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Processo n.º 43/2019. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrentes: A e B.
Recorridos: C e D.
Assunto: Facto conclusivo.
Data do Acórdão: 19 de Junho de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
  No texto: “O acordo celebrado verbalmente entre os Autores e Réus não foi ainda realizado por escrito, conforme tinha sido acordado, por os Réus a tal se terem recusado, apesar de ter sido solicitado pelos Autores em 2015, nos termos das cartas enviadas em 27 de Julho de 2015 e 17 de Setembro de 2015 juntas aos Autos como documentos 41 a 46, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido”, a expressão “… por os Réus a tal se terem recusado …” não é conclusiva.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
C e mulher D intentaram acção declarativa com processo comum ordinário contra A e B, pedindo a sua condenação na restituição aos autores das quantias de RMB 616.860,00 e HKD 432.119,50, acrescidas de juros legais à taxa de 9,75% desde 17 de Outubro de 2015 até integral pagamento.
Por sentença do Ex.mo Presidente do Tribunal Colectivo, de 30 de Janeiro de 2018, foi a acção julgada improcedente e os réus absolvidos do pedido.
Recorreram os autores C e D para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) que, por Acórdão de 6 de Dezembro de 2018, concedeu provimento ao recurso, alterou a redacção da resposta do Tribunal Colectivo ao quesito 26.º da base instrutória e condenou os réus no pedido, com a excepção de que os juros legais serão desde a citação e não desde 17 de Outubro de 2015, como foi pedido.
Recorrem, agora, os réus A e B para este Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões:
- A parte da resposta ao quesito 26.º da base instrutória, em que se diz “por os réus a tal se terem recusado” é facto conclusivo, devendo ter-se por não escrito;
- Ainda que assim se não entenda, a alteração da decisão da resposta ao quesito 26.º da base instrutória, com base nas cartas dos advogados, não permite chegar à conclusão da recusa dos recorrentes, pelo que foi violado o n.º 1 do artigo 558.º do Código de Processo Civil;
- Não houve incumprimento definitivo dos réus;
- Os autores não alegaram na petição a causa da perda objectiva de interesse na prestação.

