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 ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 17 de Janeiro de 2019, A (arguido nos autos) foi condenado, pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p.p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 11 anos de prisão efectiva.
Inconformado com a decisão, recorreu o arguido para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Deste acórdão recorreu o arguido para o Tribunal de Última Instância, onde a juíza-relatora do processo decidiu, por decisão sumária proferida ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 6 do art.º 407.º do Código de Processo Penal, rejeitar o recurso.
Vem agora o arguido apresentar reclamação para a conferência, com imputação do vício de erro no entendimento de direito por violação do disposto no art.º 48.º n.º 1 e no art.º 64.º do Código Penal de Macau, pretendendo a aplicação do regime de atenuação especial da pena e a redução da pena para a não superior a 8 anos de prisão, ao abrigo do art.º 66.º n.º 1 e n.º 2, al. a) e c) do Código Penal de Macau.
O Digo Procurador-Adjunto do Ministério Público pugna pela improcedência da presente reclamação.
Foram corridos vistos.
Cumpre decidir.

2. Os factos
Nos autos foram dados como provados os seguintes factos:
- Sob a coordenação da associação exterior de tráfico de droga e para ganhar uma remuneração no valor de MYR$5.000,00 (equivalente a cerca de MOP$10.000,00), o recorrente A transportou droga a Macau através de escondê-la nos ténis com o fim de entregar a outrem para venda.
- Em 30 de Abril de 2018, pelas 10H00, o recorrente chegou de avião de Kuala Lumpur a Macau segundo o plano da associação de tráfico de droga, mas foi interceptado pela Polícia no Aeroporto Internacional de Macau.
- Em seguida, a Polícia encontrou nos ténis pretos (da marca de TOMORROW) do recorrente dois objectos, com peso total de 880g, empacotados por papel plástico branco, em forma de palmilha, os quais continham pós brancos, suspeitados de ser heroína, e encontrou do recorrente um telemóvel e os numerários de HKD$3.000,00 e MYR$58,00 (vide o auto de apreensão constante das fls. 12 a 16 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). O telemóvel referido foi dado ao recorrente por “B”, membro da associação, para comunicação, enquanto que os numerários foram pagos ao recorrente como remuneração parcial por “B”, membro da associação.
- Após o exame laboratorial pela PJ, verifica-se que os referidos pós brancos apreendidos contêm “heroína”, substância controlada, com peso líquido de 397g (vide o relatório do exame laboratorial, constante das fls. 77 a 84 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
- “Heroína” é um analgesico-anestesico, é (droga) controlada pela Tabela I-A do art.º 4.º da Lei n.º 17/2009 (alterada pelas Lei n.º 4/2014 e Lei n.º 10/2016).
- Sabendo bem a natureza e as características da referida substância controlada, o recorrente agiu livre, voluntaria, consciente e dolosamente ao transportar droga a Macau através de escondê-la nos ténis. O peso líquido da referida droga “heroína” detida excede cinco vezes a quantidade de referência de uso diário de 0,25g.
- O recorrente sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei.
- Conforme o CRC, o recorrente é primário.
- Verificam-se as seguintes situações pessoal e económica do recorrente: o recorrente declarou que tem como habilitação académica o 6º ano da escola primária, auferindo mensalmente uma quantia de MYR$1.500,00 e 2.000,00 e não tem ninguém a seu cargo.

3. O direito
Na sua reclamação apresentada, reitera o recorrente os mesmos fundamentos já deduzidos na sua motivação do recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância.
Desde logo, não se percebe porquê o recorrente insistiu em invocar, evidentemente sem nenhuma razão, a violação do disposto no art.º 48.º do Código Penal, já que tal norma prevê os pressupostos e a duração de suspensão da execução da pena de prisão, sendo necessária a aplicação da pena de prisão não superior a 3 anos para que possa ser decretada a suspensão, enquanto no art.º 64.º do Código Penal, também indicado pelo recorrente, se determinem os critérios de escolha da pena no caso de serem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, situações estas que não se verificam no presente caso.
Ponderando a situação concreta do caso e a moldura que o recorrente pede aplicar atenuadamente (de 4 anos a 10 anos de prisão), é obviamente impossível a suspensão de execução, pelo que não é aplicável no caso o art.º 48.º.
Pretende o recorrente a atenuação espacial da pena e que seja aplicada uma pena não superior a 8 anos de prisão.
Ora, quanto à atenuação especial da pena, o art.º 66.º n.º 1 do Código Penal dispõe os requisitos gerais e nas al.s a) a f) do n.º 2 estão enumeras as circunstâncias a considerar para o efeito.
Para efeitos da atenuação especial, o Tribunal considera nomeadamente se o agente tem “actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência” – al. a) – e se tem “havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados” – al. c).
Cabe sublinhar que a verificação de qualquer circunstância prevista no n.º 2 não implica necessariamente a atenuação especial da pena, uma vez que a aplicação desse regime pressupõe materialmente a existência de circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, como estabelece expressamente o art.º 66.º n.º 1.
No ensinamento do Prof. Figueiredo Dias,《a diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue – quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios》.1
A jurisprudência tem sempre entendido que, para a atenuação especial da pena, importa verificar a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena. Isto é, só se concede a atenuação especial da pena quando da imagem global do facto se chegar à conclusão da diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena.

