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Processo n.º 274/2019
(Autos de recurso cível)

Data: 23/Maio/2019

Assuntos: Suspensão da execução (artigo 701.º, n.º 2 do CPC)
  Princípio de prova

SUMÁRIO
Dispõe-se no n.º 2 do artigo 701.º do Código de Processo Civil que “Se a execução se fundar em documento particular sem a assinatura reconhecida e o embargante alegar a não genuinidade da assinatura e juntar documento que constitua princípio de prova, pode o juiz, ouvido o embargado, suspender a execução.”
Considerando que qualquer documento particular, assinado pelo devedor, que importe constituição ou reconhecimento de uma obrigação pode valer como título executivo, o n.º 2 do artigo 701.º do CPC surge da necessidade sentida pelo legislador de contrabalançar a tal situação, permitindo ao juiz ordenar a suspensão da execução caso entenda que a assinatura constante do título executivo que serve de base à execução muito provavelmente não será do embargante executado.
Mas não basta qualquer dúvida para que a suspensão seja deferida, pois, se assim fosse, bastava juntar qualquer papel para se criar essa dúvida, mínima que fosse, sobre a autenticidade da assinatura constante do título; antes devendo juntar documentos que permitissem demonstrar que a assinatura constante dos títulos era falsa.
Socorrendo-se dos demais documentos carreados aos autos, não se vislumbra a suposta falsificação da assinatura aposta nos documentos que servem de base à execução, sendo assim, por verificados não estarem os pressupostos previstos no n.º 2 do artigo 701.º do CPC, não há lugar a suspensão da execução.


O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo n.º 274/2019
(Autos de recurso cível)

Data: 23/Maio/2019

Recorrente:
- A Lda (exequente embargada)

