Processo n.º 33/2017
(Autos de recurso contencioso)
Relator: Fong Man Chong
Data: 09/Maio/2019
Assuntos:
- Processo disciplinar e opção de sanções legalmente fixadas: pena de aposentação compulsiva e pena de demissão
- Consumo de estupefaciente pelo Recorrente e gravida dos factos
- Alegada violação do princípio de proporcionalidade pela decisão aplicada
SUMÁRIO:
I - A aplicação de uma medida expulsiva - quer se trate de demissão quer de aposentação compulsiva - só pode ter lugar quando a conduta do infractor atinge de tal forma o prestígio e a credibilidade da instituição de que faz parte e que a sua não aplicação não só iria contribuir para degradar a imagem de seriedade e de isenção dessa instituição.
II – O artigo 238º do EMFSM elenca as situações em que se pode aplicar a pena de demissão (ou de aposentação compulsiva), a opção de uma ou de outra depende da verificação dos pressupostos respectivos, enquanto nas hipóteses previstas no artigo 240º do mesmo EMFSM aplica-se a pena de demissão.
III – O princípio de proporcionalidade, entendido, em sentido amplo, como proibição do excesso, postula que a Administração prossiga o interesse público pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições dos particulares. Incorpora, como subprincípio constitutivo, o princípio da exigibilidade, também conhecido como princípio da necessidade ou da menor ingerência possível, que destaca a ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível.
IV - Para maior operacionalidade deste princípio, a doutrina acrescenta, entre outros elementos, o da exigibilidade espacial, que aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção na esfera jurídica das pessoas cujos interesses devam ser sacrificados (vd. J. J. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Almedina, 266, ss.).
V – Os factos imputados ao Recorrente integram nas infracções previstas no artigo 238º/1 e 2/-l) do EMFSM, que, pelo facto de adquirir produtos estupefacientes na China e de os trazer para Macau para consumo próprio, levaram a Entidade Recorrida a aplicar-lhe a pena de demissão, por entender que tais factos causaram impacto negativo na corporação que albergava o Recorrente e se revelou susceptível de atingir a dignidade de que é credora e o prestígio das FSM em que se integra. Assim, e mostrando-se suficientemente justificada a inviabilidade da manutenção da relação funcional, não há censura a dirigir à Administração por alegada violação do dever de aprumo, previsto no artigo 12º/2-g) e o) do EMFSM, o que justifica o recurso à sanção de demissão prevista no artigo 238.º/2-l) e no artigo 240º /-c), todos do EMFSM.
VI - Deste modo, e porque não se verificou erro manifesto na escolha da medida sancionatória aplicada e, foi respeitado o princípio de proporcionalidade nos termos acima vistos, e como não cabe dentro dos poderes do Tribunal a sindicância dessa matéria, é de negar provimento ao recurso e manter o acto impugnado.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo n.º 33/2017
(Autos de recurso contencioso)
Data : 09/Maio/2019
Recorrente : A
Entidade Recorrida : Secretário para a Segurança
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I – RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, ex-verificador alfandegário, discordando do despacho do Secretário para a Segurança, datado de 14/11/2016, que lhe aplicou a pena de demissão, por ter violado o dever de aprumo constante das alíneas g) e o) do n.º 2 do artigo 12.° do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro, veio, em 04/01/2017 interpor o presente recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 9, tendo formulado as seguintes conclusões:
A. O Recorrente tem legitimidade, está representado, em prazo, pelo que lhe é permitido interpor o presente recurso contencioso.
B. O acto recorrido determinou a aplicação da sanção disciplinar de demissão.
C. Por outro lado, o acto recorrido enferma de nulidade quanto à violação de lei porquanto, viola o conteúdo essencial do direito fundamental ao desempenho de uma profissão e emprego previsto no artigo 35.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República popular da China, bem como os artigos 122.º n.º 2 al. d) do Código de Procedimento Administrativo (doravante “CPA”)
D. Porquanto a entidade recorrida ao praticar o supra mencionado acto violou os princípios da legalidade, previstos no art.3.º, da prossecução do interesse público, previsto no art.4.°, princípio da proporcionalidade previsto no art.5.° e o princípio da justiça e da imparcialidade previsto no art.7.° todos do CPA.
E. Princípios fundamentais da também vigentes no EMFSM designadamente, da proporcionalidade e adequação do artigo 232.° e subsidiariamente no ETAPM e na legislação penal por via da violação do artigo 64.° do Código Penal.
j) Desde logo porque a referida entidade não teve em conta o circunstancialismo fáctico de um homem que seviu a corporação por mais de 25 anos (desde 20 de Agosto de 1991 a 23 de Novembro de 2016) classificado como exemplar ou na 1.º classe com avaliação de desempenho BOM; com atribuição de dias de licença por mérito; com bom comportamento anterior; confissão espontânea da infracção e reparação do dano; boa informação dos superiores de quem depende; doença incapacitante ao nível do sistema neuromusculoesquelético desde 2000 tendo-se acentuado em 2014 altura em que começou a consumir Ketamina com o objectivo de reduzir as dores que se vinham agudizando ao longo dos anos não obstante estar hoje já reabilitado desse consumo; mulher, filho menor, mãe e sogra a cargo; e, finalmente, ter continuado em exercício de funções dois anos após a abertura do processo disciplinar e um ano após a sentença condenatória com classificação de desempenho de “BOM”; e, finalmente, de referir que o consumo do ora recorrente por virtude da doença, conforme consta como provado na sentença condenatória do Tribunal Judicial de Base, teve lugar em dia de descanso
F. O que está em causa é claramente a violação princípio da proporcionalidade e justeza entre a aplicação da pena de demissão e o circunstancionalismo atenuante supra referido.
