Processo n.º 205/2019
(Autos de recurso cível)
Data: 23/Maio/2019
Assuntos: Nulidade de sentença
Falta de pronúncia sobre questões invocadas pelas partes
SUMÁRIO
É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil).
Por não se ter a sentença recorrida pronunciado sobre o pedido de condenação do Réu no pagamento de juros de mora à taxa legal e do respectivo imposto de selo que sobre os mesmos incide, formulado pela Autora em sede de ampliação do pedido inicial, verifica-se a nulidade prevista na referida disposição legal.
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
Processo n.º 205/2019
(Autos de recurso cível)
Data: 23/Maio/2019
Recorrente:
- A, S.A. (Autora)
Recorrido:
- B (Réu)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, S.A., Autora na acção declarativa sob forma ordinária que correu termos no Tribunal Judicial de Base, inconformada com a sentença que não se pronunciou sobre o pedido de condenação do Réu no pagamento de juros e do respectivo imposto de selo formulado em sede de ampliação do pedido, dela recorreu jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“a. O presente recurso tem por objecto a douta sentença de fls. 73 e segs., na parte em que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o pedido de ampliação apresentado pela ora recorrente, onde se pedia a condenação do Réu em juros e respectivo imposto de selo.
b. O pedido de ampliação foi admitido por despacho a fls. 72 e não está prejudicado pela solução dada à causa principal na douta sentença recorrida.
c. Ao não se pronunciar sobre o aludido pedido de ampliação, devendo fazê-lo, a douta sentença ora objecto de recurso viola o n.º 1 do art.º 106º e o n.º 2 do art.º 563º, ambos do CPC, e é nula nos termos previstos na alínea d) do n.º 1 do art.º 571º do mesmo diploma legal.
Pelo que, nestes termos e nos demais de direito aplicáveis que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser anulada a douta sentença ora recorrida, sem prejuízo do disposto no art.º 630º do CPC, com as demais consequências legais, desta forma se fazendo a já costumada JUSTIÇA!”
*
Devidamente notificado, não ofereceu o recorrido resposta ao recurso.
*
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
A Autora tem como objecto social o “exercício da actividade seguradora e resseguradora, em todos os ramos de seguros não vida legalmente autorizados”.
Em 24 de Agosto de 2013, o Réu era proprietário do automóvel com a matrícula MR-XX-XX, da marca BMW, de modelo 118I 5-door (125KW) A/T.
No exercício da sua actividade, a Autora celebrou com o Réu um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel em 28 de Dezembro de 2012, titulado pela apólice n.º MPC/005046/0001, respeitante ao automóvel.
Através desse contrato, o Réu transferiu para a Autora a responsabilidade civil, perante terceiros, emergente da circulação do Automóvel, até ao limite de MOP$1.500.000,00.
Em 24 de Agosto de 2013, pelas 07h00m da manhã, aconteceu um acidente de viação junto ao poste de iluminação n.º 949B14 existente no cruzamento entre a Avenida Panorâmica do Lago Sai Van (西灣湖景大馬路) e a Rua do Almirante Sérgio (河邊新街).
Nesse acidente estiveram envolvidos o veículo automóvel de matrícula MR-XX-XX, conduzido pelo Réu, o veículo automóvel de matrícula MQ-XX-XX conduzido por D e o autocarro da TRANSMAC – Transportes Urbanos de Macau, SARL (TRANSMAC) com a matrícula MR-XX-XX conduzido por C.
O acidente ocorreu quando D, conduzia o seu veículo junto ao referido poste de iluminação n.º 949B14 e parou o seu veículo devido ao sinal luminoso de luz vermelha no referido cruzamento.
À sua frente, também parado no mesmo semáforo (com luz vermelha), estava o autocarro da TRANSMAC.
Após D ter parado o seu veículo, foi embatida por detrás pelo veículo MR-XX-XX, conduzido pelo Réu.
Essa colisão, além de danificar a parte traseira do veículo conduzido por D, MQ-XX-XX, ainda fez com que este veículo embatesse no autocarro que estava parado à sua em frente.
No momento do acidente, o Réu conduzia o veículo MR-XX-XX a velocidade superior a 60km/h.
No momento do acidente o Réu apresentava uma taxa de alcoolémia de 1,28 gramas por litro de sangue (g/l).
