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Processo n.º 474/2017
(Autos de recurso contencioso)

Relator: Fong Man Chong
Data: 23/Maio/2019

Assuntos:

- Autorização da fixação de residência em Macau, poder discricionário e controlo jurisdicional
- Princípio de boa fé em matéria de Direito Administrativo


SUMÁRIO:

I – A Recorrente, residente permanente de HK, vivendo em Macau desde criança, tendo concluído os seus estudos primário e secundário em Macau, está actualmente a frequentar um curso superior na UM, alegando que ela própria já criou uma relação afectiva a Macau e tem aqui o seu centro de vida, veio a formular o pedido da autorização da fixação de residência em Macau, que foi indeferido pelo Secretário para a Segurança, por entender que não preencheu os requisitos do artigo 9º/2-3) e 6) da Lei n.º4/2003, de 17 de Março.

II – Todos os elementos invocados pela Recorrente são atendíveis, mas não vinculam a Administração Pública, muito menos obrigam-na a tomar uma decisão favorável à pretensão, já que o artigo 9º da Lei citada confere ao Chefe do Executivo da RAEM (que delegou esta competência no Secretário para a Segurança) um poder discricionário, que em princípio, escapa ao controlo jurisdicional, salvo no caso de erro manifesto no seu exercício ou da violação manifesta de princípios básicos do Direito Administrativo (ex. princípio de proporcionalidade).

III – No caso não foram invocados fundamentos bastantes susceptíveis de demonstrar tal erro manifesto ou violação manifesta de princípios básicos de Direito Administrativo, o que conduz à improcedência da argumentação produzida pela Recorrente neste recurso.

III – Por outro lado, a invocação da violação do princípio da boa fé também improcede, já que este só vale naquela situação em que uma determinada atitude da Administração, que fira a confiança que nela o particular depositou ao longo do tempo, o leva a crer que diferente decisão estaria para ser tomada, mas não é o caso dos autos. Pelo que, é de julgar improcedente o recurso interposto pela Recorrente.


O Relator,

________________
Fong Man Chong

Processo n.º 474/2017
(Autos de recurso contencioso)

Data : 23/Maio/2019

Recorrente : A

Entidade Recorrida : Secretário para a Segurança


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    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I – RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Segurança, datado de 29/03/2017, que lhe indeferiu o pedido da autorização da fixação de residência em Macau, veio, em 01/06/2017 interpor o competente recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 11, tendo formulado as seguintes conclusões:
a) 上訴人於2017年1月3日向治安警察局出入境事務廳提交請求批給居留許可的申請,並已提交全部要求之文件。及後,上訴人於2017年2月6日獲通知提交書面聽證;上訴人於2017年2月17日合法及適時地提交書面聽證。被上訴實體於2017年3月29日作出批示駁回上訴人請求批給居留許可的申請。
b) 上訴人對此不服,故向 尊敬的中級法院法官閣下提起本司法上訴。
c) 上訴人認為被上訴實體在行使自由裁量權而作出被訴行政行為時出現嚴重 及明顯錯誤,錯誤適用第4/2003號法律第9條,尤其是當中第2款第3項及第6 項的規定。
d) 上訴人的生活、學業、社交和家庭重心均在澳門,自幼稚園一年級起便在澳門學習和生活,與父母在澳門居住,全部社交生活也在澳門進行,從來沒有在外 地居住,中學畢業後繼續在澳門升學。
e) 上訴人從無犯罪或違法紀錄,而且熱愛澳門,希望將來學有所成可以留在澳 門、貢獻澳門,從事法律專業或公共行政事業,是事實上的澳門居民。而且,上 訴人有足夠的經濟能力維持生活。
f) 上訴人在法律上雖然為香港居民,但其從未在香港生活和學習,所持有的香港身分證和護照也僅作為旅遊證件。
g) 因此,除了應有的尊重外,上訴人認為被上訴實體在理解和適用第4/2003號法律第9條第2款第3項及第6項的規定出現嚴重和明顯的錯誤,從而沾有《行 政程序法典》第124條規定的瑕疵,因此應撤銷被訴行政行為。
h) 根據《行政程序法典》第8條第1款及第2款b項結合根據第4/2003號法律第9條第二款第六項規定,我們可知道立法者要求公共行政當局在審批居留許 可時,應盡量考慮申請人與澳門是否有實際的聯繫,避免濫用申請使與澳門沒有 聯繫的人獲批居留許可。
i) 從上訴人前述理據以及上訴人向被上訴實體提交居留許可申請時遞交的文件(其在澳門聖安東尼英文幼稚園、嘉諾撒聖心英文中學小學部和中學部的成績表,及澳門大學法學院的在學證明)可知,上訴人從小就與澳門有實際的聯繫。
j) 即使上訴人在澳門生活了將近二十年,也僅能以香港的旅遊證件在澳門生活 和就學;其不能工作、更不能投考政府部門開設的公職,甚至不能投考其希望從 事的律師業。對上訴人而言,是多麼不合理和不公平的事﹗
k) 遺憾的是,被上訴實體在作出被訴行政行為時,明顯錯誤理解《行政程序法典》第8條第1款及第2款b項規定,以致違反《行政程序法典》第8條規定的善意原則。
l) 因此,被上訴實體的被訴行政行為違反《行政程序法典》第8條的規定,並沾有違反行政法原則的瑕疵,根據《行政程序法典》第124條規定,應撤銷被訴行政行為。
m) 上訴人對被上訴實體的決定不服,不接受相關行政行為,並向中級法院 法官閣下提起本司法上訴。

