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Processo nº 456/2016(*) Data: 30.05.2019
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : Acção executiva.
Embargos.
Julgamento da matéria de facto.
Livre apreciação da prova.
Nulidade(s) da sentença.
Título executivo.
“Mútuo”.



SUMÁRIO

1. No julgamento da matéria de facto, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo esta a regra relativamente à apreciação da prova testemunhal (artigo 390.° do CC), pericial (artigo 383.° do CC), inspecção judicial (artigo 385.° do CC), documental em todos os casos em que a lei não atribua prova plena (artigos 359.°, 365.°, 366.°, 370.°, 371.°, 374.°, 375.°, 376.°, 377.°, 378.°, 379.°, 380.°, 381.° do CC) e com a confissão judicial não escrita, com a confissão extrajudicial (constante de documento) feita a terceiro ou contida em testamento, e com a confissão extrajudicial não constante de documento nos casos em que seja admissível prova testemunhal (artigo 35l.°, n.os 3 e 4, do CC).

2. Não existe a nulidade a que se refere o art. 571°, n.° 1, al. c) do C.P.C.M. – “oposição entre os fundamentos e a decisão” – se a sentença recorrida é (perfeitamente) clara em toda a fundamentação e decisão que nela se deixou exposta, nenhuma oposição (ambiguidade ou mera obscuridade) existindo, lógico se apresentando igualmente o que como fundamentação se consignou e se acabou por decidir.

3. Também não ocorre “omissão” ou “excesso de pronúncia”, se o Tribunal resolveu todas as questões pelas partes colocadas, não tendo fundamentado a sua decisão com “factos não articulados pelas partes”.

4. Estando os documentos oferecidos à execução assinados pelo executado e comportando eles o reconhecimento de uma obrigação pecuniária cujo montante é determinado, nenhuma censura merece a decisão que nos termos do art. 677°, al. c) do C.P.C.M. lhes reconheceu o valor de “título executivo”.

O relator,

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Processo nº 456/2016(*)
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, exequente, propôs e fez seguir no T.J.B. acção executiva para pagamento de quantia certa contra B, executado, reclamando o pagamento da quantia de HKD$900.000,00 acrescida de juros vincendos à taxa legal até efectivo pagamento; (cfr., fls. 2 a 37 do “processo de execução” a que tivemos acesso, e cujo teor, como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

À dita execução opôs-se o executado através de embargos, pedindo, a final, a improcedência da referida acção executiva; (cfr., fls. 2 a 30-v dos presentes autos).

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Oportunamente, proferiu-se sentença, julgando-se improcedentes os deduzidos embargos; (cfr., fls. 189 a 193).

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Inconformado com o assim decidido, o embargante (executado) recorreu, imputando – em síntese – à sentença recorrida a “violação do princípio da livre apreciação da prova” assim como as “nulidades” do art. 571°, n.° 1, al. c) e d) do C.P.C.M.; (cfr., fls. 225 a 233).

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Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, cumpre decidir.

Fundamentação

2. Vem B recorrer da sentença que julgou improcedentes os embargos que deduziu à execução que lhe foi instaurada por A.

É de opinião que o Tribunal a quo incorreu em “violação do princípio da livre apreciação da prova” assim como nas “nulidades” previstas no art. 571°, n.° 1, al. c) e d) do C.P.C.M..

–– Afigura-se-nos começar pela assacada “violação do princípio da livre apreciação da prova”.

Antes de mais, mostra-se-nos útil aqui consignar o que segue para a boa (melhor) compreensão, apreciação e decisão da “questão” colocada.

Em síntese que se nos mostra adequada, importa pois ter presente que na execução que ao ora recorrente foi instaurada alegava o ora recorrido, (exequente e embargado), que a mesma tinha como razão de ser um “empréstimo” àquele concedido no valor total de HKD$1.100.000,00, apresentando como “título executivo” um documento particular por aquele (executado) assinado, pedindo, a final, o pagamento da quantia ainda em dívida correspondente a HKD$900.000,00 e juros.