O Réu não conseguiu parar o seu veículo num espaço livre e visível à sua frente, de modo a evitar a colisão com os outros veículos.
Na data do sobredito acidente, o contrato de seguro acima referido encontrava-se em vigor.
Do acidente resultaram os seguintes danos:
- Reparação do veículo MQ-XX-XX no valor de MOP265.000,00;
- Despesas de aluguer de duas viaturas durante o período de imobilização, para reparação, do veículo MQ-XX-XX, no valor de MOP10.000,00 (período de Setembro e Outubro de 2013) e RMB42.000,00 relativamente ao período de 1/11/2013 a 31/5/2014;
- Despesas de transporte entre Macau e o aeroporto de “Pak Wan” na República Popular da China (RPC) no valor de RMB2.500,00.
Na sentença transitada em julgado em 5 de Setembro de 2016, proferida nos autos de acção ordinária nº CV3-13-0093-CAO, o Réu foi considerado o único e exclusivo culpado do acidente.
Por essa razão, a Autora foi condenada a pagar a E e a D, proprietários e condutora do veículo MQ-XX-XX, respectivamente, os montantes de MOP275.000,00 e de RMB44.500,00, correspondentes, após a conversão do valor de renminbi para patacas, a um valor total de MOP326.103,80.
No dia 31 de Agosto de 2016, a Autora entregou a E e a D o cheque n.º MEXXXXXX, do Banco Nacional Ultramarino, no valor total dos montantes que foi condenada a pagar, no valor de MOP326.103,80.
No âmbito do referido processo n.º CV3-13-0093-CAO, a Autora pagou, ainda, as quantias seguintes:
- Preparo inicial MOP2.150,00;
- Preparo para julgamento e despesas MOP2.450,00;
- Custas MOP7.172,00.
A Autora despendeu, no âmbito da mesma acção ordinária, a quantia de MOP25.000,00 a título de pagamento honorários de advogado.
*
A recorrente vem invocar a nulidade da sentença em virtude de o Tribunal recorrido não se ter pronunciado sobre o pedido de condenação do Réu no pagamento de juros e do respectivo imposto de selo formulado em sede de ampliação do pedido inicial a qual foi admitida liminarmente pelo juiz do processo.
Ora bem, uma vez admitida a ampliação, formou-se caso julgado formal, devendo o juiz na sentença pronunciar-se sobre o seu mérito.
Dispõe a alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, como é o caso.
Efectivamente, no que respeita a outras questões, a sentença recorrida não se mostra afectada por aquela nulidade, pelo que há-de manter-se o que está decidido, havendo apenas necessidade de apreciar o pedido formulado pela recorrente em sede de ampliação.
Pede a recorrente que se condene o Réu a pagar juros de mora à taxa anual de 9,75% após a propositura da acção até integral pagamento, bem como o respectivo imposto de selo que sobre os mesmos incide.
Preceitua-se no n. 1 do artigo 793.º do Código Civil que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.
E nos termos do artigo 795.º do mesmo Código, na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, e que os juros devidos são os juros legais.
Segundo a Ordem Executiva n.º 29/2006, a taxa de juros legais é fixada em 9,75%.
O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, ao abrigo do n.º 1 do artigo 794.º do Código Civil, o que implica que os juros de mora são devidos a partir da citação do Réu.
Nestes termos, sem necessidade de delongas considerações, há-de conceder parcial provimento ao recurso interposto pela recorrente, sendo condenado o Réu ora recorrido a pagar à Autora, ora recorrente, o montante de MOP326.103,80, acrescido de juros de mora à taxa legal de 9,75% ao ano, contados a partir da citação do recorrido até integral e efectivo pagamento, incluindo o respectivo imposto de selo que sobre os mesmos incide.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela recorrente A, S.A., condenando o recorrido B a pagar à recorrente o montante de MOP326.103,80, acrescido de juros de mora à taxa legal de 9,75% ao ano, contados a partir da citação do mesmo até integral e efectivo pagamento, incluindo o respectivo imposto de selo que sobre os mesmos incide.
Custas pelo recorrido.
Registe e notifique.
***
RAEM, 23 de Maio de 2019
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Recurso Cível 205/2019 Página 8