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Processo nº 907/2016
Data do Acórdão: 02MAIO2019


Assuntos:

Estatuto de residente permanente da RAEM
Residência habitual
Conceito indeterminado


SUMÁRIO

1. A expressão residir habitualmente a que se refere o artº 1º/1-9) da Lei nº 8/1999 é um conceito indeterminado, pois se não tratando de conceito consistente em descrições puramente fácticas, cujo sentido e alcance são facilmente captáveis por quem domina mais ou menos a língua utilizada para a redacção da lei, mas sim conceito cujo preenchimento requer um juízo valorativo da situação concreta, feito pelo aplicador de direito, com vista à sua integração na previsão da norma.

2. Não se mostra desrazoável o critério, consistente na exigência do mínimo de 183 dias por ano da estada em Macau, fixado e adoptado pela Administração para a qualificação como habitual a residência de um indivíduo em Macau na matéria de reconhecimento do estatuto de residente permanente.


O relator



Lai Kin Hong
Processo nº 907/2016

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

A, devidamente identificado nos autos, vem recorrer do despacho da Secretária para a Administração e Justiça que, em sede de recurso hierárquico, manteve a decisão da Directora dos Serviços de Identificação que lhe negou o estatuto de residente permanente da RAEM, concluindo e pedindo que:
I. O presente Recurso vem interposto do douto Despacho do EXMA. SENHORA SECRETÁRIA PARA A ADMINISTRAÇÃO E JUSTIÇA, datado de 20.10.2016 e exarado sobre o Parecer da DSI nº 37/GAD/2016
II. O ora Recorrente tem legitimidade activa para impugnar o acto administrativo em causa, na medida em que é titular de um interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso, designadamente por ser lesado pelo acto aqui recorrido, como resulta do disposto na alínea a) do artigo 33º do CPAC.
III. Por escritura pública, datada de 29 de Março de 2005 o Recorrente adquiriu duas fracções autónomas em Macau sitas na XXX, uma para habitação, designada pela letra D15 do 15º andar D do Bloco 29, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXX e outra para estacionamento, designada por CM/Z do prédio descrito sob o n.º XXX
IV. Na sequência do investimento realizado na aquisição desses dois imóveis, o Recorrente requereu a fixação de residência em Macau, com fundamento em investimento imobiliário, por preço não inferior a um milhão de patacas.
V. O Recorrente foi o requerente único do pedido de autorização de residência.
VI. Por despacho datado de dia 21 de Setembro de 2009, o Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças deferiu o supra mencionado pedido de fixação de residência e, consequentemente foi concedida autorização de residência temporária ao Recorrente, válida até ao dia 21 de Janeiro de 2012.
VII. Em virtude da manutenção do fundamento inicial do pedido de residência, a aludida autorização foi renovada por despachos de 17 de Julho de 2012 e 22 de Maio de 2015.
VIII. O Recorrente é titular de Bilhete de Identidade de Residente válido até 21.01.2018.
IX. O Recorrente completou "7 anos consecutivos de residência autorizada em 20 de Janeiro de 2016", conforme guia de autorização/renovação de residência 15-00536-IPIM, datada de 17 de Junho de 2015 do Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Migração Substituto, por delegação do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, e da informação constante do site do IPIM.
X. Por requerimento datado de 3 de Março de 2016 dirigido à Direcção dos Serviços de Identificação e registado sob o n.º 80-RP-2016, o Recorrente requereu o estatuto de residente permanente.
XI. O Recorrente mudou-se definitivamente para Macau em 1998 para trabalhar no The Westin Resort, inicialmente como trabalhador não residente e depois como trabalhador residente, estatuto obtido em virtude do sobredito investimento efectuado na Região.