* * *
Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Segurança veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 22 a 27, tendo formulado as seguintes conclusões:
1) 上訴人及其父母均為香港居民,多年來一直以香港居民身份逗留在澳門。
2) 上訴人認為其符合第4/2003號法律第9條第2款(2)項、(3)項、(5)項及(6)項所規定的情況,並應因而獲批給居留許可。
3) 上訴人認為被上訴的行為錯誤適用第4/2003號法律第9條,以及違反了《行政程序法典》第8條所規定的善意原則。
4) 上訴人提出的理由不足以考慮根據第4/2003號法律第11條的規定,例外地向上訴人批給居留許可。
5) 此外,經考慮上訴人並不具備第4/2003號法律第9條第2款(5)項、(3)項及(6)項所列舉的因素,故決定不批准其申請。
6) 上訴人並沒有指出其與任何澳門居民之間的親屬關係,因此不存在第4/2003號法律第9條第2款(5)項所規定的因素。
7) 上訴人跟隨其父母以香港居民的身份逗留在澳門生活了約二十年,現正在澳門大學修讀法律,希望將來能在澳門從事法律專業或公共行政事業。
8) 從事這些工作必須具備在澳門的居留許可,因此上訴人希望獲得在澳門特別行政區的居留許可,以便能在澳門從事符合其意願的工作。
9) 根據第4/2003號法律第9條第2款(3)項,在批給居留許可時特別應考慮害關係人在澳門特別行政區居留之目的及其可能性。
10) 上訴人申請獲得居留許可,以便其能在澳門從事符合其意願的工作,這並非第4/2003號法律第9條第2款(3)項所指應考慮的“目的”。
11) 上訴人聲稱倘若其離開澳門,將得不到應有的家庭輔助,故應根據第4/2003號法律第9條第2款(6)項,基於人道理由而批給居留許可。
12) 然而,上訴人及其父母皆為香港居民,單純以香港居民身份在澳門逗留,從卷宗內資料,沒有看到上訴人及其父母有必須在澳門生活的合理理由。
13) 此外,上訴人及其父母多年來一直按他們的意願,以香港居民的身份逗留在澳門,毫無疑問,上訴人獲批給居留許可與否,完全不影響上訴人在法律容許的情況下繼續在澳門生活。
14) 因此,不存在第4/2003號法律第9條第2款(6)項所規定的情況。
15) 綜上所述,上訴人提出的理由並不成立,有關的行政行為並沒有錯誤適用法律。
16) 上訴人認為被上訴的行政行為違反了《行政程序法典》第8條第1款及第2款b)項的規定,違反了善意原則。
17) 雖然上訴人以香港居民身份在澳門逗留了約二十年,但並沒有對該法律狀況帶來任何改變,僅僅因其長期逗留在澳門生活,並不導致產生居留的權利或合理期待。
18) 上訴人長期逗留在澳門生活純屬其個人(或其家人)的選擇,倘因而引致上訴人無法適應其原居地的生活,亦屬於上訴人(或其家人)的責任,行政當局從來沒有作出任何舉動令上訴人產生對請求獲批准的期望。
19) 因此,被上訴的行政行為沒有違反善意原則。
* * *
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o seguinte douto parecer (fls. 36):
Na petição inicial, a recorrente solicitou a anulação do despacho em causa que vê exarado na Inf. Complementar n.º300042/CESMFR/2017P (doc. de fls.227 a 229 do P.A.) invocando a violação das disposições nas alíneas 3) e 6) do n.º2 do art.9° da Lei n.º4/2003 e do princípio da boa fé.
*
Dado que a recorrente não tem nenhum laço familiar na RAEM, ela é maior ao requerer a autorização da residência, bem como ela e os seus pais são residentes permanentes de Hong Kong, inclinamos a entender ser inconsistente a arguição de que o despacho em escrutínio não ofende as disposições nas alíneas 3) e 6) do n.º2 do art.9° da Lei n.º4/2003.
Devidamente considerando as explanações tanto na referida Informação Complementar como nos arts.8° a 19° da contestação, afigura-se-nos que os fundamentos arrogados nos arts.10° a 21 ° da petição inicial não tem virtualidade de comprovar a existência in casu das razões humanitárias, nem de justificar a autorização excepcional.
Para os devidos efeitos, importa recordar a sensata jurisprudência que ensina (cfr. Acórdãos do TSI nos Processos n. °693/2010 e n.°625/2013): A invocação da violação do princípio de boa fé só faz sentido ante uma atitude da Administração que fira a confiança que nela o particular depositou ao longo do tempo, levando-o a crer que diferente decisão estaria para ser tomada.
Em conformidade, colhemos que não se descortina a assacada violação deste princípio pelo despacho questionado, por isso, a arguição da violação do princípio da boa fé é infundada.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.

