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Processo n.º 54/2017. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
Assunto: Audiência prévia. Dispensa. Vistoria. Obras de conservação.
Data da Sessão: 26 de Junho de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
   De acordo com o disposto na alínea a) do artigo 97.º do Código de Procedimento Administrativo, o órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados se o interessado participou activamente no procedimento, tendo comunicado a situação que o prédio registava após a derrocada de uma parede ocasionada por obras em edifício contíguo, tendo intervindo, através de um representante, na vistoria realizada previamente à tomada de decisão, que o intimou a fazer obras de conservação no prédio de que é proprietário.

O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do acto de indeferimento tácito imputado ao Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que não emitiu pronúncia de recurso hierárquico necessário interposto em 15 de Agosto de 2014, do despacho de Subdirectora da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), que homologou vistoria intimando a recorrente a realizar obras de suporte e reforço de prédio de que é comproprietária.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI) negou provimento ao recurso contencioso.
Inconformada, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões:
- O despacho da Subdirectora da DSSOPT não foi precedido de audiência prévia;
  - A DSSOPT não desempenhou as suas funções no âmbito das atribuições e das competências consagradas nas disposições legais abaixo indicadas, nomeadamente no disposto da alínea j) do artigo 2.º e das alíneas f), l) e n) do n.º 3 do artigo 8.º ambos do Decreto-Lei n.º 29/97/M de 7 de Julho, o que contribuiu para lesar os direitos e interesses legítimos da Recorrente.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
  1. A Recorrente é comproprietária do prédio, sito em [Endereço (1)], o qual é composto por rés-do-chão e primeiro andar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º X.XXX, a fls. 4 do Livro XXX, e inscrito na respectiva matriz predial com o artigo XX.XXX.
  2. No final do ano de 2012, iniciaram-se as obras de demolição e reconstrução do prédio contíguo, com o número [Endereço (2)], ao abrigo da Licença de Obra n.º XXX/2012, tendo sido contratada para essas obras a B, com sede em Macau, na [Endereço (3)], sociedade comercial por quotas, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º XX.XXX(SO).
  3. Em meados de Março de 2013, quando a Recorrente entrou no Prédio sentiu trepidação acompanhada de ruído propagada das obras do Edifício, e contou de imediato ao seu marido, C, do fenómeno anormal acima referido.
  4. Depois, veio a saber que a trepidação e o ruído foram produzidos pela utilização de vibradores de betão na execução de trabalhos de betonagem nas obras do Edifício.
  5. No dia 23/03/2013, a Recorrente verificou que foi danificada a parede do primeiro andar da fachada do Prédio, parede essa que confronta com o Edifício em construção, abrindo nesta parede do Prédio um vão de cerca de 1,20m x 4,00m, e derramando no pavimento tijolos, pedras, betão e areia.
  6. Um dos responsáveis pela execução da obra, de nome D, funcionário de B, escreveu uma carta, datada de 25/03/2013, ao filho da Recorrente E, pedindo desculpas e comprometendo-se a proceder à reparação do dano no sentido de tapar o buraco, acompanhada o respectivo projecto de reparação (fls. 56 e 57 dos autos).
  7. No final do mês de Março de 2013, a B colocou vários suportes metálicos no Prédio da Recorrente.
  8. No dia 10/04/2013, a Recorrente apresentou queixa formal junto da DSSOPT quanto aos danos acima referidos, e foi informada, por aquela Direcção de Serviços, de que foi então instruído o processo sob a referência n.º XXXXXX/2013.
  9. Em data não apurada, a B tapou o buraco da parede que destruiu.
  10. A DSSOPT determinou a realização de uma vistoria com o intuito de verificar as condições da estrutura do prédio.
  11. Na sequência de tal vistoria, realizada no dia 04/06/2014, a Comissão de Vistoria, constituída por dois engenheiros civis da DSSOPT, elaborou o respectivo auto, cujo teor consta de fls. 75 a 80 do processo instrutor e que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual se pode retirar o seguinte:
  “Trata-se de um prédio constituído por dois pisos, de modelo antigo com estrutura de tijolo e madeira;
  O rés-da-chão do prédio é destinado a finalidade comercial e o segundo piso a finalidade de habitação (fotografias 1 e 2);
  Foram verificadas as seguintes situações no 2.º piso do prédio:
  A parte da frente é destinada para habitação e atrás é a cozinha e a casa de banho, mostrando sinais de estarem abandonadas;
  Nas vigas de madeira do tecto verifica-se a existência de bolores e estão em estado avançado de degradação, suportadas provisoriamente por suportes metálicos, estando as suas sapatas colocadas no chão deste piso (fotografias 3 a 6);
  O tecto é coberto por zinco, os suportes de madeiras estão danificados e partes da estrutura estão soltas (fotografias 7 e 8);
  A parede da cozinha apresenta muitas fendas e em estado de queda de revestimento, a parede junto ao lavatório apresenta fendas visíveis (fotografias 9 e 10);
  As paredes da sala de estar apresentam várias fendas e em situação de queda do revestimento das paredes (fotografias 11 e 12);
  Da vistoria efectuada no rés-do-chão do prédio, ressalta a seguinte situação:
  O rés-do-chão é destinado a comércio, o tecto da cozinha está fechado por placas metálicas e estas apresentam-se em estado de degradação (fotografias 13 a 14);
  A fachada do prédio do segundo piso e a parede do tecto (do quarto) da filha resentam queda do revestimento das paredes (fotografias 15 e 16);
  O edifício não é definido no artigo 117.º da Lei n.º 11/2013 (Lei de Salvaguarda Património Cultural), de interesse cultural relevante, constituído por monumentos, edifícios de interesse arquitectónico, conjuntos e sítios, bem como pelas respectivas zonas de protecção;
  Concluindo, a comissão considera que o edifício supra-identificado, em geral, está em mau estado por falta de conservação e de reparação, as vigas de madeira e madeira do edifício estão em muito mau estado de conservação, apresentando indícios de puderem cair, assim como o chão se encontra muito degradado”.
  12. Na sequência desse exame in loco e das recomendações constantes no auto de vistoria, por despacho de 16/07/2014 da subdirectora da DSSOPT, que homologou o referido auto de vistoria, foi ordenado aos comproprietários a adopção das seguintes medidas:
  “No prazo de 5 dias após a recepção do auto de vistoria, devem os comproprietários tomar medidas provisórias para reforçar as peças estruturais;
  No prazo de 20 dias após a recepção do auto de vistoria, devem apresentar na DSSOPT o projecto de obra de suporte e reforço, nos termos do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, para reforçar as peças estruturais do prédio;
  Enquanto não estiver concluída a obra de reforço e suporte, o local não oferece condições para utilização, pelo que ninguém deverá lá permanecer.
  No prazo de 30 dias, contados a partir da conclusão da obra de suporte e reforço, nos termos do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, devem apresentar o projecto de obra de conservação e de reparação geral do prédio ”.
  13. De tal acto interpôs a Recorrente A recurso hierárquico necessário para o STOP, a pedir a sua anulação ou revogação com base nos argumentos constantes do seu requerimento, apresentado em 15/08/2014.
  14. Decorrido o prazo legal sem que esse recurso administrativo fosse decidido, formou-se, nos termos do n.º 3 do artigo 162.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), o seu indeferimento tácito, pelo que veio a Recorrente interpor o presente recurso contencioso.

