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Processo n.º 56/2016. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorrida: B.
Assunto: Embargo de terceiro. Arrendatário de parte de imóvel. Depositário.
Data do acórdão: 22 de Maio de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
I - O arrendatário não pode embargar de terceiro na execução para pagamento de quantia certa, já que a penhora não ofende o arrendamento, que continua para além da venda executiva.
II - Se só parte do imóvel está arrendada, em caso de penhora, não tem obrigatoriamente de ser nomeado depositário o arrendatário, sem prejuízo de ter direito a permanecer no imóvel no gozo do seu direito.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
Na execução ordinária para pagamento de quantia certa instaurada por B contra A, foi penhorado um imóvel em terreno concessionado pela Região Administrativa Especial de Macau para complexo hoteleiro.
Nomeado fiel depositário C, requereu este ao Tribunal que autorizasse a efectiva entrega do imóvel, o que foi indeferido por despacho do Ex.mo Juiz do Tribunal Cível.
Recorreu a exequente B para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), que concedeu provimento ao recurso, autorizando a efectiva entrega do imóvel ao depositário.
Recorre, agora, a executada A, para este Tribunal de Última Instância (TUI), sustentando:
- Dado que o acórdão recorrido não fundamentou a sua decisão, deve o mesmo ser julgado nulo (artigo 571.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil de Macau).
- Além disso, a “apreensão” referida no artigo 715.º do Código de Processo Civil de Macau equivale à “penhora”, tem sentido simbólico/jurídico e só produz efeitos processuais e efeitos de direito material (cessar os poderes de gozo da coisa do executado), porém, não conduz à transferência efectiva da posse da coisa penhorada. No processo de execução, a “penhora” não conduz necessariamente à “entrega efectiva”;
- O artigo 725.º n.º 1 do Código de Processo Civil de Macau não é aplicável ao imóvel penhorado que se encontra arrendado, pois quando o imóvel penhorado se encontra arrendado, o depositário é necessariamente o arrendatário, e quando o arrendatário está na fruição efectiva e real do referido imóvel e tem a sua posse, não há necessidade alguma de proceder à entrega efectiva;
- Pelo que, o acórdão recorrido não só aplicou erradamente a lei, como também violou o disposto legal que prevê a nomeação de arrendatário como depositário.

II – Os factos
Estão provados os seguintes factos:
Em 17.12.2012, foi deduzida pela exequente ora recorrente a presente execução. (fls. 2)
Por despacho de 8.4.2013, foi autorizada a penhora do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número XXXXX, construído em terreno concessionado por arrendamento pela RAEM, tendo sido nomeado fiel depositário C. (fls. 61)
Em 24.5.2013, o referido depositário pediu ao Tribunal que se ordene a entrega efectiva do imóvel nos termos previstos no artigo 725º do CPC, mas foi indeferido o pedido. (fls. 120, 165 verso e 166)
Não se conformando, a exequente interpôs recurso para o TSI.

III – O Direito
1. As questões a resolver
As questões a resolver são as suscitadas pela recorrente.
Não se conhecem, porém, dos factos supervenientes alegados, segundo os quais o arrendamento dos autos já teria cessado e haveria um novo arrendatário. É que os recursos têm por fim rever uma decisão judicial, não apreciando, em regra, questões novas.
A questão alegadamente superveniente é nova, devendo ser apreciada pelo Juiz do processo.

2. Nulidade do acórdão recorrido, por falta de fundamentação.
Alega-se a nulidade do acórdão recorrido, por falta de fundamentação.
O acórdão recorrido, apreciando a questão de saber se o imóvel penhorado deveria ser entregue ao depositário nomeado, disse o seguinte:
«Em regra, se os bens nomeados estão na posse do executado, o funcionário judicial deve efectuar a penhora, mas se o executado alega, no acto de penhora, que os bens penhorados pertencem a um terceiro, cabe ao funcionário averiguar a que título os bens se acham em poder do executado e exigir a apresentação da eventual prova documental. Havendo dúvidas sobre a titularidade do bem, o funcionário deve efectuar primeiro a penhora, cabendo ao tribunal resolver, depois de ouvidos o exequente e o executado e de obtidas as informações necessárias, se a penhora deve ser mantida (artigo 716º CPC).
Mas pode acontecer que os bens nomeados à penhora se encontram em poder de um terceiro, ou seja, alguém que não é o executado. Neste caso, os bens continuam a ser sujeitos à apreensão, sem prejuízo dos direitos que o terceiro possuidor possa opor ao exequente, nomeadamente por meio de embargos de terceiro, previstos nos termos dos artigos 715º e 292º, ambos do CPC.
Ora bem, no vertente caso, verifica-se que depois de feita a penhora, alguém veio dizer que tinha tomado de arrendamento à executada parte do imóvel penhorado, arrendamento esse titulado por contratos celebrados em 2010, mas não logrou, segundo se constata nos autos, deduzir embargos de terceiro para obstar à efectivação da penhora, nos termos consentidos pelos artigos 982º, nº 2 e 1210º, ambos do CC.
Refere Teixeira de Sousa1 que “os bens nomeados à penhora podem encontrar-se em poder de um terceiro, isto é, alguém que não é o executado. Esta circunstância não impede a sua apreensão, sem prejuízo, porém, dos direitos que o terceiro possuidor possa opor ao exequente. Assim, ainda que o bem nomeado tenha sido, por exemplo, arrendado ou como datado a um terceiro, isso não obsta à apreensão do bem.”
Daí que, salvo o devido respeito, entendemos que no caso em apreço nada impede que se proceda à apreensão dos bens do executado, em conformidade com o disposto no artigo 715º do CPC, e uma vez que alega o depositário ter dificuldade em tomar conta do bem penhorado, deve ser deferida a sua entrega efectiva, ao abrigo dos termos do artigo 725º do CPC».
O acórdão recorrido está fundamentado de facto e de direito. Entendeu não dever ser nomeado o arrendatário como depositário pois que, notificado da penhora, não embargou de terceiro, sendo que a regra é a de a penhora dar lugar à entrega efectiva e não meramente simbólica, se o depositário tiver dificuldade em tomar conta do bem penhorado.