G. Uma vez que o ora recorrente não pretende questionar a gravidade do circunstancialismo fáctico nem a invialibilização da relação funcional, mas tão só saber se a demissão em detrimento da aposentação compulsiva é efectivamente a única solução possível e a que nível influenciaram as atenuantes evidenciadas o momento da fixação da pena disciplinar,
H. Pelo que, o acto recorrido ‒ ao aplicar a pena disciplinar de demissão em detrimento da pena de aposentação compulsiva é ilegal por violação do conteúdo essencial do direito livre exercício da profissão e emprego previsto no artigo 35.° da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China.
I. Pelo exposto, remete para a presente petição de recurso a fundamentação da nulidade do acto recorrido, cfr. os artigos 122.° n.º 2 al. d) do CPA bem como toda a legislação elencada constituinte dos vários vícios de violação de lei.
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Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Segurança veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 65 a 69, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O recorrente delimita, nas suas doutas conclusões, o objecto do recurso contencioso à medida concreta da pena aplicada, pugnando pela anulação do despacho punitivo que lhe determinou a aplicação da pena de DEMISSÃO, porquanto, em seu entendimento, à factualidade imputada, atento todo o circunstancialismo caracterizador, deveria corresponder-lhe a pena de Aposentação Compulsiva, a que se refere 239.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau 9 EMFSM ), aprovado pelo Decreto-lei n.º 66/94/M, e não outra.
2. Apoia a sua tese e consequente pretensão de anulação na violação do principio da proporcionalidade, em abono do que invoca um conjunto de circunstâncias atenuantes atípicas relativamente à panóplia atenuativa constante do artigo 200 do EMFSM.
3. Ora, o recorrente foi punido com pena de DEMISSÃO de funções públicas porquanto, no dia 1 de Dezembro de 2104, pelas 15:48, foi detido em flagrante delito por agentes da Polícia Judiciária, quando transportava dois pacotes de pó branco de que se veio a verificar conterem, no seu todo, 24,77 gramas de ketamina, para além de resíduos da mesma substância numa nota de 50 renminbis.
4. A substância apreendida consta da lista das substâncias ilícitas do Mapa II da Lei n.º 17/2009 e, por sua vez, a análise a que foi sujeito o arguido, ora recorrente, resultou positiva quanto à presença do mesmo estupefaciente na urina.
5. Levado a julgamento na sequência do inquérito crime viria a ser condenado por consumo de estupefacientes, por sentença do Tribunal de Base de 27 de Outubro de 2015, na pena de dois meses de prisão, suspensa por dois anos sob condição de cumprimento de um programa de tratamento de toxicodependência e do pagamento de uma quantia de 5000 patacas nos termos do artigo 48.° do CPP.
6. Como vem exposto na fundamentação da decisão punitiva a posse e o consumo de estupefacientes contraria as regras fundamentais de conduta de um agente policial e abala em definitivo, quer a idoneidade para servir as forças de segurança, quer a confiança geral que é suposto suportar a sua relação funcional com uma corporação com atribuições policiais, tornando-a insustentável, pelo desvalor que traz ao seu prestígio e brio junto da população,
7. Não havendo, aliás, lugar a qualquer tipo de valoração comparativa entre as relevâncias criminal e disciplinar dos factos. Isto é, não obstante a leveza da punição criminal, o desvalor da conduta em sede disciplinar é substancialmente superior ao desvalor da conduta criminal, uma vez que estando o combate ao consumo e tráfico de estupefacientes no centro das atenções das autoridades policiais de Macau, a notícia do consumo por parte de um agente policial e a posse de uma quantidade significativa daquela substância ilícita, dificilmente obteria qualquer compreensão por parte da população uma reacção condescendente por parte da hierarquia. Pelo contrário, criaria justificado alarme social.
8. O Tribunal puniu o cidadão, o Secretário para a Segurança puniu o agente policial.
9. E, puniu-o com a pena de demissão porquanto o arguido, ora recorrente, infringiu de forma grave o dever de aprumo na formulação que lhe conferem as alíneas g) e o) do n.º 2 do artigo 12.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M de 30 de Dezembro, vendo-se tal conduta agravada pela circunstância da alínea d) do n.º 2 seu do artigo 201.º
10. E, mesmo ponderadas as atenuantes a que se referem as alíneas b) e i) do n.º 2 do artigo 200.°, igualmente do mesmo estatuto, não se alcançou um grau de condescendência tal, que permitisse degradar a pena de Demissão, imposta pelas disposições conjugadas dos artigos 238.° n.º 2 al l) e 240.º al c), todos do citado Estatuto.
