.P.A.C. são cumulativos, só a sua verificação simultânea e conjunta é permitida o lançamento do instituto preventivo de suspensão de eficácia.
Passamos, imediatamente, à análise respectiva.
Ora, a lei toma como primeiro requisito que: “a execução do acto previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso.”
Isto é, o instituto de suspensão de eficácia funciona como um procedimento preventivo e conservatório, só se justifica a sua utilidade perante aqueles prejuízos “relevantes”, que atingem de forma significativa, os direitos dos particulares, pois só assim se consegue balançar os interesses públicos e particulares em conflito.
Será que no caso em apreço verificou já ou poderia prever qualquer prejuízo, com alguma dimensão e com natureza irreversível para a requerente perante uma execução imediata do acto?
A nossa opinião é negativa, e essa nossa posição é formada com base nos factos alegados pelo requerente próprio.
Na verdade, está demonstrado nos autos que o requerente e a sua esposa já há vários anos têm vivido na situação de separação de facto, nem haviam comunhão da vida, e tudo isso foi devido à uma ruptura de vida sentimental entre ambos. (fls. 14 dos autos). Ora, perante este contexto, podemos afirmar que caíu toda a base legal de deferimento de autorização, acresce que o requerente podia prever perfeitamente essa situação logo no primeiro momento de separação.
Por outro lado, não nós afigura que o eventual regresso ao seu pais de origem geraria qualquer tipo de obstáculo inultrapassável ao requerente, nem tão pouco causaria prejuízo de difícl reparação em nenhum sentido.
De facto, o recorrente também não alegou de forma concreta quais eram as suas dificuldades em adaptar a vida no seu país de origem.
Com efeito, o juízo que subjaz à análise deste conceito de difícil reparação não pode ser puramente subjectiva, deve concorrer nele um critério que merece concordância dum homem médio, isto é, tem na sua base necessariamente uma dose de objectivismo.
Na verdade, para além de o requerente não cumpriu integralmente o ónus de alegar, de forma mais concreta e em pormenor, a fim de permitir ao tribunal do recurso em conhecer em que medida ou como a sua vida irá ser afectada com a execução do acto, pensamos o mais importante é que tais prejuízos não são qualificáveis, mesmo que hajam, como prejuízos de difícil reparação. Podemos dizer que todos os tipos de prejuízos alegados são grais e abstractos e sãoe todas consequências normais e naturais.
Assim sendo, para nós é inaceitável a verificação do requisito de prejuízo de difícil reparação no caso em apreço.
Ora, como se sabe, todos os requisitos previstos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artº 121 do C.P.A.C. são cumulativos, a não verificação de um deles (como é o presente caso) faz com que se dispense outra análise sobre outros requisitos por não ser necessária.
Face ao expendido, é do nosso parecer que o presente pedido de suspensão de eficácia não merece de provimento

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    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
    III - FACTOS
São os seguintes factos considerados assentes com interesse para a decisão do pedido, conforme os elementos juntos no processo administrativo respectivo:
1) – Por despacho do Senhor Secretário para a Segurança, datado de 15/06/2012, foi o Requerente autorizado a fixar residência em Macau, sendo o mesmo pedido renovado várias vezes e autorizado, pela última vez, até 14/06/2017;
2) – Em 12/05/2017 o Requerente pediu renovação da fixação de residência em Macau;
3) – Perante o referido pedido, a PSP procedeu à averiguação da situação do Requerente, nomeadamente para saber se o Requerente tinha efectivamente residência em Macau e vivia com a sua esposa, conforme o teor de fls. 23 a 53 dos autos;
4) – Realizadas as diligências pertinentes, foi elaborado o relatório final em que se concluiu que o Requerente não reuniu os requisitos necessários para obter o deferimento do pedido em causa;
5) – Perante o relatório e proposta, o Senhor Secretário para a Segurança proferiu o despacho em 1/02/2019, pelo qual inferiu o pedido.
