Processo nº 843/2017(*) Data: 30.05.2019
(Autos de recurso jurisdicional em matéria administrativa, fiscal e aduaneira)
Assuntos : Director dos Serviços de Saúde.
Decisão disciplinar punitiva.
Recorribilidade contenciosa.
(Art. 341° do E.T.A.P.M.).
SUMÁRIO
1. Da decisão do Director dos Serviços de Saúde em matéria disciplinar cabe “recurso administrativo necessário”, pelo que o recurso contencioso daquela decisão interposto para o Tribunal Administrativo devia ser objecto de rejeição por irrecorribilidade do acto impugnado.
2. O assim considerado em nada colide com o “princípio da protecção jurisdicional efectiva” assim como com o “direito de acesso à justiça administrativa”, pois que uma coisa é consagrar-se que toda a posição jurídica sustentada em normas ou princípios de Direito tem na lei o meio adequado à sua actuação perante um Tribunal, e outra é pretender-se impugnar judicialmente uma decisão ainda não passível de tal recurso porque não preenchidos os seus pressupostos.
O relator,
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Processo nº 843/2017(*)
(Autos de recurso jurisdicional em matéria administrativa, fiscal e aduaneira)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os sinais dos autos, recorreu para o Tribunal Administrativo do despacho proferido pelo DIRECTOR DOS SERVIÇOS DE SAÚDE (D.S.S.) que lhe aplicou uma pena disciplinar de 20 dias de multa, pedindo a sua anulação; (cfr., fls. 85 a 105 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Oportunamente, e adequadamente processados os autos, proferiu o Mmo Juiz do T.A. sentença, julgando improcedente o recurso contencioso interposto; (cfr., fls. 242 a 256-v).
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Ainda inconformado, do assim decidido interpôs o recorrente novo recurso (jurisdicional) para este T.S.I. pedindo a revogação da sentença proferida assim como a anulação da decisão do D.S.S.; (cfr., fls. 283 a 299).
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Após contra-alegações da entidade recorrida, (cfr., fls. 302 a 315), e admitido o recurso, foram os autos remetidos a este T.S.I., onde, em sede de vista, emitiu o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Percorrendo os autos, colhemos que o despacho objecto do recurso contencioso se consubstancia em aplicar, pelo Exmo. Senhor Director dos Serviços de Saúde de Macau, a pena disciplinar de 20 dias de multa ao recorrente em ambas as instâncias (cfr. doc. de fls.73 a 74 dos autos).
Na nossa óptica, não se descortina razão ponderosa para alterar a prudente jurisprudência que inculca (vide. Acórdão do TSI no Processo n.º318/2006): Do despacho do Director dos Serviços de Saúde que aplicou pena disciplinar de multa cabe recurso administrativo tutelar necessário, com efeito suspensivo, para o Chefe do Executivo, nos termos conjugados dos n.ºs 3 e 4 do art.341.º do vigente Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, não obstante a competência própria, prevista no art.º321.º do mesmo Estatuto, daquele para aplicação de pena de multa.
O que implica que os despachos do Director dos Serviços de Saúde de aplicar pena disciplinar de multa não podem, em princípio, ser objecto directo do recurso contencioso, em virtude de ficar sujeitar à impugnação administrativa necessária (art.28º, n.º1, a contrario sensu, do CPAC), e nesta medida, devia ser rejeitado o recurso contencioso registado sob o n.º1220/15/ADM no Tribunal Administrativo (art.46º, n.º2, alínea c) do CPAC).
Encontra-se solidamente consolidada a brilhante jurisprudência que assevera reiteradamente: «No recurso de decisões do Tribunal de Segunda Instância, pode o Tribunal de Última Instância conhecer de excepções ou questões prévias de conhecimento oficioso – como a falta de pressuposto processual do recurso contencioso – e não decididas com trânsito em julgado.» (vide. Acórdãos do TUI nos Processos n.º13/2002, n.º22/2005, n.º22/2010 e n.º7/2015). Vale realçar que o aresto tirado no Processo n.º22/2010 pelo Venerando TUI torna concludente que a irrecorribilidade contenciosa constitui questão prévia e é do conhecimento oficioso em sede do recurso jurisdicional.
Em sintonia com esta sensata orientação jurisprudencial, podemos inferir que nos recursos jurisdicionais de decisões do Tribunal Administrativo, o douto TSI, como tribunal ad quem, pode igualmente conhecer das excepções ou questões prévias de conhecimento oficioso.
Nesta linha de consideração, afigura-se-nos que compete ainda ao Venerando TSI conhecer a irrecorribilidade contenciosa do sobredito despacho do Exmo. Sr. Director dos SSM, irrecorribilidade que conduzirá a rejeição do recurso contencioso interposto do mesmo despacho e implica a revogação da douta sentença da MMª Juiz a quo.
E nestes termos, inclinamos ainda a entender que fica prejudicado o conhecimento de todas as questões de mérito colocadas nas alegações do presente recurso jurisdicional (vide. fls.283 a 299 dos autos).
Por todo o expendido acima, propendemos pela revogação da douta sentença da MMª Juiz a quo e rejeição do recurso contencioso registado sob o n.º1220/15/ADM no Tribunal Administrativo”; (cfr., fls. 324 a 325).
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Em observância do contraditório e no intuito de evitar “decisões surpresa”, foram recorrente e recorrida notificados do aludido Parecer; (cfr., fls. 331 a 337).
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Nada parecendo obstar, cumpre apreciar e decidir.