11. Os exigentes níveis de idoneidade cívica e moral escrutinados aquando da admissão do recorrente nas fileiras das forças de segurança deveriam ser mantidos, senão refinados, mas nunca degradados como aconteceu no caso presente.
12. As responsabilidades familiares, invocadas como atenuante atípica, fora do catálogo da lei disciplinar aplicável, constituem outro factor de ponderação dos comportamentos profissionais e sociais ao longo de toda a vida, nela devendo estar presentes em permanência, e não apenas quando se confrontam com as consequências da sua negação.
13. Não podem assim ser invocadas como atenuante em sede disciplinar, sem embargo de o serem, ou terem sido, em sede de processo crime
14. Não descartando a hipótese de, em tese, se poder ter ponderado a aplicação da pena de Aposentação Compulsiva, foi entendido que os valores postergados só encontram reparação se a pena aplicada reflectir, de forma definitiva, para dentro da corporação um sinal de intransigência com os consumos ilícitos, para fora da corporação um sinal de que população pode reforçar a sua confiança nas forças de segurança, na medida em que não serão tolerados comportamentos que lhe indiciem fragilidade e, finalmente, para o infractor, a retribuição devida a quem negligenciou de forma grave os deveres de um agente policial.
15. Assim, prevalecendo-se do juízo de censura ética que os factos induzem no interior das forças de segurança e no público em geral, bem como, ainda, o grau de afectação negativa na imagem e no prestígio das forças de segurança, foi-lhe aplicada a pena de DEMISSÃO, como demanda directa da alínea l) do n.º 2 do artigo 238.° do citado EMFSM.
16. Compete ao funcionário moldar o seu comportamento a padrões eticamente compatíveis com a concreta função que exerce enquanto servidor público, o que resulta em responsabilidade acrescida, quando se trata de um agente policial, como é o caso de recorrente.
17. Era seu dever desviar-se de comportamentos que pusessem em risco a imagem da instituição policial, susceptível de abrir qualquer brecha na sua adequação funcional, na sua estrutura moral e cívica, conducente a um cenário de suspeição sobre a corporação a que pertence.
18. Só o erro grosseiro ou a afrontosa desproporcionalidade da pena aplicada, poderiam ferir a limitada discricionariedade da entidade recorrida - atenta a taxatividade do normativo citado no artigo 18.° da presente contestação - na opção de não degradar a moldura penal disciplinar da Demissão para a Aposentação Compulsiva.
19. Ora não é isso que se nos patenteia, tendo o Secretário para a Segurança laborado no normal quadro normativo que emoldura o comportamento desviante do recorrente e, bem assim, em protecção dos valores que enformam as forças de segurança, em particular, e o interesse público, em geral
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o seguinte douto parecer (fls. 152 a 153):
Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 14 de Novembro de 2016, da autoria do Exm.º Secretário para a Segurança, através do qual foi aplicada ao recorrente A a pena de demissão.
Na sua petição de recurso, o recorrente começou por declinar questionar, quer a gravidade dos factos que lhe foram imputados disciplinarmente, quer o juízo de inviabilização da manutenção da relação jurídico-funcional, e afirmou restringir o recurso à questão da bondade da opção pela pena de demissão, em detrimento da pena de aposentação compulsiva, e à violação do princípio da proporcionalidade traduzida nessa opção.
Todavia, a final, fala também na nulidade do acto por violação do conteúdo essencial do direito fundamental ao desempenho de uma profissão e emprego previsto no artigo 35.° da Lei Básica.
Comecemos por este último vício, dada a prioridade do seu conhecimento, face ao disposto no artigo 74.°, n.º 2, do Código de Processo Administrativo Contencioso.
É verdade que o artigo 35.° da Lei Básica confere aos residentes de Macau a liberdade de escolha de profissão e de emprego. Mas tal norma não tem o condão de impor aos empregadores, incluindo o Estado, a manutenção vitalícia de uma relação de trabalho. Como se vê do artigo 100.° da Lei Básica, no âmbito do funcionalismo público, há que observar o sistema de acesso, disciplina e progressão dos funcionários e agentes, de acordo com a lei, o que relega para o legislador ordinário, adentro do seu poder de conformação, dispor sobre disciplina e deveres dos funcionários e consequências da sua inobservância.
Não há, pois, incongruência entre o estabelecimento de penas disciplinares, incluindo a de demissão, e a liberdade de escolha de profissão e de emprego, não se traduzindo o exercício do poder disciplinar e a aplicação da pena de demissão num atentado contra o conteúdo essencial do direito corporizado na liberdade de escolha de profissão e de emprego.
Improcede este vício.
Passemos agora ao vício de violação do princípio da proporcionalidade, que o recorrente entende decorrer da circunstância de se haver optado pela pena de demissão em detrimento da pena de aposentação compulsiva.
