Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau
Recurso civil
N.° 22 / 2007
Recorrente: A
Recorridos: B, C (aliás C1) e D
1. Relatório
B, C e D requereram a providência cautelar de arresto contra A, pedindo que sejam arrestados os créditos do requerido resultantes do contrato-promessa de compra e venda celebrado com a E e as participações sociais, de forma a acautelar a satisfação do crédito dos requerentes no valor de HK$55.300.000,00, acrescido dos juros vincendos até integral pagamento.
Com a dispensa da audição do requerido, a juiz do Tribunal Judicial de Base deferiu o pedido no sentido de conceder o arresto da quantia de HK$27.650.000,00 a partir do montante que a E terá de pagar ao requerido se, no recurso n.° 56/2005 então pendente no Tribunal de Segunda Instância, se vier a reconhecer por sentença definitiva o direito de crédito ao requerido de valor igual ou superior; ou da totalidade da quantia que a E terá que pagar ao requerido se, no referido recurso, se vier a reconhecer por sentença definitiva o direito de crédito ao requerido de valor inferior a HK$27.650.000,00.
Notificado da decisão, veio o requerido a formular a oposição que acabou por ser julgada improcedente.
Desta última sentença recorreu o requerido para o Tribunal de Segunda Instância. Por seu acórdão proferido no processo n.º 482/2006, foi negado provimento ao recurso.
Vem agora o requerido interpor recurso para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões nas suas alegações:
“1. – 1.ª questão – Ao considerar que os novos factos provados na oposição não determinaram uma modificação do já decidido, o acórdão recorrido violou o disposto na al. c) do art.º 571.° do CPCM, uma vez que os fundamentos provados a fls. 741 e 741v conduziriam necessariamente a uma decisão diferente da ora recorrida.
2. – 2.ª questão – O acórdão recorrido ao rejeitar, por remissão para os termos do acórdão recorrido, a arguição de nulidade vertida na conclusão B das alegações do recurso anteriormente interposto pelo ora recorrente.
3. Esta decisão do tribunal recorrido viola o disposto no art.º 631.°, n.º 5 do CPCM e, por conseguinte viola o disposto no art.º 571.°, n.º 1, d), primeira parte, do CPCM, pelo que deve ser revogada.
4. – 3ª e 4ª questão – Esta decisão do tribunal recorrido viola o disposto no art.º 631.°, n.ºs 5 e 6 do CPCM e, por conseguinte viola o disposto no art.º 571.°, n.º 1, d), primeira parte, do CPCM. ´
5. Acresce que nos parágrafos 26 a 39 e 94 a 98 das suas alegações de recurso para o Tribunal de Segunda Instância, o ora recorrente especificou os concretos meios de prova constantes do processo que, na sua opinião, impunham decisão da matéria de facto diversa da decisão impugnada.
6. O Tribunal de Segunda Instância não conheceu da referida questão nos termos do art.º 599.°, n.º 1, b) e n.º 2 do CPCM, pelo que o acórdão recorrido, nessa parte, está afectado da nulidade por omissão de pronúncia, a que se reportam os art.ºs 563.°, n.º 2, lª parte, 571.°, n.° 1, al. d), lª parte, 631.°, n.º 2, 633.°, n.° 1 e 652.° do CPCM.
7. Desta forma, há que anular a decisão recorrida, ordenando-se a remessa do processo à 2ª instância a fim de o reformar por via do conhecimento da questão omitida, se possível, pelos mesmos Juizes, nos termos dos art.ºs 635.°, n.º 1 e 651.°, n.º 2 do CPCM.
8. – 5.ª questão – Esta decisão do tribunal recorrido viola o disposto no art.º 631.°, n.º 5 do CPCM e, por conseguinte viola o disposto no art.º 571.°, n.º 1, d), primeira parte, do CPCM.
9. Por outro lado, nos autos de arresto provado ficou que o pagamento do preço se processou através dos cheques n.° 006906, 006907 e 35361 (pelos arrestantes juntos a fls. 61 a 63, ora fls. 112 a 114).
10. Nos autos de oposição provou-se que tais cheques tiveram por finalidade “outros negócios” em nada relacionados com o referido contrato-promessa de compra e venda, (cfr. factos dados como provados sob o n.° 1 a 4 e 7 da decisão de fls. 740 a 743, ora a fls. 504 a 507v).
11. Assim, face à factualidade dada como provada nos referidos pontos 1 a 4 e 7, impõe-se concluir que o alegado direito de crédito dos arrestantes dado como provado – ou melhor, indiciado – nos autos de arresto, não existe.
12. Ao concluir que o direito de crédito dos arrestantes existia, o acórdão recorrido incorreu na nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 571.° do CPCM e fez uma errada aplicação do disposto no art.º 351.° e 352.° do CPCM quanto ao pressuposto da probabilidade da existência do crédito, conforme ficou demonstrado na declaração de voto do Exmo. Juiz relator que se dá por reproduzida.
13. – 6.ª questão – Ficou provado nos termos do art.º 365.°, n.º 1 do CCM que os declarantes C1 e D declararam o que ficou consignado no documento particular autenticado de fls. 262 a 265, ou seja, de que não tinham pago qualquer quantia ao ora recorrente, quer a título de sinal, quer a título do preço, em relação ao Lote X.
14. A força probatória destas declarações não resulta do facto de terem sido produzidas num documento particular autenticado, mas do facto de consubstanciarem uma confissão judicial espontânea (art.º 345.° e 349.°, n.º 1 do CCM) e, porque desfavorável aos declarantes e feita ao ora recorrente, têm força probatória plena (370.°, n.º 2), ficando, consequentemente, arredada a possibilidade de os confitentes demonstrarem mediante prova testemunhal, que afinal o pagamento foi, na realidade, efectuado (art.º 387.°, n.º 2 do CCM).