6) – Tal despacho foi notificado ao Requerente mediante a seguinte nota comunicativa:

通知書 編號:200437/SRDARPNOT/2019P
茲通知A [持尼泊爾護照第1XXXXX36號],關於 台端在2017年5月12日遞交申請書,要求批准居留許可續期一事,保安司 司長經參閱本局居留及逗留事務廳第300005/SRDARPREN/2019P號補充報告書之內容,於2019年2月1日作出“不予批准”之批示。
現將上述報告書主要內容轉述如下:
“1. 申請人A先生於2012年6月15日獲批居留許可之目的是在澳與配偶B團聚。
2. 申請人於2017年5月12日擬為其居留許可提起續期程序,基於申請人與配偶之年齡差異及夫妻二人於最近兩年沒有任何共同進/出境紀錄,對其等之婚姻關係存疑,故於2017年6月6日轉交調查及遣送警司處跟進以確定申請人之婚姻狀況,以及二人是否仍以夫妻形式共同生活。
3. 於2017年9月27日完成有關調查,根據調查報告書及通知(編號1777/2017/C.I.)顯示,夫妻二人所申報的居所只有其配偶與配偶之女兒居住,並未發現申請人與配偶共同居住及生活跡象;而申請人租住的居所只有其獨自居住的跡象。同時,其配偶表示分開居住的原因為,懷疑申請人有外遇,經常吵架導致嬰兒流產,於2015年下旬開始已沒有與申請人共同生活及居住。鑑於有強烈跡象顯示申請人與其配偶至今已有長時間(至少2年)沒有以夫妻形式共同居住及生活,該種情況明顯與當初批准居留之目的(在澳與配偶團聚)不符,故本次居留續期應不獲批准。
4. 在聽證程序中,申請人的代表律師向本廳提交書面陳述,並隨後附上其配偶 的聲明書,主要內容均為聲稱夫妻二人於接受家訪調查後已復合,並恢復在澳共同生活。基於對有關陳述內容存疑,故此,再次轉交調查及遣送警司處跟進,以確定申請人的有關狀況是否與陳述內容相符。經調查後,有強烈跡象顯示申請人為了得到澳門居留權,在沒有與配偶以夫妻形式共同生活下,著B協助在本廳及律師樓簽署維持夫妻關係聲明;而B亦承認沒有與申請人以夫妻形式共同生活,亦沒有與其復合,僅因恐防遭報復,並非自願簽署有關聲明書。有關行為已構成第6/2004號法律第19條所指之【關於身份的虛假聲明】等犯罪行為,有關案件於2018年12月17日送交檢察院處理。(sublinhado nosso)
5. 經考慮本報告書第4-6、10及12點、第4/2003號法律第9條第2款所指各項因素,以及根據第5/2003號行政法規第22條第2款之規定,建議不批准是次的居留許可續期申請。”
現將該批示之副本隨本通知書一併附上,以供台端參閱。
上述行政行為可按照【行政訴訟法典】第廿五條之規定,向中級法院提起司法上訴。
                          居留分處處長
2019年3月4日

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    IV - FUNDAMENTOS
1. O caso
O Requerente, A, viu não renovado o seu pedido da autorização de fixação de residência em Macau, veio pedir suspensão da execução da decisão, alegando que da execução imediata do acto lhe advêm graves prejuízos conforme os factos alegados no seu requerimento, nomeadamente os seguintes:
8. Donde resulta que o requerente optou desde há já cerca de 12 anos por eleger Macau como o centro fixo da sua vida pessoal, familiar e profissional e onde alias presentemente esta a ser tratado decido a um acidente que teve por culpa de um veiculo automóvel- (Documentos 4 a 7).
9. Efectivamente, tem sido em Macau que o requerente e a sua esposa passam conjuntamente quase todos os seus momentos de lazer e convívio social EM família, seus amigos e colegas (documentos 8 a 12).