Como o Tribunal de Última Instância tem vindo a decidir, a aplicação pela Administração de penas disciplinares, dentro das espécies e molduras legais, é, em princípio, insindicável contenciosamente, salvo nos casos de erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios gerais do Direito Administrativo ‒ cf., v.g., acórdãos de 28 de Julho de 2004, 21 de Janeiro de 2015 e 4 de Novembro de 2015, respectivamente nos Processos 27/2003, 26/2014. e 71/2015. Ora, dando a lei à Administração a liberdade de escolha entre a pena de demissão e a de aposentação compulsiva ‒ poder apenas restringido nos casos em que o funcionário não reúna o tempo mínimo de 15 anos para efeitos de aposentação, caso em que não há lugar à pena de aposentação compulsiva ‒ o exercício do respectivo poder discricionário apenas pode ser sindicado no caso de erro manifesto ou total desrazoabilidade, em violação do princípio da proporcionalidade ou outro.
Ora, no caso, não se divisa de que forma possa ter sido afrontado o princípio da proporcionalidade, ante a gravidade que a lei confere à infracção apurada, que engloba expressamente nos casos passíveis de demissão (cf. artigo 240.°, alínea c), com referência ao artigo 238.°, n.º 2, alínea l), do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau), e sopesando a influência das circunstâncias atenuantes e agravantes.
Improcede também o vício de violação do princípio da proporcionalidade.
Termos em que, na improcedência dos suscitados vícios, o nosso parecer vai no sentido do não provimento do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
- Por sentença condenatória do TJB de 27/10/2015 o Recorrente/arguido foi condenado na pena de 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por período de 2 anos, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes.
- Na referida sentença, foram os seguintes factos provados imputados ao Recorrente/Ré:
2014年12月1日15時48分,司警人員在關閘邊檢站出境車道電單車停泊區將嫌犯A截停,並將其帶往司法警察局調查。
在司法警察局辦公室內,嫌犯A自願在其外套右邊袋內取出2包白色粉末和1張包有白色粉末的人民幣五十元紙幣(詳見卷宗第12頁之搜查及扣押筆錄)。
經化驗證實,上述2包白色粉末含有第17/2009號法律附表二C所管制之“氯胺酮”成份,共淨重24.77克(經定量分析,“氯胺酮”百分含量分別為74.3%和80.7%,含量分別為17.2克和1.27克);上述紙幣內的白色粉末含有“氯胺酮”成份,淨重0.073克。
上述全部毒品是嫌犯A從內地所取得,其取得及持有上述毒品,目的是供其自己吸食。
同日18時30分,司警人員將嫌犯A送往仁伯爵綜合醫院進行藥物檢驗,檢驗結果證實嫌犯A的尿液對第17/2009號法律附表二C所管制的“氯胺酮”測試呈陽性反應(詳見卷宗第24頁之藥物檢驗報告)。
嫌犯A被司警人員截查前曾吸食含有“氯胺酮”之毒品。
嫌犯A明知上述毒品的性質。
- Em 03/12/2014 foi decidido instaurar o processo disciplinar contra o Recorrente, tendo realizado um conjunto de diligências conforme o teor de fls. 2 a 69 do PA;
- Feita a instrução, pelo Senhor Secretário para a Segurança foi proferido o despacho punitivo como o seguinte teor:
Despacho n.º 94/SS/2016
Processo disciplinar n.º 21/2014 ‒ 2.42.DIS
Arguido: Verificador Alfandegário n.º 7XXX1, A, dos SA
Nos presentes autos vem suficientemente provado que o arguido, Verificador Alfandegário n.º 7XXX1, A, dos Serviços de Alfândega, nas circunstâncias constantes da acusação, a qual se dá aqui por reproduzida, no dia 1 de Dezembro de 2014 pelas 15:48, foi detido por agentes da Polícia Judiciária, na zona de estacionamento da motociclos do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco.
No momento da detenção, o arguido colaborou com os agentes policiais entregando-lhes espontaneamente dois pacotes de pó branco de que era portador e que se veio a verificar conterem, no seu todo, 24,77 gramas de ketamina, para além de resíduos da mesma substância numa nota de 50 renminbis, com o índice de pureza referidos na acusação.
A substância apreendida consta da lista das substâncias ilícitas do Mapa II da Lei n.º 17/2009 e, por sua vez, a análise a que foi sujeito o arguido resultou positiva quanto à presença do mesmo estupefaciente na urina.
O arguido acabaria condenado por consumo de estupefacientes, por sentença do Tribunal de Base de 27 de Outubro de 2015, na pena de dois meses de prisão, suspensa por dois anos sob condição de cumprimento de um programa de tratamento de toxicodependência e do pagamento de uma quantia de 5000 patacas nos termos do artigo 48.° do CPP.
A posse e o consumo de estupefacientes contraria as regras de conduta de um agente policial e abala em definitivo, quer a idoneidade para servir as forças de segurança quer, a confiança geral que é suposto suportar a sua relação funcional com uma corporação com atribuições policiais, tomando-a insustentável, pelo desvalor que traz ao seu prestígio e brio junto da população.
O arguido infringiu de forma grave o dever de aprumo constante das alíneas g) e o) do n.º 2 do artigo 12.° do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M e 30 de Dezembro, vendo-se tal conduta agravada pela circunstância da alínea d) do n.º 2 seu do artigo 201.° e, beneficiando, contudo, das atenuantes a que se referem as alíneas b) e i) do n.º 2 do artigo 200.°, igualmente do mesmo estatuto, correspondendo-lhe a pena expulsiva de demissão, o que resulta do disposto na al. l) do n.º 2 do artigo 238.°, do mesmo diploma.