III – O Direito
1. Questões a apreciar
Há que apreciar as questões suscitadas pela recorrente.


2. Violação do disposto da alínea j) do artigo 2.º e das alíneas f), l) e n) do n.º 3 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 29/97/M
Em bom rigor, a recorrente não imputa ao acto recorrido violação do disposto da alínea j) do artigo 2.º, e das alíneas f), l) e n) do n.º 3 do artigo 8.º, do Decreto-Lei n.º 29/97/M. O que diz é que a DSSOPT não desempenhou as suas funções no âmbito das atribuições e das competências consagradas nas disposições legais abaixo indicadas, o que é totalmente diverso. E, provavelmente, poderia estar na base da utilização de outro meio processual, que não o dos autos.
Basta esta constatação para negar provimento ao recurso contencioso e ao recurso jurisdicional, nesta parte.
Ainda que, com a maior boa vontade, se entenda que a recorrente imputa à vistoria, ou ao despacho da Subdirectora que a homologou e/ou ao acto de indeferimento tácito formado sobre o recurso hierárquico desse despacho, a violação das mencionadas normas, a imputação é improcedente.
O Decreto-Lei n.º 29/97/M aprovou a estrutura orgânica da DSSOPT.
Dispõe-se no seu artigo 2.º:
Artigo 2.º
(Atribuições)
 São atribuições da DSSOPT:
 …
 j) Licenciar e fiscalizar todas as edificações urbanas, designadamente particulares, municipais ou de entidades autónomas, nos termos da legislação aplicável;