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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
     - 上訴人於2017年1月3日向治安警察局出入境事務廳提交請求批給居留許可的申請,並已提交全部要求之文件;
     - 上訴人於2017年2月6日獲通知提交書面聽證;
     - 上訴人於2017年2月17日適時提交書面聽證;
     - 被上訴實體於2017年3月29日作出批示駁回上訴人請求批給居留許可的申請。
- Tal despacho de indeferimento tem o seguinte teor:
              NOTIFICAÇÃO N.º: 100294/CESMNOT/2017P
É notificada a Sr.ª A (titular de Bilhete de Identidade de Residente Permanente de R.A.E.H.K. n.º XXXX), de que o requerimento por si apresentado em 03 de Janeiro de 2017, respeitante ao pedido de Autorização de Residência da V. Ex.ª, o Exm.º Sr. Secretário para a Segurança de acordo com os dizeres do parecer da informação n.º 300042/CESMFR/2017P emitida por este Serviço, em 29 de Março de 2017, exarou o despacho de indeferimento ao pedido.
Segue-se a transcrição do conteúdo integral do parecer acima referido:
1. A requerente, de 21 anos de idade, solteira, natural e titular de Bilhete de Identidade de Hong Kong, solicita Autorização de Residência Excepcional na R.A.E.M..
2. Tendo em consideração de que a requerente residiu em Macau desde menor, que encontra-se no momento a frequentar o Curso de Direito na Universidade de Macau e que pretende exercer uma actividade profissional em futuro, se mostra insuficiente para a obtenção de residência. Isto, por ter em conta de que ao longo período de tempo em que a requerente se viveu e estudou em Macau, é somente uma decisão voluntária própria, por outro lado, a requerente não existe qualquer relação familiar com um residente de Macau, pelo que o presente pedido não se pode tratar como um caso excepcional, é de indeferir o presente pedido.
3. Notificada em audiência escrita, o procurador da interessada fez a entregua do argumento e dos respectivos documentos neste Serviço.
4. Tendo em consideração aos factos e dos documentos apresentados pelo procurador da interessada na fase de audiência escrita, não se verifica qualquer fundamento que consubstância a uma situação excepcional, pelo que face às disposições da alínea 5) conjugadas pelas alíneas 3) e 6) do n.º 2, do artigo 9° da Lei n.º 4/2003, propõe-se o indeferimento do presente pedido de autorização de residência.
Mais informo que, de acordo com os termos do Art. 25.° do Código de Processo Administrativo Contencioso, poderá apresentar recurso contencioso junto do Tribunal de Segunda Instância da RAEM.

