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Processo n.º 116/2014. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorrida: Chefe do Departamento de Propriedade Industrial, da Direcção dos Serviços de Economia.
Assunto: Marcas. Cor. Capacidade distintiva.
Data do Acórdão: 6 de Junho de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
Só a cor única apresentada isoladamente não pode constituir uma marca, devendo permitir-se a união ou combinação de cores, desde que peculiar e distintiva e, por maioria de razão, a disposição de cores.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima




ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso judicial do despacho da Chefe do Departamento de Propriedade Industrial, da Direcção dos Serviços de Economia, que recusou o registo da marca X/XXXXX, para assinalar produtos e serviços incluídos na classe 30.ª.
O recurso foi julgado procedente por sentença, que concedeu o registo.
A Chefe do Departamento de Propriedade Industrial, da Direcção dos Serviços de Economia, interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) que concedeu provimento ao recurso.
Inconformada, recorre A (doravante designada ora recorrente) para este Tribunal de Última Instância (TUI), formulando a conclusão de que deve ser revogado o acórdão recorrido e mantida a sentença de 1.ª instância, dado que a marca tem capacidade distintiva.


II – Os factos
Os factos considerados provados pelos Tribunais de Primeira e Segunda Instâncias, são os seguintes:
1 - A ora Recorrente requereu, em 8 de Maio de 2012, junto da Direcção dos Serviços de Economia, para os produtos na classe 30, o registo da marca com o número X/XXXXX e materializada no seguinte (melhor caracterizada a fls. 40):

2 - O referido pedido foi feito para serviços da classe 30: “produtos relacionados com chá ou chá de ervas; café, cacau, açúcar, arroz, tapioca, sagu, sucedâneos do café; farinha e preparações feitas de cereais, pão, produtos de pastelaria e confeitaria, gelados; mel, xarope de melaço; levedura, fermento em pó, sal, mostarda; vinagre, molhos (condimentos), especiais; gelo”.
3 - A DSE recusou o referido pedido de registo de marca, o que fez com fundamento na al. a) do nº l do artigo 214.º e al. a) do nº l do artº 9, conjugado com a al. d) do nº l do artº 199, todos do Regime Jurídico da Propriedade Industrial - cfr. aviso publicado no Boletim Oficial de 19 de Junho de 2013, II série, nº 25.
4 - A marca em causa encontra-se registada em vários países e para a mesma classe de produtos, tudo conforme consta de doc. 9 e seguintes e cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos.
5 - A marca será aplicada sobre uma lata de alumínio dentro da qual são acondicionados os produtos do comércio da recorrente.
6 - A marca em causa é baseada no desenho da marca registada na RPC sob o nº XXXXXXXX, conforme doc. nº 6 cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos.
7 - A marca registanda foi objecto de pedido de marca comunitária, apresentada a 14.11.11, tudo conforme doc. 3 cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos.
8 - De acordo com a informação disponível no site da DSE, a marca registanda está classificada como figurativa, composto por duas linhas ou faixas, quadriláteros contendo outros elementos figurativos (...), tudo conforme doc.17 cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos.
9 - A marca utiliza na sua estruturação, sendo reivindicadas pela recorrente, as seguintes cores: cores vermelha (Pantone 186C); preta e castanha (Pantone 490 C).

III – O Direito
1. A questão a resolver
Trata-se de saber se a marca tem capacidade distintiva.

2. Capacidade distintiva da marca
O registo da marca atrás referida foi recusado com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 214.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º, em conjugação com a alínea d) do n.º 1 do artigo 199.º, todos do RJPI, onde se dispõe:
Artigo 214.º
(Fundamentos de recusa do registo de marca)
1. O registo de marca é recusado quando:
a) Se verifique qualquer dos fundamentos gerais de recusa da concessão de direitos de propriedade industrial previstos no n.º 1 do artigo 9.º;
b) …
c)…
2. …
3. …
4. …
5. …
Artigo 9.º
(Fundamentos gerais de recusa)
1. São fundamentos de recusa da concessão dos direitos de propriedade industrial:
a) O objecto não ser susceptível de protecção;
b) …
c)…
d) …
e) …
f) …
g) …
2. …
3. …

Artigo 199.º
(Excepções e limitações à protecção)
1. Não são susceptíveis de protecção:
a) …
b) …
c) …
d) As cores, salvo se forem combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma peculiar e distintiva.
2. ….
3. ….
Ou seja, foi recusado o registo da marca por se ter entendido que se limitava a representar cores, sem qualquer combinação entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma peculiar e distintiva.
Como tivemos oportunidade de reflectir no recente acórdão de 20 de Maio de 2015, no Processo n.º 19/2015:
«A marca é um dos direitos de propriedade industrial.
O direito de propriedade industrial confere ao respectivo titular a plena e exclusiva fruição, utilização e disposição das invenções, criações e sinais distintivos, dentro dos limites, condições e restrições fixados na lei [artigo 5.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI)].
Como se refere no artigo 197.º do RJPI, “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
A marca destina-se a distinguir produtos ou serviços. Sendo ela “… um sinal distintivo de coisas, há-de ela ser dotada, para o bom desempenho da sua função, de eficácia ou capacidade distintiva, isto é, há-de ser apropriada para diferenciar o produto marcada de outros idênticos ou semelhantes”1.
Como se sabe, vigora em matéria de marcas o princípio da especialidade, segundo o qual a marca há-de ser constituída por forma a que não se confunda com outra anteriormente adoptada para o mesmo produto ou semelhante».
Relativamente à cor, explica LUÍS COUTO GONÇALVES 2, referindo-se a preceito idêntico da lei portuguesa “só a cor única apresentada isoladamente não pode constituir uma marca”, acrescentando que, “ao contrário deve permitir-se a união ou combinação de cores, desde que peculiar e distintiva e, por maioria de razão, a disposição de cores.
Nestes casos já não se verifica o perigo de obstrução no acesso ao mercado dos restantes concorrentes dada a infinita margem de combinação ou disposição que as cores proporcionam, nem se colocam os problemas práticos, a que aludimos atrás, dado ser mais fácil a determinação da especificidade de cada marca”.
A sentença de 1.ª instância considerou que “a marca em causa, que será aplicada sobre uma lata de alumínio dentro da qual são acondicionados os produtos do comércio da recorrente, é composto por uma figura geométrica, sobre o qual se desenvolvem duas linhas ou faixas, quadriláteros”, tem capacidade distintiva.
Já o acórdão recorrido não concordou com tal posição, tendo afirmado que, embora a marca dos autos se não se reduza a cores, não tem capacidade distintiva.
Concordamos, fundamentalmente, com o que entendeu a sentença de 1.ª instância, visto que a disposição de cores utilizada consegue ter originalidade capaz de se distinguir de outras combinações, mesmo que utilizando as mesmas cores, com o que o recurso merece provimento.

IV – Decisão
Face ao expendido, concedem provimento ao recurso e revogam tanto o acórdão recorrido como a decisão administrativa, que deve ser substituída por outra que conceda o registo.
Sem custas os dois recursos jurisdicionais.
Macau, 6 de Junho de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai


     1 FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Universidade de Coimbra, Volume I, 1973, p. 323.
     2 LUÍS COUTO GONÇALVES, Manual de Direito Industrial, Coimbra, Almedina, 5.ª edição, 2014, p. 210.
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