Processo nº 403/2019 Data: 09.05.2019
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “burla”.
Medida da pena.
SUMÁRIO
1. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art. 65°, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.
2. Com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, devendo-se confirmar a pena aplicada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis.
O relator,
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Processo nº 403/2019
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, (1°) arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática como co-autor material de 1 crime de “burla”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 4, al. a) e 196°, al. b) do C.P.M., na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, e no pagamento da quantia de RMB¥200.000,00 e juros à ofendida dos autos; (cfr., fls. 195 a 201-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, vem o arguido recorrer para afirmar que “excessiva” é a pena, que devia ser reduzida para outra não superior a 3 anos de prisão, pedindo também a “suspensão da sua execução”; (cfr., fls. 227 a 234-v).
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Respondendo, pugna o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 243 a 244-v).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação de fls.227 a 234 dos autos, o recorrente solicitou a redução da pena de prisão de três anos e seis meses, aplicada no Acórdão em causa (cfr. fls.195 a 201 dos autos), a uma pena inferior a três anos de prisão e a suspensão da execução, assacando-lhe a violação das disposições nas alíneas a) do n.º4 do art.211º e b) do art.196º do Código Penal, bem como nos arts.65.º, 40.º e 48.º do mesmo diploma legal.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações da ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.243 a 244v. dos autos), no sentido do não provimento do recurso em exame.
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Sem embargo do respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que não são dotadas da virtude da atenuação especial a arrogada vontade de devolução dos numerários ao ofendido e a espontânea entrega do próprio à polícia (cfr. a conclusão 7 da Motivação). Pois, aquela vontade de devolução viu afinal falhada e não reparou os prejuízos do ofendido, e tal espontânea entrega é completamente irrelevante para a descoberta da verdade material e, sobretudo, para a captura dos outros criminosos em fuga.
Em boa verdade, é certo que o recorrente não consegue apresentar nenhuma circunstância de atenuação especial, e não se descortina nestes autos qualquer circunstância que possa atenuar especialmente a ilicitude ou a culpa dele que, em co-autoria e forma consumada, incorreu no crime de burla de valor consideravelmente elevado, p.p. pela alínea a) do n.º4 do art.211º em conjugação com a alínea b) do art.196º do Código Penal.
Nesta linha de perspectiva, e ao abrigo da moldura consagrada na alínea a) do n.º4 do art.211º do Código Penal, inclinamos a entender que a pena de três anos e seis meses de prisão efectiva concretamente aplicada pelo Tribunal a quo é equilibrada, justa e assim impecável. Daqui decorre que é descabido o pedido da redução da supramencionada pena e, nos termos do disposto no n.º1 do art.48º do Código Penal, falece incuravelmente o pedido da suspensão da execução da mesma pena.
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O n.º1 do art.48º do CPM revela inequivocamente que a suspensão da execução de pena de prisão depende do preenchimento cumulativo de dois requisitos: o formal traduz em a pena aplicada não ser superior a 3 anos; e o material na razoável conclusão (do julgador) de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, adequada e suficientemente, as finalidades da punição que, de acordo com a determinação no art.40º do CPM, consistem na prevenção especial e na geral.
Nos termos deste segmento legal, tal conclusão tem de angular-se em apreciação e valorização prévias, de índole prudente e prognóstico, de personalidade do agente, das condições da sua vida, da conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias deste.
Interessa ter na mente que mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão, não poderá ser decretada a suspensão da execução se à mesma se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. (vide. Acórdãos do TSI nos Processos n.º242/2002, n.º190/2004 e n.º192/2004)
Em esteira das orientações jurisprudenciais supra aludidas, e tendo em consideração a gravidade da ilicitude, a intensidade do dolo directo e a consequência, colhemos tranquilamente que a pretendida suspensão da execução é inadequada e insuficiente para a realização das finalidades da punição, mesmo que fosse reduzida a apontada pena de pena de três anos e seis meses de prisão cominada no Acórdão em escrutínio.
(…)”; (cfr., fls. 255 a 256).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 196-v a 197-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou pela prática como co-autor material de 1 crime de “burla”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 4, al. a) e 196°, al. b) do C.P.M., na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, e no pagamento da quantia de RMB¥200.000,00 e juros à ofendida dos autos.
Afirma que “excessiva” é a pena, batendo-se pela sua “redução” e “suspensão da sua execução”, (não impugnando a decisão da matéria de facto e sua qualificação jurídico-criminal que, por não merecer qualquer censura, se tem aqui como definitivamente fixada).
Vejamos.
Pois bem, ao crime de “burla” pelo arguido cometido, cabe a pena de 2 a 10 anos de prisão; (cfr., art. 211°, n.° 4 do C.P.M.).
Como sabido é, a “determinação da medida concreta da pena”, é tarefa que implica a ponderação de vários aspectos.
Nos termos do art. 40° do C.P.M.:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
Por sua vez, e atento o teor art. 65° do mesmo código, onde se fixam os “critérios para a determinação da pena”, tem este T.S.I. entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 13.09.2018, Proc. n.° 626/2018, de 17.01.2019, Proc. n.° 1077/2018 e de 21.02.2019, Proc. n.° 5/2019).
É também sabido que com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).
Acompanhando o Tribunal da Relação de Évora temos igualmente considerado:
“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 12.07.2018, Proc. n.° 534/2018, de 25.10.2018, Proc. n.° 570/2018 e de 17.01.2019, Proc. n.° 1138/2018).
No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).
E, como se tem igualmente decidido:
“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).
“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).
No caso, e seja como for, sempre se dirá que, sendo o crime cometido punível como a pena de 2 a 10 anos de prisão, ponderando no estatuído nos art°s 40° e 65° do C.P.M., provado estando que o arguido, ora recorrente, agiu de acordo com um plano previamente engendrado, e, nesta conformidade, ponderando no seu dolo directo e intenso, e no grau de ilicitude da sua conduta, atento, também, ao prejuízo causado – RMB¥200.000,00 – e não se olvidando as fortes necessidades de prevenção criminal relativamente à prática do crime de “burla” com o modus operandi dos autos – utilizando-se um (falso) “esquema de câmbio” – há que dizer que excessiva não se mostra a pena de 3 anos e 6 meses de prisão fixada, (a 1 ano e 6 meses do mínimo legal, e a 6 anos e 6 meses do máximo).
Por fim, apresenta-se-nos (totalmente) “gratuita”, (para não dizer outra coisa), a afirmação no sentido de ao recorrente caber a total responsabilidade pelo crime – uma vez que o 2° arguido, foi absolvido – evidente sendo também que nenhum motivo existe para qualquer atenuação – muito menos, “especial” – da pena, certo sendo que pelo Tribunal a quo foram ponderadas todas as circunstâncias que lhe eram favoráveis.
Nesta conformidade, e inviável sendo a suspensão da execução da pena porque inverificados os pressupostos do art. 48° do C.P.M., (em especial, quanto à “medida da pena”), resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o arguido a taxa de justiça de 4 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$2.000,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 09 de Maio de 2019
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa
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