O Chefe do Comissariado de Estrangeiros
Macau, aos 19 de Abril de 2017
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    IV – FUNDAMENTOS
A resolução do presente recurso passa pela análise e resolução das seguintes questões suscitadas pela Recorrente :
1) - Vício da violação de lei, aqui nas vertentes de violação dos artigos 9º/2-3) e 6) e artigo 11º/1 da Lei nº 4/2003, de 17 de Março;
2) - Vício da violação do princípio da boa fé e do princípio de proporcionalidade pela Entidade Recorrida no exercício do poder discricionário.

1ª questão: vício da violação de lei, aqui nas vertentes de violação dos artigos 9º/2-3) e 6) e 11º/1 da Lei nº 4/2003, de 17 de Março

Na abordagem da alegada violação do artigo 9º/2-3) e 6) da Lei nº 4/2003, a Recorrente entende que a Administração cometeu erro na aplicação das alíneas do artigo citado, tendo atendido apenas a dois dos vários elementos a considerar na ponderação da decisão relativa à autorização de residência e sua renovação – concretamente o previsto nas alíneas 3) e 6) do n.º 2 do artigo 9.º – quando se lhe impunha que atendesse a todos esses elementos, saindo assim violado o referido artigo 9.º, que aliás não prevê o indeferimento pela mera inverificação de um daqueles elementos.
Será admissível este argumento?
Cremos que não.

O artigo 9º (Autorização ) da Lei nº 4/2003, de 17 de Março, estipula:
1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.

2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.

3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.


A decisão sobre a autorização de residência e sua renovação, devendo levar em conta um conjunto de factores que a lei manda ponderar, não tem que traduzir necessariamente o sentido da maioria desses factores, como parece advogar a Recorrente.
No entender da Recorrente, ela está a reunir os requisitos enunciados nas alíneas 3) e 6) do artigo 9º da referida Lei – vidé os factos alegados sob os nos 37º a 46º do requerimento inicial.
Ora, importa realçar que, numa matéria tão importante, em que pontuam valores de diversas ordens, nos termos da previsão do artigo 9º, tais como da ordem de segurança, de ordem pública, da política da população, da capacidade de albergar pessoas vindas de fora, capacidade de suporte do sistema social macaense, oportunidade de empregos…,etc, para além da ordem dos interesses particulares, em que o poder discricionário assume uma componente decisória essencial, impõe-se à entidade competente uma ponderação de interesses em presença e uma composição justa dos mesmos.
Melhor dito, em matéria da ponderação dos factores determinantes da concessão da autorização da fixação de residência em Macau, podemos sistematizar, da seguinte forma, de modo a demonstrar que tal reflexão tem por objecto razões de várias ordens:
1) Da ordem pública: são os factores previsto na alínea 1) do nº 2 do artigo 9º da citada Lei;
2) Da ordem humanística: são os previstos na alínea 6) do nº 2 do artigo 9º da citada Lei;
3) Da ordem subjectivo-pessoal: são os previstos nas alíneas 2) a 5) do nº 2 do artigo 9º da citada Lei;
4) Da ordem de outra natureza: ex. económica, social, cultural …etc.
Porque a norma em análise tem um carácter exemplificativo, não se afasta a possibilidade de a entidade competente conceder a respectiva autorização por outros motivos.
Nestes termos, uma outra ideia igualmente relevante, merecedora de destacar, tem a ver com a natureza do poder de autorizar ou desautorizar, que o legislador atribui ao Chefe do Executivo, que é um poder discricionário.