15. A declaração conjunta do C e do D de fls. 262 e 265 dizendo que nada pagaram ao A por conta do contrato de 11/04/1992 consubstancia uma confissão judicial espontânea de que os mesmos não dispõem de qualquer direito de crédito sobre A, a qual faz prova plena contra os confitentes (cfr. art.ºs 349.°, n.º 1 e 351.°, n.º 1, ambos do Código Civil).
16. O tribunal recorrido, que decidiu sem ter requisitado esses documentos ao abrigo do poder-dever previsto no art.º 615.°, n.º 3 do CPCM, violou, nesta matéria, os art.ºs 365.°, n.º 1, 345.°, 351.°, n.º 1, 387.°, n.º 2, 339.° e 340.° todos do CCM e, em consequência, os art.ºs 558.°, n.º 2 e 562.°, n.ºs 2 e 3, ex vi do 631.°, n.º 2 do CPCM, pelo que deve ser revogado.
17. Mesmo que assim não entendesse, sempre o tribunal recorrido devia ter dado como provados, por força do disposto no art.º 365.°, n.º 1 do CCM e no art.º 562.°, n.ºs 2 e 3 ex vi do 631.°, n.º 2 do CPCM que o C e D produziram as declarações constantes no documento particular autenticado de fls. 262 a 265 do Apenso A.
18. – 7.ª questão – A autoria dos documentos particulares de fls. 242 a 244 encontra-se reconhecida nos termos dos art.ºs 368.°, n.º 1 e 369, n.º 1 do CCM, pelo que as declarações neles atribuídas fazem prova plena na medida em que forem contrários aos interesses dos declarantes (cfr. art.º 370.°, n.ºs 1 e 2 do CCM).
19. Tais declarações de desistência da providência cautelar e de renúncia ao direito de proposição da acção principal contra o ora recorrente conjugadas com a confissão categórica de fls. 262 e 265 afastam os fundamentos de facto relativos ao fumus boni juris vertidos nos art.ºs 12.° e 13.° de fls. 223 e 223v, ou pelo menos, conseguem torná-los duvidosos nos termos do disposto no art.º 339.° do CCM.
20. Ao não dar como provados os factos constantes das declarações de 242 a 244 o tribunal recorrido, que decidiu sem ter requisitado esses documentos ao abrigo do poder-dever previsto no art.º 615.°, n.º 3 do CPCM, violou o disposto nos a art.ºs 368.°, n.º 1, 369.º, n.º 1, 370.°, n.º 1 e 2, 339.° e 340.° todos do CCM e, em consequência, os art.ºs 558.°, n.º 2 e 562.°, n.ºs 2 e 3 ex vi do 631.°, n.º 2 do CPCM.
21. Mesmo que assim não entendesse, sempre o tribunal recorrido devia ter dado como provados, por força do disposto no art.º 562.°, n.ºs 2 e 3 ex vi do 631.°, n.º 2 do CPCM que o C e do D produziram as declarações constantes a fls. 242 a 244 do Apenso A.
22. – 8.ª questão – Esta decisão do tribunal recorrido quanto ao receio da perda da garantia patrimonial viola o disposto no art.º 631.°, n.º 5 do CPCM e, por conseguinte viola o disposto no art.º 571.°, n.º 1, d), primeira parte, do CPCM.
23. Em todo o caso, se assim não se entender sempre se afigura que o tribunal recorrido violou o disposto no art.ºs 351.°, n.º 1 e 352.°, n.º 1 do CPCM ao dar por verificado o fundado receio da perda da garantia patrimonial do crédito dos requerentes do arresto sobre o requerido.
24. Primeiro, porque de toda fundamentação fáctico-jurídica da decisão de fls. 221 a 227v, secundada depois na fundamentação jurídica da decisão de manutenção do arresto resulta apenas justificado o (i) receio de incumprimento da obrigação que não o (ii) fundado receio do credor perder a garantia patrimonial.
25. O (i) receio de incumprimento da obrigação e o (ii) fundado receio do credor perder a garantia patrimonial são conceitos distintos como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, 05/04/2006, proferido por unanimidade no processo 2801/05-2, in www.dgsi.pt.
26. Segundo, porque não ficou provado (i) que o ora recorrente estivesse em risco de insolvência ou (ii) que estivesse a ocultar ou dissipar o seu património ou (iii) que estivesse a tentar alienar bens de modo que se tornasse consideravelmente difícil aos credores promover a cobrança coactiva dos seus créditos.
27. Terceiro, porque ficou provado no parágrafo 4.º de fls. 741 que o ora recorrente decidiu investir no sector da reciclagem de resíduos, em Macau. (artigo 84.º da oposição).
28. Quarto, porque a situação de facto, violadora do direito, ou seja o incumprimento do contrato referido no artigo 3.º de fls. 221v perdura desde há vários anos (cfr. ponto 16 dos factos provados), concretamente desde 24 de Junho de 1994, sendo há muito do domínio público, ou, pelo menos, da população de Macau que passa pela Baixa da Taipa ou que lê o BORAEM, bem como do dos recorridos, que a Concessionária do terreno (E) optou por nunca cumprir o contrato de concessão.
29. Se os ora recorridos tivessem realmente um fundado receio da perda da garantia patrimonial não teriam seguramente esperado quase doze anos para requerer um arresto contra os bens do recorrente.