XII. Em finais de 2011, após o término da relação laboral com o The Westin Resort, o Recorrente foi convidado para exercer funções de Gerente Geral do Hotel Grand Mercure Shenzhen Oriental Ginza, em Shenzhen, na República Popular da China, convite esse que veio a aceitar, tendo posteriormente sido transferido para Hotel Pullman Wuxi New Lake do mesmo Grupo, onde se manteve até início do ano de 2015.
XIII. Muito embora o ora Recorrente tenha desempenhado funções na República Popular da China de 2011 a 2015, foi sempre na Região Administrativa Especial de Macau que manteve a sua casa e o centro da sua vida, aqui mantendo os seus pertences pessoais, os seus amigos, as contas bancárias, recebendo aqui toda a sua correspondência pessoal, pagando os seus impostos.
XIV. O Recorrente acordou com a sua entidade patronal que no fim do contrato e uma vez por ano teria direito a um bilhete de ida para Melborne porque as suas filhas estudavam na Austrália sendo que o Recorrente conseguia deslocar-se de Shenzhen para a RAEM com facilidade e de modo económico.
XV. Aquando do último pedido de renovação de residência junto do IPIM não foi suscitado qualquer constrangimento ao Recorrente pelo facto de este ter estado ausente do território no período compreendido entre finais de 2011 e início de 2015.
XVI. O Exmo. Senhor Director dos Serviços de Identificação indeferiu o seu pedido de concessão do estatuto de residente permanente porque “não residiu habitualmente em Macau no período 2012-2014”
XVII. Inconformado com a decisão o Recorrente apresentou Recurso Hierárquico para a Exma. Senhora Secretária para Administração e Justiça na sequência do qual foi emitido o parecer nº 27/GAD/2016.
XVIII. A Exma. Senhora Secretaria para a Administração e Justiça manteve a decisão recorrida indeferindo o recurso interposto, por concordar com a conclusão vertida no parecer nº 27/GAD/2016 de que o Recorrente «não tinha habitualmente residido em Macau nos anos de 2012 a 2014,não satisfaz os 7 anos consecutivos de residência habitual em Macau, previstos na Lei n.º 8/1999, no seu artigo 1.º n.º 1, aliena 9), nem o disposto no n.º 5 do artigo 4.º da mesma Lei, sendo, por isso, que não tem o estatuto de residente permanente de Macau.»
XIX. Para efeitos de atribuição de residência permanente em Macau, estabelece a alínea 9) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999, em harmonia com a alínea 5) do artigo 24º da Lei Básica, que os requerentes desse estatuto devem preencher dois requisitos: 1º) terem residido habitualmente em Macau pelo menos 7 anos e 2º) terem em Macau o seu domicílio permanente.
XX. É fundamento único para o indeferimento do pedido de residência permanente a inobservância do primeiro dos requisitos a que alude o artigo 1.º, nº 1, alínea 9) da lei 8/1999, qual seja, ter residido habitualmente em Macau, não tendo a Administração posto em causa o preenchimento do segundo critério.
XXI. Nos termos da lei, a ausência temporária de Macau não determina que se tenha deixado de residir habitualmente em Macau presumindo-se que os portadores do Bilhete de Identidade de Residente da RAEM válidos - como é o caso do Recorrente - residem habitualmente em Macau (cfr. artigo 4º e 5º da Lei 8/1999.
XXII. Verificando-se a favor do Recorrente essa presunção legal, caberia à Administração elidir a mesma, o que não logrou fazer.
XXIII. A decisão Recorrida assenta o indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto de residente permanente no facto de o Recorrente não ter residido «anualmente em Macau, pelo menos, 183 dias (o que coincide com o tempo de permanência exigido pelo CPSP, em relação a indivíduos que se pretendam fixar em Macau, para efeitos de contagem do tempo de residência habitual em Macau).»
