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Processo nº 347/2019 Data: 09.05.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Julgamento à revelia.
Nulidade.

SUMÁRIO

  Nos termos do art. 313°, n.° 1 do C.P.P.M., é “obrigatória a presença do arguido na audiência (de julgamento), sem prejuízo do disposto nos art°s 314° a 316°”.
  Desta forma, tendo-se efectuado o julgamento “à revelia do arguido”, mas sem que reunidas estejam as condições para tal – fora das situações dos art°s 314° a 316° – incorreu-se na nulidade insanável do art. 106°, al. c) do C.P.P.M., (por “ausência” do arguido nos casos em que a lei exige a sua comparência).

O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 347/2019
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar:
- o (1°) arguido A, (…);
- o (2°) arguido B, como autor material da prática em concurso real de 1 crime de “tráfico de menor quantidade”, p. e p. pelo art. 11°, n.° 1 e 2 da Lei n.° 17/2009, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e 1 outro de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelo art. 15° da Lei n.° 17/2009, na pena de 2 meses de prisão, fixando-se-lhe, em cúmulo jurídico, a pena única de 1 ano e 7 meses de prisão; (cfr., fls. 234 a 242-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o (2°) arguido B recorreu, imputando ao Acórdão recorrido os vícios de “nulidade prevista no art. 106°, al. c) e 313°, n.° 1 do C.P.P.M.”, “erro notório na apreciação da prova” e “violação do princípio in dubio pro reo”, pedindo também a “suspensão da sua execução da dita pena”; (cfr., fls. 334 a 351).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 367 a 371-v).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Condenado, em cúmulo jurídico, na pena de um ano e sete meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade e um crime de detenção indevida de utensilagem, aos quais foram aplicadas, respectivamente, as penas parcelares de um ano e seis meses de prisão e dois meses de prisão, vem B impugnar o respectivo acórdão condenatório, de 7 de Junho de 2018, arguindo a nulidade insanável derivada da sua ausência em audiência, na qual era obrigatória a sua comparência, e, subsidiariamente, imputando-lhe o vício de erro notório na apreciação da prova, por admissão e valoração de prova proibida derivada do recurso a agente provocador, bem como verberando a não suspensão da execução da pena.
O Ministério Público, na sua resposta à motivação do recurso, pronuncia-se pela improcedência dos fundamentos aduzidos pelo recorrente e defende a bondade do acórdão posto em crise.
Vejamos, abordando a questão da nulidade.
A audiência de julgamento decorreu efectivamente na ausência do recorrente.
Com ressalva do previsto nos artigos 314.° a 316.° do Código de Processo Penal, a presença do arguido em audiência é obrigatória, conforme estatuído no artigo 313.° do Código de Processo Penal.
Salvo melhor juízo, não estava preenchida qualquer das hipóteses alinhadas nos artigos 314.° a 316.°, pelo que o tribunal deveria ter providenciado a comparência do arguido em juízo.
O que se passou é que, tendo as tentativas de notificação na sua residência saído goradas, avançou-se para a notificação edital. Só que se nos afigura que não era caso de notificação edital. Na verdade, quer a mãe do recorrente (fls. 167 a 168), quer a PSP (fls. 189 a 191) indicaram oportunamente ao tribunal o paradeiro do arguido, em Zhuhai, no Centro de Isolamento e Tratamento de Toxicodependência.
E sucede que o tribunal lançou mão da notificação edital sem curar de notificar o arguido no local em que se encontrava, o que, indo ao arrepio da regra prevista no artigo 100.°, n.° 1, alínea c), do Código de Processo Penal, acarretou a ausência do arguido num acto em que a sua presença era obrigatória, com todas as nefastas consequências daí decorrentes, nomeadamente em matéria de defesa.
A ausência do arguido nestas circunstâncias integra, salvo melhor juízo, a nulidade insanável do artigo 106.°, alínea c), do Código do Processo Penal, tal como vem sustentado na motivação do recurso, o que determina a invalidação do julgamento efectuado e a sua repetição (artigo 109.° do Código de Processo Penal), precedida da necessária notificação do recorrente, com o que fica prejudicada a apreciação dos demais fundamentos do recurso.
Nestes termos, e na procedência da suscitada nulidade, deve conceder-se provimento ao recurso, invalidando-se o julgamento efectuado pelo tribunal a quo e fazendo-se baixar os autos para repetição da audiência de julgamento com observância das necessárias formalidades”; (cfr., fls. 464 a 465).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Deu o Colectivo a quo como “provada” e “não provada” a matéria de facto elencada a fls. 235-v a 237 no Acórdão recorrido e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

Do direito

3. Vem o (2°) arguido B recorrer do Acórdão que o condenou como autor material da prática em concurso real de 1 crime de “tráfico de menor quantidade”, p. e p. pelo art. 11°, n.° 1 e 2 da Lei n.° 17/2009, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e 1 outro de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelo art. 15° da Lei n.° 17/2009, na pena de 2 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 1 ano e 7 meses de prisão.

Considera que o Acórdão padece dos vícios de “nulidade prevista no art. 106°, al. c) e 313°, n.° 1 do C.P.P.M.”, “erro notório na apreciação da prova” e “violação do princípio in dubio pro reo”, pedindo também a “suspensão da sua execução da dita pena”.

Analisados os autos, e ponderando sobre as “questões” colocadas, cremos que se incorreu na imputada “nulidade”, pois que verificadas não estavam as necessárias “circunstâncias legais” para que se procedesse à notificação do arguido por editais, prosseguindo os autos com o julgamento à sua revelia.

Com efeito, existe nos autos (clara) informação sobre o “paradeiro” do arguido – cfr., fls. 167 a 168 e 189 a 191 – e sem se tentar a sua notificação pelos “meios normais” no local aí referido, deu-se como desconhecido o seu paradeiro, avançando-se, indevidamente, para a sua notificação por editais nos termos do art. 316° do C.P.P.M. e pelo “julgamento à revelia do arguido” sem que fosse caso para tal.

Nesta conformidade, atento o prescrito no art. 313°, n.° 1 do C.P.P.M. – onde se estatui que “É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos artigos 314.º a 316.º” – e como se viu, não sendo o caso dos art°s 314° a 316° do mesmo código, incorreu-se na nulidade insanável prevista no art. 106°, n.° c) por “ausência do arguido” nos casos em que a lei exige a sua presença; (sobre a questão, cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 06.07.2000, Proc. n.° 98/00, de 14.12.2000, Proc. n.° 194/2000, de 31.05.2001, Proc. n.° 89/2001, de 03.04.2003, Proc. n.° 211/2002 e de 30.09.2004, Proc. n.° 213/2004, podendo-se, sobre a questão, ver também os Acs. do S.T.J. de 04.10.2006, Proc. n.° 06P2048 e de 02.05.2007, Proc. n.° 07P1018; o da Rel. do Porto de 02.07.2018, Proc. n.° 24/16, os da Rel. de Coimbra de 20.01.2016, Proc. n.° 127/10 e de 24.01.2018, Proc. n.° 647/14).

Prejudicadas ficando todas as restantes questões suscitadas, impõe-se decidir como segue.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, declarando-se a nulidade da audiência de julgamento efectuada no T.J.B..

Sem custas.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 09 de Maio de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 347/2019 Pág. 10

Proc. 347/2019 Pág. 9