10. As opções adoptadas pelo requerente e a sua esposa quanto às suas vidas pessoais e familiares documentam de forma nítida que a desagregação do lar familiar e extremamente negativa e prejudicial e que em nada beneficia a vida familiar.
13. Por outro lado, o requerente já esta totalmente enraizado em Macau e na sua família e se tivesse que sair de Macau sempre seria uma situação extremamente complicada a nível familiar.
15. Com a perda do direito de residência, o requerente deixa de poder estar licitamente em Macau e, como tal, terá de abandonar o Território e regressar ao seu pais de nacionalidade onde não ira conseguir qualquer emprego e a situação familiar ira ficar um caos real! (documento 13)
16. Tal situação corresponderá ao ruir do sonho de vida projectado pelo requerente e também pela sua esposa, desde que casaram, fazem a vida em conjunto em Macau.
17. Situação essa que, a acontecer‒ caso não seja decretada a aqui requerida providência‒, causará ao requerente e à sua esposa uma forte, intensa e inapagável tristeza, incompreensão e angústia.
    
2. Da natureza positiva do acto
O artigo 120º do CPAC dispõe que só há lugar a suspensão de eficácia, quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente. No caso em apreço, o acto administrativo consiste na não renovação do pedido ao contrário ao que tinha acontecido que fora autorizado o mesmo, acto ablativo e modificativo da situação jurídica resultante daquela autorização, ora destruída.
Não parece haver dúvidas sobre a natureza positiva do acto suspendendo, visto o corte com a situação anterior e a supressão dos direitos que lhe haviam sido conferidos pelo estatuto de que beneficiava.
3. Dos requisitos da suspensão de eficácia do acto
    
Para a procedência do pedido, não basta estarmos perante um acto positivo ou negativo com conteúdo positivo.
Prevê o artigo 121º do CPAC:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
Da observação desta norma é fácil verificar que não importa nesta sede a análise da questão de fundo, de eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, tendo, no âmbito do presente procedimento preventivo e conservatório, que se partir, por um lado, da presunção da legalidade do acto e da veracidade dos respectivos pressupostos - fumus boni iuris -, por outro, de um juízo de legalidade da interposição do recurso.
Tal como foi decidido no acórdão do Tribunal de Última Instância de 13 de Maio de 2009, proferido no processo n. 2/2009, para aferir a verificação dos requisitos da suspensão de eficácia de actos administrativos é evidente que se deve tomar o acto impugnado como um dado adquirido. O objecto do presente procedimento preventivo não é a legalidade do acto impugnado, mas sim se é justo negar a executoriedade imediata dum acto com determinado conteúdo e sentido decisório. Assim, não cabe discutir neste processo a verdade dos factos que fundamentam o acto impugnado ou a existência de vícios neste.1
A suspensão da eficácia depende, no essencial, da verificação dos três requisitos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do supra citado artigo 121º do CPAC:
- previsível prejuízo de difícil reparação para o requerente;
- inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão; e
- não resultarem do processo fortes indícios da ilegalidade do recurso.
Resulta da doutrina e jurisprudência uniformes que os requisitos previstos no artigo 121º supra citado são de verificação cumulativa - importando, no entanto, atentar na excepção do n.º 2, 3 e 4 desse artigo e do artigo 129º, n.º 1 do CPAC -, pelo que, não se observando qualquer deles, é de improceder a providência requerida.2
Daí que a ponderação da multiplicidade de interesses, públicos e privados, em presença, pode atingir graus de complexidade dificilmente compagináveis com a exigência de celeridade da decisão jurisdicional de suspensão dos efeitos da decisão impugnada. Sem falar no facto de o interesse público na execução do acto não se dissociar de relevantes interesses particulares e o interesse privado da suspensão tão pouco se desligar de relevantes interesses públicos, sendo desde logo importantes os riscos económicos do lado público e do lado privado, resultantes quer da decisão de suspensão dos efeitos quer da decisão de não suspensão.
