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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 30/05/2019 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 503/2019
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 109 a 124 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 126 a 127-v).

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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Inconformado com o despacho de 26 de Março de 2019, que lhe recusou a liberdade condicional, dele recorre o recluso A, sustentando, na sua motivação de recurso, que todos os requisitos exigidos para a concessão da almejada liberdade condicional estavam preenchidos, pelo que, ao denegá-la, a decisão recorrida teria efectuado uma incorrecta apreciação dos pressupostos materiais para tanto necessários, em violação do artigo 56.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Penal.
Na sua contraminuta de recurso, o Ministério Público pronuncia-se pelo acerto da decisão recorrida, que deve ser mantida.
Está em causa saber se estão ou não preenchidos os requisitos materiais de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional.
É sabido que a liberdade condicional é de aplicação casuística, dependendo a sua concessão do juízo de prognose indiciador de que o recluso vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em consonância com as regras de convivência, bem como da ponderação da compatibilidade entre a libertação antecipada e a defesa da ordem jurídica e da paz social. Trata-se, no fundo, de verificar se estão satisfeitas as exigências de prevenção especial e de prevenção geral, tal como imposto pelo artigo 56.°, n.° 1, do Código Penal.
No caso vertente, inclinamo-nos para considerar que ainda persistem dúvidas em matéria de prevenção especial, tal como assinalou o despacho recorrido.
O recorrente, apesar do bom comportamento registado em contexto prisional – que é, aliás, o que se espera de um recluso – não forneceu indicadores claros que apontem para uma expiação da pena subordinada ao arrependimento sincero e levem à conclusão de que, se libertado antecipadamente, adoptará um padrão de vida socialmente responsável. Não solveu as custas nem outros encargos decorrentes dos ilícitos criminais praticados e alheou-se de actividades de estudo ou formação profissional que pudessem, de algum modo, propiciar uma aproximação à vivência ocupacional que caracteriza a vida no exterior, assim atenuando os efeitos da desinserção social provocada pela detenção.
Torna-se, pois, difícil arriscar um juízo de prognose favorável sobre a sua reinserção na sociedade em conformidade com as regras de convivência, como acabou por concluir o despacho recorrido.
Depois, há que não perder de vista a questão da prevenção geral. Prevenção geral positiva ou de integração, enquanto exigência de tutela do ordenamento jurídico, que se manifesta primordialmente no momento chave da aplicação da pena, mas que não pode menosprezar-se na avaliação das condições de concessão da liberdade condicional – cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, parágrafos 283 e 852.
Também deste ponto de vista, e ponderando o círculo de interesses no âmbito dos quais se projectou a conduta danosa do recorrente, nomeadamente através das reentradas ilegais, bem como a importância desses interesses para Macau e a sua economia, é possível acompanhar as considerações aduzidas no despacho recorrido para julgar não satisfeito o requisito da prevenção geral.
Em conclusão, a decisão recorrida efectuou uma ponderação equilibrada dos aspectos a considerar na concessão da liberdade condicional, em consonância com os comandos do artigo 56.° do Código Penal, pelo que, na improcedência da· argumentação do recorrente, deverá ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls. 157 a 158).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– A, ora recorrente, deu entrada no E.P.C. em 20.04.2018, para cumprimento de uma pena única de 1 ano e 5 meses de prisão, resultado do cúmulo jurídico das penas que lhe foram aplicadas em 3 processos, nos quais foi condenado pela prática dos crimes de “reentrada ilegal” e “posse e uso de documento falso e alheio”;
– em 26.03.2019, cumpriu dois terços de tal pena, expiando-a em 16.09.2019;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com a sua família, em FUJIEN, R.P.C., de onde é natural.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Porém, não se lhe pode reconhecer razão.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).

Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 20.04.2018, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.03.2019, Proc. n.° 169/2019, de 25.04.2019, Proc. n.° 339/2019 e de 09.05.2019, Proc. n.° 404/2019, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Como se deixou adiantado, temos para nós que de sentido negativo terá de ser a resposta.

De facto, (e não se olvidando a relativa proximidade do términus da pena), inviável se nos mostra o necessário “juízo de prognose favorável”, pois que o ora recorrente, não é primário, incorrendo, na prática sucessiva, de ilícitos criminais, fazendo descaso absoluto das solenes advertências que lhe foram feitas, e não aproveitando as oportunidades concedidas, insistindo em regressar a Macau, não obstante expulso e proibido de o fazer, para voltar a delinquir, tendo já sido condenado no âmbito de 4 processos, (cfr., C.R.C., a fls. 65 a 74), revelando, assim, uma personalidade avessa ao direito e com clara tendência para a prática de ilícitos que, aqui, importa ter presente e ponderar.

Assim, e em face das acentuadas “necessidades de prevenção criminal especial”, aconselhável é um acrescido período de reclusão, por forma a ser possibilitada uma melhor interiorização do desvalor da sua conduta.

Por sua vez, e como no recente Ac. do T.R. de Évora de 05.02.2019, (Proc. n.° 669/16), se considera, importa também ter em conta que “a compatibilidade da libertação condicional com a defesa da ordem e da paz social não se reconduz, restritivamente, à previsível ausência de expressões públicas de inconformismo, mas antes, mais latamente, à compatibilidade da libertação condicional com a defesa da sociedade e a prevenção da prática de crimes”, não sendo de se olvidar também que nos termos do art. 43°, n.° 2 do C.P.M. se prescreve que: “A execução da pena de prisão serve igualmente a defesa da sociedade, prevenindo o cometimento de crimes”.

Assim, em face das expostas considerações, evidente se nos apresenta que verificados não estão os pressupostos do art. 56°, n.° 1, al. a) e b) do C.P.M., havendo que decidir em conformidade.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 30 de Maio de 2019
Proc. 503/2019 Pág. 12

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