Recorrida:
- B (executada embargante)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Inconformada com a decisão que decretou a suspensão da execução ao abrigo do n.º 2 do artigo 701.º do Código de Processo Civil, vem a exequente embargada, A Lda, recorrer jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. 根據執行卷宗第17及18頁借款單所見,有關異議人之簽名的式樣為“B1”,當中的“宁”字雖與異議人身份證明文件所載的正確姓名(“B”)有異,但該“宁”與“玲”的中文讀音確是相同的,不能排除異議人習慣用“宁”字代替自己的正確姓名中的“玲”字。
2. 因為根據異議卷宗第16頁所載的異議人簽名方式為“B1”,而有關簽名式樣與執行名義極為相似,而且異議人明確聲明有關簽名是由其親手簽署,並由公證署當場認定有關簽名是由異議人所簽署。
3. 再者,於異議卷宗第56至58頁的申請中,異議人提交了其一份屬其擁有之護照之認證繕本(異議卷宗第64至66頁),當中的簽名式樣亦是“B1”,而非“B”。
4. 正如學說所言,“構成表證之文件”可理解為身份證、護照、駕駛執照或其他由被執行人簽名之公證文書。
5. 由於異議卷宗第59頁至60頁和第61至63頁之兩份文件僅屬於私文書的性質,並非上述指之具公文書性質之文件,因此形式上不符合“構成表證之文件”。
6. 反之,異議卷宗第16頁及第64至66頁之文件可反映出,異議人有多於一種的簽名方式。
7. “B1”此一種簽名方式是異議人親自承認屬其所簽署,而有關簽名方式與執行名義內的簽名並無兩異。
8. 因此原審法院不能依法認定異議卷宗第59頁至60頁和第61至63頁之兩份文件屬《民事訴訟法典》第701條第2款所指的“構成表證之文件”,因而將執行程序中止。
基於上述所有事實及法律理由,懇求各尊敬的法官 閣下裁定本上訴理由成立,因而廢止原審法院於異議卷宗(卷宗編號: CV2-17-0134-CEO-A)第77頁所作有關中止執行程序之決定。”
*
Devidamente notificada, respondeu ao recurso a recorrida B, executada embargante, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“1. Resulta dos autos, a Exequente ora Recorrente requereu a execução com base em dois documentos particulares sem assinatura reconhecida (com os números MXXXXX e MXXXXX ambos datados de 2011/03/26) dos quais constam duas declarações de dívida no valor de HK$3.000.000,00, e HK$500.000,00 à S International, com três assinaturas em cada documento que o ora Recorrente atribuíu à Executada ora Recorrida, requerendo posteriormente a penhora de bens para satisfação dos seus alegados créditos (cfr. fls. 24 ss e 47 ss constantes dos autos principais).
2. A Executada ora Recorrida opôs-se à penhora e embargou a execução impugnando a genuinidade da assinatura constante dos alegados títulos executivos.
3. O Tribunal numa primeira análise não atribuiu efeitos suspensivos à execução; havendo a Executada ora Recorrida feito juntar aos autos três documentos autênticos com data anterior à data aposta nos alegados títulos executivos de onde saltam à vista as diferenças entre as assinaturas apostas nos alegados títulos executivos e a assinatura constante dos referidos documentos, o que lançou a dúvida sobre a genuinidade da assinatura constante do título executivo e fez com que o Tribunal a quo decretasse a suspensão da execução em sede de despacho recorrido de que a Exequente, ora Recorrida vem recorrer.
4. Tratando-se de título executivo (documento particular sem assinatura reconhecida) e não havendo prova constante dos autos de que assinatura pertence à Executada ora Recorrida (cabendo esse ónus à Exequente ora Recorrente, nos termos do n.º 2 do artigo 368º do Código Civil de Macau e, como a penhora é anterior à suspensão da execução, a Exequente ora Recorrente está garantida quanto à possibilidade do ressarcimento do eventual crédito, havendo inclusivamente requerido o pagamento de juros moratórios, pelo que a suspensão da execução em nada a prejudica.
5. Assim, alegar, como a Exequente, ora Recorrente “que não se pode excluir a possibilidade da ora Recorrida gostar de utilizar o “Ling” de chinês simplificado para substituir o de chinês tradicional” é mera especulação não é fundamento legal.
6. Por outro lado, a Executada ora Recorrida, requereu imediatamente em sede de Embargos uma perícia de exame à letra que foi deferida por despacho de fls. 83 e solicitada Polícia Judiciária a fls. 99 do Apenso A constante dos autos.
7. Por tudo o que se deixa exposto, a suspensão da execução permitida pelo artigo 701º do Código de Processo Civil e em concreto, evidencia, designadamente, uma relação de princípio de certeza e segurança jurídica na medida em que se for revogada a suspensão da execução e os embargos forem julgados procedentes terá a execução que ser dada como extinta havendo forte probabilidade de àquela data a Executada, ora Recorrida, ter sofrido prejuízos graves inerentes ao seguimento da execução, o que contrasta com a situação da Exequente, ora Recorrente, que nada sofre com a suspensão da execução que, como tal, deve ser de manter.
Nestes termos, e nos demais de Direito aplicável, requer a V. Exa. se digne julgar totalmente improcedente o recurso apresentado pela Exequente, ora Recorrente, e, em consequência, ser mantido inalterável o Douto despacho recorrido que decretou a suspensão da execução, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!”
*
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Pelo Tribunal de primeira instância foi proferida a seguinte decisão recorrida:
“Fls. 56 a 58.
Nada impede que a suspensão da execução seja requerida depois de ser indeferido anterior requerimento de suspensão, contanto que sejam apresentados novos elementos de prova de que a assinatura do título executivo (documento particular se assinatura reconhecida) não é genuína ou que se ofereça caução. Assim, considera-se que não há qualquer preclusão ou esgotamento do poder jurisdicional sobre a questão da suspensão.
Analisados os documentos dos autos, entender-se que existe agora princípio de prova de que a assinatura dos títulos executivos não seja genuína. Com efeito, não pode esquecer-se que é o embargado que tem que provar que a assinatura pertence ao juntos, analisados sumariamente, designadamente a inclinação do traço das assinaturas em confronto e a forma vincada ou arredondada de alguns dos respectivos elementos e tendo ainda em consideração que são bastante diferentes as próprias assinaturas dos títulos executivos, não pode deixar de concluir-se existir o referido princípio de prova. A tudo acresce que a suspensão da execução não causa prejuízo de maior à exequente, pois que está já garantida pela penhora e requereu o pagamento de juros moratórios.