II – Os factos
i) O Tribunal de 1.ª Instância considerou provados os seguintes factos:
Da Matéria de Facto Assente:
- Em 19.01.2011, a 2ª Ré e a sociedade comercial “Companhia E” proprietária e promotora imobiliária, celebraram por escrito um acordo em que a 2ª Ré prometia comprar e a referida sociedade prometia vender-lhe um imóvel sito na Província de Guangdong, cidade de Zhongshan, em [Endereço (1)], tendo ficado a constar nesse acordo que a 2ª Autora e a referida sociedade tinham já acordado os termos e condições gerais para a aquisição do Imóvel em 21.12.2010 (alínea A) dos factos assentes).
- E ficou ainda a constar em tal acordo escrito que no dia 3.01.2011 a 2ª Autora tinha cedido a sua posição contratual à 2ª Ré, que passou então a assumir a posição de promitente-compradora (alínea B) dos factos assentes).
- A sociedade “Companhia E” e a 2ª Ré celebraram, também em 19.01.2011, o contrato definitivo de compra e venda do Imóvel referido em A) (alínea C) dos factos assentes).
- Nos termos dos contratos referidos em A) e C), celebrados entre a sociedade comercial “Companhia E” e a 2ª Ré, ficou determinado que o Imóvel seria adquirido pelo preço de RMB3.549.706,00 (equivalente a MOP4.357.891,59) e, bem assim, os moldes do pagamento do preço (alínea D) dos factos assentes).
- Os Autores entregaram à sociedade comercial vendedora a quantia de RMB1.103.000,00, sendo RMB1.074.706,00 a título de depósito/ sinal (alínea D)1 dos factos assentes).
- Esse montante global foi pago pelos Autores à vendedora através de três tranches no valor de RMB20.000,00, de RMB180.000,00 e de RMB903.000,00, em 21.12.2010, 22.12.2010 e 19.01.2011, respectivamente (alínea D)2 dos factos assentes).
- Parte do preço, no montante de RMB2.475.000,00, foi pago à sociedade comercial “Companhia E” em Fevereiro de 2011 mediante o recurso a um empréstimo bancário contraído pela 2ª Ré junto do [Banco (1)] no valor de HKD2.950.000,00 (alínea E) dos factos assentes).
Da Base Instrutória:
- Entre finais do ano de 2010 e início do ano de 2011, os Autores acordaram verbalmente com os Réus na aquisição em conjunto do imóvel referido em A) dos factos assentes mas que o contrato definitivo de compra e venda seria outorgado apenas pela 2ª Ré (resposta aos quesitos 1º e 3º da base instrutória).
- Os Autores, no final de 2010, acordaram com a sociedade “Companhia E”, proprietária e promotora imobiliária do prédio onde se localiza o imóvel, na compra deste imóvel (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
- O acordo celebrado entre a segunda Ré e a sociedade vendedora, referido em C), foi celebrado nos termos acordados verbalmente entre Autores e Réus (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
- Nos termos do acordo verbal celebrado entre Autores e Réus, ficou estabelecido que o imóvel seria formalmente adquirido e registado em nome da 2ª Ré, embora, de facto, pertencesse também ao 1º Réu e aos Autores, em partes iguais (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
- O que consta da resposta ao quesito 9º (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
- Não obstante ter sido acordado que a aquisição do imóvel seria apenas formalmente titulada pela 2ª Ré, Autores e Réus concordaram que, na realidade, cada casal adquiriria 50% do mesmo (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
- Autores e Réus acordaram que os Autores pagariam 50% do preço do imóvel e os Réus pagariam os outros 50%, e que a cada parte pertencia 50% da propriedade do mesmo (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
- E acordaram formalizar por escrito esse acordo verbal (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
- Autores e Réus acordaram em suportar, em partes iguais, o depósito inicial, as despesas administrativas conexas com a aquisição do imóvel e bem assim o remanescente do preço (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
- Em cumprimento do acordo verbal entre as Partes, os Réus entregaram aos Autores a quantia de RMB551.500,00, correspondente a metade da quantia de RMB1.103.000,00 referida em D)1 dos factos assentes (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
- Autores e Réus acordaram que aqueles suportariam metade do empréstimo bancário referido em E) dos factos assentes (resposta ao quesito 14º da base instrutória).
- Para efeitos de reembolso do empréstimo, Autores e Réus estabeleceram entre si um plano nos termos do qual as respectivas prestações mensais seriam pagas pela partes de forma interpolada, cabendo aos Autores suportar o pagamento das prestações nos meses ímpares e aos Réus o reembolso das prestações nos meses pares (resposta ao quesito 15º da base instrutória).
- Porque a 2ª Ré é a única mutuária perante o Banco, ficou estipulado entre as partes que os Autores pagariam os montantes das prestações que lhe cabia suportar através de depósito do valor correspondente numa conta bancária da 2ª Ré que esta indicou mediante a entrega de cópia da sua caderneta bancária (resposta ao quesito 16º da base instrutória).
- E esse depósito seria utilizado para proceder ao reembolso do empréstimo ao Banco (resposta ao quesito 17º da base instrutória).
- O que sucedeu desde a obtenção do empréstimo no início de 2011 (resposta ao quesito 18º da base instrutória).
- Desde Novembro de 2011 e até Setembro de 2015 à excepção de Março de 2012 e Maio de 2013, os Autores depositaram na conta bancária da 2ª Ré as quantias equivalentes às prestações de amortização do empréstimo bancário dos meses ímpares e do mês de Fevereiro de 2013 (resposta ao quesito 19º da base instrutória).
- Para reembolso do empréstimo, os Autores depositaram na conta da 2ª Ré um total de HKD350.866,00, correspondente à soma das prestações dos meses Novembro de 2011; das prestações dos meses de Janeiro, Maio, Julho, Setembro e Novembro de 2012; das prestações dos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Julho, Setembro e Novembro de 2013; das prestações dos meses de Janeiro, Março, Maio, Julho, Setembro e Novembro de 2014 e das prestações de Janeiro, Março, Maio, Julho e Setembro de 2015 (resposta ao quesito 21º da base instrutória).
- No âmbito do mesmo acordo verbal entre as partes, os Autores suportaram o montante de RMB7.192,00, correspondente a metade das despesas notariais, que ascenderam a um total de RMB14.384,00 (resposta ao quesito 22º da base instrutória).
- No âmbito do mesmo acordo verbal entre as partes, os Autores suportaram ainda o montante de RMB53.253,50, correspondente a metade dos impostos devidos com a escritura pública e das despesas do título de propriedade, que ascenderam a um total de RMB106.507,00 (resposta ao quesito 23º da base instrutória).
- No âmbito do acordo verbal entre as partes, os Autores suportaram o montante de RMB415,00 correspondente a metade dos honorários de advogado que ascenderam a um total de RMB830,00 (resposta ao quesito 24º da base instrutória).
- No âmbito do mesmo acordo verbal entre as Partes, os Autores suportaram o montante de HKD5.103,50, correspondente a metade das despesas relacionadas com a hipoteca e com o seguro, e que ascenderam a um total de HKD10.207,00 (resposta ao quesito 25º da base instrutória).
- O acordo celebrado verbalmente entre Autores e Réus ainda não foi formalizado (resposta ao quesito 26º da base instrutória).
- Os Autores não pretendem manter o acordo verbal que celebraram com os Réus, deixando de ter qualquer interesse ou expectativa quanto ao imóvel (resposta ao quesito 27º da base instrutória).
- Por isso, através de carta datada de 17 de Setembro de 2015, os Autores pediram os Réus para procederem ao reembolso integral do montante global despendido, no prazo de 30 dias (resposta ao quesito 28º da base instrutória).
- Apesar de terem sido assim instados, os Réus nada entregaram aos Autores até hoje (resposta ao quesito 29º da base instrutória).
 ii) O acórdão recorrido alterou a resposta ao quesito 26.º, nos seguintes termos:
  O acordo celebrado verbalmente entre os Autores e Réus não foi ainda realizado por escrito, conforme tinha sido acordado, por os Réus a tal se terem recusado, apesar de ter sido solicitado pelos Autores em 2015, nos termos das cartas enviadas em 27 de Julho de 2015 e 17 de Setembro de 2015 juntas aos Autos como documentos 41 a 46, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.