Foi ouvido o Conselho e Justiça e Disciplina, nos termos do artigo 318.° n.º 1 al. e) do EMFSM, com cujo parecer não se concorda porquanto, estando o combate ao consumo e ao tráfico de droga no centro das preocupações das autoridades policiais, não se pode condescender em comportamentos de agentes policiais que contendam com esse mesmo desígnio, pelo que se considera não ser de atenuar a pena cominada na al. l) do n.º 2 do artigo 238.° daquele Estatuto.
Com efeito, a conduta descrita compromete definitivamente a relação funcional, tornando-a insustentável, por absoluta perda da confiança necessária ao exercício de uma função de natureza policial, pelo que, no uso da competência que me advém das disposições conjugadas do Anexo G ao artigo 211.° do EMFSM, com referência ao n.º 1 da Ordem Executiva n.º 111/2014, PUNO o arguido, Verificador Alfandegário n.º 7XXX1, A, dos SA, com a pena de DEMISSÃO, nos termos disposições conjugadas dos artigos 238.º n.º 2 al. l) e 240.º al. c), com os efeitos dos artigos 224.º e 228.º, todos do citado Estatuto.
Notifique o arguido do presente despacho e de que, do mesmo, cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância.
Gabinete do Secretário para a Segurança, aos 14 de Novembro de 2016
O Secretário para a Segurança
Wong Sio Chak
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IV – FUNDAMENTOS
Neste recurso contencioso interposto pelo Recorrente são suscitadas essencialmente as seguintes questões que importa analisar e resolver:
1) - Nulidade da decisão de demissão por violação do conteúdo essencial do direito fundamental ao desempenho de uma profissão e emprego previsto no artigo 35° da Lei Básica da RAEM;
2) - Vício da violação do princípio da proporcionalidade;
3) – “Ilegalidade” na aplicação da pena de demissão (opção da pena de demissão), em vez de se aplicar a pena de aposentação compulsiva.
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1ª questão: Nulidade da decisão de demissão por violação do conteúdo essencial do direito fundamental ao desempenho de uma profissão e emprego previsto no artigo 35° da Lei Básica da RAEM:
A este propósito, bem observou o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI:
“É verdade que o artigo 35.° da Lei Básica confere aos residentes de Macau a liberdade de escolha de profissão e de emprego. Mas tal norma não tem o condão de impor aos empregadores, incluindo o Estado, a manutenção vitalícia de uma relação de trabalho. Como se vê do artigo 100.° da Lei Básica, no âmbito do funcionalismo público, há que observar o sistema de acesso, disciplina e progressão dos funcionários e agentes, de acordo com a lei, o que relega para o legislador ordinário, adentro do seu poder de conformação, dispor sobre disciplina e deveres dos funcionários e consequências da sua inobservância.
Não há, pois, incongruência entre o estabelecimento de penas disciplinares, incluindo a de demissão, e a liberdade de escolha de profissão e de emprego, não se traduzindo o exercício do poder disciplinar e a aplicação da pena de demissão num atentado contra o conteúdo essencial do direito corporizado na liberdade de escolha de profissão e de emprego.”
Nestes termos, subscrevemos inteiramente este ponto de vista e para além disso, acrescentamos ainda as seguintes considerações:
1) – A liberdade de profissão não é uma liberdade absoluta, o seu exercício depende de vários factores consoante as circunstâncias concretas em que a mesma é exercida, principalmente nas áreas profissionais, por exemplo, na de medicina, de engenharia civil, de advocacia, o acesso a estas profissões depende de ter conhecimentos técnicos e de formação profissional adequada.
2) – O mesmo se diga em relação ao funcionalismo público, o legislador fixa um conjunto de deveres gerais e especiais, porque está em causa a prossecução de interesse público. Caso tais deveres sejam violados, significa que o interesse público fica também prejudicado, razão pela qual o legislador fixa sanções para diferentes comportamentos infracionais. A sanção mais grave será a de demissão.
Nesta óptica, a aplicação de uma sanção demissão, quando estejam reunidos os pressupostos legalmente fixados, não se pode entender que foi violada a liberdade de acesso à profissão. Aliás, quem sofreu de uma sanção disciplinar de demissão, não está privado de escolher a sua profissão, continuará a ter esta liberdade!
Face ao expendido, é de julgar improcedente a argumentação invocada pelo Recorrente nesta parte do recurso.
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2ª questão: Vício da violação do princípio da proporcionalidade
Uma outra questão suscitada pelo Recorrente é a violação do princípio da proporcionalidade.
O princípio da proporcionalidade está consagrado no artigo 5º do CPA, ao estabelecer que
«2. As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionados aos objectivos a realizar”.
Entendido, em sentido amplo, como proibição do excesso, o princípio da proporcionalidade postula que a Administração prossiga o interesse público pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições dos particulares. Incorpora, como subprincípio constitutivo, o princípio da exigibilidade, também conhecido como princípio da necessidade ou da menor ingerência possível, que destaca a ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível.