E no seu artigo 8.º:
 Artigo 8.º
 (Departamento de Urbanização)
 1. O Departamento de Urbanização, abreviadamente designado por DUR, é a subunidade orgânica operativa no âmbito da execução dos planos de ordenamento, e do licenciamento e fiscalização da ocupação do espaço físico, o qual compreende:
 a) A Divisão de Licenciamento;
 b) A Divisão de Fiscalização.
 2. …
 3. À Divisão de Fiscalização compete, designadamente:
 …
 f) Fiscalizar a execução de obras particulares e de trabalhos de urbanização, assegurando-se de que as obras e trabalhos estão a ser feitos de acordo com os projectos aprovados;
 …
 h) Realizar e participar em vistorias, no âmbito da fiscalização de obras ou de actividades;
 …
 l) Efectuar embargos administrativos de obras quando as mesmas estejam a ser efectuadas sem licença ou em desconformidade com ela, lavrando os respectivos autos e procedendo às notificações legalmente previstas;
 …
 n) Participar superiormente as irregularidades praticadas por técnicos, construtores e empresas responsáveis pela direcção técnica e execução das obras;
 …
 4. O DUR compreende ainda, para apoio imediato às suas actividades, uma Secção de Expediente e Arquivo.

Pois bem, o acto de vistoria insere-se na competência da DSSOPT, nos termos da alínea h) deste n.º 3, que a recorrente não citou: Realizar e participar em vistorias, no âmbito da fiscalização de obras ou de actividades.
Não se vislumbra em que é que o acto de vistoria, que intimou o proprietário de imóvel a fazer obras de conservação, viola as competências legais mencionadas atrás e as atribuições da DSSOPT.
Improcede a questão suscitada.

3. Falta de audiência prévia
A recorrente argui o vício de procedimento, que consiste em falta de audiência prévia.
Na verdade, o acto de homologação da vistoria não foi precedido formalmente de audiência prévia.
Entendeu o acórdão recorrido que, não tendo havido instrução no recurso hierárquico não haveria lugar a audiência prévia.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público fez as seguintes observações:
“Quanto à não realização de audiência no procedimento de 1.° grau, importa ponderar, desde logo, que a recorrente participou activamente no procedimento, tendo comunicado a situação que o prédio registava após a derrocada de uma parede ocasionada por obras em edifício contíguo, e tendo intervindo, através de um representante, na vistoria realizada previamente à tomada de decisão, como a própria recorrente admite e resulta dos autos de vistoria e da informação a esta respeitante constantes do processo instrutor. Nessa vistoria foram pesquisados e identificados todos os problemas que o edifício suscitava em termos de conservação e segurança, tendo os presentes - onde se incluía, como acima referido, um representante da co-proprietária recorrente -, tido oportunidade de veicular as suas posições. É certo que, imediatamente antes da tomada de decisão, não foi a recorrente ouvida sobre a projectada decisão. Mas, também é verdade que, sobre as questões que se colocavam em sede de decisão - problema do estado degradado do edificio e responsabilidade pela reparação - já a recorrente se tinha pronunciado.
Por outro lado, há também que assinalar, como o acórdão recorrido igualmente lembrou, que, no seu articulado de recurso hierárquico, voltou a recorrente a pronunciar-se, e de forma exuberante, sobre todas as questões que se colocavam em sede de decisão.
De todo o exposto resulta claro que, apesar de não se ter pronunciado sobre o sentido da decisão de primeiro grau, imediatamente antes da prolação desta, acabou a recorrente por exercer o seu direito de audição noutros momentos do procedimento, não havendo razões, de utilidade prática ou de rigor legal, que imponham a anulação do acto para se repetir formalmente a audição”.
Concordamos inteiramente com o que ficou dito, acrescentando apenas que, de acordo com o disposto na alínea a) do artigo 97.º do Código de Procedimento Administrativo, o órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas, o que foi o caso.
Improcede a questão suscitada.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 6 UC.
Macau, 26 de Junho de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
 
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Mai Man Ieng











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