30. Podiam perfeitamente os recorridos, desde há muito, ter requerido o arresto do direito à celebração do negócio definitivo ou do direito ao sinal em dobro que o recorrente dispunha sobre a E (cfr. contrato de fls. 55 e 56) e interposto, sem mais delongas, a competente acção declarativa.
31. Não o fizeram, pelo que se afigura aplicável o entendimento uniforme na doutrina e jurisprudência de que não há urgência em ser decretada a medida cautelar se a situação de facto, violadora do direito, já perdura desde há vários anos, caso em que o titular do direito pode pedir a respectiva indemnização, mas não faz sentido que peça uma providência preventiva e cautelar.
32. Quinto, porque a transferência de fundos para Hong Kong, onde residem todos os recorridos (cfr. fls. 2 do Apenso A) não consiste num comportamento objectivamente adequado a frustrar a cobrança dos “créditos” desses “credores”, pelo que tal “facto” não é subsumível na hipótese do art.º 351.º do CPCM.
33. Sexto, porque a extrema facilidade, celeridade e reduzido custo que caracteriza a execução de sentenças de Macau em Hong Kong (de que dá conta a legal opinion de fls. 493 a 593) neutraliza por completo o receio dos recorridos que a transferência do dinheiro da E para Hong Kong frustrasse o efeito útil da execução uma eventual sentença contra o ora recorrente.
34. Sétimo, porque os ora recorridos, querendo, podem, ao abrigo do corpo do artigo 5.º do Aviso do Chefe do Executivo n.º 12/2006 requerer junto aos tribunais da RPC a penhora, apreensão ou congelamento dos bens que o recorrente aí comprovadamente dispõe.
35. Não se verifica pois, qualquer periculum in mora face ao confessado pelos ora recorridos nos artigos 16, 17 e 19 dos Factos provados da decisão de fls. 221 a 227v.
36. – 9.ª questão – Face à legislação aplicável da RAEHK de que nos dá conta a legal opinion junta ao requerimento de fls. 493 a 593, e do regime aplicável da RPC estabelecido no artigo 5.° do Aviso do Chefe do Executivo n.º 12/2006, não existe o menor perigo de ser vir a tornar inviável, ou, altamente precária, a realização da garantia patrimonial do crédito dos recorridos que justificou o decretamento do arresto.
37. Ao considerar fundado o receio de perda de garantia patrimonial por remissão directa para a fundamentação das decisões do Tribunal de Primeira Instância, o acórdão recorrido violou o disposto no art.º 631.°, n.º 5, a contrario, e errou por não ter apreciado à luz do regime da execução de sentenças estrangeiras em Hong Kong e do artigo 5.° do Aviso do Chefe do Executivo n.º 12/2006, a factualidade provada nos autos relativa aos perigos reais e certos da perda da garantia patrimonial.”
Pedindo que seja revogado o acórdão recorrido.
Os recorridos B e C apresentaram, na sua resposta, as seguintes conclusões:
“1. Ao contrário do que foi alegado pelo recorrente, o acórdão ora recorrido não padece o vício previsto pelo disposto na al. c) do art.º 571.º do CPC;
2. Isto é, os factos provados nos presentes autos no julgamento do Tribunal Judicial da Base não acarreta quaisquer vícios ao acórdão ora recorrido;
3. Ora, como foi bem decidido pelo Tribunal de Segunda Instância, não existe quaisquer factos contraditórios, o qual adere integralmente a posição do Tribunal de Segunda Instância, pelo que não procede o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão previsto pelo disposto na al. c) do art.º 571.º do CPC;
4. Nos termos do CC e do CPC, a prova testemunhal é apreciada livremente pelo Tribunal;
5. Ora, o acórdão ora recorrido bem compreendeu que o requerido, ora recorrente, não apresentou quaisquer provas legais ou pré-tarifada na lei civil probatória substantiva, pelo que, o requerido não pode pôr em crise a decisão do Tribunal perante as provas produzidas nos autos;
6. Ao contrário do que foi alegado pelo recorrente, perante os factos provados nos presentes autos, não restam dúvidas que existe provavelmente o direito alegado pelos requerentes, o qual preencheu o requisito de probabilidade da existência do direito do decretamento do arresto preventivo, exigido pelo CPC;
7. Como foi entendido pelo Tribunal de Segunda Instância, as declarações do documento 262 a 265 não podem provar a veracidade dos factos aí mencionados nos termos do art.º 365.º, n.º 1, do CC, pelo que, este vício deveria ser julgado improcedente;
8. Mais uma vez, referimos que estas declarações de fls. 242 e 243 a 244 não são provas legais e não resultam quaisquer renúncias de direito de acção, pelo que, este vício deveria ser julgado improcedente;
9. Ficou provado nos presentes os autos:
“O requerido tem afirmado que tenciona proceder, a curtíssimo prazo, logo obter o levantamento da quantia em causa, a transferência desta quantia para Hong Kong, sem que, antes, proceda ao pagamento das suas dívida locais, nomeadamente, aos ora requerentes”;
10. Perante os factos provados nos presentes autos, resultam claramente e obviamente que preencheu o requisito relativo ao receio da perda da garantia patrimonial, pelo que, este vício deveria ser julgado improcedente.”
Entendendo que se deve julgar improcedente o recurso.
Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
2. Fundamentos
2.1 Os factos provados
Sem qualquer alteração, são seguintes os factos considerados provados na decisão que decretou o arresto e no julgamento da oposição.
Resulta da decisão que decretou o arresto:
“1. O requerido é titular de um estabelecimento(1) denominado por ..., em chinês ..., em romanização ..., sito em Macau, na Rua [...], inscrito no cadastro industrial sob o n.º [...].