Neste domínio, ou seja, em matéria da concessão ou não concessão de autorização de residência, não é redundante realçar as seguintes ideias:
a) – Ninguém pode afirmar que tem direito à fixação de residência na RAEM, salvo as pessoas que reúnem os pressupostos fixados no artigo 24º da Lei Básica da RAEM;
b) – O poder de decisão sobre esta matéria é normalmente entregue à Administração Pública, concedendo-se-lhe uma grande margem de manobra, tendo em conta a variedade de situações e flexibilidade de posições em algumas situações particulares. É a Administração Pública, que melhor do que ninguém está numa posição privilegiada de tomar decisões nesta matéria tendo em conta as circunstâncias concretas rodeadas de caso a decidir, uma tarefa concretizadora entregue pelo legislador à entidade administrativa mediante concessão de tal poder discricionário.
c) – No caso de Macau, concretamente no do artigo 9º da Lei nº 4/2003, de 17 de Março, o legislador atribui, propositadamente ao Chefe do Executivo o poder discricionário de decisão nesta matéria, pois, o legislador proclama mediante a forma de “pode conceder” ( norma interpretada a contário significa “pode não conceder”):
1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.

2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.

3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.

d) - Em matéria da concessão pelo legislador de discricionariedade, ensina a doutrina:
“(…) Depois do que se disse, parece-nos legítimo sustentar que a discricionariedade pode ser atribuída por diversas vias:
a) Os poderes discricionários do administrador são eventualmente resultado duma remissão para conceitos-tipo, sem se curar de saber se a indeterminação reside na hipótese ou na estatuição.
b) A discricionariedade surgirá ainda porque se impôs ao agente o dever de utilizar padrões de valoração de qualidade de pessoas ou coisas dos quais tem o monopólio legal. É o que se passa com o funcionamento de júris de exame, que se apoia na suposição de que os seus membros usufruem dos conhecimentos técnicos suficientes – que poderiam ser também encontrados em outros órgãos equivalentes – mas, além disso, duma capacidade incontrolável de apreciação da importância relativa dos conhecimentos ou da habilidade demonstrada para o desempenho duma tarefa específica, da atribuição duma habilitação genérica ou de concessão dum status. Quer dizer: não se trata apenas de decidir se está certo ou errado, bem ou mal feito, mas se os resultados positivos são bastantes para preencher um estalão incontrolável ou alcançar um dos seus sucessivos degraus. Identicamente acontece com a classificação de coisas do ponto de vista artístico, histórico, paisagístico ou ecológico.
A estes casos deve somar-se o conjunto das situações caracterizadas por uma avaliação de circunstâncias futuras (“decisões de prognose”).
É isto que, sem o querer, a corrente do controlo total acabar por ter de aceitar quando se afasta duma revisão judicial nos casos de prerrogativa de avaliação.
c) E, naturalmente, por fim, a discricionariedade surge ainda nas situações em que o legislador directamente concede ao agente uma “faculdade de acção”, isto é, em que remete para duas ou mais soluções à escolha.

41. Chegarmos às conclusões anteriores não invalida contudo o trabalho de análise do material jurídico posto à disposição do administrador, que as várias correntes representam. É que compreender o sentido de cada grau de vinculação não satisfaz um desejo bizantino. Convém não esquecer que qualquer discricionariedade que se atribua não equivale à aceitação do arbítrio, não permite uma solução de moeda ao ar. Nem sequer vale como uma remissão para uma responsabilidade moral do agente. Ora, se há encargo jurídico que pesa sobre o agente, ele careceria de sentido caso não se previsse a existência de um controlo. (in Direito Administrativo, Rogério Soares, lições aos alunos do 2º ano da Faculdade de Direito da Universidade católica do Porto, pág. 61 e seguintes).