É importante reconhecer que a avaliação da juridicidade da decisão impugnada em tribunal reside hoje, muitas vezes, no refazer metódico da ponderação dos diferentes interesses em jogo.

4. A lei não impõe o conhecimento de tais requisitos por qualquer ordem pré-determinada, mas entende-se por bem que os requisitos da al. c), relativos aos indícios de ilegalidade do recurso, por razões lógicas e de precedência adjectiva, deverão ser conhecidos antes dos demais e ainda, antes de todos, o pressuposto relativamente à legitimidade do requerente, já que a norma fala exactamente em quem tenha legitimidade para deles interpor recurso e, seguidamente, nos requisitos elencados nas diversas alíneas.
Até porque a existência de fortes indícios da ilegalidade da interposição do recurso reporta-se às condições de interposição ou pressupostos processuais e não às condições de natureza substantiva ou procedência do mesmo.3
5. Da não ilegalidade do recurso
Impõe o preceito acima citado que não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
A instrumentalidade desta medida cautelar implica uma não inviabilidade manifesta do recurso contencioso a interpor.
Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito, exemplos frequentemente apontados :
- acto irrecorrível;
- ter já decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável;
- … etc.
O Requerente impugnou o acto contenciosamente e, não obstante não vindo aqui elencados os fundamentos do pedido da impugnação – sendo certo que foi apresentado o recurso onde se podem observar quais os vícios assacados ao acto (vícios de violação de lei), não se deixa de entender que, pelo menos, estará em causa a defesa da expectativa da anulação do acto que lhe não renovou a autorização de residência.
Ora, o acto atacado foi praticado em 01/02/2019, mas comunicado em 11/03/2019, o pedido de suspensão foi apresentado neste TSI em 04/04/2019, portanto, ainda dentro do prazo.
Perante este quadro, não é difícil ter integrado o requisito da legalidade do recurso, afigurando-se como evidente o direito, pelo menos, à definição jurídica da situação controvertida, daí decorrendo claramente a legitimidade e o interesse processual da requerente, titular directa do interesse que diz ter sido atingido, não havendo dúvidas, nem elas sendo levantadas - haja em vista o teor da contestação -, quanto aos outros pressupostos processuais relativos à actuação da recorrente.
Não se está, pois, perante uma situação de manifesta ilegalidade do recurso, mostrando-se verificado o requisito negativo da alínea c) do artigo 121º do citado CPAC.
Este tem sido, aliás, o entendimento deste Tribunal.4

6. Dos prejuízos de difícil reparação para o Requerente
Fixemo-nos, então, no requisito positivo, relativo à existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar para o Requerente ou para os interesses que este venha a defender no recurso - al. a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC.
Conforme tem sido entendimento generalizado, compete ao Requerente invocar e demonstrar a probabilidade da ocorrência de prejuízos de difícil reparação causados pelo acto, cuja suspensão de eficácia requer, alegando e demonstrando, ainda que em termos indiciários, os factos a tal atinentes.
Tais prejuízos deverão ser consequência adequada directa e imediata da execução do acto.5
Vejamos que prejuízos alega o Requerente.
A este nível o Requerente invoca essencialmente o seguinte :
Ele estava já integrado na vida de Macau, e terá dificuldade em adaptar a nova vida no seu país; por outro lado, também está com a expectativa de voltar a ter uma vida familiar normal com a sua esposa, uma vez que chegou a separar-se dela conforme os dados provados nos autos.
Tudo isto são alegações abstractas, não consubstanciadas em factos concretos para persuadir o Tribunal que a imediata execução da decisão venha a causar-lhe prejuízos irreparáveis.
Perante as seguintes alegações do Requerente:
     5- Tal situação a acontecer causará ao requerente e à sua esposa uma forte, intensa e inapagável tristeza, incompreensão e angústia, configurando um prejuízo, de ordem material e moral, de muito difícil - senão verdadeiramente impossível - reparabilidade.