Opondo-se ao pretendido pagamento, e em sede dos (presentes) embargos que deduziu, invocou o ora recorrente que contraiu o empréstimo na qualidade de mero “representante” do seu (verdadeiro) beneficiário, e que, como tal, nada devia e nada tinha a pagar.

E, não se tendo dado como “provada” a sua alegada qualidade de “representante”, considera agora que se incorreu em “violação do princípio da livre apreciação das provas”.

Porém, em nossa opinião, e como de seguida se tentará demonstrar, sem nenhuma razão.

Vejamos.

Sob a epígrafe “princípio da livre apreciação das provas” prescreve o art. 558° do C.P.C.M. que:

“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada”.

Tratando da matéria da “decisão da matéria de facto” considera V. Lima, (in “Manuel de Direito Processual Civil – Acção Declarativa Comum”, 2018, pág. 523), que:

“No julgamento da matéria de facto, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. É a regra relativamente à apreciação da prova testemunhal (artigo 390.° do CC), pericial (artigo 383.° do CC), inspecção judicial (artigo 385.° do CC), documental em todos os casos em que a lei não atribua prova plena (artigos 359.°, 365.°, 366.°, 370.°, 371.°, 374.°, 375.°, 376.°, 377.°, 378.°, 379.°, 380.°, 381.° do CC) e com a confissão judicial não escrita, com a confissão extrajudicial (constante de documento) feita a terceiro ou contida em testamento, e com a confissão extrajudicial não constante de documento nos casos em que seja admissível prova testemunhal (artigo 35l.°, n.os 3 e 4, do CC).
(…)”.

E, atento o estatuído no referido art. 558° assim como ao que se deixou exposto e adiantado, não se vislumbra nenhuma violação ao aludido “princípio”, (nenhum motivo havendo para se censurar a “decisão da matéria de facto proferida”, até porque, como em recente Ac. deste T.S.I. de 09.05.2019, Proc. n.° 240/2019, se decidiu, “Para que a decisão da 1ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal”, se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes”, certo sendo que assim não sucedeu).

Com efeito, o “documento” que o recorrente invoca para (tentar) demonstrar (provar) que “contraiu o empréstimo na qualidade de mero representante”, sendo (tão só) um “documento particular”, não implica que o Tribunal tivesse que decidir (necessariamente) no sentido pelo mesmo pretendido.

E, como tal, (e como se viu, só assim podia ser), foi o mesmo objecto de “livre” – e, como se disse, adequada – apreciação pelo Tribunal recorrido.

Na verdade, o que do mesmo se retira e alcança é, apenas, (e tão só), que o ora recorrente “podia contrair o empréstimo” – ou melhor, podia efectuar o levantamento de fichas de jogo junto de uma conta aberta numa sala VIP de um casino local – uma vez que a “operação” não foi efectuada directamente e com a presença (física) do seu titular, mas tão só com os seus empregados.

E, assim, para que o ora recorrente pudesse efectuar o dito “levantamento”, (sem a presença do titular da conta), necessária era (naturalmente) a correspondente “autorização” (deste), não se devendo confundir “esta” como um “pedido de representação” ou “procuração” de quem quer que seja.

Aliás, só assim se explica que o ora recorrente esteja referenciado como “devedor”, (assinando os documentos – “títulos executivos” dados à execução – (precisamente) na parte onde se refere ao “devedor”); (cfr., fls. 33 a 35 dos autos de execução).

E, nesta conformidade, claro nos parecendo o que se deixou consignado, visto está que, na parte em questão, improcede o recurso.

–– Continuemos, passando agora para as imputadas “nulidades”.

Como “causas de nulidade da sentença” preceitua o art. 571° do C.P.C.M. que:

“1. É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
2. A omissão prevista na alínea a) do número anterior pode ser suprida oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, declarando o juiz no processo a data em que apôs a assinatura; a nulidade pode ser sempre arguida no tribunal que proferiu a sentença.
3. As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário; no caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades”.

