Proc. nº 824/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 16 de Maio de 2019
Descritores:
- Condomínio
- Assembleia de condóminos
- Representação
- Artigo 1346º do Código Civil
SUMÁRIO:
I - Quando no art. 1346º, nº1, do Código Civil se prevê que o condómino se pode fazer representar por procurador, desde que portador de carta assinada por aquele e de cópia do documento de identificação do representado, está obviamente a fazer desta cópia um instrumento de auxílio à boa comparação entre a assinatura que nele consta e a que foi aposta na carta.
II - O que se pretende com aquela exigência é evitar que estejam presentes na assembleia elementos que se façam passar por condóminos, mas que não reúnem essa real qualidade. Ao mesmo tempo, visa-se evitar que a assembleia tome deliberações de acordo com a posição particular de algum condómino (alegadamente procurador) amplamente suportada em representados que, verdadeiramente, o não são.
Proc. nº 824/2018
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A, solteiro, maior, titular de BIRPHK n.º XXXX, residente em Macau na XXXX----
Instaurou no TJB (Proc. nº CV2-16-0024-CAO) acção ordinária contra:
Condóminos Incertos dos Edifícios B1, B2 e B3 (B海景花園管理委員會), representados pela administração do condomínio, na pessoa do seu administrador C, com domicílio na XXXX, em Macau;
Com os fundamentos apresentados constantes da petição inicial de fls. 42 a 50, concluiu pedindo que fosse julgada procedente por provada a presente acção e, em consequência, fossem anuladas todas as deliberações tomadas na reunião da assembleia geral do condomínio dos Edifícios B1, B2 e B3, ocorrida a 17 de Janeiro de 2016.
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Nesses autos foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e anulou as deliberações tomadas na reunião da assembleia geral do condomínio dos edifícios B1, B2 e B3 quanto aos pontos 3 e 4 da ordem de trabalhos, absolvendo os RR dos restantes pedidos.
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Contra essa sentença veio interposto o presente recurso pelo autor, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“A. In casu, o recorrente propôs no Tribunal Judicial de Base acção declarativa com processo ordinário comum, solicitando, nos termos do art.º 1350.º, n.º 2 do Código Civil, a anulação de todas as deliberações da assembleia geral do condomínio do B Seaview Garden – Edf. B1, Edf. B2 e Edf. B3, realizada em 17 de Janeiro de 2016. Por sua vez, o tribunal a quo julgou parcialmente procedente a acção do recorrente.
B. Entendeu o tribunal a quo que o presidente da reunião da assembleia geral do condomínio tinha direito de recusar a participação dos representados, em representação do representante (sic.), na reunião, por as assinaturas apostas nas cartas não corresponderem às constantes dos documentos de identificação. O recorrente discorda de tal entendimento.
C. De acordo com o art.º 1346.º, n.º 1 do Código Civil, quando o representante também seja um condómino, só é preciso apresentar uma carta assinada dirigida ao presidente da reunião da assembleia geral do condomínio, bem como a cópia do documento de identificação do representado.
D. Para encorajar os condóminos a discutir e participar na administração das partes comuns, o legislador dispensou os condóminos de tratar das formalidades notariais no cartório notarial.
E. A lei não exige que a assinatura aposta na carta acima referida seja completamente idêntica à do documento de identificação do representado, ou que do documento de identificação do representado conste obrigatoriamente a sua assinatura.
F. O documento de identificação é elemento da privacidade pessoal, cuja cópia, em geral, só será entregue ao representante com consentimento do representado, o que revela a vontade deste de incumbir o representante de participar na assembleia geral do condomínio.
G. No caso sub judice, não se provou que as 42 cartas mandadeiras, recusadas pelo presidente da mesa, não foram assinadas pelos condóminos.
H. O acto do presidente da mesa de recusar a aceitar as 42 cartas mandadeiras assinadas pelos condóminos privou os condóminos representados do direito de participação na assembleia geral do condomínio, e ainda mais, do direito de participação (directa ou indirecta, através do representante) na administração dos assuntos do condomínio.