III – O Direito

1. Questões a apreciar
Há que conhecer das questões suscitadas pelos recorrentes.

2. Matéria de facto. Facto conclusivo
Alegam os recorrentes que a parte da resposta ao quesito 26.º da base instrutória, em que se diz “por os réus a tal se terem recusado” é facto conclusivo, devendo ter-se por não escrita.
O quesito 26.º da base instrutória tem a seguinte redacção:
“O acordo celebrado verbalmente entre autores e réus não foi ainda formalizado por escrito, conforme tinha sido acordado, por os Réus a tal se terem recusado apesar de diversas vezes e por diversas formas ter sido solicitado pelos autores nos anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015?”

A locução que os ora recorrentes consideram, agora, ser facto conclusivo “por os réus a tal se terem recusado”, já constava da redacção da base instrutória elaborada em 24 de Junho de 2016 e os ora recorrentes não reclamaram dessa redacção com fundamento na conclusividade da expressão.
Recebeu a seguinte resposta do Tribunal Colectivo de 1.ª Instância:
“O acordo celebrado verbalmente entre Autores e Réus ainda não foi formalizado”.
E foi alterado pelo acórdão recorrido para:
  “O acordo celebrado verbalmente entre os Autores e Réus não foi ainda realizado por escrito, conforme tinha sido acordado, por os Réus a tal se terem recusado, apesar de ter sido solicitado pelos Autores em 2015, nos termos das cartas enviadas em 27 de Julho de 2015 e 17 de Setembro de 2015 juntas aos Autos como documentos 41 a 46, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido”.
Afigura-se-nos que a expressão em questão constitui matéria de facto, sem conteúdo conclusivo. Significa, pura e simplesmente, que os réus se recusaram a formalizar por escrito o acordo verbal, apesar de terem sido solicitados para tal pelos autores.
Improcede a questão suscitada.