In casu, é o recorrente de opinião que a sentença recorrida padece das “nulidades” previstas nas “alíneas c) e d)” do transcrito comando legal.

Como afirma V. Lima, (in ob. cit. pág. 569):

“A nulidade da alínea c) (quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão) refere-se ao caso de contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, ou seja, por exemplo, de a fundamentação apontar no sentido da condenação, mas terminar pela absolvição do réu”.

Por sua vez, “As nulidades da sentença da alínea d) – omissão e excesso de pronúncia – relacionam-se com o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 563.°: o juiz tem de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e só se pode ocupar das questões suscitadas pelas partes, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras questões.
Há excesso de pronúncia e, por conseguinte, nulidade da sentença, se o juiz fundamenta a decisão com base em factos não articulados pelas partes, violando também o disposto no n.° 2 do artigo 5.°”.

Ora, tendo em conta o assim considerado, a mesma se nos apresenta que deva ser a solução a adoptar, não se podendo ir ao encontro do entendimento do ora recorrente.

Com efeito, a sentença recorrida é (perfeitamente) clara em toda a fundamentação e decisão que nela se deixou exposta, nenhuma oposição (ambiguidade ou mera obscuridade) existindo, lógico se apresentando igualmente o que como fundamentação se consignou e se acabou por decidir, (ou seja, pela improcedência dos embargos pelo ora recorrente deduzidos em oposição à execução que lhe foi movida).

Por sua vez, e da mesma forma, não se incorreu em nenhuma “omissão”, nem tão pouco em “excesso” de pronúncia, pois que o Tribunal não deixou de se pronunciar sobre todas as questões colocadas nem tão pouco se serviu de matéria de facto não alegada para fundamentar a sua decisão.

O que – efectivamente – sucedeu foi que Mmo Juiz a quo não acolheu o entendimento pelo recorrente avançado no sentido de em causa estar (apenas) uma “obrigação natural”, (o que, a ser, porque sujeita ao regime do art. 396°, do C.C.M., não seria “judicialmente exigível”), tendo, em nossa opinião, enquadrado correctamente o referido “levantamento de fichas” efectuado como um “contrato de mútuo”, regulado pelo art. 1070° e seguintes do referido código, (não obstante, à primeira vista, e face as particularidades da situação em questão, poder parecer uma “usura”, assim não devendo ser entendido por inexistência de estipulação de juros superiores ao triplo dos legais; sobre a questão, cfr., o art. 1073°, n.° 1 do C.C.M., e, v.g., P. de Lima e A. Varela in “C.C. Anotado”, Vol. II, pág. 761).

Por fim, e seja como for, ainda que nulo fosse o “contrato de mútuo” celebrado, o que – sublinha-se – não sucede, da mesma forma constituía “título executivo bastante”, já que não deixava de ter o valor de uma “confissão extrajudicial”, inexistindo eventuais riscos de se estar perante uma “execução injusta”, já que o executado teve ampla oportunidade de se defender com os presentes embargos; (sobre a questão, cfr., v.g., M.E.M. de Almeida Loureiro, in “Da nulidade do contrato de mútuo por falta de forma”, U.C.P., e o Ac. de Uniformização de Jurisprudência do S.T.J. de 12.12.2017, in D.R. I série, 35, pág. 1000).

Daí, atento o estatuído no art. 677°, al. c) do C.P.C.M., comportando os “documentos” oferecidos à execução o “reconhecimento de uma obrigação pecuniária cujo montante é determinado”, e nenhuma censura nos merecendo o que sobre a matéria em questão se decidiu, visto está que o presente recurso terá que improceder.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com a taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 30 de Maio de 2019
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José Maria Dias Azedo
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng

(*) Processo redistribuído ao ora relator em 11.04.2019.
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