No caso sub judice, estava em causa o pedido da autorização da fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau, só duas hipóteses se colocam: renovar a autorização ou denegá-la. O acto recorrido tomou em linha a não verificação dos pressupostos previstos nas alíneas 3) e 6) do artigo 9º do artigo acima citado, ou seja:
1) – A Recorrente não tem nenhum ascendente que seja residente permanente de Macau, pelo menos isso não foi alegado, isto por um lado; por outro, mesmo que tenha, ou entenda que ela preenche o requisito da alínea 3) do artigo 9º, como está em causa uma norma com conteúdo muito fluído, cuja densificação se incumbe à entidade competente mediante exercício do poder discricionário, é difícil afirmar-se que a Recorrente/Requerente tenha direito a fixar residência em Macau, por mais longo período de tempo que ela permaneça em Macau,
2) – Quanto muito, a Recorrente pode defender que ela própria pessoa já criou já uma relação afectiva a Macau e tem um centro de vida aqui, e não mediante algum familiar é que se estabelece tal laço com a comunidade de Macau, circunstância esta que, sim, na nossa óptica, merece atenção e ponderação, pois, trata-se de um caso muito particularizado, só que o poder de decidir nesta matéria, em última instância, pertence ao Chefe do Executivo, (que delegou no Senhor Secretário para a Segurança). Neste recurso, o Tribunal não tem o poder de substituição, por isso, lamentamos.
3) – Por outro lado, para além da natureza do poder de decisão em causa, uma outra particularidade é a de que as várias alíneas do nº 2 do artigo 9º não têm natureza de exclusão entre elas, sobre elas cabe ao órgão administrativo competente ajuízar e proferir a última palavra nos precisos limites do poder legalmente atribuído.
4) - Sendo certo que alega que pretende exercer actividade em Macau, não é menos certo que isso não é um factor que se imponha à entidade com poder de decisão, o que representa apenas um plano de vida da Recorrente. Nesta óptica, não basta alegar tais circunstâncias. Pelo que, neste aspecto, não se verifica qualquer erro na apreciação de pressupostos de facto (artigo 9º/2-3) da citada Lei), nem de direito, e consequentemente não há violação da lei.

Aqui chegados, é de concluir que não se verifica o alegado atropelo à aludida norma referida, o que determina a necessária improcedência do argumento invocado pela Recorrente.
*
Relativamente à eventual violação do artigo 11º da mesma lei citada:

Ainda adentro dos vícios de violação de lei, a Recorrente versa a questão da ofensa ao artigo 11º/1 da citada Lei nº 4/2003.
Nesta matéria, o artigo 11º (Autorização excepcional ) da referida Lei estabelece:
1. O Chefe do Executivo pode, por razões humanitárias ou em casos excepcionais devidamente fundamentados, conceder a autorização de residência com dispensa dos requisitos e condições previstos na presente lei e das formalidades previstas em diploma complementar.
2. A dispensa prevista no número anterior, quando deferida, não pode ser invocada por outras pessoas não compreendidas no respectivo despacho, mesmo com fundamento em identidade de situações ou maioria de razão
Nos termos deste normativo, pode a Administração conceder autorização de residência, com dispensa dos requisitos e condições normalmente exigidos, por razões humanitárias ou em casos excepcionais devidamente fundamentados. A este propósito, a Recorrente aduz :
h) 根據《行政程序法典》第8條第1款及第2款b項結合根據第4/2003號法律第9條第二款第六項規定,我們可知道立法者要求公共行政當局在審批居留許 可時,應盡量考慮申請人與澳門是否有實際的聯繫,避免濫用申請使與澳門沒有 聯繫的人獲批居留許可。
i) 從上訴人前述理據以及上訴人向被上訴實體提交居留許可申請時遞交的文件(其在澳門聖安東尼英文幼稚園、嘉諾撒聖心英文中學小學部和中學部的成績表,及澳門大學法學院的在學證明)可知,上訴人從小就與澳門有實際的聯繫。
j) 即使上訴人在澳門生活了將近二十年,也僅能以香港的旅遊證件在澳門生活 和就學;其不能工作、更不能投考政府部門開設的公職,甚至不能投考其希望從 事的律師業。對上訴人而言,是多麼不合理和不公平的事﹗
Ora, não nos parece que os factos ou circunstâncias invocados podem ser subsumíveis no conceito de “motivos humanitários” ou “motivos excepcionais”, pois não se vê onde existe tal excepcionalidade ou circunstâncias muito parcelares que justifiquem um tratamento excepcional, tais como tal: guerra, calamidade natural, fome, perturbações de ordem pública, condições miseráveis de vida, …etc. Na falta desses elementos, a Entidade Recorrida entende que não estão reunidos os pressupostos de quedepende o lançamento do artigo 11º, e é também esta leitura nossa, o que significa que aquela Entidade não cometeu algum erro notório na decisão do pedido.