3. Poder de cognição do TUI em matéria de facto
Alegam os recorrentes que a alteração da decisão da resposta ao quesito 26.º da base instrutória, com base nas cartas dos advogados, não permite chegar à conclusão da recusa dos recorrentes, pelo que foi violado o n.º 1 do artigo 558.º do Código de Processo Civil.
  O n.º 1 do artigo 558.º do Código de Processo Civil dispõe que “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
  Pretendem os recorrentes sindicar o juízo do acórdão recorrido, a sua livre convicção, o que não é possível já que o TUI, neste recurso jurisdicional só conhece de matéria de direito (artigos 47.º da Lei de Bases da Organização Judiciária e 639.º e 649.º do Código de Processo Civil).
Improcede a questão suscitada.
  
  4. Incumprimento definitivo dos réus
Por fim, pretendem os recorrentes que não houve incumprimento definitivo da sua parte.
A este respeito diz-se no acórdão recorrido:
“Ora, os autos demonstram claramente que ficou provado o conteúdo do acordo verbal, que foi cumprido pelas partes, fica, agora, por formalizar por escrito o acordo.
Pergunta-se, os Autores chegaram a interpelar os Réus para honrar os compromissos? A resposta deve ser positiva em face dos elementos assentes.
Pois, para nós, os documentos nos. 41 a 46 produzem efeitos interpelativos, porque os Recorridos foram intimados para concretizar a promessa, e até apresentando-se alternativa em caso de tal acordo escrito não vir a ser celebrado, pedindo-se que os Recorridos assinassem documentos comprovativos da dívida para com os Recorrentes.
Os Recorridos não ligaram simplesmente no que toca a esta interpelação, e como tal tem de assumir as consequências daí decorrentes.
Mais, com a citação dos Réus/Recorridos neste processo, estes ficaram a saber que eles deviam proceder ao reembolso das quantias pagas pelos Recorrentes.
Nesta óptica, independentemente da qualificação jurídica que se possa dar ao acordo verbal, seja acordo de mútuo, seja de natureza mista, sendo certo que, a partir do momento em que os Recorridos não deram resposta à interpelação feita pelos Recorrentes, mormente a partir da citação feita na pessoas dos Recorridos, estes passaram a estar numa situação de incumprimento definitivo dos termos acordados (artigo 794º do CCM), razão pela qual hão-de assumir as consequências daí decorrentes”.
Resulta da matéria provada ter havido um acordo verbal entre as partes no sentido da aquisição conjunta de imóvel na Província de Guangdong, que seria formalizado pela 2.ª ré, figurando esta como compradora.
Para tal, os autores entregaram aos réus as quantias descritas nos autos.
Acordaram ainda as partes que o acordo verbal seria reduzido a escrito.
Os réus recusaram formalizar por escrito tal acordo, o que só pode ser entendido como pretendendo os réus negar ter feito o mencionado acordo verbal. O que se compreende perfeitamente, dado que na contestação os réus negam expressamente ter celebrado o acordo e alegam que os montantes depositados pela autora seriam reembolso de empréstimo feito pelo réu a ela. Espanta como é que esta alegação não foi sancionada como litigância de má-fé.
Tendo os réus recusado formalizar por escrito o acordo para a aquisição conjunta de imóvel e negando estes terem feito qualquer acordo nesse sentido com os autores, é perfeitamente compreensível que estes tenham perdido interesse na execução do acordo.
Provou-se:
- Os Autores não pretendem manter o acordo verbal que celebraram com os Réus, deixando de ter qualquer interesse ou expectativa quanto ao imóvel (resposta ao quesito 27º da base instrutória).
- Por isso, através de carta datada de 17 de Setembro de 2015, os Autores pediram os Réus para procederem ao reembolso integral do montante global despendido, no prazo de 30 dias (resposta ao quesito 28º da base instrutória).
- Apesar de terem sido assim instados, os Réus nada entregaram aos Autores até hoje (resposta ao quesito 29º da base instrutória).
Houve, pois, incumprimento definitivo por parte dos réus.
Por fim, não é exacto que os autores não alegaram na petição a causa da perda objectiva de interesse na prestação. Alegaram que, a determinado momento o réu negou ter participado em qualquer acordo e, a partir dessa data, os réus deixaram de responder às tentativas de contacto dos autores, pelo que estes começaram a temer pelo cumprimento do acordo verbal. Recorreram, então os autores a serviços de advogado, mas os réus nada responderam às cartas dos advogados (artigos 52.º a 58.º da petição).
Improcede, portanto, o recurso.

IV – Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes.
Macau, 19 de Junho de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

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