Processo n.º 144/2019 Data do acórdão: 2019-5-31
Assuntos:
– art.o 198.o, n.o 1, alínea h), do Código Penal
– acórdão do Processo n.o 40/2011 do Tribunal de Última Instância
– prática do crime como modo de vida
S U M Á R I O
Sobre a questão da interpretação da norma incriminadora do art.o 198.o, n.o 1, alínea h), do Código Penal, que prevê a punibilidade da conduta de furto como modo de vida, é de seguir a ratio decidendi do douto acórdão do Tribunal de Última Instância, de 26 de Outubro de 2011, no Processo n.o 40/2011, segundo a qual a circunstância da prática do crime como modo de vida não é incompatível com o exercício, pelo agente, de outra actividade, lícita ou não, remunerada ou não.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 144/2019
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
Arguido recorrido: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o acórdão proferido a fls. 714 a 728v dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR1-18-0268-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que condenou o arguido A (acusado pela autoria material de 13 crimes consumados de furto como modo de vida, p. e p. pelo art.o 198.o, n.o 1, alínea h), do Código Penal (CP)) pela prática, em autoria material, de dois crimes consumados de furto em valor elevado, p. e p. pelo art.o 198.o, n.o 1, alínea a), do CP, em um ano e três meses de prisão por cada, e de seis crimes de furto, p. e p. pelo art.o 197.o, n.o 1, do CP, em nove meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de três anos e seis meses de prisão, veio a Digna Delegada do Procurador recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando ao Tribunal sentenciador o erro na interpretação do art.o 198.o, n.o 1, alínea h), do CP, para rogar que se passasse a condenar o arguido pela autoria material de oito crimes consumados de furto como modo de vida, com aplicação de pena não inferior a um ano e três meses de prisão para seis dos crimes, e de pena não inferior a um ano e nove meses de prisão para os restantes dois crimes, e de pena única não inferior a quatro anos e seis meses de prisão (cfr. a motivação do recurso apresentada a fls. 737 a 744 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso, não foi exercido o direito de resposta pela Defesa.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 756 a 757v), pugnando principalmente pelo provimento do recurso, com consequente condenação do arguido pela prática de oito crimes de furto como modo de vida, com nova medida da pena correspondente.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto já descrita como provada nas páginas 10 a 18 do texto do acórdão recorrido (ora concretamente a fls. 718v a 722v) e sendo o objecto do recurso circunscrito materialmente à problemática da qualificação jurídico-penal dos factos provados, é de tomar tal factualidade provada como fundamentação fáctica da presente decisão de recurso, nos termos permitidos pelo art.º 631.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 4.º do Código de Processo Penal.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Pois bem, a Digna Delegada do Procurador traz à discussão a questão da interpretação da norma incriminadora do art.o 198.o, n.o 1, alínea h), do CP, que prevê a punibilidade da conduta de furto como modo de vida.
O Venerando Tribunal de Última Instância, no seu douto Acórdão de 26 de Outubro de 2011, no Processo n.o 40/2011, já se pronunciou sobre a questão de verificação da circunstância da prática do crime como modo de vida, afirmando que esta circunstância não é incompatível com o exercício, pelo agente, de outra actividade, lícita ou não, remunerada ou não.
Embora esse douto Acórdão tenha sido proferido sobre o crime de burla, é de seguir a sua ratio decidendi na presente lide recursória.
Assim sendo, e perante toda a matéria de facto já dada por provada no acórdão ora recorrido, a qual, considerada na sua globalidade, dá para enquadrar a conduta ilícita do arguido na circunstância de prática de crime como modo de vida, é de passar a condenar o arguido pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de oito crimes de furto como modo de vida, p. e p. pelo art.o 198.o, n.o 1, alínea h), do CP, a que se reportam sobretudo os seguintes factos provados:
– a) Factos provados 2 a 4 (com cerca de HKD$23.730,00 de prejuízo causado);
– b) Factos provados 5 a 6 (com cerca de HKD$6.000,00 de prejuízo causado);
– c) Factos provados 7 a 8 (com HKD$10.500,00 de prejuízo causado);
– d) Factos provados 12 a 13 (com cerca de MOP$17.908,00 de prejuízo causado);
– e) Factos provados 14 a 15 (com cerca de MOP$62.500,00 de prejuízo causado);
– f) Factos provados 16 a 17 (com cerca de HKD$23.000,00 de prejuízo causado);
– g) Factos provados 18 a 19 (com cerca de HKD$75.300,00 de prejuízo causado);
– e h) Factos provados 20 a 21 (com MOP$1.000,00, HKD$8.000,00 e RMB$200,00 de prejuízo causado).
Dadas as prementes necessidades da prevenção geral deste tipo de delito, não é de optar pela pena de multa, em detrimento da de prisão (cfr. o critério material plasmado no art.o 64.o do CP para a questão da escolha da espécie da pena).
Sendo de um mês a cinco anos a moldura penal de prisão correspondente (cfr. inclusivamente o art.o 41.o, n.o 1, do CP), e ponderando tudo (com consideração de todas as circunstâncias fácticas já apuradas pelo Tribunal a quo e descritas como provadas no texto da decisão recorrida) à luz dos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, e 65.º, n.os 1 e 2, do CP, entende-se por justo e equilibrado aplicar ao arguido um ano e três meses de prisão para cada um dos seis desses oito crimes (referidos nas alíneas a), b), c), d), f) e h) acima), e um ano e nove meses de prisão para cada um dos restantes dois crimes (referidos nas alíneas e) e g) acima), e, em cúmulo jurídico operado nos termos do art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP, na pena única de quatro anos e seis meses de prisão.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso, passando a condenar o arguido pela autoria material de oito crimes consumados de furto como modo de vida, p. e p. pelo art.o 198.o, n.o 1, alínea h), do Código Penal, em um ano e três meses de prisão para cada um dos seis desses oito crimes, e um ano e nove meses de prisão para cada um dos restantes dois crimes, e, em cúmulo jurídico, na pena única de quatro anos e seis meses de prisão.
Sem custas na presente lide recursória.
Macau, 31 de Maio de 2019.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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