Processo n.º 896/2018 Data do acórdão: 2019-5-30 (Autos de recurso penal)
Assuntos:
– fixação da quantia indemnizatória de danos morais
– critério equitativo
– art.o 489.o do Código Civil
S U M Á R I O
A quantia indemnizatória de danos morais do lesado é fixada equitativamente em face da matéria de facto provada nos autos e à luz do disposto no art.° 489.° do Código Civil, não havendo, assim, nenhuma fórmula sacramental para a matéria em causa, por cada caso ser um caso.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 896/2018
(Autos de recurso penal)
Recorrente (demandante civil): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 498 a 503v do Processo Comum Colectivo n.º CR2-17-0502-PCC do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) na concreta parte em que se decidiu fixar em dez mil patacas a quantia indemnizatória destinada à reparação de seus danos morais sofridos pela agressão feita pelos dois arguidos demandados, veio o demandante civil A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando a essa decisão judicial, a título principal, erro de direito na ponderação dos critérios de fixação da dita indemnização prevista no art.o 489.o do Código Civil (CC), ex vi do art.o 121.o do Código Penal (devido à desconsideração, por esse Tribunal, da matéria de facto provada e das circunstâncias do caso concreto, na fixação de tal segmento da indemnização), e, subsidiariamente, erro notório na apreciação da prova (por tal fixação da quantia indemnizatória dos danos morais não ter tido em consideração outros elementos relevantes, constantes dos autos e dados como provados, nomeadamente, as dores físicas sentidas no corpo do próprio demandante e as dores de cabeça sentidas por ele nos dias seguintes à agressão, a perturbação de que foi vítima em resultado da agressão, o medo surgido após a agressão, e o dolo dos dois agressores), para rogar que se passasse a determinar um montante compensatório dos seus danos morais em valor não inferior a cento e cinquenta mil patacas (cfr. o teor da motivação de fls. 513 a 529 dos presentes autos correspondentes).
Subido o recurso, a Digna Procuradora-Adjunta declarou, em sede de vista, que não tinha legitimidade para emitir parecer, por estar em causa matéria meramente civil.
Feito o exame preliminar e corridos depois os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido se encontra proferido a fls. 498 a 503v, cuja fundamentação fáctica, probatória e jurídica se dá por aqui integralmente reproduzida.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesse enquadramento, apreciando:
O recorrente veio, a título principal, sindicar dos critérios do Tribunal recorrido na fixação da quantia destinada à reparação dos seus danos morais sofridos na sequência da agressão contra si feita pelos dois demandados, e depois imputou também a esse Tribunal o vício de erro notório na apreciação da prova aquando da tomada de decisão sobre tal fixação da quantia de reparação dos danos morais.
Por uma questão de lógica processual, começa-se por conhecer desse vício, referido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP).
Sempre se diz que há erro notório na apreciação da prova como vício aludido nesse preceito processual penal quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– <
[…]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
O art.º 400.º, n.º 2, corpo, do CPP manda atender também aos “elementos constantes dos autos” para efeitos de verificação do vício de erro notório na apreciação da prova.
Portanto, todos os elementos probatórios examinados em sede própria pelo Ente Julgador ora recorrido também têm que ser examinados na presente sede recursória, para se poder aquilatar da ocorrência ou não desse vício de julgamento de factos.
No caso dos autos, da leitura da fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha violado qualquer norma jurídica sobre o valor das provas, ou violado qualquer regra da experiência da vida humana, ou violado quaisquer leges artis a observar no julgamento da matéria de facto.
O resultado do julgamento de factos a que chegou o Tribunal recorrido não é desrazóavel.
Por isso, improcede o arguido vício de erro notório na apreciação da prova.
Resta ver agora a questão dos critérios de fixação da quantia indemnizatória dos danos morais.
Ante todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância, afigura-se mais equitativo, em sede do art.o 489.o, n.o 1 e n.o 3, primeira parte, do CC, passar a fixar em vinte mil patacas a quantia destinada à reparação dos danos morais do demandante, ponderando sobretudo que esses danos foram provocados por conduta cometida com dolo directo (e não por mera culpa) pelos dois demandados agressores, sendo de frisar que não há nenhuma fórmula sacramental para a matéria em causa, por cada caso ser um caso, cuja solução depende naturalmente dos ingredientes em concreto apurados.
Nota-se que como a quantia fixada no acórdão recorrido para indemnização de danos patrimoniais não foi objecto de impugnação, a contagem dos respectivos juros legais já começou desde a data do aresto recorrido, enquanto os juros legais da quantia de vinte mil patacas ora fixada só começam a ser contados a partir de hoje, até integral e efectivo pagamento (isto tudo, por obediência ao douto Acórdão Uniformizador da Jurisprudência do Venerando Tribunal de Última Instância, de 2 de Março de 2011, do Processo n.o 69/2010).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente provido o recurso, passando a fixar a quantia indemnizatória dos danos morais do demandante recorrente em vinte mil patacas, com juros legais deste montante a contar de hoje até integral e efectivo pagamento.
Custas do pedido civil (na parte referente a danos morais) em ambas as Instâncias pelo demandante e pela parte demandada na proporção dos respectivos decaimentos.
Macau, 30 de Maio de 2019.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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