I. Por isso, o supracitado acto do presidente da mesa deve ser considerado irregularidade mencionada no n.º 2 do art.º 1350.º do Código Civil, e a decisão do tribunal a quo violou a respectiva lei, pelo que deve o MM.º Juiz revogar a decisão recorrida e anular todas as deliberações da assembleia geral do condomínio do B Seaview Garden – Edf. B1, Edf. B2 e Edf. B3, realizada em 17 de Janeiro de 2016.
J. Se assim não for entendido, verifica-se ainda o vício de erro de julgamento na parte dos factos.
K. Através de análise e confronto das 42 cartas mandadeiras recusadas, constantes das fls. 192 a 275 dos autos, com as cópias dos documentos de identificação, qualquer pessoa normal pode reparar que as assinaturas feitas por XXX (fls. 194 a 195 dos autos), XXX (fls. 196 a 197 dos autos), XXX (fls. 198 a 199 dos autos), XXX (fls. 202 a 203 dos autos), XXX (fls. 204 a 205 dos autos), XXX (fls. 210 a 211 dos autos), XXX (fls. 212 a 213 dos autos), XXX (fls. 216 a 217 dos autos), XXX (fls. 224 a 225 dos autos), XXX (fls. 226 a 227 dos autos), XXX n (fls. 228 a 229 dos autos), XXX (fls. 240 a 241 dos autos), XXX (fls. 242 a 243 dos autos), XXX (fls. 244 a 245 dos autos), XXX (fls. 248 a 249 dos autos), XXX (fls. 250 a 251 dos autos), XXX (fls. 252 a 253 dos autos), XXX (fls. 262 a 263 dos autos), XXX (fls. 264 a 265 dos autos) e XXX (fls. 266 a 267 dos autos) nas cartas mandadeiras estão em conformidade com as constantes das cópias dos seus documentos de identificação.
L. O recorrente entende que o reconhecimento dos respectivos factos violou as regras de experiência comum, e o tribunal só podia reconhecer que as assinaturas apostas em 21 das 42 cartas mandadeiras não corresponderam às constantes dos documentos de identificação, enquanto as assinaturas feitas pelos supracitados 20 condóminos nas cartas mandadeiras estão em conformidade com as nas cópias dos seus documentos de identificação.
M. Pela mesma razão, a decisão do tribunal a quo violou a respectiva lei, pelo que deve o MM.º Juiz revogar a decisão recorrida e anular todas as deliberações da assembleia geral do condomínio do B Seaview Garden – Edf. B1, Edf. B2 e Edf. B3, realizada em 17 de Janeiro de 2016.
Pelo exposto, pede-se ao MM.º Juiz para julgar procedente o presente recurso, revogar a decisão recorrida, e nos termos do art.º 630.º do CPC, julgar procedente a acção declarativa intentada pelo recorrente, bem como anular, nos termos do art.º 1350.º, n.º 2 do Código Civil, todas as deliberações da assembleia geral do condomínio do B Seaview Garden – Edf. B1, Edf. B2 e Edf. B3, realizada em 17 de Janeiro de 2016, condenando os recorridos a pagar as custas processuais.
Solicita-se que faça a justiça!”
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Os Condóminos, sem apresentarem conclusões, responderam ao recurso, pugnando pelo improvimento do mesmo.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença impugnada deu por assente a seguinte factualidade:
“Da Matéria de Facto Assente:
- O Autor tem registada a seu favor a aquisição da fracção autónoma designada por “I25” do edifício descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXXX, sito em Macau, na XXXX, Edf. B2 (alínea A) dos factos assentes).
- Foi agendada para o dia 16 de Janeiro de 2016 de uma reunião da assembleia geral do condomínio do prédio referido em A)1 (alínea B) dos factos assentes).