Para maior operacionalidade deste princípio, a doutrina acrescenta, entre outros elementos, o da exigibilidade espacial, que aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção na esfera jurídica das pessoas cujos interesses devam ser sacrificados (vd. J. J. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Almedina, 266, ss.).
Nesta óptica, a questão essencial reside em saber qual medida punitiva – demissão ou aposentação compulsiva – que é mais proporcional à sanção motivada pelos factos praticados pelo Recorrente.
No fundo, importa saber se o tipo de penas foi bem escolhido ou não. Ou seja, é uma matéria que se prende com a questão da aplicação correcta ou não do artigo 238º, 239º e 240º do EMFSM.
O artigo 238º (Aposentação compulsiva e demissão) do EMFSM tem o seguinte teor:
1. As penas de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis, em geral, por infracções disciplinares que inviabilizam a manutenção da relação funcional.
2. As penas referidas no número anterior são aplicáveis ao militarizado que, nomeadamente:
a) Agredir, injuriar ou desrespeitar gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, em local de serviço ou em público;
b) Usar de poderes de autoridade não conferidos por lei ou abusar dos poderes inerentes às suas funções excedendo os limites do estritamente necessário, quando seja indispensável o uso dos meios de coerção ou de quaisquer outros susceptíveis de ofenderem os direitos do cidadão;
c) Encobrir criminosos ou prestar-lhes qualquer auxílio que possa contribuir para frustrar ou dificultar a acção da justiça;
d) Por virtude de falsas declarações causar prejuízo a terceiros ou favorecer o descaminho de armamento;
e) Praticar ou tentar praticar acto demonstrativo da perigosidade da sua permanência na instituição ou acto de desobediência grave ou de insubordinação, bem como de incitamento à desobediência ou insubordinação colectiva;
f) Praticar de forma frustrada, tentada ou consumada crime de furto, roubo, burla, abuso de confiança, peculato, concussão, extorsão, peita, suborno e corrupção, associação de malfeitores, consumo e tráfico de estupefacientes, falsificação de documentos e pertença a sociedade secreta;
g) Tomar parte ou interesse, directamente ou por interposta pessoa, em qualquer contrato celebrado ou a celebrar por qualquer serviço da Administração Pública;
h) Violar segredo profissional ou cometer inconfidência de que resulte prejuízo para o Território ou para terceiros;
i) Se constituir na situação de ausência ilegítima durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados, dentro do mesmo ano civil;
j) Aceitar, directa ou indirectamente, dádiva, gratificação ou participação em lucros ou outras vantagens patrimoniais, em resultado do lugar que ocupa, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou expediente;
l) Abusar habitualmente de bebidas alcoólicas ou consumir ou traficar estupefacientes ou substâncias psicotrópicas;
m) For cúmplice ou encobridor de qualquer crime previsto nas alíneas anteriores:
n) Praticar, ainda que fora do exercício das suas funções, acto revelador de ser o seu autor incapaz ou indigno de exercer o cargo ou que implique a perda da confiança geral necessária ao exercício da função.
Nas hipóteses tipificadas no artigo 238º do EMFSM pode aplicar-se tanto a pena de aposentação compulsiva, como a de demissão! A opção de uma ou de outra depende da verificação dos pressupostos exigidos.
Nas situações previstas no artigo 240º do EMFSM aplica-se a pena de demissão!
Nas hipóteses do artigo 239º do EMFSM, aplica-se a pena de aposentação compulsiva, desde que se verifiquem os pressupostos aí fixados.
Neste ponto, no que toca à alegada violação do princípio da proporcionalidade, não está demonstrado que a decisão punitiva haja sacrificado ou beneficiado desproporcionadamente os interesses em confronto.
Pois, enquadrando-se a conduta infraccional do Recorrente na previsão da alínea n) dos n.ºs 1 e 2 do artigo 238.º do EMFSM, são factos graves, tendo em conta o seguinte:
O arguido foi condenado por consumo de estupefacientes, por sentença do Tribunal de Base de 27 de Outubro de 2015, na pena de dois meses de prisão, suspensa por dois anos sob condição de cumprimento de um programa de tratamento de toxicodependência e do pagamento de uma quantia de 5000 patacas nos termos do artigo 48.° do CPP.
A posse e o consumo de estupefacientes contraria as regras de conduta de um agente policial e abala em definitivo, quer a idoneidade para servir as forças de segurança quer, a confiança geral que é suposto suportar a sua relação funcional com uma corporação com atribuições policiais, tomando-a insustentável, pelo desvalor que traz ao seu prestígio e brio junto da população.
O arguido infringiu de forma grave o dever de aprumo constante das alíneas g) e o) do n.º 2 do artigo 12.° do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M e 30 de Dezembro, vendo-se tal conduta agravada pela circunstância da alínea d) do n.º 2 seu do artigo 201.° e, beneficiando, contudo, das atenuantes a que se referem as alíneas b) e i) do n.º 2 do artigo 200.°, igualmente do mesmo estatuto, correspondendo-lhe a pena expulsiva de demissão, o que resulta do disposto na al. l) do n.º 2 do artigo 238.°, do mesmo diploma.