2. A sociedade comercial denominada E (anteriormente designada por ...), em chinês ..., em inglês ... (doravante designada por ...) é titular de uma concessão por arrendamento de uma parcela de terreno sito no quarteirão X do plano de intervenção urbanística da Baixa da Taipa, na Ilha da Taipa, titulado pelo Despacho n.º XXX/SATOP/90, publicado no Boletim Oficial, suplemento n.º XX de XX.XX.1990, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, a fls. 120, do livro BXXX (doravante designada por Quarteirão X), com a finalidade de construção de um complexo constituído pelos seguintes edifícios:
a) um edifício industrial composto por cave, r/c e 7 andares, num total de nove pisos;
b) um edifício habitacional composto por cave, r/c e 21 andares, num total de 23 pisos, e serão afectados às seguintes finalidades de utilização: comercial, habitacional, industrial e estacionamento, sendo a cave comum aos 2 prédios.
3. Em 10 de Abril de 1992, o requerido celebrou um contrato-promessa de compra e venda de imóveis com E.
4. Nos termos desse contrato-promessa, o requerido, na qualidade de promitente comprador, iria adquirir à E, na qualidade de promitente vendedora, dois edifícios – um afecto ao fim industrial enquanto que outro, aos fins habitacional, comercial e de estacionamento – a serem construídos no Quarteirão X supra mencionado, a E iria vender ao requerido estes imóveis.
5. Nos termos desse contrato-promessa, o preço global é de MOP$216.720.000,00 (duzentas e dezasseis milhões e setecentas e vinte mil patacas), equivalentes a HKD$210.000.000,00 (duzentos e dez milhões dólares de Hong Kong).
6. Este preço é pago pela seguinte forma:
1) 10% do preço global, ou seja, MOP$21.672.000,00 (vinte e um milhões e seiscentas e setenta e duas mil patacas), equivalente a HKD$21.000.000,00 (vinte e um milhões dólares de Hong Kong), aquando na assinatura de contrato;
2) 5% do preço global, ou seja, MOP$10.836.000,00 (dez milhões e oitocentas e trinta e seis mil patacas), equivalente a HKD$10.500.000,00 (dez milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong), na data de início das obras de fundações em estacas;
3) 5% do preço global, ou seja, MOP$10.836.000,00 (dez milhões e oitocentas e trinta e seis mil patacas), equivalente a HKD$10.500.000,00 (dez milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong), no prazo de 3 meses a contar da conclusão das fundações;
4) 5% do preço global, ou seja, MOP$10.836.000,00 (dez milhões e oitocentas e trinta e seis mil patacas), equivalente a HKD$10.500.000,00 (dez milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong), na data de conclusão das obras do último andar dos edifícios;
5) o remanescente de 75% do preço global, ou seja, MOP$162.540.000,00 (cento e sessenta e dois milhões e quinhentas e quarenta mil patacas), equivalente a HKD$157.500.000,00 (cento e cinquenta e sete milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong), no prazo de 15 dias após a emissão da licença de utilização.
7. Em cumprimento do que estipulado no referido contrato-promessa, para a realização da primeira prestação, em 10 de Abril de 1992, o requerido passou um cheque do Banco da China, sucursal de Macau, n.º HB363362 e datado de 13 de Abril de 1992, a favor da E, a quantia de HKD$21.000.000,00 (vinte e um milhões dólares de Hong Kong).
8. Em 11 de Abril de 1992, o requerido celebrou um contrato-promessa de compra e venda do mesmo imóvel Quarteirão X com os requerentes.
9. Nos termos desse contrato-promessa, os requerentes, na qualidade de promitentes-compradores, iriam adquirir ao requerido, na qualidade de promitentevendedor, dois edifícios, – um afecto ao fim industrial enquanto que outro, aos fins habitacional, comercial e de estacionamento – a serem construídos no Quarteirão X supra mencionado, o requerido iria vender aos requerentes estes imóveis.
10. Nos termos desse contrato-promessa, o preço global é de MOP$229.104.000,00 (duzentas e vinte e nove milhões e cento e quatro mil patacas), equivalentes a HKD$222.000.000,00 (duzentos e vinte e dois milhões dólares de Hong Kong).
11. Esse preço é pago pela seguinte forma:
1) 7,5% do preço global, ou seja, MOP$17.182.800,00 (dezassete milhões e cento e oitenta e duas mil e oitocentas patacas), equivalente a HKD$16.650.000,00 (dezasseis milhões e seiscentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong), aquando na assinatura de contrato;
2) 5% do preço global, ou seja, MOP$11.455.200,00 (onze milhões e quatrocentas e cinquenta e cinco mil e duzentas patacas), equivalente a HKD$11.100.000,00 (onze milhões e cem mil dólares de Hong Kong), na data de início das obras de fundações em estacas;
3) 5% do preço global, ou seja, MOP$11.455.200,00 (onze milhões e quatrocentas e cinquenta e cinco mil e duzentas patacas), equivalente a HKD$11.100.000,00 (onze milhões e cem mil dólares de Hong Kong), no prazo de 3 meses a contar da conclusão das fundações;
4) 7,5% do preço global, ou seja, MOP$17.182.000,00 (dezassete milhões e cento e oitenta e duas mil patacas), equivalente a HKD$16.650.000,00 (dezasseis mil e seiscentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong), na data de conclusão das obras do último andar dos edifício;
5) o remanescente de 75% do preço global, ou seja, MOP$171.828.000,00 (cento e setenta e um milhões e oitocentas e vinte e oito mil patacas), equivalente a HKD$166.500.000,00 (cento e sessenta e seis milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong), no prazo de 15 dias após a emissão da licença de utilização.