Pelo que, como se verifica o alegado atropelo à aludida norma do artigo 11º/ 1 da referida Lei, é de julgar infundado o invocado fundamento pela Recorrente nesta parte.
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2ª questão: vício da violação do princípio da boa fé e do princípio de proporcionalidade pela Entidade Recorrida no exercício do poder discricionário
A este propósito, opina o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI:
Para os devidos efeitos, importa recordar a sensata jurisprudência que ensina (cfr. Acórdãos do TSI nos Processos n. °693/2010 e n.°625/2013): A invocação da violação do princípio de boa fé só faz sentido ante uma atitude da Administração que fira a confiança que nela o particular depositou ao longo do tempo, levando-o a crer que diferente decisão estaria para ser tomada.
Nesta matéria, ensina a doutrina:
Apesar de o princípio da boa-fé ser dotado de inúmeras potencialidades jurídicas, é possível, com Rui de Alarcão, resumi-las a dois vectores básicos: um, de sentido negativo, em que se visa impedir a ocorrência de comportamentos desleais e incorrectos (obrigação de Lealdade), e um de sentido positivo, mais exigente, em que se intenta promover a cooperação entre os sujeitos (obrigação de cooperação).
Naquele primeiro sentido, podem subsumir-se certas exigências típicas da boa-fé, tais como a inadmissibilidade, em certas condições, da invocação de vícios formais, a proibição de venire contrafactum proprium (ou proibição de comportamento contraditório) - de acordo com a qual se veda (ou impõe) o exercício de uma competência ou de um direito, quando tal exercício (ou não exercício) entra em flagrante e injustificada contradição com o comportamento anterior do titular, por este ter suscitado na outra parte uma fundada e legítima expectativa de que já não seriam (ou o seriam irreversivelmente) exercidas -, a supressio ou verwirkung (que da anterior se distingue pelo facto de a dimensão temporal ganhar uma relevância autónoma), etc.
(…)
Com a amplitude que o Código lhe deu, a cláusula geral da boa-fé é, certamente, muito ousada - mesmo se a referência à actividade da "Administração Pública" deve ser entendida extensivamente, uma vez que o princípio vale tanto para os entes a que se refere o n.º 2 do art. 2.º do Código, como para qualquer outro ente, mesmo privado, a quem esteja confiado o exercício de uma actividade administrativa.
E é ousada essa cláusula geral porque refere o dever de boa-fé a todas as "formas e fases" da actividade administrativa, quando, por exemplo, nalgumas dessas formas (seja a actividade de fiscalização sancionatória ou a de produção normativa) não sobra praticamente campo de valorização jurídica do princípio da boa-fé, para além da garantida pela intervenção dos princípios da (legalidade e da) igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e justiça.
A referência a "todas as formas e fases" do relacionamento entre Administração e particulares também deve ser entendida reservadamente noutros aspectos ou por outras razões, como sucede, por exemplo, no procedimento de contra-interessados, em que os particulares são chamados a esgrimir, entre si, quase contraditoriamente, não se impondo a nenhum deles que traga ao procedimento os factos do interesse da "contraparte", sem que isso implique quebra do seu dever de boa-fé – do mesmo modo que o próprio Código prevê, na parte final da alínea b) e nas alíneas c) e d) do n.º 2 do seu art. 89.º, que os interessados se abstenham, em certos casos, de dar conta no procedimento de factos que os possam prejudicar.
Há, finalmente, muitos domínios administrativos onde as únicas regras da boa-fé aplicáveis se consomem nas exigências respeitantes ao princípio da transparência administrativa e ao dever de informar os interessados sobre o que consta dos processos ou procedimentos em causa.
(…)
Sobre esta última hipótese pode ver-se, com interesse, os Acórdãos do STA de 6 de J unho de 1984 e de 11 de Fevereiro de 1988, in AD, 289, pág. 62 e BMJ, 374, pág. 301, respectivamente.
Quanto à questão inversa - saber se um acto será ilegal por violação do princípio da boa-fé - há que distinguir, em primeiro lugar, se se trata de boa (ou má) fé da Administração ou do particular, ou seja, se foi a Administração que levou um particular a confiar na prática (ou na não prática) ou no conteúdo de certo acto, que depois não praticou (ou praticou), ouse foi o particular que a induziu a praticá-lo (ou omiti-lo), escamoteando-lhe dados que poderiam levar a Administração a uma ponderação diversa do caso em apreço.
Na primeira hipótese, a resposta é, em geral, negativa, salvo se a lei (ou a natureza do acto) impuserem a vinculatividade jurídico-administrativa da expectativa criada e sem embargo, claro, da responsabilidade em que, por isso, a Administração se constitui.