Deste modo, e porque não se verificou erro manifesto na escolha da medida sancionatória aplicada e, foi respeitado o princípio de proporcionalidade nos termos acima vistos, e como não cabe dentro dos poderes do Tribunal a sindicância desse erro (não manifesto), é de negar provimento ao recurso nesta parte.
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3ª questão: Ilegalidade na aplicação de pena de demissão
(violação das normas dos artigos 238.º/1 e 2-l) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM)
O acto recorrido integrou as infracções previstas no artigo 238.º, n.ºs 1 e 2, alínea l), do EMFSM.
A Entidade Recorrida fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:
O arguido infringiu de forma grave o dever de aprumo constante das alíneas g) e o) do n.º 2 do artigo 12.° do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M e 30 de Dezembro, vendo-se tal conduta agravada pela circunstância da alínea d) do n.º 2 seu do artigo 201.° e, beneficiando, contudo, das atenuantes a que se referem as alíneas b) e i) do n.º 2 do artigo 200.°, igualmente do mesmo estatuto, correspondendo-lhe a pena expulsiva de demissão, o que resulta do disposto na al. l) do n.º 2 do artigo 238.°, do mesmo diploma.
Foi ouvido o Conselho e Justiça e Disciplina, nos termos do artigo 318.° n.º 1 al. e) do EMFSM, com cujo parecer não se concorda porquanto, estando o combate ao consumo e ao tráfico de droga no centro das preocupações das autoridades policiais, não se pode condescender em comportamentos de agentes policiais que contendam com esse mesmo desígnio, pelo que se considera não ser de atenuar a pena cominada na al. l) do n.º 2 do artigo 238.° daquele Estatuto.
Com efeito, a conduta descrita compromete definitivamente a relação funcional, tornando-a insustentável, por absoluta perda da confiança necessária ao exercício de uma função de natureza policial, pelo que, no uso da competência que me advém das disposições conjugadas do Anexo G ao artigo 211.° do EMFSM, com referência ao n.º 1 da Ordem Executiva n.º 111/2014, PUNO o arguido, Verificador Alfandegário n.º 7XXX1, A, dos SA, com a pena de DEMISSÃO, nos termos disposições conjugadas dos artigos 238.º n.º 2 al. l) e 240.º al. c), com os efeitos dos artigos 224.º e 228.º, todos do citado Estatuto.
Ora, na aplicação das penas, deve atender-se a um conjunto de factores:
- A natureza e a gravidade dos factos;
- A categoria do funcionário ou agente;
- A sua personalidade;
- O grau de culpa do infractor;
- Os danos e prejuízos causados;
- A perturbação produzida no normal funcionamento dos serviços;
Em geral, a todas as circunstâncias em que a infracção tiver sido cometida que militem contra ou a favor do arguido/Recorrente.
É o que resulta do artigo 232º do EMFSM.
E também é sabido que “As penas de inactividade ou de aposentação compulsiva e demissão são aplicáveis às infracções a seguir indicadas, conforme, ponderadas todas as circunstâncias atendíveis, inviabilizem ou não a manutenção da relação funcional”, o que significa que não basta a prática de “conduta constitutiva de crime…que possa atentar contra o prestígio e dignidade da função” ou que traduza a “violação de segredo profissional e omissão de sigilo devido relativamente aos assuntos conhecidos em razão do cargo ou da função, sempre que daí resulte prejuízo para o desenvolvimento do trabalho policial ou para qualquer pessoa” (Ac. do STA de 11/10/2006, Proc. nº 010/06).
Há-de haver, além disso, um “quid” perturbador da relação de confiança recíproca que inviabilize a manutenção do vínculo profissional. Como ainda recentemente se disse em aresto do STA, a pena de demissão aplica-se «a comportamentos que atinjam um grau de desvalor de tal modo grave que mine e quebre, definitiva e irreversivelmente, a confiança que deve existir entre o serviço público e o agente» (Ac. do STA de 11/10/2006, Proc. nº 010/06).
Como se decidiu no Ac. de 01.04.2003 do mesmo Supremo – Rec. 1.228/02, “A valoração das infracções disciplinares como inviabilizantes da manutenção da relação funcional tem de assentar não só na gravidade objectiva dos factos cometidos, mas ainda no reflexo dos seus efeitos no desenvolvimento da função exercida e no reconhecimento, através da natureza do acto e das circunstâncias em que foi cometido, de que o seu autor revela uma personalidade inadequada ao exercício dessas funções” (no mesmo sentido, os acórdãos de 18.6.96, proc.º nº 39.860, de 16.5.02, proc.º nº 39.260, de 5.12.02, proc.º nº 934/02, de 24/03/2004, Proc. nº 0757/03; e 11/10/2006, Proc. nº 010/06).
Quer dizer, ao órgão com competência disciplinar reconhece-se «no preenchimento dessa cláusula geral, ampla margem de liberdade administrativa, tal tarefa está limitada pelos princípios da imparcialidade, justiça e proporcionalidade – além de ficar, depois, sujeita ao poder sindicante dos tribunais administrativos, se forem detectáveis erros manifestos» (cf. o cit. 24/03/2004, Proc. nº 0757/03; tb. AC. do STA/Pleno de 19/03/99, Proc. nº 030896).