- Do aviso convocatório, constava a seguinte ordem de trabalhos (alínea C) dos factos assentes):
1. Discussão e designação dos membros da mesa da assembleia geral, entre os quais um para exercer a função de presidente da mesa, bem como autorizar os membros da mesa a redigir e assinar a acta da reunião;
2. Eleição de uma nova administração composta por condóminos para um mandato de dois anos, com início em 19 de Janeiro de 2016 e termo em 18 de Janeiro de 2018;
3. Informação sobre as contas relativas ao exercício de 2014;
4. Informação sobre as contas relativas ao exercício de 2015:
5. Discussão e deliberação das propostas de gestão e de orçamento preparadas pela empresa de gestão do condomínio “D, Lda.”, da continuidade da prestação de serviços pela “D, Lda.” e da autorização da administração para celebrar contrato de gestão do condomínio com a referida empresa de gestão no período de exercício da nova administração;
6. Se não for aprovada a deliberação prevista no ponto 5) da ordem de trabalhos, passa-se à discussão e deliberação de incumbir a administração para iniciar processo de escolha de uma nova empresa de gestão, conferindo-se poderes à administração para representar os condóminos na escolha da nova empresa e na outorga do novo contrato; se a deliberação no ponto 5) for aprovada não há necessidade de proceder à deliberação do ponto 6);
7. a) Discussão e deliberação sobre a remoção dos equipamentos de comunicações móveis existentes no topo dos edifícios;
7. b) Discussão e deliberação para conferir poderes à administração para reivindicar o pagamento pelo uso dos equipamentos montados no topo dos edifícios;
8. Obras de manutenção dos edifícios;
9. Discussão e escolha da empresa responsável pela execução das obras previstas no ponto 8) da ordem de trabalhos;
10. Autorizar o presidente da administração a representar os condóminos junto do Instituto de Habitação para requerer subsídio para as obras de manutenção do edifício.
- No mesmo aviso convocatório foram ainda incluídas três notas sobre a necessidade de identificação dos condóminos, o direito de representação de acordo com o artigo 1346.º, n.º1, do Código Civil, e também sobre o funcionamento da assembleia nos termos do disposto no artigo 1347.º do Código Civil (alínea D) dos factos assentes).
- Por falta de quórum, não foi possível realizar a assembleia na primeira convocação, motivo pelo qual a realização da mesma passou para o dia seguinte, 17 de Janeiro de 2016, à mesma hora, ou seja, 20:00 horas (alínea E) dos factos assentes).
- O Autor apresentou-se à hora marcada na reunião, sendo portador de oitenta e quatro cartas mandadeiras, passadas a seu favor, acompanhadas por cópias de documentos de identificação dos respectivos mandantes (alínea F) dos factos assentes).
- O presidente da mesa não considerou válidas quarenta e duas dessas cartas alegando que a assinatura feita em cada uma delas não correspondia à constante no documento de identificação do respectivo mandante (alínea G) dos factos assentes).
- Em resultado das votações, entre outras deliberações, foi deliberado não renovar o contrato com a empresa de gestão actualmente em funções, deliberando-se, de acordo com o ponto 6) da ordem de trabalhos, confiar à administração eleita a escolha de uma nova empresa de gestão e outorga do respectivo contrato (alínea H) dos factos assentes).
- Foram também aprovadas as contas relativas aos exercícios de 2014 e 2015 (alínea I) dos factos assentes).
Da Base Instrutória:
- O que consta da resposta ao quesito 11º (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
- O presidente da mesa tinha na sua posse as referidas cartas, inclusivamente as que não foram por ele aceites (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
- O Autor votou desfavoravelmente a todas as deliberações tomadas à excepção do ponto 1 de ordem de trabalhos (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
- Da acta da reunião não consta quem foram os condóminos que votaram favoravelmente as deliberações, as quais à excepção do ponto 1 de ordem de trabalhos foram feitas por voto secreto (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
- As convocatórias para a assembleia geral foram enviadas por carta registada, para todos os condóminos (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
- A convocatória para o Autor foi enviada no dia 4 de Janeiro de 2016, por carta registada (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
- O A. não levantou a carta do posto dos correios, pelo que esta acabou por ser devolvida ao remetente por falta de reclamação (resposta ao quesito 11º da base instrutória).