XXIV. Em parte alguma da Lei resulta que o requerente do estatuto de residente permanente tenha de permanecer na RAEM pelo período de 183 dias por ano.
XXV. Nem da Lei 8/1999 - Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência da Região Administrativa Especial de Macau -, nem da a Lei 4/2003 - que fixa os Princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência -, nem do Regulamento Administrativo 5/2003 - que Aprova o regulamento sobre a entrada, permanência e autorização de residência - nem do Regulamento Administrativo 3/2005 - que aprova o regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados - resulta a obrigatoriedade de permanência na RAEM por um período de 183 para efeitos de manutenção do direito de residência e de atribuição do estatuto de residente permanente.
XXVI. Quisesse o legislador impor a permanência do Residente na RAEM por um período mínimo de 183 dias para efeitos contagem do tempo de residência habitual em Macau, tê-lo-ia feito expressamente, como o fez nos exemplos referidos da Lei n.º 14/2012 e do Decreto-Lei n.º 106/99/M.
XXVII. Não caberia à Administração decidir para além do que o legislador determinou.
XXVIII. O Recorrente ausentou-se temporariamente da RAEM por motivos profissionais, embora continue a ter o centro da sua vida em Macau.
XXIX. Tendo o Recorrente obtido o seu direito de residência em Macau por investimento, porque aqui decidiu aplicar o seu dinheiro na aquisição de imóvel, que mantém para uso próprio e exclusivo, e porque pretendeu fazer de Macau o seu lar e o centro da sua vida, a entidade Recorrida nunca poderia ter decidido que o Recorrente não tinha a sua residência habitual em Macau pelo período de 7 anos consecutivos pelo simples facto deste ter sido contratado para trabalhar na RPC entre os anos de 2012, 2013 e 2014 período durante o qual não permaneceu na RAEM pelo menos 183 dias.
XXX. A determinação da residência habitual depende da intenção de certo indivíduo se fixar num determinado lugar à sua escolha e aí permanecer durante determinado período.
XXXI. No caso do Recorrente a sua residência habitual é na RAEM local onde durante pelo menos 7 anos consecutivos manteve o centro da sua vida, não obstante se ter deslocado ocasionalmente para a Republica Popular da China onde esteve a trabalhar nos anos de 2012, 2013 e 2014, vindo à RAEM sempre que lhe era possível.
XXXII. O Recorrente não tem intenção de fixar residência habitual em qualquer outro lugar que não a RAEM.
XXXIII. O fundamento invocado pela Administração não poderia justificar o indeferimento do Recorrente de lhe ser reconhecido o estatuo de residente permanente da RAEM,
XXXIV. O acto recorrido encontra-se inquinado do vício de violação de lei na vertente de erro de direito, por incumprimento do artigo 24º alínea 5) da Lei Básica e dos artigos 1º no 1 aI. 9), artigo 4º e 5º da Lei 8/1999.
XXXV. O vício de violação de lei por erro de Direito gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA, o que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea d) do nº 1 do artigo 21º do CPAC.
Nestes termos e nos melhores de direito requer-se seja proferido Douto Acórdão por esse Venerando Tribunal que, nos termos do disposto no artigo 21º, nº 1 do CPAC, anule o acto recorrido que concordando com o teor do parecer da DSI nº 37/GAD/2016 indeferiu o recurso interposto pelo ora Recorrente e determinou o indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto de residente permanente, por se encontrar tal acto inquinado do vício de violação de lei na vertente de erro de direito, por incumprimento do artigo 24º alínea 5) da Lei Básica e dos artigos 1º no 1 aI. 9), artigo 4º e 5º da Lei 8/1999.
   Para tanto, requer a V.Ex.ª se digne ordenar a citação da Entidade Recorrida, para responder querendo, no prazo legal, e juntar aos autos o original do processo administrativo respectivo.