12. Em cumprimento deste contrato-promessa, em 11 de Abril de 1992, o requerido recebeu dos requerentes como sinal e antecipação de pagamento da transmissão supra mencionada, a quantia de HKD$22.650.000,00 (vinte e dois milhões e seiscentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong), mediante cheques n.º 006906 e 006907, e deu a correspondente quitação legal, aos requerentes.
13. Em 22 de Março de 1993, os requerentes pagaram ainda, como sinal e antecipação de pagamento da transmissão supra mencionada, a quantia de HKD$5.000.000,00 (cinco milhões dólares de Hong Kong), mediante cheques n.º 35361, ao requerido, e este deu a correspondente quitação legal, aos requerentes.
14. Até à presente data, o requerido não transmitiu os imóveis acima mencionados a favor dos requerentes.
15. Nos termos do artigo quinto do contrato de concessão titulado pelo Despacho n.º XXX/SATOP/90, o aproveitamento do Quarteirão X deveria operar-se no prazo global de 36 meses, contados a partir da publicação do Despacho n.º XXX/SATOP/90 no Boletim Oficial, ou seja, a partir de XX de XX de 1990.
16. O termo da data limite máxima, com multa agravada, para o aproveitamento do Quarteirão X, ou seja, para a conclusão das obras do complexo constituído pelos dois edifícios descritos no contrato-promessa em causa, seria, pois, o dia 24 de Junho de 1994, conforme resulta do disposto na cláusula décima quarta, parágrafo 1, alínea a) e, cláusula oitava, parágrafos 1 e 2 do Despacho n.º XXX/SATOP/90 que titulava o contrato de concessão.
17. Os requerentes interpelaram várias vezes o requerido para que transmita os imóveis acima mencionados, tentativas essas que resultaram infrutíferas.
18. Nunca foram iniciadas quaisquer obras no Quarteirão X destinadas à construção dos referidos edifícios.
19. O requerente também interpelou várias vezes o requerido para efeitos de pagamento da quantia de HKD$55.300.000,00 (cinquenta e cinco milhões e trezentos mil dólares de Hong Kong).
20. O requerido não é contribuinte da quaisquer imóveis da Contribuição Predial Urbana.
21. O requerido já não exerce quaisquer actividades comerciais em Macau, pelo que, não está inscrito como empresário comercial na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau.
22. O requerido possui quotas sociais em quatro sociedades, Companhia(2); Companhia(3); Companhia(4); e Companhia(1), no valor total de MOP$467.000,00 (quatrocentas e sessenta e sete mil patacas), sendo o capital social dessas sociedades respectivamente de MOP$800.000,00, MOP$300.000,00, MOP$300.000,00 e MOP$100.000,00.
23. Com efeito, o requerido apresentou as declarações do imposto complementar de rendimentos nos exercícios de 2004, que não possui nenhum resultado.
24. O requerido nem tem quaisquer actividades profissionais sujeitos ao imposto profissional.
25. O requerido tem ainda vários credores locais, devendo-lhes pelos menos mais do que dez milhões de dólares de Hong Kong.
26. Os requerentes têm conhecimento que estes credores têm procurados o requerido para obter a cobrança dos seus créditos.
27. O requerido intentou uma acção declarativa de condenação contra a E para ressarcir os seus créditos resultantes do contrato-promessa de compra e venda celebrado com a E, por incumprimento culposo da E no referido contrato-promessa, cujo termos correram no 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base da RAEM, sob o n.º CV3-03-0033-CAO.
28. Por sentença não transitada proferida nessa acção pelo Tribunal Judicial de Base, a E foi condenada a pagar ao requerido a quantia de HKD$42.000.000,00 (quarenta e dois milhões de dólares de Hong Kong), equivalente a MOP$43.260.000,00 (quarenta e três milhões e duzentas e sessenta mil patacas), acrescidos dos juros legais contados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
29. A E recorreu esta decisão judicial para o Tribunal de Segunda Instância da RAEM, o qual correu os seus termos sob os autos de recurso civil e laboral n.º 56/2005.
30. Se a decisão da condenação vier a ser confirmada e transitar em julgado, a E irá pagar o crédito ao requerido, na quantia de HKD$42.000.000,00 (quarenta e dois milhões de dólares de Hong Kong), equivalente a MOP$43.260.000,00 (quarenta e três milhões e duzentas e sessenta mil patacas), acrescidos dos juros legais a favor do requerido.
31. O requerido tem afirmado que tenciona proceder, a curtíssimo prazo, logo obter o levantamento da quantia em causa, a transferência desta quantia para Hong Kong, sem que, antes, proceda ao pagamento das suas dívidas locais, nomeadamente, aos ora requerentes.”