- O Autor recusou receber a convocatória que lhe foi enviada por carta registada (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
- A assinatura aposta em 41 das 42 cartas mandadeiras referidas em G) dos factos assentes não é idêntica à do documento de identificação que as acompanhava e de no documento de identificação que acompanhava 1 das cartas não constava qualquer assinatura que permitia estabelecer compração com a assinatura constante da carta (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
- Nenhum dos condóminos presentes na assembleia, nem o A., manifestou qualquer desacordo que se procedesse à votação das contas relativas a 2014 e 2015 (resposta ao quesito 14º da base instrutória).
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III – O Direito
1- Vejamos o que foi fundamentado e decidido na sentença da 1ª instância:
“Pela presente acção, pretende o Autor que as deliberações tomadas na reunião da assembleia geral do condomínio do edifício “B1, B2 e B3” realizada no dia 17 de Janeiro de 2016 sejam anuladas.
Para o efeito alega que, para a assembleia acima referida, o Autor nunca recebeu a convocatória enviada por carta registada; que, apesar disso, o Autor compareceu na reunião munido de 84 cartas emitidas por outros condóminos para lhe conferir poderes de representação nesta reunião; que o presidente da mesa não considerou válidas 42 destas cartas alegando falta de conformidade entre as assinaturas nelas apostas e as constantes dos respectivos documentos de identificação; que pessoas estranhas ao condomínio participaram e votaram na reunião em questão; que vários condóminos com posições opostas à administração foram impedidos de falar e votar na reunião; que o que veio a ser deliberado não correspondia ao objecto indicado nos pontos 3 e 4 da ordem de trabalhos constante da convocatória; e que o Autor se opôs a todas as deliberações tomadas.
Contestando grande parte dos factos alegados pelo Autor, alega a Ré alegando que a convocatória foi enviada ao Autor por carta registada a qual não foi levantada porque o mesmo se recusou a recebê-la; que 42 cartas de representação apresentadas pelo Autor foram rejeitadas porque as assinaturas nelas apostas não eram idênticas às dos respectivos documentos de identificação; e que nenhum dos condóminos presentes incluindo o Autor manifestou desacordo que se procedesse à votação das contas de 2014 e 2015 tendo todos os presente deliberado aprovar as contas.
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Da resenha acima feita vê-se que, além da legitimidade substantiva do Autor para pôr em causa todas as deliberações tomadas na referida reunião da assembleia geral, estão em causa as seguintes questões a apreciar na presente sentença:
• Irregularidade na convocação;
• Não reconhecimento dos poderes de representação do Autor;
• Participação na votação de estranhos ao condomínio;
• Negação do direito ao voto aos condóminos; e
• Não conformidade entre o objecto previsto na ordem de trabalhos e as deliberações tomadas.
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Legitimidade substantiva do Autor
Nos termos do artigo 1351º, nº 1, a), do CC “Tem legitimidade para arguir a invalidade de uma deliberação da assembleia: Qualquer condómino que não tenha votado favoravelmente a deliberação.”
Alega o Autor que se opôs a todas as deliberações tomadas na reunião da assembleia geral realizada no dia 17 de Janeiro de 2016.
Feito o julgamento da matéria de facto, ficou apurado que o Autor votara desfavoravelmente a todas as deliberações à excepção do ponto 1 da ordem de trabalhos.
Assim, o Autor tem, tão-só, legitimidade para impugnar as deliberações tomadas sobre os pontos 2 a 10 da ordem de trabalhos constante da convocatória referida na alínea C) dos factos assentes.
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Irregularidade na convocação
Defende o Autor que a convocação da assembleia geral não está conforme as exigências legais porque o Autor nunca recebeu a respectiva convocatória por carta registada.