Citada, vem a Secretária para a Administração e Justiça contestar pugnando pela improcedência do recurso – vide as fls. 133 a 147 dos p. autos.

Produzida a prova testemunhal requerida pelo recorrente, foram apresentadas as alegações facultativas pelo recorrente e pela entidade recorrida, que reiteraram grosso modo o que foi dito na petição de recurso e na contestação.

Em sede da vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer que o recurso não merecia provimento – vide as fls. 211 a 212v dos p. autos.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

II

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

O processo é o próprio e inexistem nulidades e questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito do presente recurso.

Os sujeitos processuais gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Assim, de acordo com o alegado no petitório do recurso, a única questão que constitui o objecto do presente recurso é a do erro nos pressupostos de direito.

Mediante exame dos elementos documentais constantes dos autos do presente recurso e do processo administrativo e valorada a prova testemunhal produzida, é tida por assente a seguinte materialidade fáctica com relevância à apreciação e à boa decisão do presente recurso:

* O recorrente, divorciado, é da nacionalidade paquistanesa;

* Por despacho do Chefe do Executivo datado de 21JAN2009, foi-lhe concedida a autorização de residência temporária, por aquisição de imóveis, com a validade até 21JAN2012;

* Em 27FEV2009, foi-lhe emitido o bilhete de identidade de residente não permanente da RAEM;

* No momento da concessão da autorização de residência temporária, o recorrente era contratado, como trabalhador não residente, por um hotel sediado em Macau;

* A autorização de residência temporária foi sucessivamente renovada até 21JAN2018;

* No período de tempo compreendido entre NOV2011 e MAR2015, o recorrente estava a trabalhar na China, em dois hotéis sucessivamente;

* Em 09MAR2016, o recorrente apresentou ao SIM a declaração, a que se refere o artº 8º/1 da Lei nº 8/1999, em como tem o seu domicílio permanente em Macau;

* A solicitação do SIM e precedida do consentimento do recorrente, a PSP informou o SIM dos registos de entrada e saída de Macau do recorrente;

* Segundo apurado nesses registos, o número de dias da estada do recorrente em Macau nos anos 2012, 2013 e 2014, é 30, 41 e 30 dias, respectivamente;

* Mediante o ofício datado de 31MAIO2016 do SIM que lhe foi endereçado, o recorrente foi notificado do não reconhecimento do pretendido estatuto de residente permanente;

* Inconformado, recorreu hierarquicamente dessa decisão para a Secretária para a Administração e Justiça que, por despacho de 20SET2016, manteve a decisão recorrida;

* Desse despacho interpôs o presente recurso para este TSI.

Então vejamos.

Conforme se vê na matéria de facto assente, em 21JAN2009, ao recorrente foi concedida a autorização de residência temporária, por aquisição de imóveis em 2005, autorização essa veio a ser sucessivamente renovada até à prolação do despacho ora recorrido.

Decorridos sete anos após a aquisição do seu estatuto de residente, veio o recorrente pedir ao SIM que lhe fosse reconhecido o estatuto de residente permanente com vista à obtenção do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM.

Pedido esse que lhe foi negado com fundamento de que nos anos de 2012 a 2014 o recorrente não residia habitualmente em Macau.

Nos termos do disposto no artº 1º/9 da Lei 8/1999, são residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau as pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente.

Os factos concretos que levaram a entidade recorrida para concluir pelo não preenchimento do conceito de “residência habitual” são os reduzidos dias em que o recorrente ficou em Macau nos anos de 2012 a 2014.

Para a entidade recorrida, a duração da sua estada em Macau por 30 dias em 2012, por 41 dias em 2013 e por 30 dias em 2014 não atinge o número de 183 dias por ano que, na sua óptica é o mínimo para dar por verificado o requisito do carácter habitual de residência.

O recorrente vem atacar o juízo da inverificação do carácter habitual da sua residência nesses anos.

Para o efeito, avança com três argumentos, quais são:

* Enquanto portador do bilhete de identidade de residente, beneficia da presunção de residência habitual nos termos prescritos no artº 5º/1 da Lei nº 8/1999;

* Em lado algum a lei exige a estada em Macau pelo menos por 183 dias por ano como o mínimo para qualificar como habitual a residência de uma pessoa em Macau; e

* Apesar de ter trabalhado fora de Macau nos anos de 2012 a 2014, o certo é que ele manteve o seu centro de vida em Macau.

Comecemos pela análise de primeiro argumento.

O artº 5º/1 da Lei nº 8/1999 presume que os portadores de Bilhetes de Identidade de Residente de Macau válidos residem habitualmente em Macau.

Em regra, as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário – artº 343º/12 do CC.

Sendo uma presunção legal juris tantum que é, a presumida residência habitual invocada pelo recorrente com base no simples facto de ser portador do BIRM pode ser ilidida pela prova em contrário.

In casu, a Administração investigou e apurou que nos sete anos consecutivos após a aquisição pelo recorrente do seu estatuto de residente não permanente, a duração da sua estada em Macau nos anos 2012, 2013 e 2014 é 30, 41 e 30 dias por ano, respectivamente.