Após o julgamento da oposição, ficaram provados os seguintes factos:
“1. O cheque a que se refere a cópia de fls. 61, o qual originariamente se destinava a pagar a prestação prevista na cláusula 1ª do contrato de fls. 59 e 60, acabou por ser destinado para o pagamento do preço do Restaurante e a comissão do intermediário do negócio, o senhor F, o preço do restaurante foi de HKD$16.500.000,00, e a comissão do intermediário foi de HKD$150.000,00. (artigos 53º e 54º da Oposição)
2. Quanto ao cheque a que se refere a cópia de fls. 62 no valor de HKD$6.000.000,00, o mesmo destinou-se a pagar a parte dos requerentes no investimento conjunto do projecto do Edifício Comercial, no NAPE. (artigo 56º da Oposição)
3. Quanto ao cheque datado de 21/03/95 a que se refere a cópia de fls. 63 no valor de HKD$5.000.000,00 foi entregue ao ora requerido para que este pagasse ao conhecido empresário G para os fins não apurados. (artigos 58º e 59º da Oposição)
4. O requerido decidiu investir no sector da reciclagem de resíduos, em Macau. (artigo 84º da Oposição)
5. O requerido é representante legal da Companhia(5), sediada em [Endereço], com capital de RMB$11,200.000,00. (artigo 92º da Oposição)
6. Para além de possuir equipamentos de simulação de terramoto, no valor de US$2.300.000,00, a Companhia é também proprietária de direitos de aquisição de 5 fracções para escritório, no valor total de RMB$13,731,450.00, sendo os “contratos de compra-venda prévia” foram registados sob os n.ºs XXXXXXXX, XXXXXXXX, XXXXXXXX, XXXXXXXX e XXXXXXXX. (artigo 93º da Oposição)
7. Os requerentes C1 e D, através da declaração de fls. 263 a 264, datada de 24.11.2005, declaram que não tinham pago qualquer quantia ao requerido, quer a título de sinal, quer a título do preço, em relação ao Lote Xº. (artigo 100º da Oposição)”
2.2 Nulidade da sentença por contradição entre decisão e fundamentos (1ª e 5ª questões). Fixação da matéria de facto no julgamento da oposição
O recorrente alega que os factos provados n.ºs 1 a 4 e 7 da decisão sobre a oposição contrariam os factos provados n.º 12, 13 e 19 constantes do decretamento do arresto, o que devia determinar a modificação do decidido, sob pena de violar o art.º 571.º, al. c) do Código de Processo Civil (CPC).
Na primeira decisão que decretou o arresto, ficou provado que em 11 de Abril de 1992 e 22 de Março de 1993, os requerentes da providência cautelar entregaram três cheques com valor total de HKD$27.650.000,00 ao requerido, em cumprimento do contrato-promessa celebrado na primeira das datas referidas como sinal e antecipação de pagamento da transmissão.
Posteriormente, no julgamento da oposição, considerou-se provado:
O primeiro cheque, o qual originariamente se destinava a pagar a prestação do referido contrato-promessa, acabou por ser destinado para o pagamento do preço do Restaurante e a comissão do intermediário do negócio, o senhor F, o preço do restaurante foi de HKD$16.500.000,00, e a comissão do intermediário foi de HKD$150.000,00, conforme o documento n.º 6 juntado com a oposição (fls. 340).
Quanto ao segundo cheque no valor de HKD$6.000.000,00, o mesmo destinou-se a pagar ao requerido a parte dos requerentes no investimento conjunto do projecto do Edifício Comercial, no NAPE.
Quanto ao terceiro cheque no valor de HKD$5.000.000,00, foi entregue ao requerido para que este pagasse ao conhecido empresário G para os fins não apurados.
Comparando os dois grupos de factos provados, é evidente que existe diferença nomeadamente sobre o destino dos três cheques em causa, o que se torna impossível determinar qual é a matéria de factos provados que se deve ter em consideração para apreciar a oposição e consequentemente decidir definitivamente sobre o pedido de providência cautelar.
Ao contrário do que se procederam as instâncias, não cabe ao tribunal comparar, após a audiência de julgamento da oposição, os factos provados neste último julgamento com os fixados anteriormente aquando da prolação da decisão que defere pedido de providência cautelar, para formar uma nova convicção ou fixar uma nova situação de facto provada.
A questão mostra-se mais patente quando os factos provados num e noutro julgamento são diferentes ou até contraditórios, tal como acontece no presente caso.
De acordo com as actas de audiência, para proferir a primeira decisão sobre o pedido de arresto, foram ouvidas as testemunhas dos requerentes, com dispensa de audição do requerido, e ficou provada essencialmente a versão fáctica daqueles.
Na audiência de julgamento da oposição, foram ouvidas, antes e apenas, as testemunhas apresentadas pelo requerido e considerou-se provados alguns factos alegados por este, nomeadamente sobre o destino dos três cheques em causa, decisivos, mesmo agora a nível de indício, para aferir a existência do direito invocado pelos requerentes para fundamentar o arresto.
É de notar que não consta das actas de audiência de julgamento da oposição que o tribunal colectivo chegou a apreciar as provas produzidas e gravadas na primeira audiência. O tribunal colectivo limitou-se a fundamentar a convicção nos seguintes termos: “Através da análise crítica e comparativa dos depoimentos das testemunhas e documentos indicados nesta fase dos autos, e de entre a matéria alegada em sede de requerimento da oposição, consideramos indiciariamente demonstrados os seguintes factos com interesse para a decisão.” Parece que o tribunal colectivo só teve em conta as provas produzidas na última audiência, sem atender às produzidas na audiência anterior.
É natural que na primeira audiência, em que foram apenas ouvidas as testemunhas da parte requerente, deu-se provada a versão desta, e na segunda audiência, em que foram ouvidas apenas as testemunhas da parte requerida, ficaram provados os factos alegados por esta, mesmo só em parte.
Contudo, quando existe contradição entre os dois grupos de factos, a solução jurídica é desde logo inviabilizada.
Dispõe o art.º 333.º do Código de Processo Civil (CPC):
“1. Quando não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, o requerido pode, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.º 5 do artigo 330.º:
a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;
b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou fazer uso de meios de prova não considerados pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 331.º e 332.º.