Nos termos do artigo 1345º, nº 1, do CC “A assembleia geral do condomínio é convocada por meio de carta registada, enviada com a antecedência mínima de 10 dias, para o local ou locais referidos nos termos do número seguinte, ou mediante protocolo efectuado com a mesma antecedência e nos mesmos locais.”
De acordo com a matéria dada por assente, a convocatória foi enviada ao Autor, no dia 4 de Janeiro de 2016, por carta registada, a qual não foi levantada porque o mesmo recusou recebê-la.
Desses factos vê-se que corresponde à verdade que o Autor não recebeu a convocatória. No entanto, tal não não resultou da falta de envio da convocatória mas sim do não levantamento deliberado da respectiva carta registada por parte do Autor.
Segundo a norma acima transcrita, a formalidade exigida cinge-se, no que diz respeito ao envio da convocatória por meio de carta registada, aos condóminos, sendo irrelevante o levantamento ou não do mesmo por parte do destinatário, pois está fora do controlo de quem convoca a assembleia geral.
Perante os factos provados, não se pode deixar de considerar que nenhuma irregularidade se verificou no processo de convocação da assembleia geral realizada em 17 de Janeiro de 2016.
A isso acresce que dispõe o artigo 216º, nºs 1 e 2, do CC que “1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada. 2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.”
Tendo sido o Autor quem, por livre vontade, se recusou a receber a convocatória, foi por culpa do mesmo que a mesma não foi recebida.
Assim, nada há a apontar no processo de convocação capaz de invalidar as deliberações tomadas.
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Não reconhecimento dos poderes de representação do Autor
Entende o Autor que as deliberações são inválidas porque foi negada a possibilidade prevista no artigo 1346º, nº 1, do CC de os condóminos serem representados na reunião da assembleia geral realizada no dia 17 de Janeiro de 2016.
Dispõe o artigo 1346º, nº 1, do CC que “Os condóminos podem fazer-se representar por procurador, ou delegar os seus poderes em outro condómino, bastando, neste caso, como instrumento de representação uma carta assinada dirigida ao presidente da reunião da assembleia geral do condomínio e a apresentação de cópia do documento de identificação do representado.”
Conforme essa norma, aos condóminos assiste, de facto, o direito de se fazer representar na reunião em questão.
Segundo a matéria dada como provada, o Autor compareceu no local da reunião munido de 84 cartas de representação emitidas a seu favor acompanhadas de cópias de documentos de identificação dos respectivos mandantes das quais 42 não foram consideradas válidas pelo presidente da mesa alegando que a assinatura feita em cada uma delas não correspondia à constante do respectivo documento de identificação.
Assim, é de equacionar se a rejeição feita pelo presidente da mesa é fundada.
Sobre essa questão, está provado que a assinatura aposta em 41 dessas 42 cartas não é idêntica à do documento de identificação que as acompanhava e de no documento de identificação que acompanhava 1 das cartas não constava qualquer assinatura que permitia estabelecer compração com a assinatura constante da carta.
Perante esse facto, a decisão tomada pelo presidente da mesa não merece qualquer censura visto que cabia ao mesmo garantir que o represntante, neste caso o Autor, estava regularmente mandatado e esta fiscalizarção faz-se naturalmente pelo confronto das assinaturas e demais dados a partir das cartas e das cópias dos documentos de identificação ao mesmo apresentado.
Pelo que, também não pode proceder a pretensão do Autor com base no fundamento acabado de analisar.
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Participação na votação de estranhos ao condomínio
Alega o Autor que as deliberações tomadas na citada assembleia geral estão viciadas porque na sua votação participaram pessoas que não eram proprietários das fracções autónomas que fazem parte do condomínio.
Por se estar perante as deliberações tomadas pela assembleia geral dos condóminos de determinado imóvel em regime de propriedade horizontal, apenas aos proprietários das fracções autónomas do mesmo assiste o direito de participar e votar na respectiva reunião.
Com efeito, preceitua o artigo 1330º, a), do CC “São direitos dos condóminos: Participar e votar nas reuniões da assembleia geral do condomínio.”