O que para a Administração é prova bastante para afastar a presunção legal a que se refere o artº 5º/1 da Lei nº 8/1999.

Portanto, a invocada presunção legal não é de impor, em todas as situações.

Passemos então aos restantes dois argumentos.

Para o recorrente, o critério de 183 dias por ano não é o critério fixado na lei, pois em lado algum a lei exige o tal número de dias da estada em Macau como o mínimo indispensável para qualificar como habitual a residência de um indivíduo. E por outro lado, o recorrente manteve durante estes anos o seu centro de vida em Macau.

Está em causa a interpretação da expressão “residência habitual”.

A propósito da residência habitual, o artº 4º da citada lei dispõe que:

Artigo 4.º

Residência habitual

1. Um indivíduo reside habitualmente em Macau, nos termos da presente lei, quando reside legalmente em Macau e tem aqui a sua residência habitual, salvo o previsto no n.º 2 deste artigo.

2. Considera-se que um indivíduo não reside em Macau numa das seguintes situações:

1) Se entrou em Macau ilegalmente;

2) Se permanece em Macau ilegalmente;

3) Se apenas tem autorização de permanência;

4) Se permanece em Macau na qualidade de refugiado;

5) Se permanece em Macau na qualidade de trabalhador não residente;

6) Se é membro de posto consular recrutado não localmente;

7) Se, após a entrada em vigor da presente lei, for sujeito a prisão por sentença condenatória transitada em julgado ou a prisão preventiva, salvo posterior absolvição;

8) Outros casos previstos em diplomas legais.

3. Para os efeitos do estatuto de residente permanente referido nas alíneas 2), 5), 8) e 9) do n.º 1 do artigo 1.º e da perda do direito de residência referida no n.º 2 do artigo 2.º, a ausência temporária de Macau não determina que se tenha deixado de residir habitualmente em Macau.

4. Para a determinação da residência habitual do ausente, relevam as circunstâncias pessoais e da ausência, nomeadamente:

1) O motivo, período e frequência das ausências;

2) Se tem residência habitual em Macau;

3) Se é empregado de qualquer instituição sediada em Macau;

4) O paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores.

5. Os sete anos consecutivos referidos nas alíneas 8) e 9) do n.º 1 do artigo 1.º, são os sete anos consecutivos imediatamente anteriores ao requerimento do estatuto de residente permanente da RAEM.

O nº 1 desse artigo não define o que se entende por “residência habitual”, tendo-se limitado a elencar, a título exemplificativo, as situações que não podem ser consideradas residência habitual.

O nº 3 preceitua que a ausência temporária de Macau não afecta o carácter habitual de residência em Macau.

E finalmente enuncia exemplos ilustrativos das situações que devem ser tidas em conta pela Administração para a avaliação do carácter habitual de residência de um indivíduo aqui residente.

Várias expressões utilizadas pelo legislador, residência habitual, ausência temporária, nomeadamente, não estão definidas.

In casu, não questionando a veracidade dos factos tidos por assentes e levados em conta pela Administração para a tomada da decisão recorrida, o recorrente vem imputar ao acto recorrido o vício da violação da ei na modalidade de erro nos pressupostos de direito, dado que, na sua óptica, a Administração valorou mal a situação concreta para concluir pela não habitualidade da sua residência em Macau nos anos em causa.

Conforme se vê na fundamentação de direito do acto recorrido, foi essencialmente de acordo com a informação da PSP, relativa aos registos de entradas e saídas da RAEM, no período compreendido entre 2012 e 2014, que a Administração formulou o juízo de que a duração da sua estada em Macau não chega para a qualificar como habitual a sua estada ou residência.

O tal juízo baseia-se no número de dias da sua estada, que para a Administração é escasso e que está longe de atingir o número de 183 dias por ano, adoptado por ela como critério para a avaliação do carácter habitual.

Como se sabe, o vício de violação da lei, na modalidade de erro nos pressupostos de direito, produz-se quando, no exercício de poderes vinculados, a Administração decida coisa diversa do que a lei estabelece – Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo II, pág. 391.