Ou, como é dito noutro aresto do STA do Portugal, “…o preenchimento do conceito indeterminado que corresponde à inviabilidade da manutenção da relação funcional, (…) constitui tarefa da Administração, a concretizar mediante um juízo de prognose. Contudo, a jurisprudência do STA, tem realçado que tais juízos têm de assentar em pressupostos como a gravidade objectiva do facto cometido, o reflexo no exercício das funções e a personalidade do agente se revelar inadequado para o exercício de funções públicas. Confrontar, a título meramente exemplificativo, os Acs. de 6-10-93 – Rec. 30463 e de 18-6-96 – Rec. 39860” (Ac. do STA de 2/12/2004, Proc. nº 01038/04).
A aplicação de uma medida expulsiva - quer se trate de demissão quer de aposentação compulsiva - só pode ter lugar quando a conduta do infractor atinge de tal forma o prestígio e a credibilidade da instituição de que faz parte que a sua não aplicação não só iria contribuir para degradar a imagem de seriedade e de isenção dessa instituição como também poderia ser considerada pela opinião pública como chocante ou escandalosa.
Por ser assim é que a aplicação daquelas penas aos agentes ou funcionários das FSM depende da prática de “infracções disciplinares que inviabilizam a manutenção da relação funcional” (art.º 238º/1 e 2-l) do EMFSM), isto é, de comportamentos capazes de minar de forma inapagável não só a imagem de prestígio e de credibilidade daquela Corporação como também a confiança que nelas depositam os cidadãos e que, por isso, impossibilitem a relação de confiança indispensável à manutenção do vínculo funcional.
No caso, importa sublinhar as notas caracterizadoras dos factos cometidos pelo Recorrente:
- Posse de estupefacientes;
- Era consumidor dos mesmos;
- Transportava os mesmos da China para Macau para consumo próprio;
- Sendo certo que tais actos não estavam ligados ao exercício de funções, mas teve natural impacto negativo na corporação que albergava o Recorrente e se revelou susceptível de atingir a dignidade de que é credora e o prestígio das Forças de Segurança em que se integra.
Assim, e mostrando-se suficientemente justificada a inviabilidade da manutenção da relação funcional, não há censura a dirigir à Administração por alegada violação daquelas normas do artigo 238.º/1 e 2-l) do EMFSM.
E também não pode considerar-se ter havido violação das normas dos artigos 200.º e 232.º do referido Estatuto, visto que foram individualizadas e ponderadas todas as atenuantes de que o Recorrente beneficiava.
Pelo que, é de julgar também improcedente a alegada violação dos preceitos legais do EMFSM.
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Síntese conclusiva:
I - A aplicação de uma medida expulsiva - quer se trate de demissão quer de aposentação compulsiva - só pode ter lugar quando a conduta do infractor atinge de tal forma o prestígio e a credibilidade da instituição de que faz parte e que a sua não aplicação não só iria contribuir para degradar a imagem de seriedade e de isenção dessa instituição.
II – O artigo 238º do EMFSM elenca as situações em que se pode aplicar a pena de demissão (ou de aposentação compulsiva), a opção de uma ou de outra depende da verificação dos pressupostos respectivos, enquanto nas hipóteses previstas no artigo 240º do mesmo EMFSM aplica-se a pena de demissão.
III – O princípio de proporcionalidade, entendido, em sentido amplo, como proibição do excesso, postula que a Administração prossiga o interesse público pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições dos particulares. Incorpora, como subprincípio constitutivo, o princípio da exigibilidade, também conhecido como princípio da necessidade ou da menor ingerência possível, que destaca a ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível.
IV - Para maior operacionalidade deste princípio, a doutrina acrescenta, entre outros elementos, o da exigibilidade espacial, que aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção na esfera jurídica das pessoas cujos interesses devam ser sacrificados (vd. J. J. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Almedina, 266, ss.).
V – Os factos imputados ao Recorrente integram nas infracções previstas no artigo 238º/1 e 2/-l) do EMFSM, que, pelo facto de adquirir produtos estupefacientes na China e de os trazer para Macau para consumo próprio, levaram a Entidade Recorrida a aplicar-lhe a pena de demissão, por entender que tais factos causaram impacto negativo na corporação que albergava o Recorrente e se revelou susceptível de atingir a dignidade de que é credora e o prestígio das FSM em que se integra. Assim, e mostrando-se suficientemente justificada a inviabilidade da manutenção da relação funcional, não há censura a dirigir à Administração por alegada violação do dever de aprumo, previsto no artigo 12º/2-g) e o) do EMFSM, o que justifica o recurso à sanção de demissão prevista no artigo 238.º/2-l) e no artigo 240º /-c), todos do EMFSM
VI - Deste modo, e porque não se verificou erro manifesto na escolha da medida sancionatória aplicada e, foi respeitado o princípio de proporcionalidade nos termos acima vistos, e como não cabe dentro dos poderes do Tribunal a sindicância dessa matéria, é de negar provimento ao recurso e manter o acto impugnado.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se o despacho punitivo recorrido (demissão).
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Custas pelo Recorrente que se fixa em 7 UCs.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 09 de Maio de 2019.
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Fong Man Chong Joaquim Teixeira de Sousa
_________________________ (Fui presente)
Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
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