3. Entrega de imóvel penhorado ao depositário
Está em causa a penhora do imóvel onde funcionou o [Hotel (1)] e [Hotel (2)] e um casino, sendo facto do conhecimento geral que se encontra há largos meses ou anos encerrado, por falta de licença administrativa de funcionamento.
A fls. 68 veio uma sociedade comercial alegar ter arrendado à executada uma área correspondente ao rés-do-chão, 1.º. 2.º e 3.º andares do imóvel penhorado, alegando que aí presta actividades várias atinentes à exploração de um casino, [Hotel (2)] Casino.
Examinemos as disposições pertinentes do Código de Processo Civil:
A penhora de imóveis é feita mediante termo no processo, pelo qual os bens se consideram entregues ao depositário; o termo é assinado pelo depositário, devendo identificar o exequente e o executado e indicar todos os elementos necessários à inscrição no registo (n.º 3 do artigo 723.º do Código de Processo Civil).
Se o depositário encontrar dificuldades em tomar conta dos bens ou tiver dúvidas sobre o objecto do depósito, pode requerer que um funcionário se desloque ao local da situação dos prédios, a fim de lhe fazer a entrega efectiva (n.º 1 do artigo 725.º do Código de Processo Civil).
Quando as portas estejam fechadas ou seja oposta alguma resistência, o funcionário requisita o auxílio da força pública, arrombando-se aquelas, se necessário, e lavrando-se auto da ocorrência (n.º 2 do artigo 725.º do Código de Processo Civil).
Se os bens estiverem arrendados, o depositário deles é o arrendatário (n.º 1 do artigo 726.º do Código de Processo Civil).
Estando o mesmo prédio arrendado a mais de uma pessoa, de entre elas se escolhe o depositário, que cobra as rendas dos outros arrendatários (n.º 2 do artigo 726.º do Código de Processo Civil).
Se qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro (n.º 1 do artigo 292.º do Código de Processo Civil).
Das normas citadas podemos concluir:
- A penhora envolve a entrega simbólica e efectiva do imóvel ao depositário;
- Se os bens estiverem arrendados, o depositário deles é o arrendatário;
- Estando o mesmo prédio arrendado a mais de uma pessoa, de entre elas se escolhe o depositário.
- A penhora não ofende o arrendamento, já que este, que continua para além da venda executiva, na execução para pagamento de quantia certa, não é incompatível com a realização ou o âmbito da penhora. Assim, o arrendatário não pode embargar de terceiro nesta forma executiva2, ao contrário do que se entendeu no acórdão recorrido.
Não esclarece a lei qual o depositário se só parte do imóvel está arrendada. Neste caso, não tem obrigatoriamente de ser nomeado depositário o arrendatário de parte do imóvel, sem prejuízo de ter direito a permanecer no imóvel no gozo do seu direito.
É do conhecimento geral que o imóvel penhorado, onde funcionou o mencionado Hotel, tem no mínimo 10 pisos, pelo que o arrendamento, que existe ou teria existido, era relativo apenas a uma parte do imóvel (4 pisos), pelo que nunca teria sentido ser o arrendatário de parte do imóvel nomeado seu depositário.
Nada obsta a que o depositário tome posse efectiva do imóvel, sem prejuízo de ter de respeitar o exercício dos direitos correspondentes aos arrendamentos do imóvel que se provem existirem.
Improcede, assim, o recurso, não obstante a, em parte, errónea fundamentação do acórdão recorrido.

III – Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Macau, 22 de Maio de2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai








     1 Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, 1998, p. 259.
     2 JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA e RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1.º volume, p. 664, JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Enxertos declarativos no processo executivo, em Aspectos do Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 322 e CÂNDIDA PIRES e VIRIATO LIMA, Código de Processo Civil Anotado e Comentado, Macau, Volume II, 2008, p. 224.

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