Tendo em conta a redacção da lei, estamos perante o exercício de um poder vinculado, pois reza o artº 1º/1-9) da Lei Lei nº 8/1999 que são residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau as pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente

Ai a lei exige aos candidatos ao estatuto de residente permanente que tenham residido habitual e consecutivamente pelo menos por sete anos e que tenham o seu domicílio permanente em Macau.

Está em causa o sentido e o alcance da expressão residir habitualmente.

Não se tratando de conceito consistente em descrições puramente fácticas, cujo sentido e alcance são facilmente captáveis por quem domina mais ou menos a língua utilizada para a redacção da lei, mas sim conceito cujo preenchimento requer um juízo valorativo da situação concreta, feito pelo aplicador de direito, com vista à sua integração na previsão da norma.

É um conceito indeterminado, assim denominado pela doutrina.

Pois a captação do sentido e do alcance e a integração desses requisitos previstos no citado artº 1º/1-9) pressupõe efectivamente um exercício interpretativo e valorativo pelo órgão decisor.

O preenchimento do conceito indeterminado constitui portanto a actividade estritamente vinculada à lei, e consequentemente sindicável por via contenciosa.

Então passemos a apreciar a bondade da valoração feita pela Administração dos factos para o preenchimento do tal conceito constante do artº 1º/1-9) da Lei nº 8/1999.

No âmbito do recurso hierárquico, seguindo de perto o preceituado no artº 4º/4 da Lei nº 8/1999, a Administração valorou os seguintes factos alegados e comprovados documentalmente pelo recorrente:

* O recorrente foi contratado para trabalhar fora de Macau, em dois hotéis sediados na China, no período de tempo compreendido entre NOV2011 e MAR2013;

* Nos termos dos contratos de trabalho celebrado com a sua entidade patronal na China, quer nas férias quer no termo do contrato de trabalho, o recorrente tinha direito ao transporte para Austrália e não para Macau; e

* O número dos dias em que ficou em Macau nos anos 2012 a 2014.

E expõe as razões pelas quais refuta o juízo valorativo de ter residido habitualmente em Macau que o recorrente extraiu daqueles mesmos factos e concluiu que o recorrente não residiu habitualmente em Macau nos anos 2012 a 2014.

De facto, se estivéssemos colocados perante os factos alegados e o teor dos documentos juntos pelo recorrente no petitório do recurso hierárquico, extrairíamos o mesmo juízo valorativo que a Administração fez, isto é, concluir pela inverificação do requisito de residência habitual nos anos 2012 e 2014.

Na verdade, para além de ser reduzido o número dos dias em que ficou em Macau naqueles anos, o recorrente não conseguir concretizar o alegado centro da sua vida em Macau.

E pela forma como foi alegado, o alegado centro da vida em Macau não passa de ser mero juízo, formado subjectivamente na mente do próprio recorrente e sem alicerce dos elementos objectivos e concretos.

Assim sendo, entendemos que bem andou a Administração ao indeferir como indeferiu o pedido para o reconhecimento do seu estatuto de residente permanente.

Finalmente, antes de terminar, cabe dizer que o critério consistente no mínimo de 183 dias por anos adoptado pela Administração para a qualificação como habitual a residência de um indivíduo não se mostra desrazoável, antes pelo contrário, é muito conservador.

Em conclusão:

1. A expressão residir habitualmente a que se refere o artº 1º/1-9) da Lei nº 8/1999 é um conceito indeterminado, pois se não tratando de conceito consistente em descrições puramente fácticas, cujo sentido e alcance são facilmente captáveis por quem domina mais ou menos a língua utilizada para a redacção da lei, mas sim conceito cujo preenchimento requer um juízo valorativo da situação concreta, feito pelo aplicador de direito, com vista à sua integração na previsão da norma.

2. Não se mostra desrazoável o critério, consistente na exigência do mínimo de 183 dias por ano da estada em Macau, fixado e adoptado pela Administração para a qualificação como habitual a residência de um indivíduo em Macau na matéria de reconhecimento do estatuto de residente permanente.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 6 UC.

Notifique.

RAEM, 02MAIO2019

Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng

Mai Man Ieng