2. No caso a que se refere a alínea b) do número anterior, o juiz decide da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão, que constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida.”
É certo que a fase de oposição à providência cautelar decretada destina-se apenas para a parte requerida a alegar factos principais ou instrumentais ou fazer uso de meios de prova não considerados pelo tribunal, o que não implica que o tribunal que julga a oposição só pode apreciar as provas produzidas no julgamento desta para proferir uma decisão de manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada.
Independentemente da possibilidade de a parte requerente exercer o contraditório relativo à oposição1 e da prescrição do art.º 331.º, n.º 1 do CPC, aplicável ao julgamento da oposição por força do art.º 333.º, n.º 1, al. b) do mesmo Código, de que serão produzidas apenas as provas requeridas ou oficiosamente determinadas pelo juiz, o tribunal que julga a oposição pode reapreciar as provas produzidas na audiência que decretou a providência cautelar e deve assim proceder sempre que se mostre necessário.
A decisão que decreta a providência cautelar com dispensa da audição de requerido tem natureza provisória, especialmente a parte de matéria de facto, dependente do sentido da decisão a tomar sobre a oposição apresentada por requerido. O julgamento da oposição confere “a possibilidade de revisão da convicção anteriormente formada, através de novos meios de prova ou de novos factos com que o tribunal não pôde contar.”
“No final cumprirá ao juiz proferir a decisão da matéria de facto, acompanhada da apreciação crítica das provas produzidas, eventualmente, contrapondo-as àquelas em que se tenha baseado a primitiva decisão.”2
Assim, depois da produção das provas apresentadas por requerido, se considerar provados factos contrários aos fixados na primeira audiência, o tribunal que julga a oposição, a fim de aferir a justeza da decisão que decretou a providência cautelar e para decidir a sua manutenção, redução ou revogação, deve proceder à apreciação crítica e conjunta de todas as provas produzidas neste e no anterior julgamento, de modo a verificar a necessidade de alterar os factos provados na primeira audiência e fixar definitivamente a matéria de facto provada, para proferir a sentença final só com base nesta parte de factos provados, especialmente quando nos dois julgamentos intervêm tribunais de composição diferente.
Isto é, no julgamento da oposição, se ficar provados factos contraditórios aos provados na audiência que decretou a providência, o tribunal deve proceder ao exame crítico dos elementos probatórios das duas audiências, de modo a reformular o acervo de factos provados e não provados. Só com esta matéria de facto definitivamente fixada o tribunal pode apreciar definitivamente sobre o pedido de providência cautelar.
Na parte de fundamentação de facto da sentença final deve referir expressamente esta operação para mostrar com clareza a formação da convicção do tribunal, nos termos do art.º 556.º, n.º 2 do CPC.
Neta circunstância, a matéria de facto provada a fixar após o julgamento da oposição é o que resulta da referida apreciação conjunta de todas as provas produzidas, e não meramente das provas produzidas na audiência de julgamento da oposição.
No presente caso, são contraditórios os factos provados nas audiência inicial e a do julgamento da oposição nas partes referentes aos destinos dos três cheques em causa. Dos elementos dos autos não se mostra que o tribunal colectivo procedeu ao exame crítico e conjunto de todas as provas produzidas nas duas audiências, e fixou novamente a matéria de facto provada face à referida contradição ou determinou a que factos, entre os dois grupos de factos provados, se devia dar prevalência. Tal contradição obsta à apreciação da questão de existência do direito invocado pelos requerentes e consequentemente à decisão da causa. Então, deve ser revogada a respectiva decisão sobre a matéria de facto tomada pelo tribunal colectivo no âmbito da referida questão jurídica.
Procede o recurso nesta parte.
Para completar o exame destas partes do recurso, não deixa de referir o seguinte:
O facto provado n.° 4 fixado no julgamento da oposição sobre a decisão do requerido em investir no sector de reciclagem de resíduos em Macau, como mera intenção empresarial, tem pouca relevância para aferir a sua situação patrimonial.
E o facto provado n.° 7 sobre as declarações de dois dos requerentes de que nada tinham pago ao requerido também é irrelevante para aferir a existência do direito dos requerentes, pois são três os requerentes que integram a parte compradora no contrato-promessa donde emerge a obrigação de pagamento do preço por parte dos mesmos. Não se deixa de referir que um dos declarantes veio dias depois a retractar as declarações, afirmando que estas foram prestadas por erro (fls. 254).
2.3 Nulidade da sentença por omissão de pronúncia (2ª a 4ª questões)
O recorrente entende que a decisão sobre a oposição deixou de pronunciar sobre se a projectada intenção de transferir dinheiro para Hong Kong constituirá o justo receio de perda de garantia patrimonial e padece consequentemente da nulidade.
É manifesta a falta de razão do recorrente.
De acordo com o art.° 333.°, n.° 2 do CPC, a decisão de manutenção da providência constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida. E tal questão, relacionada com o facto n.° 31 da decisão que decretou o arresto, foi expressamente abordada nesta primeira decisão. Por outro lado, na decisão sobre a oposição, também foi considerada a questão de receio de perda de garantia de bens. Não há, portanto, omissão de pronúncia.
Relativamente às 3ª e 4ª questões sobre as provas, o recorrente suscitou igualmente a omissão de pronúncia no acórdão recorrido por este ter negado o recurso por simples remissão para a livre apreciação do julgador.
Esta partes do recurso também são votadas ao insucesso, pois o que o recorrente alegou foi a sua discordância com a posição do tribunal recorrido. Não há aqui omissão de pronúncia, pois o tribunal recorrido pronunciou expressamente sobre as referidas questões.