A dar-se como provado o alegado pelo Autor, as deliberações tomadas não podem deixar de ser inválidas nos termos do artigo 1350º, nº 2, do CC.
Contudo, o Autor não logrou demonstrar que pessoas estranhas ao condomínio participaram e votaram na assembleia geral em discussão.
Assim sendo, as deliberações tomadas não podem ser invalidadas com base no acima alegado pelo Autor.
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Negação do direito ao voto aos condomínios
Mais sustenta o Autor que a certos condóminos foi negado o direito de expressar a sua opinião e de votar na assembleia geral.
Flui das normas acima elencadas que aos condóminos do imóvel sub judice assiste o direito de participar e votar na assembleia geral do respectivo condomínio. A participação inclui como é evidente o direito de emitir a sua opinião relativamente aos assuntos constantes da ordem de trabalhos.
Pelo que, também a demonstrar-se o alegado pelo Autor, as deliberações não podem manter-se intactas.
Novamente, o Autor não conseguir provar que o por si alegado correspondia à verdade o que impede que se invalidem as deliberações impugnadas com o fundamento em discussão.
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Não conformidade entre as deliberações tomadas e o objecto previsto na ordem de trabalhos
O Autor acusa a assembleia geral de ter deliberado sobre matérias não previstas na ordem de trabalhos constante do convocatório porque o objecto dos respectivos pontos 3 e 4 era “informação sobre as contas relativas aos exercícios de 2014 e 2015” tendo, contudo, os condóminos presentes, antes, deliberado aprovar as contas relativas aos exercícios destes anos.
Estipula o artigo 1345º, nº 3, do CC que “A convocatória tem que indicar a data, hora, ordem de trabalhos e local da assembleia e é redigida em uma das línguas oficiais, devendo, sempre que possível, ser acompanhada de tradução quando houver condóminos que se expressem apenas na outra.”
Do confronto do que consta da ordem de trabalhos com o que foi deliberado, verifica-se, de facto, a alegada desconformidade. Assim, a deliberação tomada não foi precedida da devida indicação do seu objecto na ordem de trabalhos como impõe o preceito acima transcrito.
Preceitua o artigo 1350º, nº 2, do CC que “Exceptuados os casos previstos no número anterior, as deliberações da assembleia contrárias à lei ou que violem o regulamento, seja pelo seu objecto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos condóminos ou no funcionamento da assembleia, são anuláveis.”
São, pois, inválidas as deliberações que aprovaram as contas relativas aos exercícios de 2014 e 2015.
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Nem se diga que está provado que nenhum dos condóminos presentes, inclusivamente o Autor, manifestou qualquer desacordo na votação das contas relativas a 2014 e 2015.
É que essa não oposição, para ter o efeito pretendido pela Ré, pressupõe que todos os condóminos estivessem presentes na reunião e nenhum deles tivesse manifestado oposição à votação. Com efeito, dispõe o artigo 1350º, nº 3, do CC que “A comparência de todos os condóminos na reunião sanciona quaisquer irregularidades da convocação, bem como a invalidade da deliberação tomada sobre matéria estranha à ordem de trabalhos, desde que nenhum deles se oponha à realização da assembleia ou ao aditamento.”
Ora, nada nos autos indica que todos os condóminos participaram na assembleia geral razão por que não se pode concluir que se está perante o facto impeditivo previsto no artigo 1350º, nº 3, do CC.
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Flui do acima exposto que, dos fundamentos invocados pelo Autor, apenas o especificamente respeitante à invalidade das deliberações tomadas sobre os pontos 3 e 4 da ordem de trabalhos pode proceder.
Assim, a presente acção procede parcialmente sendo de anular, tão-só estas, as deliberações tomadas sobre os ponto 3 e 4 da ordem de trabalhos.
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IV – Decisão:
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção e, em consequência:
1. Anula as deliberações tomadas na reunião da assembleia geral do condomínio dos Edifícios B1, B2 e B3 sobre os pontos 3 e 4 da ordem de trabalhos; e
2. Absolver a Ré, Condóminos Incertos dos Edifícios B1, B2 e B3, dos restantes pedidos formulados pelo Autor, A.
Custas pelo Autor e pela Ré na proporção de 80% e 20% respectivamente.