     6- Nenhuma vertente do interesse público eventualmente convocável para o caso vertente será atingida ou afectada caso seja decretada a suspensão do despacho sub judice até que se venha a decidir o recurso contencioso administrativo a intentar.
É de realçar que a angústia, o mal-estar, os incómodos, as pressões e inquietações resultantes da separação “forçada” da família podem configurar uma espécie de prejuízo moral, decorrente da execução de acto administrativo, mas tal só pode fundamentar a suspensão da respectiva eficácia quando atinja um grau de intensidade e objectividade que mereça a tutela do direito, de acordo com a doutrina que se extrai do artigo 489º n.º1 do Código Civil de Macau.
Com este tipo de alegações e a forma como a matéria foi alegada não é possível evidenciar um concreto prejuízo de difícil reparação para o interessado, ora Requerente, já que, conforme o relatório da PSP, existem fortes indícios de que o Requerente e a sua esposa se encontram separados de facto já há algum tempo.
Importa não confundir transtornos com prejuízos de grave reparação. Entramos aí num domínio que implica uma aferição daquilo que se interrompe, se suspende, se deixa de prosseguir para quantificar e aquilatar da possibilidade de reparação.
Nem sequer se pode afastar a ideia de impossibilidade de compatibilização com as alegadas actividades, sabendo-se que a não residência ou uma vinda esporádica a Macau não deixa de ser possível, seja por via de uma direcção à distância, seja por uma assistência pontual, tudo dependendo daquilo que concretamente se está aqui a desenvolver.

É também esta leitura dos factos do MP, pois o Digno. Magistrado opina:
     “Na verdade, está demonstrado nos autos que o requerente e a sua esposa já há vários anos têm vivido na situação de separação de facto, nem haviam comunhão da vida, e tudo isso foi devido à uma ruptura de vida sentimental entre ambos. (fls. 14 dos autos). Ora, perante este contexto, podemos afirmar que caíu toda a base legal de deferimento de autorização, acresce que o requerente podia prever perfeitamente essa situação logo no primeiro momento de separação.
     Por outro lado, não nós afigura que o eventual regresso ao seu pais de origem geraria qualquer tipo de obstáculo inultrapassável ao requerente, nem tão pouco causaria prejuízo de difícl reparação em nenhum sentido.
     De facto, o recorrente também não alegou de forma concreta quais eram as suas dificuldades em adaptar a vida no seu país de origem.
     Com efeito, o juízo que subjaz à análise deste conceito de difícil reparação não pode ser puramente subjectiva, deve concorrer nele um critério que merece concordância dum homem médio, isto é, tem na sua base necessariamente uma dose de objectivismo.
     Na verdade, para além de o requerente não cumpriu integralmente o ónus de alegar, de forma mais concreta e em pormenor, a fim de permitir ao tribunal do recurso em conhecer em que medida ou como a sua vida irá ser afectada com a execução do acto, pensamos o mais importante é que tais prejuízos não são qualificáveis, mesmo que hajam, como prejuízos de difícil reparação. Podemos dizer que todos os tipos de prejuízos alegados são grais e abstractos e sãoe todas consequências normais e naturais.
     Assim sendo, para nós é inaceitável a verificação do requisito de prejuízo de difícil reparação no caso em apreço.”
Bastam aqui, à míngua da concretização dos prejuízos de difícil reparação para a requerente, as apontadas razões para se ter este requisito por inverificado.
7. Lesão de interesse público
Sobre a lesão do interesse público já se decidiu neste Tribunal que, ressalvando situações manifestas, patentes ou ostensivas, a grave lesão de interesse público não é de presumir, antes devendo ser afirmada pelo autor do acto. E neste particular aspecto o que se observa é que a entidade requerida nada de fundo invocou.