Pelo que fica exposto decide-se, nos termos do disposto no art. 701º, n.º 2 do CPC, atribuir aos presentes embargos de executado efeito suspensivo da execução até que os mesmos sejam decididos ou por outro modo findem.
*
Notifique e tenha em consideração a suspensão dos autos de execução apensos.”
*
No caso vertente, foi instaurada uma acção executiva contra a executada B.
Devidamente notificada, esta deduziu embargos à execução, tendo pedido ainda a suspensão da execução a qual foi deferida.
A questão que se coloca neste recurso é saber se os documentos juntos pela embargante podem constituir como “princípio de prova” susceptíveis de provocar a suspensão da execução, nos termos consentidos no n.º 2 do artigo 701.º do Código de Processo Civil.
Dispõe-se no n.º 2 do artigo 701.º do Código de Processo Civil que “Se a execução se fundar em documento particular sem a assinatura reconhecida e o embargante alegar a não genuinidade da assinatura e juntar documento que constitua princípio de prova, pode o juiz, ouvido o embargado, suspender a execução.”
Em boa verdade, considerando que qualquer documento particular, assinado pelo devedor, que importe constituição ou reconhecimento de uma obrigação pode valer como título executivo, o n.º 2 do artigo 701.º do CPC surge da necessidade sentida pelo legislador de contrabalançar a tal situação, permitindo ao juiz ordenar a suspensão da execução caso entenda que a assinatura constante do título executivo que serve de base à execução muito provavelmente não será do embargante executado.
Decidiu-se no Acórdão da Relação de Porto, de 7.4.2005, no Processo n.º 0531715, citado a título de direito comparado, o seguinte:
“Portanto, se parece certo que com a introdução do nº 2 do artº 818º, CPC, pretendeu o legislador, face ao aumento exponencial dos títulos executivos, criar uma válvula de segurança ao processo executivo para situações de manifesta falsificação do título executivo, não pode, porém, o juiz com a simples junção de documento, suspender desde logo e sem mais a execução. Antes lhe é imposto o dever de averiguar se pela análise do documento -- embora sumária, pois outras diligências probatórias, como é o caso de exames periciais, extravasam desta fase-- é verosímil a invocada falsidade da assinatura, ou, pelo menos, se dessa análise sumária resulta para si uma dúvida séria sobre a autenticidade da mesma, já que só assim se pode dizer que o dito documento constitui o citado “princípio de prova”.” – sublinhado nosso
Como observa Lebre de Freitas1, “a suspensão não é automática: o juiz só suspenderá a execução se se convencer da séria probabilidade de a assinatura não ser do devedor”.
Dito por outras palavras, não basta qualquer dúvida para que a suspensão seja deferida, pois, se assim fosse, bastava juntar qualquer papel para se criar essa dúvida, mínima que fosse, sobre a autenticidade da assinatura constante do título.2
Por outro lado, embora haja doutrina3 e jurisprudência4 que consideram só constituir princípio de prova o bilhete de identidade, cartão de cidadão, passaporte, carta de condução ou outro autêntico subscrito pelo executado, mas somos a entender que não deve haver essa restrição por não existir qualquer fundamento legal neste sentido, antes devendo o juiz avaliar, caso a caso, se existe séria probabilidade de a assinatura constante do título executivo não ser a do embargante.
No caso vertente, a executada embargante pediu a suspensão da execução, juntando para o efeito alguns documentos com vista a demonstrar que a assinatura constante dos títulos executivos era falsa.
Ora bem, atenta a assinatura constante nos dois documentos que servem de base à execução, é bom de ver que aquela é constituída pelas letras “B1”, enquanto nos documentos apresentados pela executada embargante (um contrato-promessa e um contrato de alteração da estrutura da fracção autónoma) já se referem ao nome “B”, daí que parece que haja alguma discrepância quanto ao nome ou pessoa da executada.
Mas socorrendo-se de um outro documento junto aos autos, a saber, o Passaporte da República Popular da China da executada embargante, verificamos que ela assinou nesse documento de viagem com o nome “B1” (cfr. fls. 63 dos autos), ou seja, tal e qual a assinatura constante dos respectivos títulos executivos.
Ademais, segundo a declaração prestada pela executada embargante em 10.10.2017, cuja assinatura foi reconhecida presencialmente no Cartório Notarial das Ilhas (fls. 51), a mesma declarou ainda sob compromisso de honra que a assinatura com o nome “B1” corresponde à sua genuína e verdadeira assinatura.
Posto isto, perante a prova sumária carreada aos autos, somos a concluir que, pelo menos nesta fase processual, não se vislumbra a suposta falsificação da assinatura aposta nos documentos que servem de base à execução, pelo que verificados não estão os pressupostos previstos no n.º 2 do artigo 701.º do CPC, não há lugar a suspensão da execução.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pela recorrente A Lda, revogando a decisão recorrida que concedeu a suspensão da execução, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos processuais.
Custas pela recorrida.
Registe e notifique.
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 RAEM, 23 de Maio de 2019
 Tong Hio Fong
 Lai Kin Hong
 Fong Man Chong
1 Acção Executiva à Luz do Código Revisto 2.ª edição, pág. 167
2 Conforme o Acórdão da RP, acima citado
3 Por exemplo, Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 11.ª edição, pág. 197
4 Por exemplo, Acórdão da RP, de 6-3-2012, Processo n.º 5882/10.5TBMTS-F.P1
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