Registe e Notifique.”
A fundamentação da sentença acabada de transcrever merece o nosso inteiro aplauso, pelo que a sufragamos, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 631º, nº 5, do CPC.
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Acrescenta-se somente o seguinte:
Quando no art. 1346º, nº1, do Código Civil se prevê que o condómino se pode fazer representar por procurador, desde que portador de carta assinada por aquele e de cópia do documento de identificação do representado, está obviamente a fazer desta cópia um instrumento de auxílio à boa comparação entre a assinatura que nele consta e a que foi aposta na carta. Como é bom de ver, o que se pretende com aquela exigência é evitar que estejam presentes na assembleia elementos que se façam passar por condóminos, mas que não reúnem essa real qualidade. Ao mesmo tempo, visa-se evitar que a assembleia tome deliberações de acordo com a posição particular de algum condómino (alegadamente procurador) amplamente suportada em representados que, verdadeiramente, o não são.
Eis por que não pode vingar a tese do recorrente, segundo a qual basta a cópia do documento de identificação dos representados e a carta assinada por eles. Se o presidente da assembleia não pudesse fazer o confronto das assinaturas das cartas com a que consta dos documentos de identificação, para que serviria a imposição da assinatura dos instrumentos de representação e a junção de cópia do documento de identificação?!
De pouco vale dizer que nalguns países ou Regiões o documento de identificação não tem assinatura, como diz ser o caso da RAEK. Antes de mais nada, estamos a tratar de uma jurisdição diferente e o que aqui releva é o regime vigente na RAEM. Quando o nº1 do art. 1346º manda que seja junta cópia do documento de identificação, temos que interpretar o inciso legal na sua globalidade, não dispensando a sua concatenação com o segmento que impõe a junção de carta assinada. O que significa que está ali implícito que o documento a apresentar tem que incluir a assinatura do representado para a necessária comparação e apuramento, ainda que sumário, da verosimilhança da respectiva identidade.
Foi por causa dessa comparação que 42 procurações não foram aceites, devido à não coincidência de letra, inculcando que a assinatura não correspondia à do documento.
O recorrente pretende que avaliemos se a letra e assinatura dessas 42 cartas correspondem à assinatura aposta nos documentos. Mas, o tribunal “a quo” fez essa avaliação e concluiu que “nenhuma [assinatura] era idêntica à do documento de identificação…”. Quanto à conclusão sobre a veracidade das assinaturas, entendeu que não havia prova de que as assinaturas apostas pelos condóminos, e a cuja aposição a 2ª testemunha do autor assistiu, fossem aquelas que correspondiam às cartas “mandadeiras” (de representação) que foram rejeitadas, já que podiam corresponder às restantes 42 cartas que foram aceites.
Não está em melhor posição este TSI do que o tribunal “a quo” para ultrapassar esta dúvida, dúvida que só poderia ser ultrapassada por eventual exame pericial, a ter sido realizado na 1ª instância.
Razão pela qual a decisão judicial em crise, ao ter sancionado a deliberação da Assembleia de Condomínio, não violou o art. 1350º, nº2, do CC e não merece reparo do TSI.
Improcede, pois, o recurso.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença impugnada.
Custas pelo recorrente.
T.S.I., 16 de Maio de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
1 Conforme o alegado pelo Autor no artigo 2º da petição inicial, a assembleia geral em questão é a do condomínio dos Edifícios B1, B2 e B3 e não apenas do Edifício B2 como vem indicado na alínea B) dos factos assentes. Na contestação apresentada pela Ré, a mesma reconhece o alegado pelo Autor razão por que se deve entender que se está perante um lapso de escrita, onde se lê “prédio referido em A)” deve-se ler “condomínio dos Edifícios B1, B2 e B3”
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Proc. nº 824/2018 1