O Requerente defende que a suspensão do acto não causa lesão ao interesse público, mas a Requerida entende o contrário, só que não chegou a invocar factos concretos para impugnar a versão do Requerente.

É de lembrar que se trata de um requisito que se prende com o interesse que, face ao artigo 4º do CPA, todo o acto administrativo deve prosseguir.6
Relativamente a este requisito, importa observar que toda a actividade administrativa se deve pautar pela prossecução do interesse público, donde o legislador exigir aqui que a lesão pela não execução imediata viole de forma grave esse interesse.
Só o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente determinante de qualquer acto administrativo. Assim, se um órgão da Administração praticar um acto administrativo que não tenha por motivo principalmente determinante o interesse público posto por lei a seu cargo, esse acto estará viciado por desvio de poder, e por isso será um acto ilegal, como tal anulável contenciosamente. E o interesse público é o interesse colectivo, que, embora de conteúdo variável, no tempo e no espaço, não deixa de ser o bem-comum.7
Ora, se se tratar de lesão grave - séria, notória, relevante - a execução não pode ser suspensa.
Perante o acto impositivo concreto há que apurar se a suspensão de eficácia viola de forma grave o interesse público.
Manifestamente não é o caso.
A expressão "grave lesão do interesse público" constitui um conceito indeterminado que compete ao Juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso.
Não compete, portanto, ao Tribunal dizer se deve ou não ser cancelada a dita autorização de residência e, neste procedimento, avaliar se estará em causa a lesão do interesse público.
Ora, não é difícil avaliar a situação de modo a considerar que o interesse público não ficaria beliscado com uma suspensão de um acto que, não obstante uma ablação, visto o referido “cancelamento”, seria compatível com algum lapso de espera até à resolução do recurso contencioso.
Não choca que pudesse aguardar provisoriamente, o que decorreria da suspensão do acto que cancelou autorização de residência, na sequência da declaração da nulidade desta última.
Pelo que, sobre este requisito, não seria difícil configurar o preenchimento da alínea b) do n.º 1 do artigo 121º do CPAC.
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Porém, em face de todas as considerações acima tecidas, somos a concluir no sentido da inverificação do requisito positivo da alínea a), o que tanto basta para se desatender a providência requerida, nada que não possa ser reparado e reposto, se o Requerente vier a ter ganho de causa a final.
Razões por que, por inverificação cumulativa de todos os requisitos para o efeito, na esteira do objecto da providência, é de julgar improcedente o pedido de suspensão de eficácia do acto em causa.
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    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, acordam em julgar improcedente o pedido da providência de suspensão de eficácia do despacho que indeferiu o pedido da renovação da autorização de fixação de residência em Macau.
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     Custas pelo Requerente com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
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Notifique.
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               RAEM, aos 25 de Abril de 2019.
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Fong Man Chong Joaquim Teixeira de Sousa
_________________________ (Fui presente)
Ho Wai Neng
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Tong Hio Fong
               

1 Ac. TUI 37/2009, de 17/Dez.
2 - Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, 3ª ed., 176; v.g. Ac. do TSI, de 2/12/2004, proc.299/03
3 - Ac. STA 46219, de 5/772000, www//:http.dgsi.pt
4 - Como resulta do acórdão de 25/1/07, n.º 649/2006/A.
5 - Acs. STA de 30.11.94, recurso nº 36 178-A, in Apêndice ao DR. de 18-4-97, pg. 8664 e seguintes; de 9.8.95, recurso nº 38 236 in Apêndice ao DR. de 27.1.98, pg. 6627 e seguintes
6 - Ac. do T.S.I. de 22 de Novembro de 2001 – Pº205/01/A ; ac. do T.S.I. de 18 de Outubro de 2001 - Proc.191/01
7 - Freitas do Amaral, Direito Administrativo”, 1988, II, 36 e 38
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2019-353-suspensão-não-renovação-residência