Outro caso em que deveria considerar-se a hipótese de invalidade de uma actuação administrativa contraditória com as expectativas criadas pela Administração a um interessado seria a de se ter praticado um acto prévio sobre certa situação de (des)condicionamento administrativo da actividade que ele pretende levar a cabo, serem cumpridos os condicionalismos postos para poder obter o efeito condicionado e, depois, ao verificar esse cumprimento, a Administração praticar um novo acto condicionando tal efeito a novas (ou até contraditórias) condições. Então, se tratar de verdadeiras condições da sua lavra (e não de uma conditio legis ou juris), tal acto seria ilegal por violação do princípio da boa-fé – embora seja verdade que a sua ilegalidade derivaria também da proibição, da alínea b) do n.º 1, do art. 140.° do CPA, de revogação de actos constitutivos de direitos (ou interesses legítimos), que sejam legais.
Se, pelo contrário, é a má-fé do particular que leva a Administração a incorrer numa convicção errónea sobre dados determinantes do caso administrativo (e lhe permite obter uma vantagem ou eximir-se a uma desvantagem), deve entender-se que essa actuação dolosa gera a invalidade do acto (por erro induzido ou provocado sobre os pressupostos de facto ou de direito) e, eventualmente, a própria destruição dos prazos estabelecidos para a revogação anulatória, no art. 141.º do CPA - se não é que, em casos mais graves, a sanção da nulidade do acto seria mesmo a mais adequada, salvo havendo terceiros de boa-fé que tenham adquirido posições jurídicas com base naquele acto.
No caso sub judice, não verificamos qualquer atropelo ao princípio de boa fé, pois, na lógica que vimos a defender, à Recorrente/Requerente é ilegítimo afirmar, perante a Administração Pública, que possa vir a ter a expectativa de adquirir o estatuto de residente de Macau, face às circunstâncias que ela tem estado, não é o simples facto de permanecer em Macau por um período mais ou menos longo de tempo é que determina a atribuição do estatuto de residente, ou seja, aqui pouco vale o raciocínio subjacente ao instituto de “usucapião”. Nestes termos, há-de julgar-se obviamente improcedente o argumento pela Recorrente invocado nesta parte do recurso.
Uma nota final sobre a eventual violação do princípio da proporcionalidade, apesar de tal ser indirectamente alegado.
Nesta matéria, o princípio da proporcionalidade, que é um corolário do princípio da justiça, obriga a que as decisões administrativas que colidam com direitos e interesses legítimos dos particulares apenas possam afectar as posições destes na justa medida da necessidade reclamada pelos objectivos a prosseguir. E não se pode falar de desrazoabilidade ou de erro notório, no exercício de poderes discricionários, quando a actuação administrativa é adequada à prossecução do interesse público que lhe cabe salvaguardar, desde que o sacrifício do interesse particular encontre justificação na importância do interesse público a salvaguardar.
O princípio de proporcionalidade, entendido, em sentido amplo, como proibição do excesso, postula que a Administração prossiga o interesse público pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições dos particulares. Incorpora, como subprincípio constitutivo, o princípio da exigibilidade, também conhecido como princípio da necessidade ou da menor ingerência possível, que destaca a ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível.
Para maior operacionalidade deste princípio, a doutrina acrescenta, entre outros elementos, o da exigibilidade espacial, que aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção na esfera jurídica das pessoas cujos interesses devam ser sacrificados (vd. J. J. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Almedina, 266, ss.).
Nesta óptica, só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício desse poder constitui uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável. Se o acto administrativo recorrido, assente na inverificação dos pressupostos com base nos quais se avalia a possibilidade de conceder a respectiva autorização da fixação de residência, com o que se pretende ainda prosseguir o interesse público que prevalece sobre os interesses pessoais do interessado, deve ele ser mantido, salvo nos casos muito excepcionais e que se imponha considerações de outra ordem, mas não é o caso dos autos.

Pelo que, julga-se improcedente o argumento do vício da violação pela Entidade Recorrida do princípio da boa e do princípio da proporcionalidade.
    
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Tudo visto, resta decidir.

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    V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se o despacho recorrido.
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Custas pelo Recorrente que se fixa em 5 UCs.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 23 de Maio de 2019.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Maria Dias Azedo

Mai Man Ieng

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