Fundamentação
2. Como resulta do que se deixou relatado, importa, antes de mais, apreciar uma “questão prévia” que consiste em saber se a decisão do D.S.S. era passível de – imediato – “recurso contencioso” – como sucedeu com o recurso interposto para o T.A. – ou, se daquela, devia o recorrente apresentar (préviamente) “recurso administrativo/tutelar (necessário)”.
E, da reflexão que sobre a questão nos foi possível efectuar, (e no óbvio respeito por entendimento diverso), cremos que adequadas se apresentam as doutas considerações pelo Ilustre Procurador Adjunto tecidas no seu Parecer.
Com efeito, nos termos do art. 341° do E.T.A.P.M. aprovado pelo D.L. n.° 87/89/M, de 21.12, (com a redacção dada pelo D.L. n.° 62/98/M, de 28.12):
“1. Dos despachos proferidos antes da decisão final, que não sejam de mero expediente, cabe recurso hierárquico a interpor para o Governador, no prazo de 10 dias a contar do seu conhecimento, ou de 20 dias após a publicação do aviso a que se refere o n.º 2 do artigo 333.º
2. Os recursos mencionados no número anterior têm efeito meramente devolutivo, devendo subir com o que seja interposto da decisão final, nos casos em que seja aplicada a pena de repreensão escrita ou de multa, ou juntamente com o relatório do instrutor, nos demais casos, excepto se a sua retenção os tornar inúteis, caso em que subirão imediatamente, nos termos do n.º 4.
3. De todas as decisões que apliquem penas disciplinares que não tenham sido proferidas pelo Governador e das que não admitam escusa ou recusa do instrutor, cabe recurso administrativo para aquele, a interpor no prazo de 30 dias, contados da data da notificação do arguido ou da publicação do aviso nos termos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 333.º
4. Os recursos mencionados no número anterior, bem como os referidos na parte final do n.º 2, têm efeito suspensivo e sobem imediatamente, nos próprios autos.
5. Com o requerimento em que interponha o recurso pode o recorrente requerer novos meios de prova ou juntar os documentos que entenda convenientes, desde que não pudessem ter sido requeridos ou utilizados antes, devendo, se for caso disso, ordenar-se, no prazo de 5 dias, o início da realização das diligências adequadas.
6. O participante pode recorrer do despacho liminar de arquivamento nos termos do n.º 1, no prazo de 20 dias contados da data da notificação da decisão a que se refere o artigo 325.º”; (sub. nosso).
E, perante o assim estatuído – em relação ao qual, onde consta “Governador” se deve ler “Chefe do Executivo” – cremos pois que a adiantada solução se apresenta como a mais adequada, sendo também a que tem sido adoptada por este T.S.I. quando, perante idênticas ou análogas situações, é chamado a emitir pronúncia sobre a questão; (cfr., v.g., o Ac. de 13.07.2006, Proc. n.° 318/2006, pelo Ilustre Procurador Adjunto citado, podendo-se ainda ver o de 21.09.2006, Proc. n.° 366/2006, e, mais recentemente, o de 19.07.2018, Proc. n.° 683/2017).
Afigurando-se-nos assim de manter o entendimento – maioritário – por esta Instância assumido sobre a questão, visto está que o presente recurso não pode prosseguir, impondo-se a sua rejeição; (cfr., art. 46°, n.° 2, al. c) do C.P.A.C.).
Com efeito, e como no aludido Ac. de 21.09.2006, Proc. n.° 366/2006 se deixou consignado, “Da decisão do Director dos Serviços de Saúde em matéria disciplinar cabe “recurso administrativo necessário”, pelo que se devia rejeitar o recurso contencioso interposto para o Tribunal Administrativo por irrecorribilidade do acto impugnado.
Tal decisão, em nada colide com o “princípio da protecção jurisdicional efectiva” assim como com o “direito de acesso à justiça administrativa”, pois que uma coisa é consagrar-se que toda posição jurídica sustentada em normas ou princípios de Direito tem (ou terá) na lei o meio adequado à sua actuação perante um tribunal, e outra é pretender-se impugnar judicialmente uma decisão ainda não passível de recurso porque não preenchidos os pressupostos para tal”.
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Duas “notas” finais apresentam-se pertinentes.
–– A primeira, para dizer que o ora decidido não deixa de produzir os seus normais efeitos em relação ao despacho preliminar oportunamente notificado ao recorrente e recorrida, (cfr., fls. 320-v e 322-v), pois que não vincula a conferência na qual se acordou o presente aresto.
–– A segunda, para dizer que se compreende a situação (preocupação) do recorrente, que aquando da notificação da decisão do D.S.S. lhe foi informado que do mesmo podia interpor “recurso contencioso”, assim tendo feito; (cfr., fls. 337).
Porém, e ainda que não deixe de ser uma “questão alheia” ao presente recurso, cremos que, em face do ora decidido, apenas uma solução se nos apresenta adequada e que consiste em se reconhecer e conceder ao recorrente um novo prazo para, querendo, da dita decisão do D.S.S. reagir nos termos que neste veredicto se deixou relatado.
Este, aliás, o sentido do recente Ac. do Vdo T.U.I. de 04.04.2019, tirado no Proc. n.° 30/2019, onde se consignou nomeadamente que “Estando o acto administrativo sujeito a recurso hierárquico necessário (e não a recurso contencioso, como o particular fora notificado pela Administração), pode o particular interpor o recurso hierárquico necessário no prazo legal de interposição destas impugnações, a contar da decisão definitiva no sentido da necessidade de tal impugnação necessária”.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o presente recurso.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 30 de Maio de 2019
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José Maria Dias Azedo Mai Man Ieng
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng
(*) Processo redistribuído ao ora relator em 11.04.2019.
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