Voltando ao vertente caso.
O recorrente não alegou, nem se constata nos autos, qualquer facto que demonstre verificada a circunstância referida na al. a) do n.º 2 do art.º 66.º.
Defende que é primário, com 22 anos de idade, está no período de esforçar-se para a sua carreira profissional, confessou completamente os factos e está muito arrependido, pelo que se verifica a circunstância prevista na al. c) do n.º 2 do art.º 66.º.
Mesmo considerando os elementos indicados, não se nos afigura correcta a conclusão do recorrente.
A factualidade assente revela que, agindo sob a coordenação da associação exterior de tráfico de droga e para ganhar uma remuneração no valor de cerca de MOP$10.000,00, o recorrente transportou droga (heroína) a Macau, com finalidade de entregá-la a outrem para venda.
O recorrente foi interceptado e detido em flagrante delito, daí que a confissão dos factos ilícitos não pode assumir a relevância pretendida pelo recorrente.
E o recorrente não praticou qualquer acto que demonstrasse realmente o seu arrependimento sincero, limitando-se a declarar que estava muito arrependido, o que não se enquadra na previsão da al. c) do n.º 2 do art.º 66.º do Código Penal.
Após o exame laboratorial e a análise quantitativa, verifica-se que o peso líquido de heroína é de 397g, sendo 1588 vezes a quantidade de uso diário referida no mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à Lei n.º 17/2009.
Tendo em consideração a situação concreta do caso, nomeadamente que o recorrente transportou droga a Macau livre, voluntaria e conscientemente, sob coordenação da associação exterior de tráfico de droga, bem como o tipo e a quantidade da droga em causa, não se pode concluir que se diminuem por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, não se tratando dum caso extraordinário ou excepcional em que se justifica a atenuação especial da pena.
É manifestamente improcedente a pretensão de atenuação especial da pena do recorrente.

Por outro lado, nos termos do art.º 40.º n.º 1 do Código Penal, a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Dispõe o art.º 65.º do Código Penal que a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal” (tanto prevenção geral como prevenção especial), consideraram-se também todos os elementos apurados nos autos, nomeadamente os enumerados pelo n.º 2 do mesmo artigo.
No caso, o crime praticado pelo recorrente é punível com pena de prisão de 5 a 15 anos.
O recorrente é primário, confessou na audiência de julgamento os factos sem reserva; salvo isso, não se vê nos autos qualquer outra circunstância favorável para a determinação da pena.
O recorrente não é residente de Macau e agiu sob a instrução e a coordenação da associação exterior de tráfico de droga, tendo transportado a droga a Macau, a fim de ganhar dinheiro.
O recorrente foi detido em flagrante delito e a sua confissão não se releva muito para descobrir a verdade material.
O grau de dolo é bastante elevado e os factos ilícitos são muito graves.
No que diz respeito à finalidade da pena, há de ter presente o carácter transfronteiriço do crime praticado pelo recorrente e a realidade notada na sociedade da Macau de que nos últimos anos se torna cada vez mais frequente a prática das actividades de tráfico de droga por jovens do exterior e que são graves problemas relacionadas ao tráfico e ao consumo de droga, que põem em crise a saúde pública e a paz social, sendo portanto premente a exigência de prevenção geral e necessário prevenir e combater fortemente contra esse tipo de crime.
O recorrente salienta propositadamente a necessidade de prevenção especial.
Cumpre sublinhar que, a reintegração na sociedade do agente não se refere tão só à reaquisição da liberdade após sair da prisão, mas ainda a que, depois da reflexão devida e da lição tirada com o cumprimento da pena, o agente se volte a integrar na sociedade, conduzindo a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer mais crimes.
É absurdo questionar, tal como questionou o recorrente, a proporcionalidade da pena de 11 anos de prisão, dizendo que qualquer um dos membros da sociedade não pode aceitar a aplicação de tal pena ao seu filho (ou à sua filha) apenas com 22 anos de idade!
Ponderando todas as circunstâncias apuradas nos autos, as disposições dos art.ºs 40.º e 65.º do Código Penal, a natureza do crime transfronteiriço, o tipo e a quantidade da droga apreendida em causa, afigura-se-nos proporcional e ajustada a pena de prisão de 11 anos aplicada ao recorrente, pena esta que foi fixada dentro da moldura penal.
Este Tribunal tem sempre entendido que, “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada.2” Pelo que, se não se tratar da situação referida, como o caso em apreço, não cabe ao TUI imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena.
Analisados os elementos constantes dos autos e as circunstâncias do caso concreto, entende-se que não merece censura a decisão sumária, que deve ser mantida.
É de julgar improcedente a reclamação apresentada pelo recorrente.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em negar provimento à reclamação, com a manutenção da decisão sumária.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 5 UC, que acrescem às fixadas na decisão sumária.
Fixa-se em MOP$2.000,00 o honorário do ilustre Defensor Oficioso.

                 Macau, 19 de Junho de 2019
                 
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
                 
1 Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 306.
2 Vide os acórdãos n.º 57/2007 de 23 de Janeiro de 2008, n.º 29/2008 de 19 de Setembro de 2008, n.º 11/2009 de 29 de Abril de 2009 e n.º 35/2011 de 28 de Setembro de 2011 do TUI.
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Processo n.º 49/2019