2.4 Violação da regra de provas tarifadas e erro na apreciação das declarações de dois requerentes (6ª e 7ª questões)
O recorrente sustenta que o tribunal recorrido subestimou a força probatória plena do documento autêntico a fls. 262 a 263 dos autos da providência, em que dois dos requerentes declararam que eles não tinham pago qualquer sinal ou preço ao requerido, entendendo que tal declaração consubstancia uma confissão com força probatória plena que afasta a probabilidade séria do direito invocado pelos requerentes.
Tal como foi referido no ponto 2.2 a propósito do facto provado n.º 7 do julgamento da oposição, são três os requerentes que integram a parte compradora no contrato-promessa donde emerge a obrigação de pagamento do preço por parte dos mesmos, o que consubstancia uma situação de litisconsórcio necessário. Então, tal confissão, feita apenas pelos dois dos três requerentes, é ineficaz (art.º 346.º, n.º 2 do Código Civil). Assim, tal confissão não tem força probatória plena.
Em termos semelhantes, o requerido, ora recorrente, considera também que as instâncias não deviam dar como não provados os factos constantes das declarações dos dois requerentes constantes das fls. 242 e 244 dos autos de providência.
Estão aqui em causa os dois requerimentos em que dois dos requerentes declararam que desistiam do pedido no processo de providência e desistiam da instância da acção principal, bem como do direito de acção contra o requerido.
Ora, os dois requerimentos de desistência foram pura e simplesmente rejeitados pela juiz titular do processo de providência por falta de legitimidade devido à sua situação processual de litisconsórcio necessário (fls. 215). Mesmo que se considerasse como confissão, é sempre ineficaz por mesma razão.
Improcedem estas partes do recurso.
2.5 Receio de perda da garantia patrimonial (8ª e 9ª questões)
O recorrente alega que as decisões judiciais sobre o arresto justificam apenas o receio de incumprimento da obrigação, mas não há receio de perda da garantia patrimonial, porque ele decidiu investir em Macau, o incumprimento do contrato já perdurou vários anos, é fácil a execução de sentença em Hong Kong, etc.
Sobre este requisito entendemos que se verifica. Basta atender aos factos provados constantes das duas decisões de primeira instância e convergentes nesta matéria:
O recorrente possui quotas sociais em quatro sociedades no valor total de MOP$467.000,00 e as declarações do imposto complementar de rendimentos relativo ao exercício do ano 2004 revelam que não possui nenhum resultado.
O recorrente tem vários credores locais, devendo-lhe pelo menos mais de dez milhões de dólares de Hong Kong e tem sido procurado por aqueles para a cobrança dos créditos.
O recorrente tem afirmado que tenciona proceder, a curtíssimo prazo, logo obter o levantamento da quantia a ser paga pela E, a transferência desta quantia para Hong Kong, sem que, antes, proceda ao pagamento das suas dívidas locais, nomeadamente, aos ora requerentes.
O recorrente é representante legal de uma companhia de engenharia no Interior da China e decidiu investir em Macau.
Para aferir o receio de perda de garantia patrimonial, é mister apurar a situação real do património do visado.
Da matéria fáctica apurada não se conhece activo patrimonial do recorrente de relevo. A intenção de investir em Macau não implica, por si, uma situação patrimonial positiva. Ao passo que ficou provado que tem vários credores e tenciona transferir uma avultada quantia a receber para Hong Kong, o que pode vir a dificultar naturalmente a cobrança da dívida pelos requerentes. A possibilidade de executar a sentença em Hong Kong ou no Interior da China significa apenas uma potencialidade processual, sem incidência na situação patrimonial do requerido.
Ficam estas partes do recurso também improcedentes.
2.6 Fixação do regime aplicável ao presente caso
Como não existe contradição entre os factos provados nas duas audiências sobre a questão da existência do risco da perda da garantia patrimonial do requerido, tendo em conta a apreciação das respectivas questões acima exposta, considera-se definitivamente verificado o requisito de risco da perda da garantia patrimonial, ao abrigo do art.º 650.º, n.º 2 do CPC, ficando os ulteriores trâmites dos presentes autos a discutir apenas a questão da existência do direito invocado pelos requerentes e proferir a decisão final em conformidade.
3. Decisão
Face ao exposto, acordam em:
- Julgar parcialmente procedente o recurso, revogando o acórdão recorrido na parte relativa à questão da existência do direito invocado pelos requerentes (1ª e 5ª questões) e consequentemente a decisão da matéria de facto do tribunal colectivo de primeira instância sobre esta questão, e baixar o processo para o Tribunal Judicial de Base a fim de fixar novamente a matéria de facto provada sobre a finalidade dos pagamentos efectuados pelo requerido por meio dos três cheques, pelo mesmo colectivo, de acordo com o procedimento referido no ponto 2.2 do presente acórdão;
- Julgar improcedentes as restantes partes do recurso;
- Considerar definitivamente verificado o requisito de risco da perda da garantia patrimonial, ficando os ulteriores trâmites dos presentes autos a discutir apenas a questão da existência do direito invocado pelos requerentes e proferir a decisão final em conformidade.
Custas a cargo do vencido final.
Aos 30 de Maio de 2008.
Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
1 O Código de Processo Civil não é claro se o requerente da providência cautelar pode responder à oposição formulada por requerido. Há correntes doutrinais e jurisprudenciais que admitem essa possibilidade. V. António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III vol, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2004, p. 279-283.
2 António Santos Abrantes Geraldes, obra citada, p. 278 e 284.
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Processo n.° 22 / 2007 30